A Passagem
1
– Meu dia tá tão perfeito hoje, que parece que estou sonhando — Quando estou com ela, me sinto mais vivo do que nunca. E não é diferente aqui, meu dia está tão bom, e fica melhor quando ela está aqui comigo. Caminhando nesse parque em dia ensolarado e tomando um sorvete.
– Hoje o dia tá muito gostoso mesmo! Precisava desse feriado, o trabalho e a faculdade tão me matando — Fabiana é uma garota doce, cheia de garra e coragem, gosto nisso dela. Percebo sua expressão de ânimo mas, um tanto cansado. Ela de fato tá muito exausta.
– Vamos sentar um pouco — Sugerir
Achamos um banco, e nos acomodamos nele. Meu braço direito está em volta dela, e nós dois contemplamos as árvores e o lago daquele parque.
– É amor, isso vai passar, você vai conseguir fazer essas provas. Sei que consegue — Beijo a cabeça dela, e a Faby fica em silêncio.
Ela está em silêncio. E ficamos ali, apenas apreciando a presença um do outro.
– Assistir um filme essa semana bem louco, o cara compra um apartamento mas, ela pertencia a uma mulher que morreu. É de comédia romântica até mas esqueci o nome. — Fabiana se mostrou animada com filme
– Nossa eu sei qual é, é muito engraçado, é com Mark Ruffalo né? O cara que faz o Hulk?
– Siiim ele mesmo. Olha, não resistir não, se eu ficar só "faculdade e faculdade" eu não vivo então, vi um filme sim antes que me julgue — Ela deu risada, e eu com certeza também. Amo esse humor dela, os olhos, o riso. Essa pele morena dela, seus cabelos negros e olhos castanhos, me cativa demais. Ela é perfeita pra mim. Me considero um cara de sorte.
– É muito bom esse filme. No final é mó tenso porque ela volta pro corpo dela, mas nem reconhece o cara depois. Cê fica numa atenção pra saber se ela vai ou não ficar com ele.
– Siiim, nossa, eu fiquei toda feliz que eles ficaram juntos no final.
– Ah eu não, ela deveria ter ficado morta mesmo
– Amor!
Eu dei risada pela reação dela, ela bateu no meu braço me fazendo ri bem mais. Mas logo prestei atenção em outra coisa. No outro lado do pequeno lago, reparei que tem gente nos observando, é um velho estranho, careca e um pouco corcunda. Ele segura uma placa e levanta, com uma expressão séria. Leio com todas as palavras.
"A culpa é sua"
Ele permanece com aquela placa levantada. Mas o ignoro, tentando voltar atenção pra minha namorada. Porém, ao voltar a olhar pra ele. O senhor já havia desaparecido.
2
De volta pro meu apartamento, aquela imagem daquele velho segurando a placa não sai da minha cabeça. Como assim a culpa é minha? Porque ele me olhava daquele jeito? Sei lá, foi tão rápido porém, enfim, não quero encher a minha cabeça com isso. Ando pela sala e vejo um quadro meu com a minha passarinha, a mulher mais linda do mundo. Olha, ela me faz muito bem. Aquele passeio no parque foi a melhor parte do dia. Precisávamos disso. Eu e ela estamos trabalhando muito. Ela é arquiteta e tá no último ano da faculdade, pensa no trampo e nos estudos. E eu sou designer. Cada job que tenho pegado.
Sento no sofá nesse silêncio da noite calma. Pingos batem na janela revelando uma chuva que há de vir. E de repente um vazio bate em mim. Volto a olhar a foto junto com a Fabiana, tentando resgatar aquele sentimento bom que estava sentindo. Por favor, não quero sentir aquela dor de novo.
Pego o controle e ligo a TV rapidamente, só para me distrair e não ficar com essa melancolia que de repente estou sentindo. E tô aqui passando tempo e tempo vendo programas ruins na tv... Até pegar no sono.
3
Me desperto com um choro muito alto. Tudo está escuro. Acordei no susto. Mas... É um choro de um bebê…???…. Levanto - me tremendo do sofá. Eu moro sozinho. Impossível um bebê na minha casa, ainda mais nesse apartamento. Ando devagar e com cautela. Tudo escuro demais, a minha respiração é pesada a cada passo dou. E o choro vem do banheiro. A porta está entre aberta. Abro. Vejo uma mulher com vestido branco, toda suja, e parece está segurando um neném . Ela vira para mim. Percebo que o choro do bebê está ali, mas não há nenhuma criança naquele banheiro. Somente a moça, que olhando bem, notei que é a minha namorada.
Ela está de costas no banheiro, ela vira seu corpo devagar. Sangue espalhado por todo seu corpo. Ela chora copiosamente. No ombro vejo uma pequena mão deformada.
– Você... Porque? — Ela não consegue mais falar de tanto chorar...
Me desperto, estou no sofá de novo. A tv está ligada em um reality show. Luz acesa aqui na sala. Meu Deus, que merda de sonho é esse?
Procuro pelo meu celular e envio uma mensagem pra Fabiana. Mas não chegou. Esse sonho mexeu comigo. É só um sonho, respira... O celular vibra... É a Fabiana.
– "Quem é você?" — Respondeu ela no whatsapp.
– "Sou eu amor"
– "Você deve ter se enganado, não sou Fabiana"
– "Que? Ué, cê tá de zoeira comigo né?"
– "Por favor para de me enviar mensagens"
A foto desapareceu, ela me bloqueou. Eu não entendi nada. Entrei no Instagram e não consigo a jar o perfil dela. Nem no Facebook. Será que eu fiz alguma coisa?
Sigo até a garagem do prédio, entro no meu carro. Ainda são oito horas da noite, posso ir na casa dos pais dela. Porque ela me bloqueou em tudo? Porque mudou de número? Será que eu fiz alguma coisa?
Meu coração estranhamente fica acelerado, uma inquietação dentro de mim. Uma ansiedade bizarramente corre pelas minhas veias. Eu não consigo segurar minhas lágrimas… O rádio liga sozinho, e um locutor se prepara para falar.
– Hoje falaremos sobre um assunto pouco falado aqui na rádio, ou até mesmo, não é comentado. Ab#rto, você é a favor ou é contra? O que dizer sobre esse assunto?
Eu tento mudar de canal do rádio, mas não muda, todos estão falando disso.
– É um assunto complexo de ser abordado, mas na minha opinião, quem decide é a própria mulher. Nos últimos dias, um caso triste aconteceu, uma jovem faleceu ao tentar abo#tar, tudo por conta do erro da clínica. Estou pensando nisso até hoje, ela era tão jovem, tão bonita... — O locutor da rádio fica em silêncio, a percebo o som de choro dele — Eu lembro da minha esposa... — Ele parou de novo, e o rádio desligou. A chuva está muito forte, e no meio da pista, sem visão, e chorando muito.… Eu bato o carro... Capoto várias vezes... Apago...
Ao acordar, tudo em minha volta está em branco, seja os carros, as árvores, as pessoas, tudo, somente eu e a Fabiana estamos normais, ela está na porta da casa dela. Ando em direção a ela, e tudo que faço é no automático, como se estivesse em um sonho.
– Tô aqui o dinheiro, eu não quero esse bebê. Não temos condições de ter filho agora — A raiva está crescente dentro de mim, ela pega rapidamente e guarda em seu bolso.
– A decisão não é sua...
– Não? Fabiana, a decisão é nossa, mas você é burra o bastante pra não entender. Somos muito jovens, não temos condições de ter filhos. Cacete, porque furou a ca#isinha naquele dia? Que por#a meu, que droga — O desespero toma conta de mim, eu não estou na razão, estou muito assustado. Fabiana chora chegando a soluçar.
– Minha mãe... Meu pai... Não podem saber...
– Claro né car#lho, po#ra, são pastores, imagina o que irão fazer comigo.
– Você só pensa em você!
– Vamos na clínica resolver logo isso, e ninguém ficará sabendo. Depois não vamos mais nos ver... — Ela fica quieta, sem reação, e somente me segue até o carro.
O clima está pesado, não consigo olhar na cara dela. Não consigo mais conversar com ela. Só quero que tudo isso acabe logo o mais rápido possível…
Chegamos na clínica, faço o pagamento, preparamos as coisas e ela entra na sala. Fica esperando horas e horas. Estou inquieto, é muita demora. Até que, o médico apareceu... Só pelo olhar, algo que não esperava, que nem se passou pela minha cabeça aconteceu… Fabiana está morta... Não resistiu o procedimento...
Saio da clínica desesperado, entro no carro, acelero o mais rápido possível…. E me jogo na ponte com carro. As águas entram dentro do carro, e me entregando para a morte, acabo me afogando...
4
Foi isso que aconteceu, eu me lembrei. Tudo que houve no parque, foi algo que esse mundo espiritual me reservou. Sim, estava morto esse tempo todo. Precisava e preciso me perdoar. Eu assassinei a Fabiana, eu sou o culpado, e no ato de desespero me joguei no rio... No parque de fato, foi o dia mais leve e feliz das nossas vidas, e estranhamente vivia esse dia todos os dias, como um looping. Todo dia vivo esse mesmo pesadelo, esses mesmos passos, esses mesmos fatos.
Estou no lugar todo escuro coberto pelas águas em minha volta, no fim, vejo um túnel. Caminhando nesse lugar, vejo vários flashbacks de mim e da Fabiana. Me vejo criança, os meus pais... Vejo meus irmãos e amigos... Fico de frente da entrada do túnel, no outro lado é uma praia e vejo uma moça. Mas não consigo passar, algo me bloqueia e não me deixa ir no outro lado.
Eu sinto passos atrás de mim, trazendo um cheiro horrível. Os braços passam por mim, fico imóvel, a coisa faz choros de bebê e ri ao mesmo tempo.
– Pa..pai... Pa...pai — Eu me viro lentamente, e afasto - me dá coisa que disse isso. Ao olhar, vejo uma criatura muito bizarra e horripilante.
A criatura é um feto gigante, com duas cabeças, dando a entender que são gêmeos. A barriga deles é aberta, a cabeça é deformada, como se estivesse toda derretida, e são extremamente magros e altos, e mal conseguem ficar em pé por muito tempo. A maior parte eles se rastejam, repetindo "Papai" a todo momento, chorando e rindo.
Respiro muito forte de novo, aquilo é a coisa mais bizarra e horrível que estou vendo na minha vida, ou pós vida. E a única coisa que me vem a cabeça é pedir perdão. Essa ideia vem rápido, e logo digo isso à criatura que vem lentamente em minha direção.
– Por favor, me perdoem. Eu, eu não sei o que estava fazendo... Foi desespero... Me perdoem... Por favor me perdoem...
As criaturas continuam ali, mesmo eu caindo em lágrimas, não consigo dizer mais nada. Sinto ela vindo em minha direção... Lentamente, vindo em minha direção... Apenas me entrego, e a criatura me abraça lentamente... e me arrastam para algum lugar.
FIM
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