|2| Rikkon
— Ele obrigou-me a abdicar! Consegues acreditar nisto? — bradou o príncipe ao entrar de rompante nos aposentos da irmã.
Ur ergueu a cabeça da almofada e encarou Rikkon, que andava em círculos aos pés da sua cama. Ela não tinha dito a Tiana que não queria que a incomodassem?
— Rik, sabes que te adoro — disse, sentando-se de encontro à cabeceira da cama agarrada ao lençol para esconder a camisa de dormir desalinhada — Mas é demasiado cedo para mim.
Rikkon olhou a irmã, que esfregava os olhos para afastar o sono.
— O pai. Ele obrigou-me a assinar os papéis de renúncia à coroa mal acordei. — Ele sentou-se na beira da cama da irmã. — Diz que os Deuses desaprovam a minha subida ao trono.
Ur fechou os olhos. Porque é que a dor de cabeça não ia embora?
— Outro presságio? — acabou por perguntar.
Rikkon riu sem graça.
— O que é que achas? Ele nem se levanta da cama se os Deuses não lhe enviarem um sinal! — escarneceu.
Na maioria das vezes, Rikkon não sabia o que sentir em relação a Lyron. No geral, não era mau rei ou mau pai. Mas aquela história da aprovação divina dava com ele em doido.
Quando ele era pequeno, aquilo até tinha a sua graça. Mas depois o jovem príncipe cresceu e percebeu o quão doentia poderia ser aquela obsessão que regia a vida do rei.
Rikkon é o filho mais velho de Lyron, mas não porque nasceu primeiro. Antes dele, Eroan era o primogénito, que teve uma morte acidental nas suas primeiras semanas de vida. Ou pelo menos é a versão oficial dos factos. Correram rumores na altura de que a superstição extrema do rei o tinha levado a matar o filho, que nascera com seis dedos em cada pé.
Aliás, Eroan significa "amaldiçoado" na língua antiga.
— Aposto que sentes que todo o teu esforço foi mandado às urtigas.
— Como é que não me haveria de sentir assim, Ur? Eu queria a coroa. Eu quero a coroa. Foi para isso que trabalhei toda a minha vida! Era esse o meu destino! — Ele apoia a cabeça nas mãos e puxa as raízes dos cabelos negros. — E só porque um relâmpago caiu numa árvore no jardim, já não a posso ter.
Então era por isso que ela conseguia ouvir tanta agitação e gritaria a vir da varanda que dava para o jardim. No lado de fora daquelas paredes deveria estar um circo digno de se ver.
De repente, ocorreu a Ur uma ideia que a fez gelar dos pés à cabeça e apertar os lençóis com força contra o corpo.
— Não estás a brincar comigo, pois não?
Ele levantou a cabeça e os seus olhares encontraram-se.
— Parece-te que eu brincaria com uma situação destas? Isto é um desastre!
Os olhos de Rikkon mostravam que ele estava a ser verdadeiro. Ur conseguia ver que por detrás das íris cinza do irmão mais velho se encontrava um mar de sentimentos confusos.
— Raios! — exclamou, batendo com o punho na cama — Não te preocupes que eu resolvo isto. Agora sai. Preciso de me arranjar.
Rikkon ficou confuso por uns momentos. Até que entendeu e se levantou para sair. No entanto, já na porta, ele ainda conseguiu ouvir a irmã gritar:
— E chama a Tiana! Preciso de um banho...
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