❛⭒004 - o toque de Judas ❜
⭒capítulo quatro ⭒
o toque de Judas
𔓕 MAEVE TARGARYENㅤׅ ノ ୨ৎ
﹙quatorze dias de nome﹚ | vigésimo
segundo dia da primeira
lua de 122 depois da conquista
obs: capítulo não revisado
boa leitura.
Desde a tenra idade, garotas são ensinadas a cultivarem sonhos sobre casamentos perfeitos, amores genuínos e finais felizes, como se a vida fosse um jardim delicadamente dedicado à elas. Crescem envoltadas por promessas doces, onde o "felizes para sempre" parece ser inevitável. Mas, ao amadurecerem, o que encontram não é o amor, e sim o despertar de um amargo pesadelo sem fim.
Há algo cruel, quase sádico, na forma como se alimentam de tais ilusões. Como se o próprio destino fosse um artesão insensível, qual tece fantasias apenas para quebrá-las com um estalo.
Afinal, de que serve sonhar com finais felizes, quando a única coisa que parece florescer é a desilusão?
O salão ao redor parecia sufocante, com o calor dos corpos e o murmúrio dos convidados a todo canto formando um som distante e ensurdecedor, qual apossava-se da garota a cada minuto.
Ela sentiu quando o primo afastou-se de si furtivamente, dando espaço dentre a multidão para que todos os pares de olhos presentes focassem a atenção unicamente em si.
Estava alheia o suficiente para sequer notar quando a atmosfera explodiu-se em aplausos devotos, e uma voz familiar soou nas profundezas de sua mente. Não a reconhecia por completo, parecia apenas um emaranhado de palavras utilizadas para atormentá-la ainda mais.
Então, sentiu quando um toque gentil enlaçou-se sobre seus braços, arrastando-a para a realidade novamente.
───...Gostaria de propor um brinde à minha sobrinha, Maeve. ─── os olhos da Lady voltaram-se para encarar a figura que a guiava mais próxima ao rei. Alicent Hightower, exibindo um sorriso gracioso e bem ensaiado, tal qual apenas ela seria capaz de ostentar.
Viserys também sorriu para a garota.
Havia esquecido como o tio adorava festas, e tal fascínio mostrava-se presente sob as orbes violáceas do rei. O mesmo agarrou sua mão num toque paternal, voltando-a para encarar o salão à sua frente, cada Lorde e Lady tendo a própria existência extinguida apenas a meros borrões sob as miradelas dela.
Maeve sentiu-se pequena, quase engolida pela vastidão do ambiente. Os lábios do rei pareciam iniciar uma frase repleta de elogios; risadas apossando-se do local, olhos admirados e atentos pousados em si, porém, a Lady não parecia ser capaz de entrar em órbita para focar-se no que era dito, como se estivesse submersa em águas profundas, incapaz de se conectar com a realidade.
O brinde de Viserys, a honra de ser exaltada perante a corte, não significava glória ─── era uma sentença, uma confirmação do que Aegon havia dito. Não fora capaz de evitar que sua imaginação percorresse o caminho mórbido ao pensar em tal coisa, avistando um futuro sombrio, substituindo os doces contos de fadas por uma amarga desilusão.
Pensou ter avistado a silhueta do primo dentre a multidão, rindo da falta de cor em suas bochechas.
Uma égua reprodutora.
Sério? Aegon poderia ter sido mais gentil durante a escolha das palavras dada a situação.
Ela sempre sonhou com aquele momento, o dia de se casar e ser amada como nos livros que lia. No fundo, Maeve queria acreditar que, talvez, com ela fosse diferente. Talvez, ao olhar para o futuro, pudesse ainda vislumbrar algo doce, algo que não fosse como a sentença que todos pareciam traçar para ela. Talvez, com o escolhido, poderia ainda sentir um amor genuíno.
Sua garganta estava seca, e um peso parecia pressionar seus ombros como uma corrente invisível. Naquele momento, Maeve não considerava-se uma mulher feita, como Alicent tanto lhe havia dito no decorrer dos últimos dias; na verdade, sentia-se como uma garotinha tola e assustada, cujo o maior anseio em tal situação era encolher-se sob as asas protetoras de seu pai e aconchegar-se lá para sempre. Desejava com o seu ser que Daemon estivesse ali, para abraçá-la e acalmá-la, como sempre o fez quando mais nova. Para gritar com Aegon e todos que a rodeavam naquele salão.
Maeve alimentou sonhos ilusórios no caminho até ali, mas sabia que a única coisa que desejou sinceramente fora sua família. Não ansiava por um casamento. Ansiava por seu pai, sua mãe... alguém que a protegesse e amasse acima de tudo. Ela desejava uma família.
─── Por que está tão nervosa, querida? ─── Alicent quebrou o silêncio entre ambas enquanto circulavam o salão pela quarta vez, apresentando-a à potenciais lordes, figuras importantes e... velhos idiotas. ─── Suas mãos estão congeladas.
A rainha afagou o toque da menina com as mãos cálidas, como se desejasse acalorar o próximo cumprimento de Maeve.
Vossa Graça ao menos poderia ser mais discreta ao me leiloar, Ela queria urrar, mas conteve o comentário sarcástico enterrado em sua língua afiada.
Um sorriso falso despedaçou-se pelos lábios pálidos de Maeve quando a mesma puxou as mãos para si bruscamente, voltando a atenção para o próximo nobre na infinita lista da rainha.
─── Lorde Jason!
─── Vossa Graça. ─── O Lannister cumprimentou-as com uma reverência contida (claro, sempre arrogantes), acompanhado pelo filho, Loreon, qual a fizera recordar-se de imediato da afirmação de Helaena sobre as escolhas de Alicent.
O loiro sorriu para ela abertamente, tomando sua mão e repousando um beijo na mesma. Ela tentou não contorcer o rosto em uma careta, mas... naquele momento, não sabia mais se realmente evitou tal coisa.
─── Lady Maeve, devo dizer que os rumores não fazem jus à sua beleza. ─── Loreon Lannister comentou com um sorriso presunçoso, suas miradelas deslizando lentamente por sua figura antes de voltarem-se para seu rosto. O nobre encarava-a de maneira que a fazia sentir-se exposta, como se fosse um prêmio a ser admirado e possuído. ─── Não tenho certeza se o ouro de Rochedo Casterly poderia brilhar tanto quanto a senhorita esta noite.
Ele segurava a mão da mesma por mais tempo que o necessário, fazendo-a forçar um sorriso enquanto sentia algo crescer como uma serpente e apertar o peito a cada lufar de seus pulmões.
Talvez ele não seja tão ruim, analisou a jovem em seus pensamentos, como se tentasse enganar-se ou tirar proveito da situação que parecia ser péssima para si.
─── Agradeço vossos elogios, meu lorde, ─── respondeu, omitindo qualquer indiferença que sentia pelo rapaz e por suas palavras mentirosas. ─── Contudo, não creio que sejam merecidos.
Os devaneios de Maeve novamente escaparam da realidade, voando em direção à dúvida que Aegon havia plantado em si mais cedo.
Ele poderia ser um bom marido, não?
Loreon parecia... educado, até. Talvez a falta de conforto fosse apenas uma impressão passageira. Talvez com o tempo ela se acostumasse. Afinal, por mais que a arrogância fosse assunto para a corte ─── e um traço de personalidade que particularmente não a atraía nem um pouco ───, o nobre parecia ser do tipo que se importaria, pelo menos... Mas logo tal hipótese lhe pareceu vazia e fria.
Seria isso o que ela realmente queria? Um homem que a olhasse assim? Um homem que...
O Lannister movia os lábios para retrucá-la, porém, antes que Loreon pudesse continuar com as tentativas de galanteio, algo pareceu estalar na mente da garota instantaneamente, maquinando a oportunidade para escapar das garras do leão.
─── Ah... perdoem-me. ─── disse abruptamente, fingindo escutar algo ao longe e puxando suas mãos de volta para si com delicadeza. ─── Com vossa licença, devo verificar se a princesa está bem... minha prima não costuma frequentar bailes. ─── Muito menos eu, pensou a Lady, mas preferiu omitir essa parte, mantendo o sorriso educado para o homem.
Sem esperar qualquer resposta, Maeve curvou-se numa reverência contida e afastou-se apressadamente da rainha e seus convidados, apertando os passos ansiosos para livrar-se das companhias, ainda sentindo o olhar de Alicent pesando sobre suas costas.
Ela sabia que a rainha não ficaria satisfeita com sua fuga repentina, mas não suportava mais aquele ambiente. Precisava sair dali.
─── Maeve! ─── o tom firme, porém discreto, de Alicent causou calafrios em todo o seu corpo, fazendo-a parar em suas passadelas quase de imediato.
Instintivamente, ela olhou para trás, os pensamentos ainda embaralhados o suficiente para que seus pés tomassem as rédeas da situação antes de seu cérebro. A garota voltou a caminhar apressadamente, encarando os olhos amendoados da rainha enquanto o fazia, sem sequer olhar para frente. Parecia presa, como se algo dentro de si sussurrasse para que ela voltasse para onde estava.
Era seu dever, afinal.
Por que tanto medo? Ela esperou a vida toda por aquilo. Não deveria confiar nas palavras de Aegon, certo? Não quando o mesmo já mentira diversas vezes para si apenas para atormentá-la.
Algo rijo pareceu chocar-se contra seu corpo de imediato. Mãos firmes a envoltaram quando a mesma sentiu seus pés embolarem-se como os nós de uma corda e o equilíbrio de seu corpo ser perdido.
Maeve deu um passo para trás, atordoada, antes de erguer os olhos e avistar Martyn diante dela, segurando-a pelos braços para evitar que caísse.
─── Perdão, milady. ─── o ruivo proferiu ao tempo em que um meio sorriso ameaçava surgir sobre os lábios. ─── Parece que tenho o dom de sempre cruzar o caminho de belas donzelas.
Provavelmente, se fosse em circunstâncias diferentes, a garota não teria soltado um suspiro aliviado ao vê-lo ─── principalmente em um estado tão ansioso. Maeve recuperou a compostura, engolindo em seco ao sentir o toque do rapaz acender uma centelha dentro de si.
Era Martyn, e como de costume, a Lady embolou-se em suas desculpas antes de finalmente prosseguir e formar uma frase distinguível:
─── Não sabia que meu primo havia lhe ensinado a cortejar mulheres. ─── provocou sutilmente, numa tentativa de aliviar a própria tensão que instalava-se em seus músculos.
Martyn inclinou-se levemente para mais perto da platinada, fazendo o coração de Maeve pular dentre seu peito.
─── Apenas as mais belas.
O sussurro das doces palavras do rapaz deslizou pelos fios de cabelo da garota como favos de mel, provocando um arrepio em seu corpo e fazendo-a prender a respiração instintivamente. Um estranho impulso quase irracional parecia alastrar-se dentro de si, como se algo em sua mente insistisse para que quebrasse a distância que os separava.
Maeve rezou aos sete, implorando por perdão por tal pensamento indesejado apossar-se de sua mente.
─── Bem, não sei se isso é suficiente para me salvar da corte. ─── ela pigarreou, tentando disfarçar o tremor em seu tom, qual traía qualquer tentativa sua de soar indiferente.
Remexeu a pulseira de mão, como de costume, perguntando-se porquê sempre parecer perder a compostura ou a habilidade de controlar as emoções quando estava na presença de Martyn, afinal, ele era só um rapaz. Como todos os outros que convivia.
─── Problemas no paraíso? ─── o ruivo ponderou, um 'quê' de sugestão em sua voz enquanto afastava-se novamente, os dedos agarrando o próprio gibão e empurrando-o para baixo.
─── Se este é o paraíso, agora mais do que nunca temo como seria os sete infernos.
─── Pensei que garotas apreciassem esse tipo de festança. ─── Martyn ergueu uma sobrancelha curiosa.
O comentário fez Maeve soltar uma risada curta, mas amarga. Ela balançou a cabeça, os dedos ainda brincando nervosamente com a pulseira de mão.
─── Você é um garoto, Martyn. Festas, combates, caçadas... são todos excitantes demais para vocês. ─── Maeve lançou um olhar rápido em direção ao salão. ─── Temo que para nós, esses bailes não sejam confortáveis após certa idade.
Martyn a observou por um momento, um brilho repassando pelos seus olhos, quase como se estivesse ponderando sobre algo.
─── Então... ─── o nobre inclinou-se para perto da platinada novamente, como quando compartilhamos segredos com nossos confidentes. ─── Por que não experimentar como é ser um de nós? ─── ele sugeriu, um sorriso travesso apossando-se de seus lábios.
Ela o encarou, desconfiada. A proposta soava impossível, até um tanto absurda, mas ao invés de respondê-lo com ceticismo ou revirar os olhos, uma faísca de curiosidade tomou conta de seus músculos. Maeve retomou a compostura, endireitando as costas antes de erguer ambas as sobrancelhas.
─── E como, exatamente, você sugere que eu faça isso? ─── perguntou, estreitando os olhos. ─── Me indicará uma bruxa para que troquemos de corpos?
O sorriso de Martyn alargou-se, e o rapaz dera um passo à frente, como se já tivesse formulado um plano audacioso. O mesmo estendeu a mão para a garota, que a tomou com um aceno rápido.
─── O que acha de começarmos saindo daqui o mais rápido que conseguirmos?
Maeve lançou um olhar cauteloso ao redor. O salão parecia uma pintura entediante; todos os nobres mergulhados em conversas fúteis, discutindo suas vidas triviais e deveres, como se nada mais existisse além daquele ciclo repetitivo. O som abafado de risadas e vozes ecoava ao fundo, mas para ela, tudo parecia tão distante, como se observasse um espetáculo da plateia.
Seria assim sua vida?
Os olhos da garota repousaram brevemente nas costas da rainha, que, alheia, conversava com mais um dos cavalheiros que tanto tentava empurrar para si. Sabia que estaria encrencada mais tarde, Alicent não era conhecida por permitir que tal comportamento passasse impune.
Mas... e daí? Ser repreendida não lhe causou o habitual incômodo.
Normalmente, ela repudiava a ideia de perder o controle, preferia planejar tudo meticulosamente, garantir que cada detalhe estivesse certo. Mas, naquela noite, talvez a imprevisibilidade fosse algo do qual necessitava. Afinal, era claro que sua vida estava longe de ser o que ela havia imaginado, então por que não aproveitar um pouco de caos?
Ela assentiu silenciosamente, sentindo um frio percorrer a espinha, medo e excitação agora travando uma batalha árdua dentro de si, como se estivesse prestes a saltar de um penhasco.
Então, antes que pudesse ponderar por mais tempo o que estava prestes a fazer, ─── e mudar de ideia ─── sentiu a mão firme de Martyn segurando a sua, arrastando-a em direção à saída.
Os passos apressados de ambos levando-os porta a fora, abandonando o salão e as formalidades para trás. Eles passaram por nobres atordoados, esbarrando em alguns e pisando nos pés de outros sem a menor cerimônia. Maeve, no entanto, não se importava. Era quase libertador sentir o vento nos cabelos junto das passadelas céleres cruzando os arredores, enquanto os risos do Reyne ecoavam pelo corredor.
Quando cruzaram uma última esquina, pararam abruptamente após quase colidirem com um grupo de jovens, os quais Maeve se familiarizou imediatamente.
Aegon estava ali, sentado no chão ao lado de seus amigos, Leon Estermont e Eddard Waters, rindo abertamente de algo que só os rapazes sabiam, gargalhadas ecoando pelo corredor, despreocupadas e carregadas de um humor típico de quem tinha o mundo aos seus pés.
Quando o príncipe percebeu a chegada do amigo, seus olhos estreitaram-se, um riso zombeteiro já surgindo nos lábios.
─── Martyn Reyne! ─── comemorou, a voz embargada com uma animação quase descontrolada. Aegon apoiou-se no piso abaixo de si, tentando levantar-se de onde estava para cumprimentar o rapaz, mas o equilíbrio não parecia ser seu maior aliado naquele instante. Estendeu os braços novamente, conseguindo erguer-se com a ajuda de Leon.
Os passos do príncipe eram tortos e descompassados, mas completou a pequena caminhada sem grandes incidentes. Aproximou-se do ruivo, ainda rindo, quando agarrou as bochechas do mesmo com ambas as mãos.
─── Meu amigo... ─── Aegon franziu os cenhos ao olhar por cima dos ombros de Martyn e reconhecer a silhueta de Maeve. ─── Trouxe companhia? ─── uma careta tomou conta de sua expressão.
Leon, ainda apoiado contra a parede, deixou escapar uma risada irônica.
─── Se eu soubesse, também teria trazido uma ou duas companhias para nós. ─── comentou, seu tom sugestivo. Aegon virou-se para encará-lo, os lábios torcendo-se em um sorriso conivente, como se captasse a provocação do amigo.
Maeve tornou a expressão dura logo de imediato, apertando os lábios em uma linha fina e desdenhosa, suas orbes escurecendo com desprezo. Ela ligeiramente voltou a atenção para Martyn ao notar uma sútil risada escapar do rapaz, o descontentamento da mesma apenas aumentando.
─── Na verdade, ─── o ruivo pigarreou, refutando os garotos seriamente ao perceber a carranca de Maeve. ─── Propus à ela que passasse algumas horas como um garoto.
O príncipe soltou uma risada anasalada, encarando-os como se aquela fosse a piada mais idiota que já ouvira.
─── Um garoto? ─── atirou com desdém. ─── O que vocês têm em mente? Irá vestí-la em calças e então correrão pelas ruas de seda?
─── Se a ideia for acabar bêbada como você, Aegon, então eu prefiro rejeitar a oferta. ─── Ela revirou os olhos, reprimindo qualquer reação explosiva perante o primo.
Aegon franziu os cenhos, varrendo-a de cima a baixo com uma curiosidade mal disfarçada, os olhos violáceos demorando-se em suas mãos entrelaçadas com as de Martyn, fazendo-o levantar uma sobrancelha sutilmente. Maeve sentiu algo pressionar as costelas ao notar que ainda parecia estar de mãos dadas com o nobre.
As bochechas esquentaram-se, e junto de um movimento abrupto, ela afastou o toque do ruivo.
─── Tudo bem. ─── Aegon finalmente disse, curvando os lábios em um sorriso torto estranhamente familiar. O príncipe parecia ponderar algo, carregando o ar de uma possível travessura em seu olhar, o que a fazia beirar à loucura. Odiava como ele era impulsivo e inconsequente, pois nunca tinha a completa certeza do que esperar. ─── Mas ela terá que passar pelo ritual de iniciação.
─── Ritual de iniciação? ─── Maeve arqueou uma sobrancelha, sua voz carregada de sarcasmo. ─── O que é isso, uma seita?
─── Suponho que a definição mais apropriada seja um grupo de aventureiros. ─── Aegon corrigiu-a em um tom ríspido, antes de curvar os lábios novamente em um sorriso.
"Grupo de aventureiros" era um eufemismo para o comportamento inconsequente que ele e seus amigos ─── bajuladores, seria mais preciso ─── demonstravam, e Maeve sabia disso. A imprudência parecia ser a única característica constante que tinham em comum.
─── Beba. ─── Aegon disse, oferecendo-a o copo que segurava. A Lady, quase por reflexo, agarrou a taça, aproximando o conteúdo de seu rosto para distinguir seu odor. O aroma forte de álcool atingiu-lhe o nariz, fazendo-a franzir o rosto, os olhos ardendo com a intensidade do líquido.
─── O que é isso? ─── perguntou com uma careta, empurrando a taça de volta contra o peito do primo.
─── Coragem líquida. ─── Ele respondeu, fitando-a com seu olhar zombeteiro preso aos olhos dela, e um sorriso que, embora não fosse atraente, era curiosamente persuasivo. Como se estivesse utilizando tal arma para convencê-la a fazer exatamente o que ele queria. Maeve, é claro, não pretendia lhe dar esse prazer.
O príncipe, no entanto, não pareceu surpreso quando a mesma insistiu em empurrar a taça de volta para ele; palavras não ditas agora escoando por entre os olhos do rapaz.
Eu sabia que você não conseguiria.
A ideia de vê-lo satisfeito com a própria vitória a incomodava profundamente.
─── Tudo bem, eu tomo. ─── e antes que Aegon pudesse recuperar a bebida novamente, a garota apressou-se com as palavras, balançando a sapatilha discretamente em seu pé. Não poderia ser tão ruim, pelo menos não tanto quanto quando estava sobre os olhares enlouquecedores do baile.
─── Vá em frente, priminha. ─── incentivou o príncipe, lançando um sorriso torto a um de seus amigos.
Maeve levou o copo aos lábios e tomou um gole considerável. O sabor amargo imediatamente apossando-se de seu paladar, fazendo-a arrepender-se de tal coisa no mesmo instante. Sentiu o líquido fluir queimando pela garganta, como se a garota estivesse provando das chamas de um dragão. Então, tossiu violentamente, o corpo reagindo ao álcool numa tentativa de expelir a sensação desconfortante em sua garganta. Outra tosse escapou de seus lábios, enquanto ouvia a risada debochada de Aegon ecoar ao seu redor.
Os punhos de Maeve fechavam-se em torno da taça quando entregou-a de volta ao príncipe, a atmosfera ao redor ameaçando tirá-la de seu equilíbrio por um breve momento, antes de parecer estabilizar-se novamente.
Aegon virou-se de costas para ambos por um momento, as mãos tateando o gibão em avaliações de seus dedos desajeitados, como se os movimentos naquele instante exigissem mais esforço que o necessário. Franziu o cenho numa concentração exagerada, tirando de um dos bolsos um pequeno frasco de vidro, o qual o seu conteúdo apenas revelava um líquido âmbar.
Quando finalmente agarrou o frasco, o príncipe posicionou-o afrente de seu rosto, carregando um sorriso de satisfação embriagada.
─── Está tudo pronto? ─── Eddard, mais ao canto, murmurou, roubando a atenção da Lady como um ladrão saqueia uma jovem donzela descuidada. Sua voz soou grave o suficiente para causar um tremor mal disfarçado em um dos amigos. Leon, para ser específica.
Maeve franziu os cenhos em confusão, lançando um olhar descuidado ao ruivo ao seu lado, porém, quando tomara a iniciativa de acabar com a dúvida que agora despertava os pensamentos da jovem, fora interrompida:
─── Todos já cumpriram seus desafios, Leon... menos você. ─── o Targaryen comentou ao inclinar a cabeça em direção ao garoto Estermont, cujo desconforto apenas mostrava-se mais aparente.
Ela encarou a silhueta do primo, reparando a forma como os ombros do rapaz moviam-se de maneira descuidada por debaixo do mais fino linho. Uma fera, pensou, uma fera oculta por apetrechos reais.
Lembrou-se de um conto qual lera uma vez em sua infância; sobre uma princesa apaixonando-se por uma fera, tal qual surpreendentemente, por trás de toda a monstruosidade, carregava um coração tão gentil quanto o de dez lordes.
Quando tinha por volta de seus dez dias de nome, costumava teorizar que o primo era assim; como aquele príncipe. Idiota, inconsequente, arrogante, despreocupado, irresponsável e, às vezes, cruel, apenas para esconder a nobre alma que carregava. Também acreditava em fantasmas e assombrações, mas conforme amadureceu, tomou consciência de que nem tudo parecia ser tão simples.
Daemon certa vez ensinou-a que pessoas más permanecem más, não há amor capaz realizar tal mudança. A maldita escuridão sempre persistirá dentro delas.
Maeve lamentava, desde então, pela futura companheira do rapaz. Que vida miserável ela teria que suportar.
─── Ei! ─── ela pareceu piscar algumas vezes quando notou o súbito rompimento que a voz de Aegon causara em seus devaneios, cortando-os como uma lâmina afiada. ─── Cuidado com isso, idiota. ─── o príncipe alertava Eddard ríspidamente enquanto o mesmo aproximava o objeto de suas narinas, verificando o conteúdo.
A Lady sentiu algo aguçar-se em seu peito, inclinando-se com as pontas dos pés sobre a figura de Aegon para avistar o que ambos tanto faziam, claramente curiosa.
─── O que é isso?
O rapaz encarou-a de soslaio, movimentando os ombros, oferecendo-a ligeiros indícios de que desejava afugentar a aproximação da prima, como se a respiração dela o incomodasse da mesma maneira que um inseto.
─── Isso? ─── ele inclinou o frasco para que o mesmo tomasse conta de seu campo de visão, fazendo-a estreitar os olhos. ─── Ah, apenas desejo líquido.
Não soube interpretar se era a ironia ou o nível de álcool que afetava a clareza nas palavras de Aegon, mas a explicação apenas deixou-a ainda mais intrigada. Maeve inclinou-se novamente, quase fazendo as sapatilhas vacilarem em seus pés com os movimentos. Aegon bufou, afastando-se da mesma, fazendo-a escorregar momentaneamente, porém, Martyn estava lá para evitar outro desastre.
─── É afrodisíaco. ─── respondeu-a sutilmente, o tom de voz fraco, como se soasse indecente referir-se a tal coisa em frente a uma dama. O nobre fechou os olhos por alguns instantes, aparentemente desfocando a atenção da atmosfera ao redor para buscar uma forma de explicá-la sobre a situação. ─── Bem, são apenas travessuras de garotos...
─── Ela será um de nós por algumas horas, certo Martyn? ─── o príncipe voltou as sobrancelhas erguidas para o amigo. ─── Permita-me explicá-la de forma mais clara, prima.
Um. Dois. Três. Quatro passos descompassados.
Aegon aproximava-se novamente, ao tempo em que erguia as mãos para afastar a proximidade entre Martyn e Maeve, aconchegando-se dentre ambos e repousando um braço nos ombros de cada um.
─── Lembra-se da bebida que lhe ofereci? ─── A garota assentiu em confirmação, uma careta se aponderando de sua expressão ao recordar-se do sabor amargo que ainda penetrava o paladar. ─── Cada um de nós tomou um gole dela, e depois, deveria escolher alguém para revelar uma verdade ou seu maior segredo. Se o indivíduo se recusasse, deveria cumprir um desafio. ─── Ele fez uma pausa, lançando um olhar cínico e acusatório para Leon. ─── Nosso amigo aqui recusou-se a revelar o segredo dele, então o desafiamos a colocar esse afrodisíaco em todos os barris de vinho do baile.
O rosto de Leon corou de imediato, o mesmo entrabrindo os lábios para protestar, mas Maeve fora mais ágil nesse quesito.
─── As probabilidades de que esse plano seja bem sucedido são menores do que a sua consciência. ─── atirou ela, mordiscando o interior de suas bochechas ao notar a rispidez notória dentre as palavras.
─── É impossível que tente divertir-se conosco quando se é uma puritana arrogante. ─── Aegon encarou-a com uma carranca, antes de remover o toque dos ombros dela com brusquidez. ─── Afinal, seria difícil acreditar que alguém como você tenha algo interessante a oferecer, prima.
Puritana e... arrogante?!
As palavras do rapaz ecoaram em sua mente como dardos envenenados. Maeve apertou os punhos, lutando contra o ímpeto de revidar na mesma moeda. Por que ele sempre sabia exatamente como atingi-la?
Ela baixou o olhar por um instante, sentindo as bochechas queimarem.
─── Claro, porque desafiar autoridades e sabotar um baile inteiro é o ápice da diversão, não é? ─── Maeve refutou o rapaz, erguendo o queixo imediatamente. Como se desejasse demonstrá-lo que tais palavras não a afetaram, por mais que agora suas entranhas se contorcessem de fúria. ─── Posso ser divertida quando quero.
Aegon encarava-a como se a mesma fosse uma daquelas senhoras antiquadas, às quais encaramos e ponderamos se os deuses as enviaram para a Terra como uma forma de punição à humanidade.
Ela não era uma velha chata.
Era muito legal, na verdade. Divertida, simpática e...
Sem esperar pela resposta do príncipe, ela avançou e arrancou o frasco das mãos de Leon. Apesar de seu interior gritar em protesto contra a ideia, Maeve ergueu o pequeno recipiente.
─── Se me permite, Leon, acho que você está prestes a tomar a decisão mais tola da sua vida, ─── atirou de imediato, antes que pudesse sequer completar os pensamentos que apossaram-se de si. ─── mas se insistem, posso ajudar.
As passagens secretas do palácio eram tão familiares para Maeve quanto a própria palma da mão. Já havia acostumado-se com o cheiro de mofo e às pedras cobertas por uma fina camada de poeira ─── tais quais os servos jamais notariam. Ela liderava o pequeno grupo por entre as passarelas estreitas, iluminadas apenas pela chama suave da tocha que segurava.
Martyn e Eddard reclamavam em murmúrios sobre o ambiente, o qual comparavam a um túmulo.
Claro que é lúgubre, pensou Maeve, passagens foram feitas para serem secretas, não decoradas como salões de festas.
Leon, no entanto, parecia concentrado em outra tarefa. O plano da travessura havia sido bem executado, sem grandes incidentes, e agora os garotos seguiam rumo à saída da passagem atrás do quarto de Maeve. Ela havia sugerido pegarem o alaúde antes de se dirigirem à Árvore-Coração, um local mais afastado e, acima de tudo, perfeito para esconderem-se de companhias indesejadas ─── seus guardiões.
Os rapazes já entoavam melodias populares e Leon, com o objeto em mãos, tentava acompanhar. O Estermont claramente não detinha um talento excepcional para o instrumento, e cada acorde soava desafinado, arrancando risadas do grupo.
Entretanto, as palavras dos outros soavam abafadas, como se fossem ditas debaixo d'água. Ela tentava se concentrar em uma frase aqui ou ali por mais que meros segundos, mas tudo escapava rápido demais, dissolvendo-se em um emaranhado de sons sem sentido, fugindo de si.
Aegon caminhava ao lado da garota, sempre um passo à frente ou atrás, mirando ocasionalmente os amigos e rindo das brincadeiras desajeitadas, até que o som de uma taça colidindo-se com chão ecoou pelo local.
Claro, Eddard ─── logo atrás de Maeve ─── havia tropeçado em um pedregulho e quase manchara as vestes da garota com o líquido apurpurado.
─── Nunca deixem uma taça vazia. ─── o príncipe proferiu, como se lhes desse um conselho valioso enquanto agachava-se com dificuldade para pegar a taça do amigo. Ele tropeçou ao tentar erguer-se novamente, os dedos escorregando pela pedra lisa, aparentando estar tentando agarrar o ar. Maeve cruzou os braços, o olhar avaliando o primo com ceticismo.
Como alguém consegue ser ainda mais tolo do que já é sóbrio?, Pensou, observando-o cambalear com uma elegância inexistente enquanto tentava colocar vinho ─── que, como tudo naquela noite, também havia sido furtado da cozinha real ─── na taça e derramava metade no chão.
Daquele ângulo, o rapaz aparentava ser um servo devasso que havia acabado de roubar de seu próprio Lorde. Os cabelos platinados caíam desordenadamente por sua nuca, com algumas mechas reluzindo sob a luz das tochas. Havia algo despreocupado, quase displicente, na maneira como ele se movia, o que a deixava inquieta.
─── Você fica olhando assim para todo mundo ou só para mim? ─── A voz embargada de Aegon assustou-a como se o mesmo tivesse surgido de repente do nada. Ela virou a cabeça, as miradelas ligeiramente desfocadas agora encontrando-se com as dele enquanto tentava recuperar a compostura.
Não era propriamente um olhar, apenas uma espiada vaga.
─── Não. ─── Maeve forçou um tom casual, quase indiferente, ao tempo em que erguia o queixo com um ar de sarcasmo. A voz saiu alguns tons acima do normal, acompanhada de um riso que ela própria não havia planejado. ─── Só você, oh, querido primo!
Talvez ela poderia ter olhado para ele um pouco demais... Talvez.
Um brilho de divertimento pareceu atravessar a expressão do rapaz, ao tempo em que o mesmo estreitou os olhos, aprumando-se de imediato para retrucá-la com um comentário afiado ou uma zombaria arrogante, porém, tudo que saiu da boca do rapaz fora um resmungo doloroso quando Leon atirou a superfície do alaúde contra o traseiro de Aegon. Maeve soltou um grito instintivo antes de uma gargalhada sincera escapar de seus lábios.
─── Doce, bela e querida Maeve... ─── o garoto Estermont começou, apontando agora o instrumento para ela num movimento acusatório, como se o mesmo estivesse preparado para interrogá-la. ─── Como o 'diamante do reino' pode ter o conhecimento de lugares tão... inadequados? ─── Leon ergueu uma sobrancelha cética, demonstrando que qualquer desculpa não o faria cair em uma teia de mentiras.
A garota cruzou os braços atrás do corpo, relaxando a expressão. Não estava nervosa. Não era como se ela fosse uma criança que acabara de ser pega realizando uma travessura, na verdade, talvez ela fosse de fato 'careta'.
Não lembrava-se de ter se divertido tanto em sua vida como agora, ou de quando fizera algo sem preocupar-se em como a corte reagiria.
─── Foi o meu pai. ─── Maeve o respondeu sem rodeios, voltando a caminhar agora em passos lentos, com o grupo de rapazes ao seu encalço.
Todos pareciam atentos a ouví-la. Até mesmo Aegon, tal qual sempre que surgia a oportunidade a impedia de declarar suas ideias ou opiniões com comentários maldosos, parecia abrir uma exceção.
─── Costumávamos usar as passagens para roubarmos guloseimas da cozinha real. ─── A loira encolheu os ombros. Sentia-se estranha com a atenção de todos voltada a si, percebendo as bochechas esquentarem mais que o normal. Tudo parecia quente, na verdade.
Eufórico, vivo.
Martyn soltou uma risada baixa, qual ecoou por tempo demais por sua cabeça.
─── Roubar doces, é?
─── Não era só isso! ─── Maeve retrucou. ─── Também fugíamos de criados irritantes e, às vezes, espionávamos reuniões no salão do conselho.
─── Oh, claro. Porque isso é muito mais interessante. ─── Aegon zombou, um sorriso malicioso surgindo no rosto. Aparentemente ninguém havia encontrado um comentário divertido ou relevante para complementar a resposta do príncipe.
Maeve sentiu uma brisa fria apossar-se de seus músculos. Parecia assemelhar-se com a sensação de quando lia algum de seus livros de fantasia e notava a calmaria antes da tempestade, uma tensão instantânea e quase instintiva, mesmo que não temesse o segundo seguinte.
O silêncio, no entanto, não fora duradouro como parecia mostrar-se ser, pois um som abafado ecoou de uma das esquinas nas passagens e infiltrou-se no corredor onde estavam. Os garotos distinguiram assemelhar-se a um grito estrangulado, talvez localizado em algum canto adiante...
Todos sentiram o sangue gelar por meros segundos.
Aqueles os quais passamos uma eternidade presos dentre uma linha tênue repleta de temor, indecisos sobre o que faremos a seguir e se nossa decisão será sábia.
Maeve engoliu em seco, aguardando que algo ou alguém se manifestasse, mas tudo que apossava-se do local era o simples e completo silêncio absoluto, tal qual agora não parecia convidativo e aconchegante como a garota gostava de lembrar-se de como era. Não, a falta de ruídos; o som apenas das respirações entrecortadas dos nobres atrás de si ─── quais soavam estranhamente altas ─── pareciam puxar um cordão invisível em seu estômago enquanto algo dentro dela lhe dava a impressão de empurrar a barriga.
Ela sentiu quando sua visão tornou-se brevemente turva, borrões indistintos apossando-se de suas miradelas. As sombras nas paredes moviam-se como se tivessem vida própria, e Maeve piscou, certa de que seus olhos estavam lhe pregando peças.
─── Vocês ouviram isso? ─── Eddard foi o primeiro a quebrar a tensão, sua expressão tornando-se tensa ao proferir a pergunta em um sussurro.
─── É claro que ouvimos. ─── Aegon respondeu, o tom não tão desdenhoso desta vez. Ele franziu a testa, avaliando a esquina logo adiante. ─── Parece que alguém se meteu em apuros.
De repente, o ar não parecia respirável para Maeve. Era denso e pesado aos pulmões, como se estivesse afogando-se no próprio oxigênio.
─── Devemos verificar. ─── Martyn sugeriu, lançando um passo corajoso, porém hesitante, à frente.
─── Ou talvez devêssemos ser sensatos e voltar para a festa. ─── Leon retrucou enquanto impedia o amigo de se movimentar ainda mais, as mãos agora agarrando o alaúde como se portasse uma espada, preparado para defender-se.
Oh, ela não voltaria para o baile tão cedo.
A Lady agarrou a manga das vestes do rapaz ao seu lado com precisão, postando-o alguns passos à frente do grupo. Aegon grunhiu em um protesto silencioso, mas fora em vão. Estava bêbado demais para questionar o que quer que a prima o fizesse.
─── Estão vendo ali? ─── Maeve fizera uma pergunta retórica, estendendo a tocha para que as chamas iluminassem um portal abandonado à esquerda. Os rapazes não responderam. ─── Você primeiro. ─── ela empurrou o Targaryen, como se jogasse uma ísca a um tubarão.
─── Pelos deuses... ─── Seu primo murmurou ao tropeçar desajeitadamente nos próprios pés. ─── Seja mais delicada. ─── silêncio. Todos o encaravam com tensão, os pares de olhos focados no príncipe como se esperassem algo dele. Aegon riu, o que fizera Maeve franzir os cenhos.
A garota esperava alguma resistência do primo, mas o invés disso, o príncipe ajeitou a postura numa tentativa de mostrar-se digno ─── seus movimentos descoordenados tornando o esforço quase cômico ─── antes de lhes dar as costas e seguir o caminho adiante. Segundos depois, a silhueta do rapaz perdeu-se da vista de todos.
O grupo permaneceu imóvel por um instante, como se a ausência de Aegon tivesse sugado qualquer capacidade de mobilidade dentre os músculos de cada um.
Maeve engoliu em seco, sentindo uma pressão incômoda no peito enquanto o silêncio do corredor tornava-se insuportável. Contava os minutos em sua mente como uma forma de apressar o tempo, já que cada segundo parecia durar uma eternidade. Suas mãos, antes firmes, agora tremiam levemente enquanto seguravam a tocha e martelava ansiosamente o pavimento sujo com os pés.
─── Se ele não voltar em três minutos, é sinal de que morreu. ─── Leon foi o primeiro a sussurrar, apertando o alaúde contra o peito como se o mesmo fosse protegê-lo se algo acontecesse.
─── Irei atrás dele. ─── proferiu então, sem rodeios. Sabia que nenhum dos presentes a deteria; não porque confiavam nela, mas porque não tinham coragem ou motivações suficientes para fazerem o mesmo.
Sem esperar qualquer resposta, Maeve avançou, os passos ecoando pelo passadouro deserto; enquanto ponderava se a penumbra das passagens à frente deveriam lhe dar a impressão de tornarem-se mais escuras do que aparentavam ser há minutos atrás. Após hesitar por um instante, respirou profundamente, fechando os olhos e permitindo que a palma da mão deslizasse pela superfície áspera da parede.
─── É melhor você estar morto, ou eu mesma te matarei! ─── murmurou, a voz baixa oscilando num misto de medo e irritação. Internamente, amaldiçoava-se por ter concordado com as sugestões de 'diversão' dos rapazes.
Alçando os olhos, a garota continuou a caminhar, sentindo seu coração acelerado a cada passo que dava. Por mais que tentasse manter a respiração sob controle, era impossível não notar como o ar parecia mais pesado, dificultando o simples ato de encher os pulmões. Com passos cautelosos, iluminou o que parecia ser uma abertura esculpida diretamente na pedra à sua esquerda e ao atravessá-la, pisou em falso por alguns instantes, seus pés tropeçando um no outro e fazendo-a perceber que uma trilha de degraus guiavam-na a um corredor estreito; o cheiro de umidade e ferrugem tornando-se cada vez mais forte às narinas da jovem.
Maeve piscou várias vezes com o intuito de se concentrar, toda a atmosfera ao redor parecia rodopiar o suficiente para que ela precisasse segurar as paredes antes de começar a descer, sua visão agora ajustando-se lentamente à escassez de luz que mostrava-se presente no ambiente.
Conforme as solas de suas sapatilhas ─── antes brancas ─── arrastavam-se pelo piso em um som áspero; a garota identificou a passagem em espiral, fazendo-a sentir como se tal rota fizesse sua cabeça pesar mais que o próprio corpo.
A Targaryen não recordou quantos minutos contou em sua mente, dado que parou quando chegou a contar até duzentos e dez, antes de ser distraída por uma leve brisa ameaçando apagar as chamas do facho em suas mãos por segundos pesarosos. Graças aos deuses finalmente avistou uma iluminação quase indistinguível ao fim da escadaria, acompanhada de um novo corredor, repleto por celas com portas de madeiras maciças e envelhecidas.
Maeve soltou um suspiro ao reconhecer o local como um dos níveis das masmorras, e antes de explorar mais, suas miradelas captaram a cabeleira platinada e desgrenhada que só podia pertencer a apenas um Targaryen.
Aegon estava parado em uma área onde a luz da lua filtrava-se por frestas no teto de pedra, o corpo inclinado sobre uma esquina enquanto parecia concentrado em algo. Um alívio, qual a lady nem tinha consciência que era capaz de sentir, percorreu Maeve ao notar que, ao menos à primeira vista, o primo ainda possuía os dois braços e as duas pernas intactos.
Sem se dar conta do estado cambaleante de seus próprios passos, Maeve avançou, tropeçando levemente em um dos pés ao tentar apressar o ritmo. Quando finalmente alcançou Aegon, a garota estapeou um de seus ombros; embora o movimento tivesse mais impacto do que ela esperava, quase desequilibrando os dois.
─── Droga, Aegon! Você é um... ─── balbuciou, as palavras saindo um pouco arrastadas enquanto apertava os olhos na tentativa de manter o foco. ─── Custava voltar e nos avisar que estava tudo bem?
Aegon sobressaltou-se com a chegada abrupta de Maeve, endireitando-se como se tivesse levado um choque. Seus olhos arregalaram-se por um breve momento, mas logo uma expressão de irritação e alerta tomou conta de suas feições. Sem dizer nada, ergueu uma mão em um gesto apressado para que ela ficasse quieta, levando o dedo aos próprios lábios.
O cenho de Maeve franziu ao observar a mão do primo aproximar-se cada vez mais de seu rosto até que tocasse o seu queixo, inclinando-o para o lado e guiando o olhar da mesma para o ponto exato que estava encarando.
─── Mas... o quê...? ─── A voz de Maeve escapou em um sussurro tão fraco que mal teria sido ouvida, não fosse o silêncio latente do local ou proximidade entre os dois.
Não fora capaz de reconhecer a silhueta curvada e esguia logo de imediato, mas os cachos castanhos na altura dos ombros e o típico bastão arrastando-se pelo pavimento em um som irritantemente estrondoso e perturbador, revelou a identidade do Lorde antes mesmo que se virasse.
Larys Strong.
─── A coroa agradece vossos serviços. ─── Larys girou lentamente sobre os calcanhares, agora de frente para os jovens, embora ainda alheio à presença deles.
Chegando a extremidade iluminada, recostou-se casualmente contra a parede de pedra, como se estivesse no salão de uma corte e não em uma masmorra fétida. Seus olhos insensíveis fixaram-se na cela diante dele, e com um breve gesto de mão, ordenou que fosse aberta.
Um guarda robusto, com o rosto coberto por uma barbuta prateada, aprontou-se para o calabouço, e rapidamente um homem fora puxado à força. A figura esquelética e encurvada cambaleou, o corpo tão magro e a pele tão pálida que mais parecia um fantasma forçado a vagar em sua forma humana. Era evidente que o indivíduo não via a luz do sol há dias.
O prisioneiro foi arrastado para o centro e forçado a ajoelhar-se. Seu superior agora segurando o rosto do mesmo com firmeza, e, com uma das mãos enluvadas, inclinou-o para trás antes de apertar a mandíbula do homem com força suficiente para que a boca se abrisse. Um murmúrio fraco escapou dos lábios dele enquanto a cabeça pendia, mas não ofereceu resistência.
Foi então que Maeve percebeu a lâmina nas mãos do vigilante. Era grotesca, terrivelmente desproporcional e curvada em um ângulo que a mesma não se familiarizou. A arma parecia mais uma ferramenta de tortura do que um utensílio para matar; algo projetado para infligir a mais pura dor. Lenta e meticulosa.
O coração da platinada acelerou, seu pulso martelando nos ouvidos enquanto ela observava, paralisada, o guarda puxar a língua do homem com dedos firmes.
O prisioneiro reagiu com desespero. Seus olhos arregalaram-se em puro terror, e o mesmo soltou um grito sufocado, repleto de murmúrios desconexos, enquanto lutava inutilmente contra a força superior que o mantinha preso.
Então veio o som.
O aço cortando o ar e encontrando carne. O urro do homem explodindo pela masmorra, um som gutural e torturante que pareceu arrancar Maeve de sua letargia. Ela recuou instintivamente, com seu cérebro maquinando de forma desordenada; medo e adrenalina agora bombeando as correntes sanguíneas de seu corpo.
O odor metálico de sangue fresco fundiu-se juntamente ao cheiro de putrefação e urina que pairava diante o local, e a deixava mais enojada desde então. Suas narinas contorceram-se, fazendo-a sufocar um engasgo.
Maeve virou-se de costas para a cena, mas era tarde demais. O som do líquido espesso gotejando contra o chão e o grito entrecortado do homem ainda ressoavam em seus ouvidos.
Sentiu o estômago embrulhar por alguns instantes, a sensação familiar de fraqueza apossando-se dos músculos da jovem, como se fosse vomitar.
Espera... ela iria vomitar.
Dobrou-se para a frente e finalmente o fez, a respiração interrompida por soluços e engasgos. Sua cabeça girava, e Maeve apertou os olhos com força, tentando dissipar da memória a visão que havia acabado de presenciar.
Ao lado de si, Aegon, ainda em silêncio, lançou-lhe um olhar rápido, mas não ousou mover-se ou dizer algo, talvez temendo que qualquer movimento agora lhe arrancasse a atenção do torturador.
A lady tentou recompor-se, cruzando as pernas e sentando no piso frio, suas pálpebras cerradas desejando reorganizar os próprios pensamentos. Apesar do pânico, não corriam sequer risco algum. Eles eram nobres, filho e sobrinha do rei, e se notassem em qualquer um dos dois o menor fio de cabelo maculado, certamente seria um alarde.
Mas aquilo não significava que ambos poderiam ser pegos.
E por que a 'coroa' agradeceria aos serviços de criminosos, logo antes de terem suas línguas cortadas?
Um estalo fraco, quase imperceptível, interrompera o raciocínio de Maeve, algo parecia aquecer os tecidos de suas vestes. Talvez o nervosismo ou... a maldita bebida que Aegon havia entregado para ela.
─── Maeve...
Claro. Era ele, sempre ele. Primeiro no fosso dos Dragões, depois no Beco da Doninha e agora isso. A cada lugar que Maeve o seguisse, havia alguma emboscada envolvendo-os.
─── Maeve! ─── Aegon a chamou em um sussurro mais uma vez, a voz agora carregando um tom de urgência que finalmente arrancou Maeve de seus pensamentos. Antes que a lady pudesse reagir, ele tropeçou desajeitadamente nos passos dela, o pé pisoteando o tecido de seu vestido.
─── Aegon... ─── Ela preparou-se para adverti-lo, porém, a frase morreu na garganta quando um calor desconfortável percorreu sua perna.
Maeve baixou os olhos e congelou ao avistar as chamas subindo rapidamente pelo tecido de seu vestido. Uma mistura de pânico e incredulidade tomou conta de si enquanto soltava um grito agudo, tão estridente que pareceu ecoar por toda a masmorra.
Pelos deuses.
Era fogo. Fogo. Aparentemente, Maeve fora tola o suficiente para, em algum momento, repousar a tocha proxima demais a si quando sentou-se ao chão. A loira já podia sentir o desconforto nas panturrilhas, a ardência tornando-se mais palpável em sua pele...
─── Maeve, fique quieta! ─── Aegon exclamou silenciosamente, mas havia mais pavor do que irritação em sua voz. O príncipe cambaleou para trás, as mãos se movendo inutilmente no ar, enquanto tentava decidir se a ajudaria ou simplesmente fugiria.
─── E-eu estou... ─── Maeve, por sua vez, levantou-se e sacudiu as saias com desespero, girando em um movimento frenético que mais parecia alimentar as chamas do que apagá-las. O calor agora era insuportável, e as lágrimas já ameaçavam brotar nos olhos da mesma. ─── Faça algo!
─── Pare de girar, droga! ─── Ele retrucou, tentando alcançar o vestido ao tempo em que a prima continuava a se debater. ─── Vai piorar!
O pânico de Maeve era palpável, seu coração batia forte, o calor nas pernas intensificando-se a cada segundo. A sensação de estar perdendo o controle sobre seu próprio corpo a fez entrar em um estado de frenesi, os pés desajeitados tentando apagar o fogo que consumia rapidamente o vestido, mas tudo que conseguia era espalhá-lo ainda mais.
─── Por favor, fique parada! ─── o platinado implorou em um tom irritado, puxando-a para trás, longe das chamas. Pisou no tecido do vestido, tentando a todo custo evitar que o fogo se alastrasse. Suas botas, de sola pesada, esmagaram o material com um estampido, abafando temporariamente as chamas, mas apenas por um instante, antes de encontrarem um ponto mais seguro e repetir o processo novamente.
Dessa vez, com sucesso.
Aegon não perdeu mais tempo. Assim que as chamas foram apagadas, agarrou os pulsos de Maeve com força, sua respiração pesada e descompassada, enquanto seus olhos percorriam o entorno da masmorra.
─── Apresse-se, Maeve. Agora. ─── a voz saiu em um tom rouco, quase num sussurro, e carregada de impaciência.
Sem esperar pela resposta dela, ele puxou-a para cima quando ambos puderam escutar o som abafado de vozes e passos à distância, indicando que Larys ─── junto a quem quer que estivesse ali ─── certamente havia notado a presença de pessoas indesejadas.
Maeve tropeçou uma vez, depois outra, o tecido chamuscado enroscando-se dentre as sapatilhas, dificultando seus movimentos. Ainda assim, o príncipe não afrouxava o aperto, praticamente arrastando-a pelos túneis sombrios. Ela tentou acompanhar o ritmo, mas tropeçou ao sentir algo puxar seu pulso. Maeve tentou libertar-se com um puxão brusco, ouvindo ao longe algo ceder, como se rompesse em duas partes, antes de cair ao chão com um tilintar seco.
Não teve a oportunidade de virar-se para ver o que era.
Os corredores pareciam intermináveis a cada esquina que os jovens atravessavam sem saberem o que esperar da proxima rota, aguardando o momento em que seriam pegos a qualquer instante. Maeve podia sentir o coração batendo na garganta, o cheiro do tecido queimado ainda impregnava o ar.
Finalmente, após o que pareceu uma eternidade, eles emergiram em um espaço mais amplo. O som das folhas ao vento e o farfalhar suave de galhos indicavam que haviam deixado o confinamento sufocante da masmorra e das passagens reais. Diante deles, a Árvore-Coração erguia-se, seus galhos brancos reluzindo sob a luz prateada da lua.
Os nobres pararam, puxando o ar em direção aos seus pulmões profundamente. Por um instante, ficaram imóveis, os olhos fixos um no outro, como se não pudessem acreditar no que acabara de acontecer. A tensão nos semblantes, o brilho de descrença em seus olhos.
Maeve, sem dizer nada, deixou-se cair na grama úmida, os fios platinados como o luar acima de si espalhando-se ao redor de sua cabeça como uma coroa desarrumada. Fitou o céu estrelado, enquanto as mãos repousavam sobre sua barriga, o peito ainda subindo e descendo em um ritmo acelerado.
Aegon inclinou o olhar para ela, o canto dos lábios curvando-se em um meio sorriso zombeteiro. Suas mãos descansavam na cintura de forma descontraída, a expressão quase divertida.
─── Você está péssima.
A garota estreitou os olhos e arqueou uma única sobrancelha, o rosto assumindo um misto de cansaço e ironia.
─── Não é como se você estivesse muito melhor que eu. ─── sua voz saiu firme, mas suave, ignorando a tentiva falha de provocação do rapaz
O Targaryen dera de ombros, suspirando fundo antes de sentar em algum canto fora do campo de visão da Lady, que ergueu-se quase de imediato quando reparou em um movimento sútil de Aegon.
Ele girava distraidamente um pequeno dragão de ouro entre os dedos, o brilho do metal refletindo suavemente à luz da lua. Maeve observou o movimento por alguns instantes, franzindo o cenho, antes de quebrar o silêncio.
─── O que é isso? ─── perguntou, inclinando a cabeça ligeiramente, os olhos presos no pequeno metal.
Aegon deu de ombros, sem interromper o gesto repetitivo.
─── Um presente do meu pai. ─── o príncipe respondeu com um tom que não denotava muito afeto, aparentemente esforçando-se para demonstrar que objeto não continha importância alguma.
A resposta foi seguida por um silêncio prolongado, ambos imersos em seus próprios pensamentos. Maeve baixou o olhar, uma marca arroxeada no dorso da mão esquerda do loiro chamando sua atenção.
Ela engoliu em seco, hesitando antes de falar.
─── Eu... nunca pedi desculpas por isso. ─── o tom saiu baixo, quase um sussurro, enquanto a lady indicava a mão do rapaz com um leve movimento de cabeça.
Aegon suspirou fundo, as miradelas ainda voltadas para a moeda em seus dedos, sem pressa de responder. Ele não parecia incomodado, mas havia algo de pesado em sua respiração.
A jovem, por sua vez, sentiu suas bochechas corarem. A vergonha de ter tocado no assunto fazendo-a encolher-se um pouco, e imediatamente começou a irritar-se consigo mesma por ter dito algo tão tolo. Ela não devia se preocupar com isso, não agora.
Estúpida.
Maeve afastou-se, remexendo os dedos para brincar com a pulseira de mão que sempre usava,mas ao buscá-la, apenas encontraram-se com o toque cálido de sua própria pele.Vazia.
Um olhar rápido para baixo revelou o motivo ─── a jóia não estava mais ali. O que restava era apenas uma mancha avermelhada no dorso da mão, sua pequena marca de nascença. Tal qual ela sabia exatamente o que significaria para muitos na corte se a vissem.
Instintivamente, escondeu-a sob as saias do vestido, camuflando-a apressadamente da visão do primo. Sentiu um calor espalhar-se por seus membros, enquanto o príncipe, alheio à inquietação, continuava a girar a moeda entre os dedos, como se nada tivesse acontecido.
A loira mordiscou os lábios, ponderando que talvez tivesse perdido a pulseira nas masmorras.
Droga.
❛ ⚜️. 001 ▮me desculpem pela demora nas atualizações, gostaria de explicar pra vocês que o motivo da demora foi minha desanimação, e quando animei o capítulo parecia que nunca iria acabar (tive que remover muitas cenas extras porque se não daria mais de 10 mil palavras, sem meme), e ainda peguei semana de prova de novo (só assim pra eu atualizar) ❜
❛ ⚜️. 002 ▮enfim, pra quem leu até aqui, queria saber se preferem capítulos curtos com no máximo 5 mil palavras, ou capítulos longos, ja que desde o capítulo 1 eu venho postando todos com uma média 6 a 7 mil palavras)
❛ ⚜️. 003 ▮Também queria saber o que estão achando da estória e do enredo 🥺 o próximo capítulo finalmente vai ter o Daemon skksksks to ansiosa pra introduzir ele, omg ❜
Obrigada por lerem até aqui <3
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