capítulo 9




"As piores prisões são aquelas que nos auto impomos. Liberdade é poder ser livre dentro de si mesmo, onde ninguém tem o poder ou o direito de calar nossa voz. Ainda assim existem momentos em que a liberdade nos é tolhida, e o pior, geralmente somos nós mesmos quem fornecemos as algemas..."

As lágrimas escorriam quentes no meu rosto por trás dos óculos. Brotavam como uma nascente que busca o mar, e eu as enxugava para não passar vergonha enquanto lia sentada do banco de pedra em frente ao campus.

Havia chegado ao capítulo vinte e cinco e não conseguia mais parar de ler. Os Jardins de inverno não era só um belo romance, era também um livro poético, com a alma do autor entranhada em cada parágrafo. Como se realmente aquela história tivesse acontecido. Karol tinha razão quando disse que era uma leitura obrigatória para quem amava boa literatura.
A história do jovem casal que se conhecera num rígido inverno de Algarve era muito tocante, e a cada avanço dos personagens em direção ao amor e ao mesmo tempo à tragédia, era quase como um ímã me puxando para dentro dela.

A cada minuto que tinha entre uma aula e outra, devorava o livro como se devorasse uma pizza portuguesa! Estava com raiva de mim mesma por nunca ter dado uma chance a ele antes. Mas não fazia mal, ele agora dormia na minha cabeceira, e a releitura já estava programada para assim que o acabasse de ler.

Durante aqueles dias estava tão imersa no livro, que por algum tempo até esqueci Alvarenga e sua linda mulher. Estava tentando colocar na minha mente que aquilo era uma grande loucura e que tinha grande probabilidade de acabar mal, e mergulhar nos Jardins de inverno acabou me ajudando muito. Mas como dizem por aí: quando o diabo não vem, manda o próprio secretario; mas nesse caso veio ele mesmo.

- Olá Rose. - Alvarenga disse assim que se sentou ao meu lado. Seu olhar estava voltado para a frente, e em momento algum olhou para mim nem de esguelha.

Obviamente, a visão do homem por quem estava apaixonada, sentado ao meu lado, abalou minhas estruturas emocionais.

Seu cabelo cacheado parecia estar maior, e a barba por fazer em seu rosto parecia acompanhar o crescimento. Elegantemente envolto por um longo sobretudo azul marinho, acomodou-se no banco a apenas dois palmos de distância. O gostoso odor de seu perfume cítrico invadiu minhas narinas sem permissão. Segurava um saco de pipoca nas mãos, pousando-o em cima da pasta preta que dava aulas.
Sua presença ao meu lado era realmente intimidadora.

- O-o que quer? - Perguntei enfim, esforçando-me para pronunciar as palavras.

- O que eu quero? - Ele perguntou em tom de urgência, e com o rosto em uma impassividade assustadora. Aquele homem conseguia controlar as emoções como nunca vi ninguém fazer. - O que eu quero? - repetiu ainda sem me olhar. - O que acha? - Ele comeu uma pipoca antes de concluir. - Quero você.

Eu o olhei de canto de olho com uma expressão de terror.

- Assim? - Falei com tom de raiva na voz. - como quem quer um pedaço de carne?

- Não sei outra forma de dizer... - Ele acenou para um aluno que passou. - só sei que quero você.

- Está brincando comigo? - se pudesse o esbofetearia naquele momento. - Isso já foi longe demais! Você é casado! Com uma mulher linda! E eu... - Hesitei - sou uma louca.

- Sei o que estou fazendo. - Ele disse como se estivesse dando aula.

- Acho que não sabe, acho que nenhum de nós sabe na realidade! - Fechei os Jardins de inverno com abruptidão. - Vou acabar me prejudicando, vou acabar prejudicando você! Temos que parar com isso! - A dor rasgou meu coração ao dizer aquelas palavras.

- Rose... - ele comeu mais pipoca antes de continuar - por que lutar contra isso? Eu sei que você quer, e eu também. O que nos impede?

- Não ouviu nada do que eu falei? Além do fato de ambos podermos nos prejudicar, também há o fato de que você é casado! E com uma mulher muito bacana e bonita! Meu Deus o que eu estou fazendo?... - baixei levemente a cabeça e a meneei.

- Você está assim só por que conheceu minha mulher? - Percebi no rosto dele um sutil sorriso se desenhando. - Não se preocupe, Rose, eu a amo e nunca a deixaria, mas isso não muda o fato de que podemos continuar a nos divertir. Vai dizer que não tem sido bom para você?

Eu não estava acreditando em tudo aquilo que aquele homem estava me dizendo. Estaria enganada todo esse tempo em relação a ele? Sempre soube que era infiel e acabei por me envolver mesmo assim, mas nunca havia percebido que também era sádico.

- Então é só isso que era para você? Sexo?...

- O segundo melhor sexo da minha vida.

Naquele momento não me contive. Me virei e cuspi em seu rosto.

- Então vá para casa e faça amor com a número um! E sejam felizes! Apesar de achar que ela não merece alguém como você!

Calmamente ele pegou o cachecol em seu pescoço e limpou o cuspe do rosto. Em seguida pôs a mão no saco de pipoca e começou a alimentar os pombos.

- Não faça isso, Rose... - Disse ainda com o rosto inerte e sem olhar para o lado - Não torne nossa relação tão difícil assim...

- Difícil ela já estava, acho que agora se tornou impossível! - Vociferei.

- Tem certeza disso? - Aquela pergunta gelou minha alma.

- Por que? Está me ameaçando?

- Ameaçando? Eu?! - Não rose, imagina se desceria tão baixo assim... - dessa vez pude ver um meio sorriso em seu rosto. Ele colocou novamente a mão no saco de pipoca e jogou um punhado para os pombos. - Mas não se surpreenda se ao final do ano não passar por faltas, afinal, você tem aparecido tão pouco em minhas aulas...

Virei-me imediatamente para ele.

- Você não teria coragem... Eu sou uma das melhores alunas daquela classe!

- A melhor, eu diria... Mas pena que não aparece muito.

- Seu cana...

- Não faça isso, Rose! - A voz dele de alguma forma conseguiu parar o movimento da minha mão, que tinha o rosto dele como alvo. - Não quer ser vista em público agredindo um professor, quer?

Só quando olhei em volta me lembrei que estava em público na frente do Campus da universidade. Ele realmente tinha razão. Se alguém me visse o agredindo seria o fim para mim. Logicamente acreditariam muito mais no renomado e prodígio professor português, que em uma aluna estrangeira que o agrediu. Por fim respirei fundo e trouxe minha mão para junto do corpo novamente.

Ele então levantou, me olhou e sorriu.

- Agora preciso ir, Rose, tenho matéria nova a ministrar em pouco tempo. Sugiro que não perca. - Ele virou-se e começou a andar, mas de repente voltou-se para mim - E só para você saber, minha esposa não foi meu melhor sexo. - Ele piscou, virou-se novamente e seguiu seu caminho, hora comendo pipoca, hora jogando aos pombos.

Enquanto eu, que havia ido até ali para ler, e principalmente fugir da presença intimidadora daquele homem, agora enfrentava o dilema das consequências que viriam se eu perdesse mais uma aula sua.

Há bem pouco tempo só conseguia pensar na paixão que sentia por ele, e no quanto estava sendo escrota com sua mulher, mas agora também pensava no quanto poderia ter me enganado, e no quanto ela merecia alguém melhor.

Depois de alguns minutos refletindo sobre qual decisão tomar, olhei o meu apaixonante livro, o apertei nas mãos e me levantei. Havia momentos na vida que não dava para fugir da realidade em nos esconder dentro de um livro. Então me levantei e comecei a andar em direção a sala 402.



















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