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A quantidade de copos em cima do balcão, me lembravam da hipocrisia. Assustei-me com a possibilidade de nenhum dos dois observar o nosso alto consumo. A minha cabeça girava em todas as direções possíveis, todavia, sentia-me bem. Sentia-me livre e, por incrível que pareça, todo o álcool me trouxe um pouco de conforto. Fiz sinal para o garçom que docemente sorriu. Ele sabia que precisávamos de mais e sem falar nada, ele colocou mais dois copos em nossa frente.

Sorri e agradeci, o estranho me proporcionava momentos interessantes. Estar ao lado de um desconhecido na minha última noite não foi uma ideia ruim, ele tinha razão. Morrer bêbada doeria muito menos e não sentiria o frio tomar conta de cada vaso sanguíneo quando pulasse da ponte fria. Ao encontrarem o meu corpo, não pensariam em suicídio, mas sim, em descuido devido ao álcool. Seria triste, mas reconfortante.

— Não acha que já bebeu o suficiente? – indagou chamando a minha atenção.

— Não. – disse batendo com a mão fechada sobre o balcão. — Sinto que não bebi o suficiente.

— Não era você que não gostava desse âmbito? – sorri de canto.

Ele sorriu e se aproximou, realizando outro brinde comigo. Juntos, levamos mais alguns goles à boca. Estávamos unidos por um momento de dor e aproveitaria a sua companhia enquanto ele a oferecesse. Agora, ele não parecia temer o tempo e ao seu lado, compreendi que não preciso pensar em mais nada. Ele me levaria de volta e morreria, após, me divertir ao seu lado. Afinal de contas, eu também merecia ser feliz por alguns goles.

— Qual é o motivo da sua dor? – murmurei voltando ao assunto.

Insisti por um tempo, mas ele evitou o assunto o quanto pôde. No fim, falamos mais de mim e dos meus problemas e dele, pouco ouvi. Estava na hora de questionar o homem em minha frente. Alguém que me induziu ao falso prazer de consumir algo que me fará mal, antes de concluir o meu desejo de deixar o mundo. Respirei fundo e olhei em sua direção, queria saber o que acontecia em sua vida e por qual motivo, ele estava assim.

— A minha dor não é importante. – respondeu apoiando o seu rosto em suas mãos. — Não se importe com o motivo.

— Penso que mereço saber, afinal de contas, você sabe quase tudo sobre mim. – repliquei. — Não é justo.

Ele sorriu de canto e mordeu o seu lábio inferior, olhando para os lados. Não compreendi, mas ponderei a ideia de estar recebendo sinais e não conseguir decifrá-los.

— Você não contou os motivos do seu anseio pela morte. – murmurou. — Por isso, não posso contar os motivos da minha dor.

— Isso não é justo! – exclamei, deixando a minha revolta ser nítida.

Outro sorriso nasceu em seus lábios e sem falar mais nada, ele se aproximou de mim e agarrou o meu rosto com as suas mãos. Retrai o meu corpo ao sentir as suas mãos frias contra a minha pele quente. O arrepio percorreu o meu corpo e fez com que o meu coração acelerasse me fazendo perder um pouco da minha respiração. Os seus olhos grandes me consumiram por dentro, mas mantive o meu olhar firme, não me entregando ao momento.

— Quero saber por qual motivo você morreu. – sussurrou, despertando outro arrepio em mim.

— Por amor. – os meus lábios tremeram ao responder.

A sua reação foi esperada. Ele soltou o meu rosto e se afastou. Em seguida, ele tomou outro gole da sua bebida. Permaneci em silêncio e esperei. Será que agora ele contaria os motivos da sua dor ou continuaria me enrolando?

— Como pode um sentimento tão bom, nos proporcionar momentos tão cruéis? – ele falava para si.

— É o mesmo sentimento? – questionei.

— É o mesmo. – sussurrou. — Porém, você começa. Afinal de contas, não sou eu que estou morto. – sorri ao ouvir.

Respirei fundo e me recompus, não queria contar detalhes íntimos. Precisava fazer um apanhado de tudo o que acontecia nos últimos meses.

— Nos conhecemos em um momento difícil. – comecei com um tom de voz baixo, mas alto o suficiente para que ele ouvisse. — Tudo em si encantou o pouco que havia em mim. A sua forma de falar, andar, sorrir e por fim, os seus beijos. – o meu coração doía. — Então, como qualquer mulher sem antecedentes criminais no amor, eu me apaixonei. – ele sorriu e voltou o seu olhar para mim.

— O que foi? – indaguei.

— É uma bela forma de falar sobre amor. – murmurou. — Não ter antecedentes criminais. – repetiu.

— E realmente não tinha, não sabia o que era amar alguém. – prossegui. — Me deixei levar pela leviana ideia de que seria feliz e que teria a mesma vida dos meus pais. Que nos amaríamos sem pensar no amanhã. – o meu coração apertou mais. — Não foi o que aconteceu.

— Ele mudou? – os homens eram todos iguais.

— Sim. – sussurrei. — Ele mudou e se tornou um outro alguém. Não soube o que fazer no momento. – não possuía forças para chorar. — Quando pensei que poderia me livrar dele sem quebrar o meu coração, ele mesmo o quebrou e jogou os pedaços no lixo. Em seguida, ele pisoteou na minha esperança de viver uma vida sem ele.

— Então, esse é o motivo da sua dor. – murmurou para si mesmo. — O que te fez subir naquela ponte?

— Tive em vista mudar a minha vida. – por qual motivo eu me explicava? — Visei esquecer o que aconteceu e me envolvi em projetos sociais. – ele me olhava com atenção. — No entanto, não resultou em nada. Quanto mais eu trabalhava, mais sentia a sua falta. – nesse ponto, eu já segurava as minhas lágrimas. — Desejava o seu toque, mesmo sem poder. Existem tipos de dores que não conseguimos nos livrar. Não existe remédio e não é uma doença, sentimos, mas não sabemos explicar.

— E foi isso que te levou ao fim? – continuou.

— Sim, cheguei ao meu fim. – era a mais pura verdade.

— Eu me apaixonei pela dor de outra pessoa. – disse mudando de assunto. — A minha tarefa era simples. Precisava mostrar o caminho certo e concluir o meu objetivo. No entanto, a sua dor me cativou e eu me senti na obrigação de a amar, perdendo assim, o foco no meu trabalho. – a sua voz continha uma enorme dor.

— Você se apaixonou por uma cliente? – ele voltou o seu olhar para mim e sorriu.

— Podemos dizer que sim. – murmurou. — Foi quase isso. – não compreendi, mas optei por não questionar.

— E você não pode ficar com essa pessoa? – procurei, talvez conseguisse o ajudar antes de ir.

— Não. – silabou, tamborilando os seus dedos sobre o balcão. — A diferença de energia entre nós, não permite.

Não compreendia bem as suas palavras e tudo parecia desconexo. Na verdade, tudo poderia ser culpa do álcool. Respirei fundo e tomei o último gole, lentamente, precisava ir. O relógio que carregava no pulso marcava quase quatro horas da madrugada e a minha cabeça gradualmente pedia paz. Ele observou os meus movimentos em silêncio, em seguida ele pagou a conta e esperou por mim.

Sorri de canto ao ver. Não havia pensado nisso e não tinha nenhum dinheiro comigo. Ao sair de casa, deixei tudo para trás com uma carta de despedida, que não serviria de nada. Isso mataria todos em minha volta, mas eles sobreviveriam com o tempo. Lentamente, não seria mais lembrada e tudo não passaria de uma memória. Somos todos apenas uma memória, uns com duração longa e outros sem duração durante a passagem pela terra.

Eu seria assim, uma memória árdua e fria, porém, necessária. 

***

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