❛⭒002 - Maeve sangrenta ❜

capítulo dois
Maeve sangrenta

𔓕 MAEVE TARGARYENㅤׅ ノ ୨ৎ

﹙treze dias de nome﹚ | madrugada do
décimo primeiro dia da primeira lua de
122 depois da conquista






















Os passos suaves da garota ecoavam tranquilamente pelas passagens estreitas do palácio, como o murmúrio de uma brisa distante. Seus dedos, ornados pela pulseira de mão que repousava delicadamente sobre o dorso esquerdo, tilintavam de forma irritante ao chocarem-se com o frasco de vidro que ela cuidadosamente embalava em suas mãos.

Os olhos bicolores ─── verde e violeta ─── de Maeve miravam o inseto em seu interior com um brilho malicioso, enquanto a aranha agitava-se sob o vidro.

─── Pelos deuses Maeve, se fizer mais barulho, todos do palácio saberão o que estamos fazendo! ─── o tom afiado de Aemond cortou o silêncio, como uma lâmina deslizando sobre a seda. ─── E o que diabos você carrega aí com tanta euforia? ─── ele perguntou, encarando-a de soslaio enquanto esticava-se na ponta dos pés, tentando vislumbrar o que sua prima escondia.

Maeve encolheu os ombros, permitindo que as sombras fossem suas cúmplices ao alimentar a curiosidade de Aemond. Ser alguns centímetros mais alta que o príncipe era uma vantagem que ela faria questão de utilizar sempre que possível.

─── Você é um bisbilhoteiro nato! ─── Maeve respondeu com um sorriso malicioso, erguendo o frasco para que o pequeno príncipe avistasse o aracnídeo em seu interior. ─── Mas trouxe um presente emprestado de uma amiga. Será nosso mais forte aliado em questão.

Aemond estreitou os olhos, desconfiado, agarrando o vidro rápido demais. Maeve nunca teve um reflexo ágil e seu primo aproveitou-se disso da melhor forma possível.

Estavam quites agora.

─── Esta não é a aranha que presenteou Helaena mais cedo? ─── a loira assentiu com animação, e em resposta às suas ações, o rapaz apenas franziu mais os cenhos. Maeve não tinha ideia de como alguém poderia ser capaz de ter aquela mesma expressão a não ser o primo. ─── Mas ela parece… diferente. Onde estão suas diversas cores?

A garota cerrou os olhos, questionando-se a mesma coisa por meros segundos, antes de arrancar o frasco das mãos de Aemond e lhe dar os ombros despreocupadamente.

─── E isso importa? Chamativa ou não esse pequeno ser surtirá o mesmo pavor em seu querido irmão. ─── Um sorriso de satisfação desabrochou sobre os lábios da jovem novamente.

O garoto cruzou os braços, avaliando-a por um momento antes de deixar um bufar preocupado e ligeiramente arrependido, escapar.

─── Não me venha com essa! ─── Maeve inclinou-se ligeiramente, percebendo o vacilo no primo, e seus olhos brilharam com uma frustração contida. ─── Não acha que Aegon merece uma lição pelo que fez?

O rapaz respondeu-a com um pequeno gesto despretensioso, repetindo os movimentos anteriores da mais velha, o que a fez empurrá-lo com os ombros numa forma de instigá-lo, ou apenas arrastá-lo caminho a frente.
Qualquer coisa que o fizesse prosseguir.

Na verdade, Maeve não importava-se que mais uma vez as travessuras de Aegon tivessem tido consequências sérias para Aemond. O que a enfurecia era ter sido culpada junto dele, quando tudo o que fizera fora exatamente o contrário.

Quando os guardas encontraram as crianças correndo dentre escuridão do fosso e levaram-nas aos aposentos da rainha, interrompendo-a em meio a seus afazeres, o olhar da mulher a atingiu como uma lâmina silenciosa.

Algo dentro de Maeve sempre esforçou-se para agradar Alicent, como uma fome insaciável que crescia incessantemente em seu interior, buscando desesperadamente algo que nem ela sabia ao certo o que era. A voz em seu subconsciente sussurrava que monarcas tinham a tendência de causar tal coisa em seus suditos, e, por um tempo, os esforços da mesma pareciam gerar resultados positivos. Até agora.

O modo como a consorte mirou-a fora como quando Maeve dedicava-se a algo que, no fundo, tinha plena consciência de estar arruinado, mas ainda assim torcia por um desfecho diferente. Nunca era.

E, depois de rolar aproximadamente sete vezes em sua cama, ─── porquê era seu número da sorte ─── ela decidiu que Aegon deveria sentir o sabor amargo de seu próprio veneno.

Talvez afogar-se nele.

Embora Aemond não a retornasse ou indicasse estar completamente de acordo com o que quer que a prima estivesse planejando, seguiu-a como o esperado. Ambos caminharam juntos silenciosamente até depararem-se com uma parede discreta nas profundezas lúgubres e úmidas do passadouro.

─── É aqui?

A loira assentiu silenciosamente, deslizando as mãos com gentileza pelos entalhes dracônicos cravados sobre a pedra, e, aos poucos, os sussurros de longe chegavam a seus ouvidos.
Maeve fez uma careta desgostosa antes de empurrar com mais força a portinhola e fechar os olhos rapidamente.

─── Por favor, não seja o que estou pensando que é… ─── ela murmurou, sentindo os movimentos fugazes do príncipe para bisbilhotar entre a pequena brecha escondida.

Aemond espiava pela pequena abertura o que acontecia no interior de um dos aposentos da Fortaleza, e uma gargalhada silenciosa fora arrancada de seus lábios quando o garoto o fez.

─── Não pode ser! ─── ele sussurrou, a voz estrangulada por um riso contido.

Uma centelha de curiosidade cresceu sob o peito de Maeve, fazendo-a abrir e posicionar um dos olhos dentre a fenda no mesmo instante. Tudo que avistou de início foram cortinas e tapeçarias cobrindo a passagem secreta, brinquedos entalhados em formatos curiosos e… ali estava ele.

Dentre a brecha, observavam Aegon sozinho, em frente a um grande espelho. O rapaz observava o próprio reflexo com atenção, repetindo expressões e gestos corteses, como se tentasse ensaiar uma interação.

─── Então é assim que ele pratica para parecer... menos ele mesmo nos bailes? ─── Maeve abafou uma risada, seus olhos fixos na figura do primo mais velho, e Aemond, ao lado dela, não pôde evitar uma expressão de escárnio.

─── Patético.

A jovem deslizou pela portinhola como seda, aproximando-se de um dos móveis do aposento de Aegon, enquanto o príncipe continuava com seu… show particular, alheio à presença dos dois. Com um movimento rápido e silencioso, ela soltou a aranha, que rapidamente esgueirou-se pelo chão e escondeu-se entre os móveis, fazendo-a perder o inseto de vista.

Aegon, distraído, prosseguiu com seus discursos e sorrisos, até que os olhos de Maeve finalmente recaíram-se sobre o chão... onde a aranha lentamente se aproximava do príncipe. Ela cravou uma de suas patas no calcanhar do rapaz e sutilmente escalava a pele pálida do mesmo, que pareceu notar um certo incômodo logo de imediato, e, franzindo a testa, moveu-se para tocar o local que o incomodava.

Maeve fez uma careta.

Péssima ideia.

Enquanto coçava ligeiramente os tornozelos, o inseto acomodou-se em uma de suas mãos. Aegon recuperou a compostura novamente, e então, ao voltar-se para o espelho, seus olhos arregalaram-se de imediato.

Os músculos do rapaz ficaram tensos ao tempo em que o mesmo erguia a mão esquerda lentamente, como se um simples movimento sequer fosse arruiná-lo. Porquê iria.

O príncipe aproximava o dorso da mão de seu olhos amedrontados e estupefatos, momentos antes de finalmente notar o que era aquela coisa, sucumbir ao pânico e gritar como uma gazela. Num gesto brusco, tentou sacudir a aranha de si, junto da esperança de que atirasse o inseto o mais longe possível, mas foi tarde demais. Seu rosto pálido deformou-se em horror, e ele soltou um grito agudo que ecoou pelos aposentos.

─── Mas que merda!

As crianças sufocaram o riso, com uma clara diversão estampada em seus rostos ─── o que não duraria o suficiente para ambos.
Logo, o riso largo de Aemond esmoreceu, ao ver o semblante do irmão mudar drasticamente.

Maeve, contudo, deleitava-se com o sucesso de sua travessura. Erguendo-se com um sorriso malicioso, começou instintivamente a bater palmas, o ruído ecoando pela câmara e interrompendo a crescente fobia de Aegon. Sua intenção era clara: chamar a atenção do príncipe. E funcionou. O rapaz girou nos calcanhares, seus olhos confusos encontrando os de Maeve, enquanto as sobrancelhas uniam-se em uma expressão de surpresa e desagrado.

Ele parecia atordoado, tentando entender como ela havia surgido ali sem que o mesmo sequer percebesse. Piscou várias vezes, o coração ainda acelerado pelo susto, enquanto um leve rubor subia por suas bochechas, o conjunto de humilhação e irritação cintilando sobre as orbes do Targaryen ao falhar miseravelmente em se recompor, esforçando-se para parecer indiferente à presença de Maeve.

Ele abriu a boca para dizer algo, mas o incômodo da picada, junto com a vergonha, fez com que tudo o que saísse fosse um som desconexo.

─── Acha divertido ser alvo de brincadeiras como as suas? ─── a garota o questionou com veneno em seu tom de voz, aproximando-se do rapaz em passos lentos.

Maeve pôde notar quando o maxilar do mesmo rangeu em resposta.

─── Esperava algo mais criativo vindo de você. O que fará da próxima vez? Colocará cobras em meu sapato?

─── Cobras? Não, primo ─── a loura retrucou com um sorriso cortante, cruzando os braços enquanto arqueava uma de suas sobrancelhas em desafio. ─── Talvez eu apenas lhe dê uma lição de oratória, já que parece tão empenhado em ensaiar falas na frente do espelho para agradar a corte. Quem sabe assim consiga impressionar alguém além do próprio reflexo.

Aegon aprontou-se para replicar Maeve com uma resposta afiada, porém, ao invés disso pareceu cambalear alguns passos para trás, segurando a mão onde há poucos segundos a aranha repousava, sua respiração tornando-se rápida e errática. Os lábios se entreabriram, enquanto gotas de suor começavam a despontar em sua testa.

─── O que está acontecendo? ─── Aemond sussurrou, preocupado, revelando sua silhueta ao sair do esconderijo e observar o irmão, agora claramente em pânico.

Maeve parou por um instante. Sempre soube que seu primo mais velho era tão dramático quanto uma mulher grávida.

Os movimentos de Aegon tornaram-se mais erráticos, e o pânico que antes parecia teatral começava a se mostrar mais real. Ela estreitou os olhos, notando a cor de sua pele empalidecer ligeiramente.

Engoliu em seco.

─── Aegon… ─── começou Maeve, a diversão sumindo de sua voz enquanto a hesitação tomava um lugar em seu peito.

Aemond deu um passo à frente, os olhos fixos no irmão mais velho, qual apalpava a vermelhidão crescente que agora se espalhava por seu dorso.

─── Maeve, o que exatamente essa aranha faz?

─── E-eu não sei! Supus que… bem, ninguém venderia uma aranha venenosa.

Aemond estreitou os olhos, uma sombra de ceticismo passando por seu rosto.

─── Venenosa?! ─── exclamou ele. ─── Claramente ofereceram ao seu pai um inseto peçonhento, e você nem sequer se deu ao trabalho de verificar.

Aegon gemeu de dor, sua mão agora pressionando o local onde o dorso queimava como fogo. O príncipe tropeçou e sentou-se pesadamente na beira da cama, seu rosto contorcido em uma mistura de dor e confusão. Maeve, tomada por um súbito impulso, correu até ele, o coração martelando no peito. Com as mãos trêmulas, começou a examinar o local.

─── Acho que ele foi picado… ─── murmurou ela, a voz entrecortada pela preocupação evidente ao avistar a vermelhidão alastrar-se de forma alarmante pela pele do rapaz.

Aemond aproximou-se, lançando um olhar atento ao irmão, antes de retrair-se com uma expressão dura.

─── Precisamos chamar o meistre. ─── declarou, girando sobre os calcanhares e movendo-se em direção à porta.

O coração de Maeve apertou. Ela sabia que, naquele momento, pensar em si mesma seria egoísta, ainda mais considerando que toda essa situação desastrosa fora fruto de sua própria impulsividade e incapacidade de esquecer o que ocorrera mais cedo.
Mas se o meistre fosse convocado, surgiriam perguntas. E perguntas traziam problemas.

A corte não a via mais como uma criança ingênua, e a fama de seu pai certamente não seria uma aliada. Quando soubessem que a ideia de assustar Aegon com o inseto, ─── que poderia ser peçonhento ─── fora inteiramente sua, a palavra dela não valeria muito.

Nem mesmo Maeve acreditaria se alguém dissesse que fora apenas um acidente ─── um descuido fatal.

Com um suspiro tenso, agarrou os pulsos de Aegon com desespero.

Poderiam acusá-la de atentar contra o príncipe. E mesmo que decidissem manter o incidente em segredo ─── o que ela duvidava plenamente ─── rumores eram como a pior das serpentes, e com certeza teriam o mesmo efeito devastador de um julgamento.

─── Não! ─── Maeve interrompeu as passadelas do príncipe quase de imediato, a urgência em seu tom fazendo-o hesitar tempo suficiente para a mesma convencê-lo a encontrar outra solução. ─── Se o meistre vier, fará perguntas e… estarei em sérios apuros…

Os olhos do rapaz escureceram-se enquanto  alternava suas miradelas entre Maeve e Aegon, que agora estava reclinado na cama, suando frio e apertando o local da picada. Parecia alheio às palavras ao seu redor, como se o sentido delas se dissipasse antes de alcançá-lo.
O mais velho gemeu outra vez, e Maeve sentou-se ao lado do mesmo, a culpa e o temor refletindo em seus olhos.

─── Conheço uma curandeira. ── a Lady apressou-se, sua voz transformando-se em uma prece aflita.  ─── Ela está aqui, em Porto Real. Tenho certeza de que sabe tratar de tais assuntos, só preciso levá-lo até ela e tudo ficará bem.

Aemond cruzou os braços, avaliando a situação.

─── Você quer tirar Aegon daqui? E o que acha que acontecerá quando perceberem que ele sumiu? Ou pior, que você está com ele?

─── E é por isso que precisaremos de você. ─── implorou a loira, seus olhos cravando-se nos dele com uma intensidade desesperada. ─── Lavarei Aegon até a curandeira, e você distrairá os guardas, servos… qualquer um.

Aemond suspirou, as engrenagens de seu cérebro trabalhando enquanto ponderava as opções.

─── Você me deve uma, Aemond.

─── Muito bem, mas isso precisa ser rápido. Se algo der errado, estaremos perdidos.

Os olhos curiosos de Maeve vasculhavam o interior da cabana assim que atravessaram o portal de madeira. Segundo suas lembranças ─── que não eram muito confiáveis naquele momento ─── estavam em algum lugar escondido no Beco da Doninha.

A cabana da curandeira era um espaço diminuto, onde a luz parecia se esgueirar por frestas ínfimas entre as tábuas envelhecidas. Tecidos desbotados pendiam do teto, balançando suavemente ao menor toque da brisa do lado de fora, criando sombras que se moviam como espectros nas paredes. O ar estava denso com o cheiro de ervas secas e poções fermentando, enquanto prateleiras empilhadas de frascos e ingredientes exóticos forçavam-se a encontrar lugar em cada canto.

Ela sentiu o peso de Aegon aumentar em seus ombros e não pôde deixar de revirar os olhos. O primo exagerava com seus sintomas desde que saíram furtivamente e esgueiraram-se para as ruas de Porto Real através das passagens secretas.
Primeiro, lamentou não sentir as pernas; depois, disse que talvez ficasse debilitado por semanas, e sugeriu que a única forma de mantê-lo calado seria se Maeve se dispusesse a tomar conta de todos os deveres do príncipe após sua melhora.

Deuses, pensou ela, talvez deixá-lo definhar não fosse uma má ideia.

O príncipe, no entanto, endireitou-se subitamente ao perceber onde estavam; pigarreando forçadamente, como se tentasse, sem sucesso, disfarçar sua melhora.

─── Que tipo de lugar é esse? ─── enrugou o nariz ao estapear um ramo de visco que pendia do teto acima de suas cabeças. ─── Sabe o que dizem sobre as bruxas daqui?

Maeve bufou, pronta para refutá-lo sobre tais afirmações, mas fora interrompida por uma silhueta de uma velha senhora.  A mulher, de rosto marcado por rugas finas, tinha olhos cinzentos que Maeve teve certeza de serem capazes de hipnotizar quem quer que parasse para admirá-los demais. Seu cabelo, em parte grisalho, mantinha ainda vestígios de um vermelho intenso nas pontas.

Apesar da falta de juventude, ainda era uma bela mulher.

─── Não sou bruxa, jovem rapaz. ─── a voz ressoou como um estrondo ofendido perante o local ao redor deles, fazendo Aegon retomar sua compostura rapidamente. Então, os olhos sem vida da mesma foram de encontro até o visco pendurado sobre os jovens, e um sorriso enigmático rabiscou seus lábios, como se risse de uma piada que apenas ela conhecia. ─── Sabem o que dizem sobre duas pessoas abaixo de um ramo de visco?

─── Sim, é um símbolo de fertilidade e vida. ─── Maeve respondeu com ares de sabedoria.

Aegon fez uma careta, o desdém carregado em sua expressão: ─── Não se contenta apenas com a atenção da rainha, agora deseja impressionar até uma camponesa?

─── Posso me conter em deixá-lo definhar nestas ruas. São podres como a sua alma.

A mulher soltou uma gargalhada, ─── uma risada tão autêntica que soava demasiadamente macabra aos ouvidos dos jovens ─── que fez o ar do local parecer ainda mais denso.

─── Não era exatamente isso que eu tinha em mente, pequena. ─── a velha respondeu, ainda com o sorriso no rosto. ─── Mas não importa, não é?

Ela os guiou mais profundamente para dentro da cabana. Para a surpresa da garota, o espaço parecia maior do que a fachada indicava, ainda que mantivesse uma atmosfera abafada e claustrofóbica. Cortiças remendadas roçavam na mesa coberta por frascos, enquanto a sujeira nos cantos parecia tão antiga quanto a própria anfitriã do lugar. Maeve evitava olhar por muito tempo para qualquer um dos recipientes à sua esquerda, pois o conteúdo de alguns era particularmente nauseante.

─── Estão aqui para…? ─── perguntou a curandeira, esperando que algum deles se explicasse.

─── Meu... ─── Maeve voltou-se para Aegon, claramente questionando se deveria revelar suas identidades.

─── Fui picado por uma coisinha repugnante. ─── Aegon resmungou, afagando o local da picada dramaticamente.

─── Fora apenas uma aranha!

A ruiva soltou um leve riso, como se já tivesse ouvido aquilo mil vezes antes de tais vistantes, mas seus olhos permaneceram fixos em Aegon, avaliando-o com seriedade.

A curandeira inclinou-se sobre o platinado, as mãos calejadas tocando a pele do princípe junto de um cuidado surpreendente. Ela murmurava algo inaudível, como se conversasse com o próprio veneno em suas veias. E após um instante, ergueu os olhos para Maeve, sombrios e severos.

─── Uma mordida da Viúva das Sombras... ── murmurou, mais para si mesma do que para os dois.

A garota sentiu algo pressionar-se em seu peito, impedindo-a de pensar com clareza.

─── O quão grave é?

A mulher limpou a ferida com um pano embebido em algum tipo de álcool forte e medicinal. O príncipe contraiu o rosto de dor, sua postura antes relaxada, agora tensa como um arco esticado.

─── O veneno dessa aranha paralisa os músculos, antes de atacar o sistema nervoso. O rapaz certamente já sente fraqueza; dificuldade para respirar…?

Aegon lançou-lhe um olhar desafiador, mas logo um tremor involuntário percorreu suas mãos, traindo seu disfarçe.

Maeve encarou o primo por alguns segundos, arrependendo-se da forma como havia tratado-o. Agh! Se Daemon estivesse ali, diria que sua filha estava sendo gentil em demasia com alguém que, provavelmente, não teria o mesmo cuidado para com ela se os papéis fossem invertidos.

Talvez ela não tivesse herdado toda a astúcia do pai.

─── Você pode tratá-lo, não pode? ── perguntou a garota, um arrepio gelado percorria-lhe a espinha, como se os deuses se deleitassem com a tensão que pairava no ar.

─── Sim, posso. Precisamos de raiz de mandrágora e folha de beladona. Posso preparar o antídoto, se me ajudar a estabilizá-lo, mas é melhor se apressar... logo as alucinações irão começar.

─── O que devo fazer?

A velha deu de ombros, apontando seus longos dedos em direção a uma cadeira de aparência duvidosa, que servia tanto como assento quanto como leito de repouso. O estofado gasto e manchado denunciando os muitos que ali haviam se deitado.

─── Apenas mantenha a mente dele ocupada, não irei demorar. ─── murmurou em um tom superior, como se lhe desse uma ordem clara. Agora virando-se de costas para as crianças e vasculhando ingredientes dentre as ervas e frascos, alheia à seus clientes.

Maeve indicou o assento para Aegon, observando-o a acomodar-se na cadeira, e não pôde deixar de reprimir um sorriso ao ver a expressão de desgosto que o mesmo fazia.

─── Já esteve em lugares piores.

─── Mas as companhias eram melhores.

Ela enrugou o nariz ao escutar a resposta do rapaz. Claro, porque caminhar pelas ruas de seda e pagar por companhias agradáveis era algo realmente divertido!

Maeve teve vontade de respondê-lo que seria fácil apreciar acompanhantes quais eram guiadas a satisfazê-lo como quisesse sem questionamento algum, mas afastou tal resposta junto da brisa tardia.

─── Sabe, essa mulher sugeriu que eu mantivesse sua mente ocupada, mas talvez eu deva apenas apagá-lo.

Seu primo franziu os cenhos, ofendido, antes de soltar uma risada fraca.

─── O que deseja para si quando for mais velha? ── Aegon perguntou, vagando pela sala com um tédio palpável enquanto o antídoto era preparado.

─── Que tipo de pergunta é essa?

─── O tipo que exige uma resposta.

A garota bufou.

─── Certo. Hum… ─── ela ponderou por alguns instantes. ─── Eu... não sei. Feliz e livre, talvez ─── Maeve respondeu, um brilho travesso nos olhos. ─── E rica, muito rica.

─── Você não pode ter os dois. ── Aegon retrucou, quebrando a expectativa da garota com um tom cético.

─── Por que não?

─── Porque dinheiro significa poder, poder significa sacrifício, e sacrifício significa infelicidade.

─── Bem, então eu serei a primeira a ter ambos.  ─── sua prima afirmou com um ar desafiador no tom de voz, como se desejasse provar que sempre seria contra qualquer pensamento do rapaz.

─── Pensei que gostaria de herdar Runestone.

Maeve hesitou, os olhos quebrando a troca com Aegon e agora também vagueando pela cabana, sem rumo.
Ela deu uma risadinha seca, mas sua mente viajava como pássaros ao amanhecer.

Ser herdeira significava viver sob a constante pressão das expectativas, carregar um peso de responsabilidades que ela sabia não estar pronta para suportar. O olhar da garota tornou-se sombrio por um momento, imersa na ideia de uma cidade inteira dependendo unicamente de si, e o medo de falhar; de não corresponder ao legado de sua mãe, a atormentava.

Sempre desejou ser independente, sem as amarras da corte, mas a hipótese de não ser capaz de honrar a memória de Rhea Royce apenas agravava ainda mais seu desespero.

Ela esboçou um sorriso sarcástico e disse:

─── Ah, sim, herdar Runestone. É uma pena eu possuir interesse algum em ser uma escrava da politicagem da corte. Prefiro deixar essa parte do conto para algum outro entusiasta de obrigações, como o seu irmão.

Aegon observou-a atentamente, mas a garota desviou o olhar, não queria que o primo avistasse a vulnerabilidade em seu rosto, por mais que seus pensamentos continuassem a girar entorno de si.

─── Você não me perguntou o que desejo ser. ─── Ele comentou, um tom provocativo em sua voz.

─── Não perguntei porque sei que dirá que seu sonho é ser dono de um bordel.

─── Bom palpite... irei repensar sobre tal coisa.

Nesse momento, a velha curandeira retornou com o antídoto, oferecendo-o a Aegon, que tomou um gole com dificuldade.

─── Então... o que deseja? ─── a Lady perguntou, um tom genuíno de curiosidade impregnando a voz, enquanto observava-o bebericar o líquido com dificuldade.

Ele hesitou por um instante, seus olhos fixos em algum ponto distante, como se estivesse pesando as palavras.

─── Não somos tão diferentes, sabia disso?

Maeve arqueou uma sobrancelha, intrigada, mas antes que pudesse continuar a conversa, Aegon entregou o recipiente vazio à curandeira. Era como se espectros sussurrassem aos ouvidos do Targaryen cantigas que envolveriam-no em um sono profundo.

𔓕 AEGON II TARGARYENㅤׅ ノ ୨ৎ

﹙quinze dias de nome﹚

Quando finalmente despertou, a dor que pairava sob o corpo do príncipe havia diminuído, e o rapaz sentia-se ligeiramente revigorado, embora o gosto amargo do antídoto ainda assombrasse a sensibilidade em seus lábios.

Maeve, no entanto, voltou a vestir sua máscara de indiferença e sarcasmo assim que percebera a melhora de Aegon, o que era uma pena. Gostava das raras interações com a prima quando ela não estava medindo cada palavra como se ele fosse o vilão de um conto.
Havia algo de mais humano nela, mais acessível, mas sempre parecia desaparecer rapidamente antes que ele pudesse distinguir o que era, dando lugar ao distanciamento habitual.

Depois de trocarem algumas palavras enquanto a velha os conduzia para fora da cabana, Aegon e Maeve logo estavam de volta às ruas escuras e apertadas do Beco da Doninha. A cabeça do rapaz parecia um turbilhão, ─── talvez devido ao chá ou o que quer que aquela estranha mulher o havia lhe entregado ─── mas o tempo pareceu repassar diferente em sua mente na última hora. Lembrava-se de tudo, porém, era como presenciar o que acontecera com lentes diferentes; como um narrador observando uma história em potencial.

Parecia ligeiramente mais sensível também, ou era apenas a forma como sentia uma tensão estranha e desconfortável pairando entre ambos, que o mantinha desconfortável o suficiente para distrair-se e tropeçar nos pedregulhos abaixo de seus pés.

A garota rapidamente moveu-se para ajudá-lo, algo que não deixou de notar não ser de seu feitio.

─── Não sou uma boneca de porcelana. ─── Aegon murmurou com amargor, empurrando as mãos da prima com brusquidez. Sua voz soou mais dura do que pretendia. ─── Só me distrai por um segundo.

A loira recolheu as mãos com uma rapidez assustadora, como se seu toque o queimasse, lábios comprimidos em uma linha fina de desaprovação.

─── Poupe-me de sua ignorância.

─── Não sou eu quem muda de humor tão rápido como quem troca de roupa.

Maeve lançou-lhe um olhar de canto de olho, as orbes bicolores faiscando por um instante; como se estivesse ponderando se valia a pena entrar na provocação, então voltaram-se para frente novamente.
Ela apertou o passo, quase como se estivesse tentando afastar-se do príncipe ─── não só fisicamente.

Aegon a observou fazê-lo, ponderando e questionando-se do por que sempre parecer ser atraído de volta para a companhia da prima, apesar de todos os espinhos que a garota parecia lhe atirar com prazer. Havia algo nela.

Ele sacudiu a cabeça, tentando afastar tais pensamentos, negando-se a perder um segundo sequer refletindo sobre alguém que estranhamente sempre o trazia para as piores enrascadas possíveis.

Maeve era o seu oráculo pessoal de desgraças.

E então, como se os deuses se distraíssem e favorecessem as vontades de Aegon, algo prendera sua atenção ao longe. Uma luz fraca e trêmula piscava dentre duas esquinas que cruzavam-se à frente. O rapaz olhou mais atentamente, cerrando os olhos, e avistou uma barraca improvisada, coberta por panos manchados e velhos, de onde surgia uma leve trilha de fumaça e o som abafado de sussurros, como se os mortos ali tivessem permissão para comunicarem-se com os vivos.

─── O que é aquilo? ─── agarrou-se ao pulso da prima, que alarmou-se instantaneamente.

─── Não toque nisso! ─── a garota quase urrou ao indicar sua pulseira de mão.

Pelos deuses, como ela era… dramática, espalhafatosa e irritantemente chata.

─── Vamos dar uma olhada. ─── Aegon ignorou os protestos de Maeve e arrastou-a mais para perto do local. Podia ouvir os alertas da garota, dizendo-o que deveriam voltar para a Fortaleza; que poderiam se perder e serem sequestrados, e qualquer uma das paranóias que correm pela cabeça de alguém que (quase) sempre recusou-se a sair do palácio. ─── Relaxe!

Ela parou, relutante, mas deixou-se ser levada. Talvez porque, no fundo, também estivesse em busca de uma distração, algo que a afastasse dos pensamentos incômodos que vinham perseguindo-a. Ao se aproximarem, o rapaz soltou o braço de Maeve e começou a inspecionar os objetos pendurados. Seus dedos corriam distraidamente por pingentes grotescos e amuletos esculpidos em formas estranhas, enquanto ele tentava encontrar algo para provocar a prima.

─── Acho que isso ficaria bem em você. ─── proferiu, erguendo uma corrente com um pingente enorme coberto de penas que distinguia serem pertencentes à Urubus.

Maeve lançou-lhe um olhar de desdém, estapeando objeto até o mesmo ser atirado pelos ares. No entanto, antes que pudessem continuar, o som distante de vozes familiares dissipou-se. Curiosamente, a agitação da barraca parecia ter distraído-os por tempo suficiente para que o caminho de volta tivesse desaparecido, ou alterado. Aegon franziu a testa, os olhos examinando os becos ao redor, antes de soltar uma risada baixa, observando o colar cair ao chão depois de ser estapeado.

─── Bela forma de lidar com a situação. ─── disse ele com um sorriso travesso, balançando a cabeça. ─── Talvez agora estejamos condenados, apenas por você ter desrespeitado o amuleto. Talvez isso seja um aviso.

Maeve revirou os olhos, cruzando os braços.

─── Se fôssemos amaldiçoados por cada situação grotesca que tenta me enfiar, já estaríamos mortos há séculos. ─── rebateu, dando uma olhada rápida para os objetos ao redor, desconfiada do ambiente que os cercava.

Antes que Aegon pudesse responder, uma voz rouca e suave surgiu de repente da sombra ao fundo da barraca. Um homem de idade mediana, vestido com uma túnica surrada e ornada com símbolos misteriosos, saiu de uma curva escura. Ele parecia surgir do nada, e seus olhos continham um verde penetrante e venenoso. As mãos buscaram o cordão que jazia nos pedregulhos abaixo dos pés dos garotos.

─── Este amuleto, ─── começou o homem, sua voz soando como um sussurro entre as pedras das ruas, ─── não traz maldição, meu jovem. Ele revela algo muito mais íntimo… o momento em que você dançará até cair nos braços da morte.

O príncipe parou por um instante, seu semblante de provocação esmaecendo enquanto tomava outra forma; ponderava sobre o que o homem acabara de dizer. Um brilho de curiosidade e temor passou por seus olhos, e o mesmo deu um passo à frente, inclinando a cabeça.

Deseja saber como será sua morte…?, os sussurros apossavam-se de seus ouvidos como uma praga tentadora.

Maeve franziu a testa, Aegon pôde dizer que a mesma sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Não gostava da forma como o homem falava, nem da atmosfera ao redor.

─── Não seja tolo. ─── disse ela, agarrando o braço de Aegon com firmeza, forçando-o a dar um passo para trás. ─── Ele é um bruxo, e essa área está estranhamente vazia para alguém confiável.

O bruxo soltou uma risada baixa e seca, o som que ecoava pelas paredes do beco, qual apenas os dois pareciam ouvir.

─── Curiosa a tua desconfiança, garotinha. Mas não é de mim que deveriam ter medo. ─── ele cortou a ponta de seu dedo indicador antes de manchar as testas de ambos os garotos com o próprio sangue, em um movimento rápido e grotesco. ─── Deveriam temer quem está ao seu lado. Tanto medo, tanto rancor; tantas… semelhanças. Oh, como o veneno é denso entre vocês.

Maeve puxou o primo com mais força.

─── Vamos sair daqui. Agora. ── disse ela em um tom decidido, escaneando os arredores.

Aegon encarou-a com desdém, ainda mais interessado no que o homem tinha a dizer. A aura dele parecia magnética, instigava algo em seu peito que não era capaz de explicar.

─── Se desejar descobrir, posso mostrar o que o aguarda. Só precisa olhar... através do véu.

─── Diga-me, o que preciso fazer para ‘olhar através do véu’?

─── Aegon…

Ele finalmente voltou sua atenção à prima, com uma expressão impaciente. O príncipe já havia aturado-a demais, estava farto de sua obsessão em controlá-lo o tempo todo.
Lembrava-o de sua mãe.

─── Por que você sempre sente a necessidade de salvar o dia? ─── Aegon resmungou, uma irritação evidente crescendo em sua voz enquanto o mesmo limpava o líquido carmesim sobre a testa. ─── Se deseja tanto ajudar, vá salvar outros plebeus da fome ou da insanidade, mas mantenha-se longe de mim. Afinal, fora você quem me colocou em apuros mais cedo com mais uma de suas ideias brilhantes.

Maeve cerrou os punhos em resposta ao rapaz, o peito subindo e descendo devido a súbita exasperação provocada. Ela se aproximou dele e lhe dera um empurrão, fazendo-o vacilar levemente.

─── Espero que tenha uma morte dolorosa. ─── com um último suspiro de frustração, Maeve virou-se de costas para Aegon e perdeu-se na multidão atrás de si.

Ainda com o sabor amargo das palavras de Maeve em sua mente, o Targaryen virou-se para o bruxo. O homem estava lá, com um sorriso enigmático e assombroso, como se soubesse de segredos que o jovem príncipe jamais compreenderia.

─── Você quer saber o que o aguarda? ─── o bruxo perguntou novamente, a voz suave como um sussurro, mas com um peso ameaçador. ─── Olhe através do véu.

Com um impulso inexplicável, Aegon aproximou-se do amuleto. O objeto, coberto de penas e brilhando com uma luz sobrenatural, parecia hipnotizá-lo. Hesitando por um breve momento, ele finalmente se inclinou para frente.

De repente, tudo ao seu redor distorceu-se, e o rapaz viu-se em um lugar completamente diferente, imerso em uma cena qual não soube distingui-lá por tempo suficiente, pois o ambiente ao redor começou a sufocá-lo, fazendo-o sentir uma queimação intensa em sua garganta. Veneno parecia percorrer por suas veias, consumindo-o de dentro para fora.
Desespero começando a tomar conta de si, como se alguma entidade maligna ousasse aproximar-se com a velocidade de um vendaval.

Ele sentiu seu toque.

Era o estranho.

Seu coração acelerou, as batidas reverberando sobre ouvidos enquanto a escuridão o envolvia. Tentou gritar, mas era incapaz de emitir som algum.

─── Você não deve confiar em sua irmã. ─── o bruxo murmurou com a voz sibilante, cortando o devaneio em sua mente.

Então, a entidade afastou-se de si… por tempo indeterminado.

Aegon, ainda abalado, ergueu as mãos em direção ao próprio peito, como se sentir o bater acelerado de seu coração fosse algum consolo ou escape para si, e voltou a mirar o feitiçeiro com uma expressão de incredulidade e pânico.

Tudo ao redor de si parecia acelerar-se, como se o homem ainda o mantivesse preso em uma jaula de anseios. Ainda sentia-se sufocar, mas de um modo curioso, pois seus pulmões funcionavam perfeitamente e o rapaz era capaz de sentir o oxigênio rodear por seu corpo. O bruxo desferiu um corte na palma das mãos do mesmo, aproveitando-se de sua distração e gotejando o sangue em um frasco.

Não podia distinguir as palavras do homem claramente, mas ele explicou-se com algo como ‘o sangue de um valiriano me parece pagamento suficiente’. Aegon retrocedeu, os pés cambaleando enquanto afastava-se do bruxo, até que a figura dele desaparecesse por completo de sua visão. Em desespero, o mesmo girou nos calcanhares, buscando um rosto familiar na multidão que se movia ao seu redor.

Então, esbarrou em uma silhueta, e os cabelos prateados de Maeve invadiram sua visão, como um feixe de luz em meio à confusão que o invadia. Preparando-se para dizer algo, sua voz falhou ao deparar-se com a expressão constrangida e de desconforto que desenhava-se no rosto da mesma.

Aegon baixou o olhar para as mãos da garota, uma delas marcada por manchas de um vermelho intenso.

─── Maeve, o que…? Ainda estou preso em algum tipo de alucinação? ─── perguntou ele, recuando um passo involuntariamente. ─── Saia da minha cabeça!

A garota assustou-se, encolhendo-se ainda mais no canto de uma das esquinas em que estavam, como se tentasse encontrar um refúgio naqueles becos estreitos. Os olhos dela estavam afastados, fixos em algum ponto distante, e o rapaz percebera que havia algo mais que a inquietava.

Aegon recobrou o juízo, aproximando-se novamente. Com cautela, tocou seu braço, buscando a certeza de que ela era real, não mais um truque do velho bruxo.

─── Alguém te machucou? ─── Ele perguntou, e em resposta, a garota balançou a cabeça negativamente, mordendo os lábios num gesto nervoso, enquanto desviava o olhar para as botas, visivelmente envergonhada. ─── Você se cortou?

─── Meu pai… onde está meu pai? ─── Ela murmurou, a voz tingida de uma inquietação que o fez enrugar a testa. ─── Por que ele não está aqui? Ele deveria estar aqui para me ajudar…

O rapaz comprimiu os lábios, a confusão e o medo misturando-se em sua mente, semelhante a uma dança desordenada.

─── O que houve? ─── Instintivamente, Aegon postou suas mãos em ambos os braços de Maeve erguendo-a para que a garota explicasse o que havia acontecido. Mas no momento em que suas mãos tocaram os ombros dela, ele sentiu um leve tremor em seu corpo, como se uma onda de ansiedade se apoderasse da mesma.

─── Não aproxime-se! ─── A platinada o afastou rapidamente, virando o rosto, suas bochechas agora tingidas de um vermelho profundo. ─── São assuntos reservados apenas a meninas. ─── Aegon franziu a testa, um misto de confusão e irritação invadindo sua mente.

─── Assuntos reservados a meninas, é?

O príncipe zombou da resposta da prima, mas vasculhou internamente em seu cérebro por uma memória vaga sobre Alicent comentando algo parecido. Esforçou-se para recordar-se sobre tal assunto, até que algo veio à mente.

Helaena havia perguntado a sua mãe como famílias determinavam quando uma garota havia atingido maturidade o suficiente para ser considerada uma mulher, e Alicent respondeu-a com uma simples explicação. Infelizmente Aegon e seus irmãos estavam presentes e não pareciam distraídos o suficiente para não auscultarem a resposta da rainha.

Um lampejo apossou-se do rapaz, e quase no mesmo instante, uma gargalhada cortou o ar.

A sua gargalhada.

─── Ah, sim, claro… ─── Aegon ainda ria como se pensasse em uma piada maldosa. ─── Presumo que seu novo apelido agora seja ‘Maeve Sangrenta’, a nova donzela da corte! ─── ele provocou, sua gargalhada ecoou pelo beco.
Mas, contrariamente de Aegon, a expressão de Maeve não acompanhou a diversão.

Com um movimento rápido e brusco, ela empurrou-o para trás, fazendo-o perder o equilíbrio e tropeçar em direção a uma poça de lama. O rapaz rapidamente cessou com suas gargalhadas, atordoado por um momento, enquanto passava as mãos pelo rosto, limpando a lama dos olhos e das bochechas.

Agora eram as risadas de Maeve que apossavam-se das ruas ao seu redor.

─── Lunática!

─── Patife!

Por um momento, ambos encararam-se em silêncio, o som das risadas dissipando-se, substituído pelo leve cantico dos ventos nas ruas. Maeve desviou o olhar, seu rosto ficando levemente corado novamente, e, sem saber como agir diante da própria vergonha, ela se sentou no canto da parede, onde antes havia se refugiado, puxando os joelhos para perto do corpo.

Aegon torceu o rosto em uma careta desgostosa ao levantar, tentando limpar agora a lama de suas roupas sem muito sucesso. Ainda irritado, olhou para Maeve, que agora evitava mirá-lo diretamente, as mãos inquietas no colo, tentando esconder o desconforto que a dominava.
O rapaz hesitou por um instante, ainda irritando com a forma como a prima havia reagido à sua piada.

Não fora nada demais.

Suspirando, ele retirou o robe que vestia, ignorando o frio que começou a alastrar-se por sua pele, e o estendeu para a platinada, com um gesto indiferente, mas sincero.

─── Aqui, use isso para se cobrir. ─── sua voz estava baixa, quase como se não desejasse que a mesma o ouvisse claramente. ─── Vamos voltar para o palácio... antes que alguma outra coisa aconteça.

Maeve olhou para o tecido amistoso por um momento, cautelosa com a atitude do garoto para consigo, mas aceitou-o, envolvendo-se na veste de Aegon. A tensão nos ombros da garota pareceu relaxar um pouco, e, por um breve instante, ela o encarou com uma expressão de gratidão silenciosa.

─── Fico surpresa que ogros também possam ser gentis as vezes.

─── Não se acostume. Minha gentileza é rara, assim como a sua sanidade.

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