❛⭒005 - skoros morghot vestri? ❜

capítulo cinco
o que dizemos à morte?

𔓕 MAEVE TARGARYENㅤׅ ノ ୨ৎ

﹙quatorze dias de nome﹚ | trigésimo
primeiro dia da primeira
lua de 122 depois da conquista




















Derivamarca -
Westeros


O luto era uma coisa curiosa para Maeve.

Não compreendia por que tantas lágrimas eram derramadas, quando, desde o nascimento, carregamos a única certeza que a vida nos oferece: a morte.

Talvez fosse porque nunca havia, de fato, enfrentado a perda de alguém próximo, alguém que realmente amasse. Sentia falta de sua mãe, mas como chorar por algo que jamais teve? Por alguém que nunca conheceu?
Maeve gostava de pensar que seria forte quando esse momento chegasse, mas em seu subconsciente sabia que o ser humano não fora moldado para a solidão.

E, de certa forma, essa dor parecia ser mais aguda e penetrante do que uma lâmina cravada no peito... tudo isso devido a uma simples palavra: Amor.

Um sentimento que desde os primórdios governa os mortais.

Afinal, o que seríamos sem algo pelo qual viver?

E por mais que alguns insistam no contrário; amor é uma ideia construída para atenuar a cruel realidade de que a vida humana é, em sua essência, solitária. Vivemos e morremos sem um propósito aparente, entretanto, se encontrarmos algo pelo qual buscar, algo que nos dê esperança, nossa existência torna-se suportável, até mesmo significativa.

Amor. Religião. Família. Todas sustentando o peso de nossas vidas, ainda que relutemos em admitir isso.

Talvez o amor fosse apenas uma ilusão, um artifício que criamos para impedir que o caos prevalecesse em nossos dias até que o estranho finalmente decidisse nos levar para sempre. Um motivo para seguir, um refúgio contra a ausência de sentido algum.

Ela, no entanto, ainda alimentava a esperança de que o amor florescia em algum canto das vastas terras de Westeros, apenas aguardando o momento certo para que Maeve pudesse colher e deleitar-se dos frutos providos por ele. Naquele instante, não hesitaria em ser resgatada por seu amor, mesmo que viesse como um anjo caído.

Sob o céu nublado, a cerimônia fúnebre de Laena Velaryon avançava em um silêncio pesado, pontuado apenas pelas orações murmuradas em honra à falecida. Maeve estava ali, entre as figuras de preto, observando a costa enquanto o cheiro de sal e cinzas preenchia o ambiente.

Ela odiava funerais. Odiava a tristeza sufocante que pairava no ar, espalhando-se como uma praga que ninguém podia conter. Detestava vestir o luto e fingir pesar por nobres cujos nomes mal sabia pronunciar.

Mas Laena Velaryon era uma conhecida.

Os dedos da garota percorriam o aço frio da gaiola enquanto encarava as duas aves em seu interior. Maeve inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, como se estivesse curiosa ─── ou entretida ─── demais para sequer focar-se na atmosfera ao redor. O som abafado de conversas perdendo-se no caminho em direção a si quando a cantoria dos pássaros encheu sua mente.

Um sorriso sútil preencheu seus lábios por alguns segundos ao lembrar-se como a rainha pareceu aborrecida ao notar que a garota havia insistido em trazer os animais consigo na viagem até ali, retrucando como tal atitude seria ‘indiscreta e inadmissível’; entretanto, lá estavam eles.

Maeve suspirou fundo, permitindo que um de seus dedos escorregassem em direção às brechas do metal para tocar as penas macias de Jade.

Eles eram seu conforto, um escape da realidade.

─── Sabe, poderemos visitar uma a outra de qualquer forma. ─── disse, tentando se agarrar a algo que soasse positivo, enquanto virava-se para a prima. Maeve procurou Helaena por alguns segundos até encontrar as madeixas platinadas brilhando sob a luz do sol. A jovem estava agachada, distraída com algo no chão. ─── Pense comigo: Rochedo Casterly é uma fortaleza luxuosa, poderíamos explorá-la de ponta a ponta!

Os últimos dias haviam sido cruéis. O estranho parecia ter assolado o reino com uma fome voraz, levando consigo duas vidas importantes em um curto intervalo de tempo: Laena Velaryon, queimada pelas chamas de seu próprio dragão, e Harwin Strong, consumido por um incêndio misterioso. No entanto, apesar do luto que pairava como uma sombra pesada sobre Westeros, o rei e a rainha não tardaram a debater alianças matrimoniais para garantir a estabilidade futura do reino.

Maeve soubera recentemente que o pretendente escolhido para ela fora Loreon Lannister, o herdeiro de Rochedo Casterly. O noivado, disseram, seria anunciado após a aprovação de Daemon e o encerramento do período oficial de luto. E em algum momento, o qual sua mente sequer registrara, ─── enquanto estava ocupada demais tentando processar a própria situação ─── Helaena e Aegon haviam compartilhado do mesmo destino. Estavam oficialmente noivos, as núpcias programadas para um futuro próximo.

'Tradição e dever', ela pensou com amargura.

Talvez a vastidão de Rochedo pudesse ser interessante, assim como a ideia de um casamento real para sua prima. Talvez existisse algo de bom em tudo isso. Talvez.

Helaena parecia alheia às investidas de Maeve para animá-la. Na verdade, sua prima parecia alheia a tudo, sempre calma demais ─── o que a irritava ligeiramente.

O mundo poderia estar em chamas e a princesa simplesmente manteria-se com sua serenidade constante.

─── Não acha engraçado como pássaros são criaturas livres, com asas para voarem e explorarem cada pedaço do mundo, mas para apreciá-los os trancafiamos em gaiolas? ─── Maeve apressou-se para desconversar, focando-se nos animais à sua frente: Lazulli, o macho, contendo penas vibrantes em tons de azul celeste, e Jade, a fêmea, verde esmeralda.

Eles eram tão… belos. Uma beleza triste, melancólica. Pareciam desapontados com o que a vida havia preparado para si, para onde suas tão queridas asas os levaram: uma bela armadilha.

─── É por isso que gosto deles... posso sentir seus corações baterem acelerados com a ideia de saírem voando mundo afora.

─── E por que não os liberta? ─── A princesa finalmente deu continuidade a conversa, Maeve observando-a analisar curiosamente uma aranha na palma de sua mão pelo canto dos olhos.

─── Porque… ─── ela parou, tentando encontrar uma resposta para a pergunta da amiga. ─── Bem, eles podem se machucar, morrer. ─── retrucou, o tom de voz alarmado apenas com a ideia de tal possibilidade. ─── Não desejo isso.

─── A morte chegará para eles de qualquer maneira, seja por trás destas grades ou não.

A Lady franziu os cenhos, um arrepio percorrendo sua espinha. Não gostava de discutir sobre o fim da vida, especialmente em um cenário tão melancólico como o que as cercava. Contudo, as palavras de Helaena haviam perturbado seus pensamentos, mantendo-a absorta por longos minutos, enquanto seus olhos se perdiam nas pequenas figuras de seus pássaros. Belos, solitários, sonhadores…

Talvez a morte não seja tão trágica como os contos faziam-na parecer. Talvez fosse uma libertação. Claro, não para os vivos, mas sim para aqueles que já se foram. Talvez Laena estivesse velejando pelo paraíso naquele momento, estava em paz agora.

Livre, como um pássaro.

A garganta de Maeve pareceu secar, como se toda aquela conversa ─── e principalmente o pensamento de perder seus amados pássaros ─── drenasse o pouco de energia que ainda lhe restava. Ela suspirou, torcendo os lábios antes de murmurar uma breve despedida para Helaena. Com gestos suaves, acariciou os ombros da jovem, mas seu olhar fugiu, inquieto, percorrendo cada canto do salão.

Uma palpitação invadiu o peito ao deparar-se com as miradelas lilases intimidantes e tão familiarizadas por si. Ela tentou respirar, mas seus pulmões rejeitavam a ação como se estivessem expelindo veneno de seu próprio corpo.

Daemon.

Daemon, com seus olhos carregados de algo indecifrável ─── hesitação, arrependimento, ou talvez nada disso.

O peito de Maeve inflou-se com um calor que só poderia ser originado de sua admiração pelo pai. Era reconfortante, como o abraço que ela tanto desejava, mas logo a calidez começou a ceder. Em contrapartida, um aperto denso pareceu apossar-se de si. Uma sensação sufocante que parecia roubar-lhe o ar, transformando o conforto em algo denso e incômodo. 

Por que parecia que, ao invés de ser acolhida, estava se afogando?

Ele estava ali. No entanto, parecia distante. Suplicante, até, como se procurasse uma maneira de se aproximar, mas os devaneios do mesmo se encontrassem presos em um dilema silencioso que a mente de Maeve não conseguiria reconhecer. Ela não queria.

Sua garganta secou. Lembrou-se de como ansiava por aquele reencontro, como desejava mergulhar em seus braços e passar horas ao seu lado, gargalhando e comentando sobre as trivialidades da corte. Queria contar-lhe sobre Cassandra e sua arrogância escancarada, e pregar peças na criadagem juntos.

Com cada fibra de seu ser, Maeve o admirava como nunca admirou ninguém. E, por isso, parecia doer ─── mais do que ela podia suportar. Sentiu-se uma tola por permitir que tal pensamento a ludibriasse, e suas bochechas coraram enquanto desviava o olhar do homem, forçando-a a interpretar uma farsa. Ignorando-o por completo.

Ela estava com raiva; raiva de si. De Daemon. De Laena e suas irmãs…

Por que Daemon a ignorou por todas aquelas semanas?

Ele a amava mesmo? Maeve fizera algo de errado que o enfureceu suficientemente para que a rejeitasse?

Não, não, não…

A jovem repassava freneticamente cada ação, cada palavra, cada gesto que cometera na corte nos últimos dias. Não encontrava erros. Sempre esforçou-se para ser perfeita.

Aprendera as runas conforme as tradições da Casa Royce. Dominava o Alto Valiriano tão bem quanto o pai. Mesmo as atividades monótonas, como o bordado, tornavam-se suportáveis quando compartilhadas com Helaena. Maeve sabia portar-se com graça e educação; era gentil com os servos, respeitosa com os nobres…

Ela tentava ser perfeita, todos os dias. Porque queria vê-lo feliz. Arrancar-lhe um sorriso genuíno, um lampejo de orgulho. Queria que Daemon soubesse que tinha uma filha digna, alguém tão estonteante quanto uma rainha. Queria provar, de alguma forma, que não era como a mãe; que Daemon não deveria ignorá-la como ignorara tantas vezes a mulher de quem Maeve sequer recordava.

Ela era digna dele.

Mas não o suficiente.

A ideia a perfurava como uma flecha certeira, cravada diretamente em seu peito. Entre as costelas, onde sempre a faria sentir uma dor excruciante.

Talvez devesse se esforçar mais, estudar com mais afinco, demostrar mais maturidade.
Afinal, já não era mais uma menina, e sim uma mulher.

E Daemon não sabia disso. Ou pior, talvez soubesse, mas simplesmente não importava-se o suficiente para guiá-la como imaginava que um pai faria.

Ela pigarreou consigo, aprumando a cabeça e erguendo o queixo; juntamente de seus pés, que caminhavam lentamente em direção ao passadio. Repassou suas miradelas curiosas pelas especiarias típicas entre o povo de Derivamarca, mas não procurou aliviar a ansiedade em quitutes ou fatias de bolos de limão. Havia taças de vinho, um forte aliado em situações como esta, é claro. Um amargo conforto para os rostos submersos em lágrimas que rondavam a cerimônia.

Quando sua mão esgueirou-se para agarrar uma taça, as falanges enrugadas de alguém o fizeram primeiro. Maeve não pôde evitar arquear as sobrancelhas, o olhar erguendo-se lentamente até encontrar-se com o de Larys.

─── Permita-me ajudá-la a servir. ─── o homem solicitou, a voz carregada de um tom exageradamente gentil, reparou logo de imediato. Claro, era um truque que ela mesma usava quando cometia erros e desejava livrar-se da culpa.

Ela sentiu seus ossos gelarem, como se um fio puxasse a medula espinhal da jovem para cima e se recusasse a soltá-la. Então, como uma enxurrada, as memórias das masmorras apossaram-se de si por completo.

Maeve estremeceu, não notou a forma como estava reagindo até ouvir um murmúrio medroso e indistinguível escapar de seus lábios. As orbes focaram-se por tempo suficiente no conteúdo da taça oferecida pelo homem, antes de finalmente agarrar o objeto, assentindo em um agradecimento sútil.

Não teve coragem de saborear o vinho, na verdade, seu estômago agora revirava-se todas as vezes em que ousava encarar o líquido carmesim por tempo demais. Era como sangue.

─── Belas criaturas, não acha? ─── Larys quebrou o silêncio entre ambos, observando algo além da figura de Maeve. Pela primeira vez, ela agradeceu a súbita quebra de seus pensamentos, pois estava prestes a recordar-se novamente do que presenciara nas masmorras.

─── Desculpe…? ─── perguntou, os cenhos franzidos, claramente demonstrando como estava alheia à tudo o que o Lorde lhe dizia, ou ao menos tentava dizer. Larys riu, mas não havia uma nota genuína no som de sua gargalhada.

─── Os pássaros.

A platinada piscou por alguns momentos, sentindo o ar, que antes parecera tão hostil, tornar-se mais agradável ─── o suficiente para que os lábios se curvassem em uma linha sutil, mas doce.

─── Aprecio seus elogios, meu Lorde. ─── novamente esboçou um sorriso satisfeito em agradecimento, como Alicent lhe ensinara. ─── Eles são meus. ─── Maeve notou que deveria falar novamente quando sentiu o mesmo vento retornar. A brisa saboreando o silêncio de seu desconforto. ─── Digo, as aves.

Larys ergueu as sobrancelhas, mas não parecia surpreso, na verdade, a garota poderia jurar que algo iluminou-se dentre as miradelas do mesmo, como se estivesse curioso. Como se Maeve fosse uma peça; a qual não encaixava-se em seu tabuleiro, não importava onde a colocasse.

Algo a ser desvendado.

─── É um tanto quanto… peculiar uma dama escolher tais companhias para um evento como este. ─── questionou, e pela forma como entrelaçava os dedos em sua bengala e arrastava-a pelo pavimento, esperava uma resposta genuína.

Maeve sentiu calafrios. Era como se estivesse na presença de um fantasma, não daqueles horripilantes e medonhos, mas os que surrupiavam seus pecados num piscar de olhos. Aqueles que pareciam enxergar através de sua carne, seus ossos.

─── Eles me acalmam. ─── Então, as extremidades de seus lábios pareciam clamar por algo. Estava com sede, e, aparentemente, tudo ao seu redor parecia quente demais.

O Strong permaneceu em silêncio, seus olhos estudando as aves aconchegandas na gaiola com um interesse perturbador. Não era o olhar de um homem que avistava simples pássaros, mas o de alguém que perscrutava segredos, como se até as penas pudessem sussurrar-lhe algo cruel, ou um escândalo.

Maeve sentiu os dedos apertarem levemente o metal da taça. Não soube dizer se a implicância estava direcionada às aves ou a ela mesma.

─── Jade e Lazulli. ─── A Lady rompeu a quietude, tentando evitar que o silêncio entre eles se prolongasse por mais tempo. ─── São saís-azuis. 

A resposta não pareceu surpreendê-lo. Seus dedos deslizaram preguiçosamente pela bengala, como se ponderasse sobre algo que ela não compreendia. Maeve umedeceu os lábios, sentindo o calor ao seu redor sufocá-la.

─── O azul brilhante do macho ─── apontou sutilmente para Lazulli. ─── é uma ilusão. Suas penas não têm cor, na verdade. É a forma como refletem a luz que os faz parecer assim. 

Os olhos de Larys se voltaram para ela, afiados. 

─── Uma ilusão, então? 

Maeve assentiu lentamente, sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha. 

─── A natureza gosta de nos enganar. 

─── Curioso... Muito curioso. ─── o homem inclinou levemente a cabeça. ─── Então não são tão diferentes de nós, humanos. Gostamos tanto de enganar como de sermos enganados.

Maeve desviou o olhar, repassando-o pelo salão à procura de um rosto familiar, alguém que pudesse arrancá-la daquela conversa antes que se tornasse ainda mais incômoda. Havia apenas desconhecidos, e os poucos que reconhecia não pareciam uma opção segura.

Ela poderia dar as costas, mas seria uma grosseria. Ou talvez o luto lhe concedesse a desculpa perfeita para ser rude.

─── Suponho que sim, milorde. ─── murmurou, sua voz mais baixa do que pretendia. Seus dedos tamborilavam pelo metal numa dança frenética e ansiosa.

O Lorde observou-a em silêncio por um instante longo demais, as orbes escuras deslizando com a precisão de um caçador até suas mãos. A leve contração em seus lábios denunciava que algo lhe chamara a atenção.

─── Um novo acessório? ─── comentou, a voz revestida de falsa casualidade.

Maeve acompanhou seu olhar e sentiu o estômago revirar. Claro.

Após a perda da joia que seu pai lhe havia dado, Maeve se viu na necessidade de ocultar o que não deveria ser visto, tanto pelos olhos da corte quanto pelas línguas afiadas das servas. Ninguém veria com bons olhos a pequena mancha avermelhada em seu dorso, e foi então que teve uma ideia: luvas. Sempre feitas de um tecido leve e fresco, delicadas ao toque, mas ainda assim, um escudo.

Um que não deveria chamar atenção, mas ali estava ele, reparando.

─── Apenas um capricho. ─── respondeu, sustentando o olhar dele com um sorriso ensaiado.

─── Ah… ─── Larys assentiu, mas o brilho astuto e venenoso em seu olhar indicava que não parecia satisfeito com a resposta. As falanges do homem afundaram-se em seu bolso, e quando as retirou, uma joia familiar surgiu junto delas. Uma pulseira de mão, delicada e ornamentada, com o ouro refletindo a luz do sol tardio.

Sua pulseira.

─── Encontrei isto nas masmorras, durante as festividades do seu dia de nome. ─── Ele girou a peça entre os dedos, como se a examinasse pela primeira vez. ─── Uma jóia belíssima. Pertence a alguém, imagino?

Maeve sentiu o sangue esvair-se de seu rosto. As masmorras? Seu pulso ardeu sob as luvas, como se a pele marcada sob o tecido reconhecesse a intimidação do homem.

O olhar de Larys permanecia fixo na Lady, como se cada um de seus gestos fosse uma pista minuciosa que ele não deixaria escapar. Sua atenção estava tão concentrada nela que, por um instante, parecia que o mesmo via através de seus movimentos sutis.

─── Você sabe sobre sua mãe, Lady Maeve? ─── perguntou ele, a voz suave, mas mas com uma nota de curiosidade implícita.

Maeve balançou a cabeça quase imperceptivelmente, evitando as miradelas penetrantes que o Strong lhe lançava. Ele sorriu, mas o gesto não tocou seus olhos. Um passo à frente, e o homem aproximou-se com a cautela de alguém que sabe exatamente como manipular o espaço entre eles.

─── Não deveria cobrir a marca, então. ─── disse ele, com a voz despretensiosa, mas os olhos ainda fixos na forma como as luvas ocultavam a mancha no dorso de sua mão. ─── Não há nada de errado nela.

A platinada contraiu os lábios, seu olhar endurecendo enquanto as palavras dissimuladas caíam com um peso descomunal sobre ela.

─── Ela me torna diferente dos outros nobres. ─── retrucou, o tom de sua voz mais áspero do que gostaria. Não era de seu feitio soar defensiva, mas as palavras estavam saindo com uma força inusitada, como se quisesse afastá-lo, afastar a pressão que ele parecia querer exercer sobre ela.

Larys não se moveu, como se nada tivesse alterado a dinâmica entre eles. O Lorde apenas ajustou sua postura, com uma calma desconcertante, antes de fixar os olhos em seu próprio pé. Aquele do qual sempre arrancou olhares desdenhosos da corte e que fazia-o parecer um fardo para sua família.

─── Ser diferente é o que nos torna interessantes, Lady Maeve. ─── o Lorde a lançou um sorriso sutil. ─── Nós nos destacamos do rebanho com nossa astúcia. Apenas aqueles que têm coragem aceitam suas próprias diferenças. Os outros se escondem.

Maeve o observava, não com admiração, mas com um desdém cauteloso. Ela sabia o que ele estava tentando fazer ─── lançá-la na mesma teia de intrigas que ele dominava tão bem. Mas a garota não estava disposta a se deixar levar.

─── Temo que isso lhe pertença. ─── Então o homem estendeu a mão para a garota. Ele a fitou com um olhar calculado, como se esperasse que ela aceitasse a jóia sem hesitação.

Hesitante, a Lady rapidamente endureceu sua postura. O desconforto subindo por sua espinha. Ela o olhou nos olhos e, com um movimento de recusa, afastou a mão do mesmo com delicadeza.

─── Não é minha.

Larys não retirou a mão. Seus dedos permaneciam estendidos, e Maeve percebeu que pé torto não estava apenas oferecendo a jóia; estava esperando por algo mais.

Sua expressão não mudou, mas havia uma energia latente no ar que a impedia de formular pensamento algum.

─── Lembra-se do que comentei, sobre como podemos ser parecidos com os pássaros? ─── ele perguntou, a voz agora mais grave, como se cada palavra fosse cuidadosamente escolhida para deixá-la em alerta. ─── São bons mensageiros e excepcionais para guardar segredos. ─── Larys fez uma pausa, seus olhos fixos nela com intensidade, como se esperasse que a platinada captasse o peso de suas palavras. ─── Se guardar o meu, garanto que seu segredo estará seguro comigo.

Com o mesmo movimento fluido com que se aproximara, lorde Larys afastou a mão; e sem esperar por uma resposta imediata, ele se afastou, seu passo leve, como se nada tivesse acontecido.

Sem pensar muito, Maeve levou a taça de vinho aos lábios e tomou um longo gole. O líquido escorreu por sua garganta com calor, mas não trouxe o alívio que esperava. A inquietação ainda estava ali, pulsando sob sua pele. Ela expirou, baixando a taça vazia, e virou-se ─── apenas para dar de cara com o olhar afiado de seu pai.

Daemon Targaryen a observava em silêncio, os olhos violetas brilhando com um questionamento sútil, como se desejasse repreendê-la por algo, mesmo que não soubesse o quê.
Ele inclinou levemente a cabeça, estudando-a, antes de finalmente romper o espaço entre eles com o som grave de sua voz.

─── Imagino que tenha sido uma conversa interessante. ─── Daemon quase teve sucesso em sua tentativa de soar casual, porém, Maeve o conhecia bem o suficiente para perceber a ponta de curiosidade em seu tom.

A garota não sabia exatamente como agir diante dele. Os músculos de Maeve clamavam para que deixasse o orgulho de lado e simplesmente corresse para seus braços, o abraçasse com força suficiente para nunca mais soltá-lo, para nunca mais precisar sentir a ausência que assombrou-a há semanas. Queria dizer que sentiu falta de sua presença e da maneira como o pai nunca escondia suas emoções; até mesmo das repreensões.

Queria dizer tudo isso.

Mas não o fez.

Porque, no fundo, não estava apenas magoada. Estava furiosa.

Furiosa por cada carta ignorada. Por cada manhã em que aguardou ansiosamente por uma resposta que nunca veio. Por ter se esforçado tanto para ser a filha perfeita, para carregar o nome dele com orgulho, para nunca dar a ele um motivo sequer para duvidar de si ─── e, ainda assim, ter sido esquecida como se não passasse de um detalhe insignificante em sua vida.

Sua ira apenas cresceu quando duas figuras ─── pequenas e femininas ─── postaram-se ao lado de seu pai. Maeve não precisou perguntar quem eram. O modo como Daemon instintivamente repousou a mão sobre o ombro de uma delas foi o suficiente para que a resposta se formasse em sua mente como veneno derramado em um cálice.

─── Baela. Rhaena. ─── Daemon gesticulou para as gêmeas, com um tom de voz neutro, mas havia um peso invisível em sua apresentação. ─── Não tenho a certeza de que se lembram de Maeve.

Com um movimento quase automático, seus dedos apertaram a haste da taça, e antes que pudesse reconsiderar a expressão que permitia estender-se em pelo rosto por mais alguns segundos, seus lábios transformavam-se em uma linha tensa.

Oh, ali estavam elas!

Maeve suspirou, estendendo uma de suas mãos para cumprimentar a mais nova. Rhaena, talvez. Ou Baela. Não importava.

─── Lembro-me de segurá-las quando eram pequeninas. ─── Ela sorriu, tão dissimuladamente que até mesmo Maeve sentiu náuseas. Parecia tão dócil, mas desejava empurrar ambas para longe de seu pai. ─── Agora são tão adoráveis quanto sua mãe.

E logo de imediato, Rhaena enrijeceu, o rosto se contorcendo de tristeza, como se estivesse esforçando-se para não afogar-se nas próprias lágrimas. Era uma reação genuína, e por um breve instante, Maeve sentiu um aperto no peito. Sua língua fora tão afiada quanto desejava?

Os olhos de Daemon fixaram-se sobre a filha, fazendo-a corar em resposta. Ele a conhecia bem o suficiente para perceber que as palavras não foram um deslize. Maeve não costumava errar.

─── Eu… ─── a platinada sentiu um nó formar-se em sua garganta, mas forçou-se a continuar. Queria se desculpar? Talvez aliviar a dor que acabara de causar? ─── Sinto muito pela sua perda.

Baela, aparentemente mais contida, ─── ou talvez enraivecida ─── lançou-lhe um olhar duro.

─── Todos sentem, mas isso não a trará de volta.

Maeve crispou os lábios, lutando para não ceder-lhe uma resposta afiada, a língua coçando com a ideia de retrucá-la. No entanto, não estava preocupada em ocultar a desaprovação estampada em sua face diante das palavras da irmã.

Então foram elas que a substituíram? Francamente.

O silêncio que se seguiu era denso, pesado, quase sufocante.

Maeve e Baela continuaram se encarando, como se tivessem entrado em um duelo dissimulado. Talvez, para Baela, não passasse de um instante passageiro, mas, para Maeve, aquilo parecia uma batalha silenciosa de orgulho e ressentimento.  Havia algo desafiador na postura de ambas, como se cada uma esperasse que a outra recuasse primeiro.

Rhaena, por outro lado, parecia desconfortável. Os dedos retorcendo-se sobre a saia enquanto seus olhos voltavam-se para o chão, como se quisesse desaparecer. Por fim, fora Daemon quem interrompera o momento com um gesto quase imperceptível, algo entre um suspiro e um movimento involuntário.

─── Vão cumprimentar Jace e Luke. ─── proferiu de forma suave, mas havia um tom de autoridade contido em sua voz. As gêmeas trocaram olhares rápidos e, sem mais palavras, afastaram-se.

Maeve as acompanhou com os olhos por um instante antes de soltar um suspiro discreto, sentindo a tensão em seus ombros persistir. Quando voltou a atenção para Daemon, encontrou-o parado ali, com os braços cruzados e rosto indecifrável.

Ele parecia hesitante, como se procurasse algo para dizer, como se cada palavra tivesse que ser cuidadosamente escolhida antes de ser pronunciada. Não era um homem de grandes demonstrações de afeto, nunca foi. Maeve sabia que ele a amava ─── ou ao menos supunha que sim ───, mas Daemon não era o tipo de pai que diria tal coisa em voz alta. Seu carinho vinha em ações, por vezes sutis.

O silêncio estendeu-se por tempo demais antes que o homem finalmente o rompesse:

─── É bom vê-la novamente. ─── Sua voz soou um pouco rouca, e Maeve percebeu que o pai realmente desejava dizer aquilo. Mas não era suficiente. Não depois de tanto tempo. Não depois do que ele fez.

A lady baixou o olhar para taça que repousava em suas mãos, encarando o interior vazio, aparentemente esforçando-se para procurar uma resposta. Seus dedos deslizaram pela superfície fria antes que murmurasse, com uma ponta de amargura na voz:

─── Suponho que seja uma surpresa estar ouvindo isso. ─── Maeve não tinha certeza se queria que o pai a ouvisse, mas a frustração e a dor transbordaram antes que pudesse refreá-las.

Daemon franziu o cenho, desconcertado com o tom defensivo da filha. A expressão dele era um emaranhado de confusão e frustração, como se estivesse tentando entender um enigma impossível. Então, soltou um bufar resignado, e cruzou os braços sobre o peito com um gesto impaciente.

─── Certo... ─── Os cantos dos lábios de Daemon curvaram em uma expressão amarga, um sorriso torto e desconfortável. ─── Alguma novidade da qual eu deva estar ciente? 

Como ele ousava?

Maeve sentiu os punhos se fecharem involuntariamente. A raiva crescia dentro de si, queimando em sua garganta como um vinho forte descendo seco. Por um instante, considerou atirar a taça contra a mesa, apenas para que ele percebesse o quanto suas palavras a enfureciam, mas, em vez disso, limitou-se a soltar um suspiro pesado ─── uma tentativa de controlar o que estava sentindo.

Antes que pudesse respondê-lo novamente com uma de suas muitas frases sarcásticas, uma voz suave, porém firme, cortou o ar.

─── Na verdade, sim.

Alicent surgiu ao lado de Maeve com a mesma serenidade calculada de sempre, mas a jovem notou a hesitação no olhar da rainha ao lhe lançar um breve vislumbre. A mulher poderia ocultar suas intenções de todos, mas Maeve sabia que ela era cuidadosa com as palavras. O que quer que estivesse prestes a dizer não seria algo fácil de ser comunicado.

─── Príncipe Daemon. ─── A rainha o cumprimentou com um leve inclinar de cabeça, sua voz revestida por uma formalidade gélida.

─── Vossa Graça... a que devo a honra? ─── Daemon inclinou levemente a cabeça, as sobrancelhas erguendo-se com escárnio, como se não medisse esforços para disfarçar a aversão pela Hightower. ─── Quais seriam essas novidades tão importantes que precisam ser discutidas agora?

Alicent manteve a compostura, sem recuar diante do tom zombeteiro do príncipe, e lançou outro olhar de relance para Maeve antes de finalmente dizer:

─── Bem... como já deve ser de seu conhecimento, ─── não era. A garota tomou uma nota mental ao ouvir as palavras da rainha, seus dedos brincando com os bordados finos em suas luvas. ─── Maeve atingiu a maturidade, e a coroa tomou a iniciativa de… ─── a Targaryen pigarreou fortemente, arrancando a atenção de ambos para si. Alicent franziu os cenhos, confusa com as atitudes da garota, porém, preferiu desconsiderar tal coisa. ─── avaliar possíveis pretendentes para a mão da futura Lady de Runestone.

Silêncio.

Oh, como ela odiava tal coisa.

Odiava muitas coisas. Ser ignorada era uma delas. Pessoas arrogantes também. E é claro, o silêncio. Talvez porquê, sempre que o mesmo surgia, vinha acompanhado por notícias ruins ou acontecimentos inesperados.

Maeve sentiu o ar em seus pulmões falhar por um instante quando o olhar de seu pai, antes carregado de zombaria, tornou-se afiado, as feições endurecendo.

─── Pretendentes? ─── O príncipe soltou uma gargalhada seca. ─── O que estão tentando fazer, vender minha filha sem ao menos me consultarem?

A ruiva sustentou o olhar, seu semblante mantendo-se sereno, mas havia uma tensão perceptível em seus gestos, uma rigidez na forma como mantinha as mãos entrelaçadas à frente do corpo.

─── Era da vontade de meu marido convocá-lo para uma reunião sobre o assunto. ─── Começou, o tom cuidadosamente controlado. ─── No entanto, antes que tudo pudesse ser providenciado…

─── Maeve não irá se casar. ─── Daemon interrompeu-a, a voz baixa, mas carregada de uma firmeza da qual indicava-a que não estava aberto a negociações.

Alicent inclinou ligeiramente a cabeça, sua serenidade começando a despedaçar-se por alguns segundos, encarando-o com ceticismo e desdém.

─── O casamento lhe trará bons aliados, príncipe Daemon. Sua própria filha deve entender isso. ─── Ela fez uma pausa, voltando-se para a jovem com um sorriso contido. ─── É admirável a forma como Maeve se dedica. Tenho certeza de que seu futuro marido a amará como ela deseja.

A palavra "amar" soou como um golpe para Daemon. Ele soltou um riso desdenhoso, desviando o olhar para a filha com um semblante que oscilava entre a descrença e o desprezo.

─── Amor? ─── O homem repetiu, como se fosse uma ideia pueril demais para ser mencionada. ─── Fora essa a educação que proporcionaram a ela? Por acaso também acredita em finais felizes e vagalumes cantarolantes?

O estômago da jovem afundou-se.

Era isso? Sua visão de casamento era algo ingênuo demais para ser levado a sério? Seu próprio pai ridicularizava aquilo que, no fundo, ela sempre desejara?

Maeve desviou o olhar para a taça em suas mãos, observando o fundo dourado do objeto. De repente, sentiu-se ridícula. Como se seus sonhos fossem infantis, irreais. Como se estivesse errada por desejar algo além de alianças.

Nunca esperou que seu pai a encorajasse a sonhar ─── mas ouvi-lo ridicularizar o que sempre manteve oculto dentro de si fora um golpe que não havia previsto.

Um nó formou-se em sua garganta.

Sem dizer uma única palavra, girou sobre os calcanhares e afastou-se, deixando Daemon e a rainha para trás.

Não queria que vissem sua expressão.

Não queria que ninguém visse que, por um instante, quase acreditou que o erro era seu.

𔓕 AEGON II TARGARYENㅤׅ ノ ୨ৎ

﹙quinze dias de nome﹚ | trigésimo
primeiro dia da primeira
lua de 122 depois da conquista


Aegon encontrava um conforto inesperado nos enterros. 

Não de uma forma mórbida, é claro; pessoas morrerem não era de fato algo do qual o príncipe regozijava-se como um sujeito cruel, mas... por uma curiosidade que atravessa a linha do pecado, o rapaz apreciava a forma como podemos reagir à morte. Alguns mantinham a compostura, frios e impassíveis, enquanto outros desmoronavam, consumidos pela dor, beirando à loucura. A morte era a última verdade, a grande niveladora, e o príncipe gostava de observá-la em ação.

Era inevitável. Necessária, até. Para si, servia-lhe como um lembrete cruel ─── ou talvez um aviso ─── sobre como momentos são efêmeros e, no fim, não há saída para o que tanto esforçamo-nos a evitar desde nosso nascimento: o estranho.

Não sabia o que pensar sobre a morte, mas tinha a certeza de que aceitaria o abraço do estranho quando a entidade enfim lhe visitasse. Não que desejasse morrer, é claro, mas viver a sua vida não era algo pelo qual ele lutaria fervorosamente se precisasse. Não era o aperto do estranho que temia ─── era a vida que o irritava com sua insistência em continuar, mesmo quando não via razão para isso.

As orbes lilases de Aegon seguiram atentamente a trajetória do metal enquanto a moeda dourada rodopiava pelo ar, cintilando sob a luz do entardecer. O som quase imperceptível do objeto cortando o vento misturava-se ao bramir distante das ondas, preenchendo o silêncio pesado que pairava sobre a costa.

Lembrava-se ligeiramente sobre como a peça dourada fora acabar em suas mãos. Fora em seu sexto dia de nome ─── ou algo próximo a isso ─── numa manhã fria em que a Fortaleza Vermelha parecia sobrecarregada o suficiente para (não) notar o choro insistente de um pequeno príncipe. A memória era difusa, como um sonho desbotado, mas Aegon recordava-se de suas pequenas mãos explorando os aposentos do pai, um espaço onde raramente se atrevia a ir. No entanto, qualquer traço de inquietação infantil fora dissipado no instante em que Viserys lhe entregou um dragão de ouro, seguido de uma frase, a qual assombrou o mesmo desde então.

"Toda vez que um Targaryen nasce, os deuses atiram uma moeda aos céus, e o mundo prende a respiração…”

Era como se a lembrança pertencesse a outra vida, a outro garoto. O mesmo garoto que, anos depois, observaria seu próprio reflexo na superfície de uma taça de vinho, perguntando-se qual lado da moeda teria caído para si.

O metal parecia girar lentamente, ou talvez sua cabeça latejasse demais para processar o movimento com clareza. Ele não soube dizer. E nem teve tempo para refletir sobre isso, pois, no instante em que seus dedos prepararam-se para agarrar a moeda no ar, a atenção do rapaz fora capturada pelo ruído de passos.

Sapatilhas douradas descendo os degraus.

Aegon não preocupou-se em erguer o olhar para reconhecer quem se aproximava. Não se importava. No entanto, a visão do jovem desviou instintivamente para a taça de vinho ao seu lado, no exato momento em que dedos pálidos e esguios a tomavam para si.

─── Vai com calma. ─── Murmurou, seu tom carregado de zombaria. Ele não precisava olhar para saber quem era. O perfume suave e nauseante, a coloração exagerada das sapatilhas para tal ocasião e, principalmente, o aborrecimento estampado no gesto diziam tudo.

Maeve não lhe concedeu a satisfação de uma resposta. Seu olhar era uma mistura de exasperação e desinteresse, como se estivesse ali por puro acaso e não por vontade própria.

Então, bufou discretamente antes de repousar a taça no exato lugar onde encontrou-a. Aegon ousou observá-la de soslaio enquanto a mesma parecia estapear o tecido escuro do vestido, alisando o material como se desejasse, de alguma forma, reorganizar algo dentro de si. Mas então, parou. Permaneceu imóvel por longos segundos, talvez minutos.

O tempo sempre parecia seguir uma lógica diferente quando Maeve estava por perto.

E, como se desistisse do que quer que estivesse tentando fazer, Maeve ergueu a perna e, sem aviso, desferiu um chute certeiro no metal, arremessando-o escada abaixo.

Aegon se sobressaltou instintivamente de onde estava, um reflexo frenético de alguém que acabara de ver algo precioso ser jogado no abismo.

─── Ei! ─── protestou, os lábios crispando em reprovação. ─── Qual o seu problema?

O tilintar metálico reverberou pelos degraus, cada batida soando como uma punhalada contra sua paciência. Por um breve momento, teve a impressão de que a prima não havia atirado a taça escada abaixo, mas contra sua própria cabeça, e que só agora estava tomando consciência de tal coisa. Pressionou as pálpebras com força, numa tentativa frustrada de afastar a náusea persistente. Mas quando o tilintar do metal finalmente desapareceu de sua mente, fora substituído pelo ruído insistente de passos.

Aegon murmurou algo ininteligível antes de abrir os olhos, apenas para encontrá-la caminhando de um lado para o outro, os ombros tensos e dedos crispados ao tecido do vestido. Maeve parecia à beira de um ataque.

─── Poderia ser irritantemente inconveniente em outro lugar? ─── Aegon exasperou-se, a voz arrastada e embargada o suficiente para tornar suas palavras quase indistinguíveis. ─── Seus passos estão ecoando em minha mente.

Mas, ao contrário da reação que esperava ─── um olhar atravessado, um comentário ácido, qualquer coisa ─── ela apenas parou.

E pela primeira vez, Aegon percebeu que a prima sequer estava realmente presente ali. Seu olhar vagava distante, como se ele fosse um mero intruso em sua consciência. A garota bufou, então, e simplesmente atirou-se ao lado do primo nos degraus, dobrando os joelhos contra o peito e escondendo o rosto entre os braços.

Aegon piscou.

─── Não pode ainda estar preocupada com Larys. ─── Ele a observou de cima a baixo, sua voz tingida com uma leve e clara incredulidade. Não entendia o porquê de toda aquela perturbação.

Os dias anteriores haviam sido dominados por inquietações da garota. Diferente de si, que pouco importava-se com o que presenciaram nas masmorras, Maeve parecia remoer cada detalhe, cada fragmento de brutalidade que vira. Aegon, por sua vez, sempre teve uma resposta simples para suas preocupações: Larys Strong estava apenas seguindo ordens da coroa e punindo criminosos.

O príncipe notara quando Maeve ergueu o rosto lentamente, os olhos semicerrados sob a luz do entardecer. Havia fúria ali, mas não direcionada a ele. Era um tipo de raiva que vinha de dentro, que borbulhava silenciosamente antes de encontrar um alvo para ser despejada. 

Ela inclinou a cabeça para trás, encostando-a contra a parede de pedra, e soltou um suspiro pesado. Em um movimento lento, desfazendo-se da postura encolhida, deslizou os joelhos para baixo e repousou as mãos ao lado do corpo, como se precisasse de estabilidade para o que estava prestes a dizer. 

Por fim, desviou o olhar para Aegon. 

O rapaz sentiu o olhar da mesma cravar-se sobre si, não em julgamento, mas em algo próximo a avaliação. Como se estivesse analisando a possibilidade de compartilhar seus pensamentos com ele. Uma sobrancelha arqueou-se levemente, e um gesto quase imperceptível de ombros denunciou sua decisão. 

─── Estou cansada. ─── A voz de Maeve soou baixa. ─── Cansada de tudo. 

O príncipe não disse nada. Apenas observou quando a prima desviou o olhar para o horizonte, onde o céu começava a se tingir com tons de azul índigo e púrpura. 

─── Tudo o que eu achei que seria, tudo o que imaginei para mim quando amadurecesse… parece estar mais distante agora do que nunca. ─── Os dedos da garota se contraíram ligeiramente contra a pedra fria dos degraus. ─── Odeio os Lannisters. ─── Aegon abriu um sorriso enviesado, mais para si mesmo. Isso ele entendia. ─── Odeio meu pai. Mas mais que isso, me odeio por tê-lo colocado em um pedestal, por acreditar que ele era… algo além do que realmente é. ─── a voz da Lady tremeu, mas logo firmou-se novamente. ─── Odeio minhas irmãs e o fato de que, mesmo que eu tente, elas sempre serão superiores a mim. Odeio fazer tudo que esperam que eu faça e nunca receber sequer um reconhecimento por isso. Odeio quando me tratam como uma imbecil só porque tenho sonhos. 

O silêncio estendeu-se entre ambos. Um silêncio diferente. Carregado de algo que o rapaz não era capaz de nomear. Não sabia o que responder ou o que fazer com tal informação. Nem o porquê de ─── dentre todas as pessoas ─── ela estar dizendo tais coisas para ele.

─── Quero dizer, ─── Maeve soltara outro suspiro, dessa vez com força suficiente para que suas narinas se abrissem levemente. ─── sou estúpida por querer ser feliz?!

Aegon encarou Maeve, o olhar vagando pelo rosto da prima enquanto as palavras ecoavam em sua mente. Ele esperava alguma queixa sobre o casamento, sobre os pretendentes que a coroa havia escolhido para si. Mas não aquilo. Não algo tão… cru.

Entreabriu os lábios, pronto para lançar alguma piada mordaz, algo que a irritaria o suficiente para distraí-la do desabafo repentino. Mas, pela primeira vez, não conseguiu dizer nada.

Porque, no fundo, ele entendia cada palavra.

Aegon sabia como era sentir que o futuro que lhe prometeram nunca chegaria. Que aquilo que deveria ser seu destino escorria pelos dedos antes mesmo que pudesse tocá-lo. Ele desviou o olhar, encarando o mar agitado à frente, os músculos do maxilar se retesando. Sentiu-se desconfortável, como se a pergunta dela o tivesse atingido em um lugar que não desejava reconhecer.

─── Você é estúpida por acreditar que apenas será feliz se for amada. ─── o príncipe respondeu a pergunta da Lady, sua voz carregando uma frieza cortante, como se suas palavras fossem a verdade absoluta e a garota uma tola por pensar o contrário.

Aegon observou-a de esguelha, notando a maneira como sua expressão se fechava, os olhos bicolores levemente sombreados por uma irritação silenciosa. Talvez Maeve esperasse algo diferente dele. Alguma palavra que trouxesse conforto, que dissesse que não, ela não era estúpida por desejar tal coisa.

Mas se almejava esse tipo de resposta, que a buscasse em outra pessoa. 

Maeve sabia que, no fundo, o príncipe estava errado. Ou talvez fosse ela quem estivesse errada por acreditar em tal coisa, mas não era capaz de negar o que sentia. Para ela, o amor sempre fora a chave de tudo. Era o que dava sentido ao caos, o que tornava a vida suportável.

Ela queria um amor louco, ou calmo, não importava. Apenas almejava viver o que tanto lia em seus contos, ser importante para alguém. Vista, ouvida, amada. Queria alguém que a amasse por completo, não apenas por suas qualidades, mas também pelos defeitos que carregava. Alguém que, de alguma forma, pudesse preencher o vazio que habitava em seu peito, aquele espaço o qual nunca pareceu ser preenchido.

A garota desviou o olhar, sua cabeça ligeiramente inclinada, como se estivesse tentando processar algo mais profundo do que o que o príncipe acabara de dizer. Talvez questionasse todas as certezas que um dia teve.

Aegon não sabia, nem se importava tanto assim. O que o incomodava era o silêncio. A falta de palavras agressivas, de ataques disfarçados, a ausência de qualquer coisa que pudesse responder, confrontar, afastar.

Quase pôde ouvir os pensamentos da mesma girando em espiral, desordenados, caóticos. Garotas sempre eram assim? Sempre tão previsíveis? Tão dramáticas? Tão cheias de esperanças tolas? Tão… entediantes?

Ele queria acreditar que sim. Que todas eram exatamente como imaginava. Porque, se fossem, isso significaria que já sabia o final da história. Nada poderia surpreendê-lo.

Mas então, por que Maeve nunca fora entediante?

O silêncio entre os dois estendeu-se, e Aegon notara como ambos encaravam as estrelas. O príncipe remexeu-se desconfortavelmente, incerto sobre o que fazer ou dizer. Era estranho. Maeve não estava na defensiva, não o atacava com palavras afiadas nem fingia indiferença. E isso o irritava. O que ela queria dele? 

O rapaz estreitou os olhos, tentando compreender a sensação que se arrastava por dentro de si. Então, sem querer, os pensamentos voltaram-se para o momento em que tudo pareceu embolar-se dentro dele. As masmorras.

O pedido de desculpas da garota.

Sem rodeios, sem palavras vazias. Apenas um pedido de perdão genuíno. Ela realmente sentiu muito. 

E Aegon não soube o que fazer com aquilo.

Ninguém nunca lhe pedia desculpas.

Cerrou os dentes, o olhar fixo nas estrelas agora mais distantes. A mão esquerda, que ainda agarrava-se a moeda, moveu-se para um de seus bolsos. Lá, o toque áspero do pergaminho lhe causou um aperto no peito. Seus dedos fecharam-se sobre o papel, sentindo a textura que, por algum motivo, parecia mais pesada do que imaginava. Aquilo fizera o estômago do rapaz se revirar.

Os lábios de Aegon entreabriram-se uma. Duas. Três vezes. Mas as palavras simplesmente não saíam. O que poderia dizer? O que deveria dizer? 

O ressentimento subiu, quase tangível, espalhando-se pelo corpo, seguido de um remorso que não queria admitir que sentia. Tudo aquilo era desconfortável. Tudo aquilo era... uma pressão interna da qual o rapaz não sabia o que fazer ou como lidar. 

As cartas. 

As cartas que roubara. 

As cartas que Daemon enviara a Maeve, mas que nunca chegaram até ela.

O peso do bilhete em sua mão parecia triplicar. Aegon sentiu a própria respiração pesar, ao tempo em que seu coração acelerava-se ligeiramente. Odiava como um simples pedido de perdão ─── tão genuíno, tão real ─── o fizera arrepender-se de imediato do que havia feito. 

Quando preparou-se para retirar o pergaminho do bolso, algo o interrompeu. Maeve, alheia a tensão que tomava conta dos membros do primo, adiantou-se:

─── E se o amor não existir?

Os olhos de Aegon se estreitaram, e ele quase engoliu a própria língua. A pergunta dela fora quase um sussurro, como se temesse que, ao ser mais clara, tudo o que perguntara tornaria-se verdade e não apenas mais uma dúvida suspensa no ar.

A Lady virou-se lentamente para encará-lo, e, em meio ao movimento, os dedos tocaram suavemente nos do rapaz. Fora um toque tão sutil que poderia ter sido confundido com um acidente, mas o impacto fizera Aegon prender a respiração.

A pele do príncipe queimava onde Maeve o tocara, e quase desejou poder culpar o vinho pela intensidade da sensação. Porém, a tensão que espalhou-se pelos membros de Maeve, como uma praga silenciosa, deixou claro que também tivera mesma reação que ele. Nenhum dos dois ousavam se mover, como se o simples pensamento de fazê-lo os afligisse ainda mais.

Seu estômago contorceu-se. Aegon teve a sensação de que poderia vomitar a qualquer momento, e o perfume que exalava de Maeve apenas acentuava tal pensamento. Náuseas. Aegon estava tonto. Poderia jurar que cairia para trás, não fossem as rochas contra suas costas.

Um pontapé seco atingiu-lhe as panturrilhas, arrancando-o do torpor com uma pontada aguda de dor. Aegon xingou baixinho, os olhos piscando, ainda enevoados pelo álcool e pelo que quer que estivesse acontecendo dentro de si. O olhar ergueu-se de imediato, ainda confuso, apenas para encontrar as miradelas severas de Otto Hightower. 

Não houve tempo para protestos. Nenhuma palavra antes da ação. Apenas o aperto firme e implacável dos dedos do avô em seu colarinho, puxando-o sem cerimônia. O tecido pressionou contra sua pele, tornando a respiração momentaneamente difícil. O príncipe cerrou os dentes, um misto de indignação e exaustão percorrendo-lhe o corpo.

─── Onde está seu irmão? ─── a voz de Otto era seca, carregada de impaciência.

O rapaz apenas dera de ombros, o desdém pintando cada movimento.

Não sabia. E, para ser sincero, não se importava.

Mas Otto se importava. E muito. Com um puxão brusco, começou a arrastá-lo escada acima. Aegon tropeçou, o corpo instável pela embriaguez, mas o velho não reduziu o ritmo. Seus xingamentos foram solenemente ignorados.

Então, uma voz suave cortou o ar:
─── Você esqueceu algo. 

Ambos viraram-se ao mesmo tempo. 

Maeve estava lá embaixo, segurando algo entre os dedos. 

Seu coração falhou uma batida. 

O pergaminho. 

Naquele momento, desacreditava que ainda houvesse coloração alguma em suas feições. 

Não. 

Os olhos dele fixaram-se no papel nas mãos da garota, pânico rastejando por suas entranhas. Maeve, por sua vez, observava-o com uma curiosidade travessa, como se estivesse prestes a lançar uma provocação qualquer. Seus dedos deslizaram pelo pergaminho, desdobrando-o com um movimento preguiçoso.

─── Maeve, não! ─── A urgência em sua voz escapou antes que o príncipe fosse capaz contê-la.

Mas já era tarde.

Os olhos dela correram pelas primeiras linhas do papel. 

O deboche desapareceu. 

Maeve ficou imóvel, os lábios entreabertos, como se as palavras tivessem lhe escapado.

─── Aegon? ─── ela sussurrou, incrédula.

❛ ⚜️. 001 ▮já tô começando a me estressar com esse wattpad porque já é a terceira vez que vou repostar esse capítulo e eu espero que ele não exclua dessa vez. Obrigada pelo apoio de todo mundo que gosta da fanfic e àqueles que vieram pelo tiktok e acabaram de chegar! Não estou atualizando toda semana pois estou estudando para o vestibular, mas estou me organizando e acho que conseguirei atualizar com mais frequência.

❛ ⚜️. 002▮também gostaria de saber sobre o que vocês estão achando dos pov's do aegon 😭 eles me deixam muito insegura, pois tenho medo de não trazer a essência ou a verdadeira personalidade do personagem, mas também acho legal escrever sobre! Então, queria perguntar a opinião de vocês, estou aberta à críticas construtivas sempre! Votem e comentem para me motivarem ♡ amo vocês (já estou atualizando o capítulo 6)

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