A Volta

— Queria vê-la de novo. Sinto saudades. — A carga em minha alma é comparada ao caminhão em cima dos meus ossos. Não consigo sair, não consigo mexer. Esse peso. Só queria arrumar tudo isso. Meu amigo é o único que me entende.

— Daniel, tem coisas que precisamos superar.

— Mas essa eu não consigo. É necessário.

— Necessário? — Ele me questiona, expressando uma aura de confusão nos traços em seu rosto.

— Sim

— O que significa isso?

— Minha razão.

— Sua razão?

— Sim.

— O que pensa em fazer?

— Voltar ao passado, mais uma vez.

— Você sabe que é suicídio fazer isso não é?

— Sim.

— Daniel, pensa direito, você está mexendo com algo que não faz ideia.

   Sentado no sofá, tomando meu uísque. Alex na frente me acompanhando. Tudo era cinza, eu só pensava naquele dia. Quando ganhei a capacidade de viajar no tempo, o único que contei foi o Alex, meu melhor amigo, porém, eu tenho abusado desse poder. Desde a vacina o meu corpo ficou estranho, e ganhei essa habilidade. O anúncio da Vacina Váleri tornou o mundo completamente diferente. Uns ganharam poderes, e outros não tiveram doenças. Sim, não existem mais enfermidades no mundo, literalmente o milagre da medicina. Certo, pensei demais e me perdi no meu plano de voltar ao passado. De novo.

— Daniel? — Disse Alex batendo palmas, com a intenção de me tirar do mundo da lua

— Ah, desculpe.

— Escutou o que eu falei?

— Eu só... Eu só dei uma viajada aqui.

— Pois é, eu vi.

— Cara, eu preciso ir de novo naquele dia.

— Quantas vezes você foi e não deu certo. Ela sempre morre cara.

— Eu sei Alex, eu sei – Coloco a mão na cabeça. Aquela decisão me corroía por dentro.

— Daniel.

— Eu vou voltar, e dessa vez, farei diferente.

— Daniel!

    Eu fecho os olhos, e me concentro naquele dia. Todo o meu corpo se mexia rápido demais. É uma sensação estranha que já estou acostumado depois de algumas voltas ao passado. Alex tentou me segurar, mas não conseguiu.

    Abro os olhos. A sala estava diferente como antes. Aquele sofá onde estava sentado já não existia. E eu a vejo sentada em um antigo sofá que tínhamos.

— Oi Sara

— Oi? Porque me disse oi?! - Disse ela sorrindo, meu coração é bombardeado por tantas emoções. Como se fosse uma grande onda atravessando o mar, só eu entendo essa sensação.

— Não, por nada... Amor.

— Doidinho.

– Eu... Eu vou ao banheiro tá...

    Eu ando rapidamente, fecho a porta e minhas pernas ficam fracas, cair de joelhos imediatamente, não consigo ficar de pé. E me derramo em lágrimas sem fazer barulho. Eu não quero chorar, não quero, não quero e não quero mas, que droga, eu não consigo. Minha barriga dói de tanta tristeza transformada em lágrimas, de tanta dor que exala a minha alma. Ela estava aqui, Sara está aqui, de novo, e eu sei, eu sei que posso salva-la. Só preciso saber como. Coloco minha mão na boca tentando não fazer barulho devido ao choro... Eu preciso salvar a Sara...

.....

     Aquele sorriso, a voz, o seu rosto, era tão nostálgico e acolhedor. O perfume que ficava pelo ar quando ela passava, me derretia. Eu a observava com o sorriso de ponta a ponta. Queria aproveitar cada momento, cada segundo ao lado dela. Jogamos um jogo juntos, rimos, comemos algo, esses momentos com ela eram únicos, não precisávamos nos apelar somente ao sexo para provar que nos amamos, uma simples companhia, conversa e risada das nossas palhaçadas, já eram o suficiente para sustentar esse amor. Mas esse dia, hoje, umas cinco horas da tarde, algo acontece como sempre aconteceu quando eu voltei. Ela morre, assassinada. Eu fiz de tudo para salva-la. Eu já falei que viajava no tempo para ela, não adiantou. Já levei ela para outros tempos no passado, também não adiantou, já levei para o futuro e nada. Ela sempre morre, sempre na mesma hora e de vários jeitos. Alex diz que mudei muita coisa da história, mas eu não ligo para isso. Eu poderia matar o Hitler, matar o Bolsonaro, mas não, eu sinceramente não ligo. Se você me acha egoísta por isso, eu entendo, é a minha história e o meu sentimento. Sara é uma pessoa que salvou minha vida. E agora ela está aqui novamente, de novo e de novo. Por mais que eu tente salva-la. Não adianta. Mas posso acrescentar um dia na vida dela. Só mais um dia, eu voltei somente para isso, se não consigo impedir a morte dela, posso pelo menos fazer ela ter um último dia.

 
   Dane-se, eu vou fazer alguma coisa, preciso fazer algo. Sara, eu vou agora salvar você. Abro a porta, e Sara está bem no lado dela.

— Oi amor, ouvir você chorando, você está bem? — Ela pergunta colocando a mão sobre o meu rosto, meus olhos ainda estão enxarcados pelas lágrimas, e abraço ela. E a mesma retribui.

— Ei, o que foi? — Sua expressão preocupada atingiram os meus olhos, como uma leveza, uma linda pureza. Seguro as mãos dela.

— Não é nada meu amor. — Digo beijando a testa dela e a abraçando

— Certeza? Estou aqui viu.

— Eu sei meu amor, eu sei.

    Preciso que ela fique em casa hoje, só só isso.

— Sara, qualquer coisa que precisar, deixa que eu faço pra você hoje tá bom? Quero que descanse hoje. – Seu rosto formou uma expressão que não compreendeu. Fiz isso muitas vezes, e vi a mesma expressão. Mas preciso fazer uma coisa diferente. Dessa vez algo mais radical.

—Olha você tá bem estranho, mas tudo bem, estou de folga hoje e estou muito cansada, que bom que está disponível hoje, geralmente é preguiçoso e reclamão — Ela ri, e sem jeito eu também.

— Você merece amor.

— É por isso que você tava chorando, por fazer compras hoje pra mim é? — E mais risadas saem de sua bela boca, uma risada gostosa. Eu amo isso nela, eu não me aguentei e ri também, porque de fato, pode fazer sentido. Sinceramente não me sinto feliz, há uma onda de tristeza na minha alma, cansado de fazer isso e não dá certo. Tento salvar a Sara, mas não importa o que faça, ela sempre e sempre morre... Já fiz isso de deixar ela em casa. Mas não adiantou, porém estou pensando em fazer algo, em troca....

— Daniel, acorda — Ele estrala os dedos em meu rosto, sair do mundo da lua

— Amor me diga, o que está acontecendo com você? De repente você mudou, está tendo aquelas crises de novo?

— Não, não tô... Talvez sim Sara, eu não sei... — Ando pelo corredor em direção a sala, me sento no sofá, cansado.

— Tem tomado os remédios Daniel?

— Ultimamente não – Digo sem olhar para ela. Sara anda e se senta no sofá e fica ao meu lado. E o silêncio permaneceu por uns minutos, e ela deitada sobre o meu ombro.

— Vai tudo dá certo Daniel... Nosso bebê ficará bem.

— Eu sei, mas é tanta coisa — Coloco meus dedos nos meus olhos, tentando não chorar e não me lembrar do bebê que estava a espera. Sim, Sara estava grávida de quatro semanas, descobrimos na terceira que éramos papais. Me levanto e disfarçadamente a deixo na sala. Vou até o armário, pego uma arma, uma corda, coisas letais, e guardo em um cofre que tínhamos, coloco uma senha nova. Sem ela ver, pois ela está lendo, tranco todas as janelas.

     Está na hora de eu sair daqui, as dez preciso agir.

—Eu ja vou amor, preciso comprar as coisas pra você e pro bebê. – Digo, me levantando do sofá e a beijando em seu doce lábio.

— Tá bom amor, não esquece de comprar açúcar tá, precisamos.

— Amor na verdade, quer vir comigo não? Pedi pra ficar em casa mas, lembrei de umas coisas, quer vir comigo? Você é boa com as coisas minha memória é um tanto ruim – Ela estranha.

— Ah, claro, claro posso sim. Eu confesso que não queria mas tudo bem – Ela sorri, mas sei que ela não queria mesmo.

      Pelo jeito, previnir de algumas coisas. E saímos.

..... 

       No carro, com o clima frio na fora, chovendo, estamos ouvindo uma música, da banda 'O Terno Rei' e está na música 'O Medo'. Sara ama essa vibe de música. Como eu nunca percebi isso antes?

— Sara, você quer me contar alguma coisa? — Quebro o clima de silêncio, Sara está encolhida apenas contemplando a música.

—Não, tenho nada a dizer não — Ela disse com olhar na janela, olhar distante. Como nunca percebi esse olhar antes?

— Sara, você sempre cuidou de mim, sempre me ouviu, me aconselhou e me trouxe alívio com as minhas crises. Você sempre fez isso, e.eu percebi que nunca fiz isso. Tentei tantas vezes salvar você, voltei tantas vezes Sara, e nunca deu certo.

— Eu tentei Daniel. Tô tentando.

— Por favor Sara, você consegue — Minhas lágrimas de novo escorrem em meu rosto. E o dia ficava cada vez mais escuro, e a chuva aumenta.

— As cores tem se escurecido, um animal andando com peso nas costas.  Melancolia rodeia, flores morrendo, tudo se desfazendo. — Sua voz se encolhia, abaixava, uma tristeza. Me pergunto, como nunca percebi isso antes?

— Sara, você é muito amada. Por mim e pelo nosso filho ou filha. Há tanta coisa para viver, pensa na gente... Eu te imploro Sara.

    Ela fica em silêncio, o clima ficou tanto estranho, não quis incomodar ela. Conheço ela bem...

....

Fecho os olhos.

....

Volto para aquele dia.

.............

   Sentado num balcão de bar, a vejo entrando com um homem, ela estava feliz... Ela é feliz... Observo eles se sentando na mesa, conversando, rindo. Ele tira do bolso um pequena caixa, ele a abre e a pede em casamento... Todos ali ficaram surpresos e aplaudiram, e eu me retirei... Na primeira vez que a vi, me apaixonei, eu consegui dá um jeito de conhecê-la, e manipular tudo ali para ela sair comigo. Na primeira realidade eu matei aquele homem, ninguém sabe disso, e fiquei com a Sara... Mas ela desenvolveu a depressão, eu já tinha minhas crises, e fiz dela o meu pilar, minha deusa, mas nunca me preocupei com o que ela queria. Não posso ter tudo, mesmo que eu a ame, não posso forçar o amor... Ela era infeliz comigo, mesmo sendo tão brincalhona, sempre senti ali alguma coisa, ela não superou a morte do seu verdadeiro amor, e ela nem sabia que fui eu que o matei. Tentei muitas vezes ter ela só pra mim, fui egoísta. Não adiantou voltar ao passado tantas vezes para salvá–la. Eu olho para o casal e sorrio, ela está feliz, mesmo não estando comigo, me levanto do banco, ela me olha de relance e eu retribuo o olhar, sentir que ela me reconheceu de alguma forma, mas evitei de ficar olhando pra ela, abro a porta, entro no meu carro, e vou embora... Essa foi a única forma que achei de salvá-la.

FIM

    

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