capítulo 6





“Mesmo se a ferida dilacerar, mesmo se faltar o ar e vier a sufocar, mesmo se o coração não mais quiser bater e o peito parar, e se mesmo assim tudo o que desejar for poder estar perto de quem se ama ... Só então saberá que realmente vale a pena... “




— Conseguimos, Rose! Foi um sucesso! — Karol entrou no quarto com um largo sorriso no rosto — Viu só como você não é a mais inteligente do grupo?! — Ela correu até minha cama, se sentou ao meu lado e beijou o alto da minha cabeça. Logo depois entraram Arthur e Luiza.

— Ainda não estou acreditando que você conseguiu decorar toda a matéria em um dia e meio! — Falei com alguma dificuldade, já que meu nariz ainda estava muito congestionado.

— Decorei a matéria inteira? Está louca? Acho que nem Alvarenga conseguiria isso! — Todos no quarto riram. — Só tive que pontuar os assuntos mais importantes, o resto acabou fluindo naturalmente, é um simpósio, lembra?

— Não a faça  falar demais, Karol, não está vendo como ela ainda está debilitada?  Olha só esses olhos e esse nariz vermelho! — Luiza veio, sentou-se no lado oposto da cama e segurou minha mão. Havia certo exagero  em seu diagnóstico, mas realmente ainda me sentia um pouco fraca, não como dois dias atrás, quando apenas tive tempo de descer do táxi e cair na cama. Mas também não tinha condições de apresentar o simpósio pessoalmente. Ao invés disso Karol e eu ficamos passando os pontos mais importantes para que tivéssemos alguma chance, e pelo que havia constatado, tivemos.

— Minha namorada é genial não é? Não precisa falar Rose, só balance a cabeça que já estará de bom tamanho! — Arthur foi até a namorada e beijou o alto de sua cabeça, assim como Karol fez comigo.

Como foi pedido por ele, apenas balancei a cabeça em afirmativa.
A grande verdade é que não achava que aquilo daria certo, mas fiquei muito feliz que havia dado. Uma pena que não foi valendo nota, já que não passava de um teste de Alvarenga.

Alvarenga...

Pensar em seu nome me trouxe certo conforto. Fazia quatro dias que não o via, e esse era um dos motivos pelos quais eu mais queria melhorar o quanto antes.

— Trouxe uma coisa! — Disse Luiza com sua habitual euforia na voz. Então ela soltou sua mão da minha e tirou uma tigela de vidro com tampa de plástico de uma sacola de pano que trazia na outra. — Pegue, está quentinha, fui eu mesma que fiz! — Ela parecia orgulhosa.

— Acho que quer dizer que foi você mesma quem comprou, não é Luiza? — Arthur apertou os olhos de forma engraçada ao dizer aquilo.

— Dá na mesma! — Defendeu-se Luiza tentando justificar sua boa intenção. — Além do mais, fui a única a lembrar que ela ama canja de galinha, isso deve valer pontos extras!

— Vale sim amiga... — Falei com uma rouquidão arranhando minha garganta.

— Eu também trouxe um presente, e acho que vai gostar! — Disse Karol enfiando a mão dentro de seu casaco  verde.

— Não tanto quanto a minha canja, mas tem seu valor... — Luiza falou sem sorrir. Não deu para saber se era apenas ironia ou se havia  verdade naquilo.

— Tome! — Karol falou e me entregou um livro de capa dura marrom com inscrições em dourado.

Estendi a mão e então peguei o livro. No título estava escrito: Os Jardins de inverno.
— Sempre quis muito ler esse livro, mas desde que entrei para a faculdade nunca mais tive tempo. — Falei com um misto de tristeza e alegria.

— Esse é um dos top dez romances de todos os tempos! Talvez um dos únicos que você ainda não tem. — Comentou Karol. — Quanto tempo você...

— Meu médico me deu cinco dias. — Respondi antes que ela completasse.

— Então sugiro que corra com a leitura. Não dá para finalizar em três dias, mas é um tempo que talvez não tenha mais, então aproveite! — Karol respondeu e se levantou. — Tenho patologia em trinta minutos, preciso ir.

— E eu, anatomia com dissecação mais uma vez. — Luiza falou tentando mostrar desdém com o assunto. Era forma que ela escolhia para se proteger do que a incomodava, mas eu e Karol sabíamos a verdade por detrás da máscara.

— Eu não preciso nem falar não é? — Arthur levantou um pouco seu colete de monitor com a ponta dos dedos e em seguida o soltou.

— Gente, muito obrigada pela visita, foi muito importante para mim. — De repente os três vieram até mim e me abraçaram juntos. Aquilo valeu mais que qualquer presente que tenham trazido.

Em seguida todos saíram e eu fiquei sozinha novamente, mas agora tinha duas coisas que amava como companhia: canja quentinha e um livro para ler. Obviamente ataquei logo a canja, mas em seguida comecei a folhear o livro.

Na contra capa apenas estava escrito: Para Margareth, a mais bela gardênia do Algarve.

Comecei a ler, e quando dei por mim já tinha lido onze páginas. Aquele livro era um dos romances mais vendidos e não era a toa. A forma poética e até lírica que o autor tinha de escrever era única, nunca tinha lido nada daquele jeito. Havia tanta emoção, tanto sentimento nas palavras. Arrependi-me de não ter lido antes. 
De repente o fechei, pois só naquele momento lembrei que ainda não sabia o nome do autor.
E então, no rodapé, quase como se não quisesse ser lido, o encontrei:  J. A. Santos Louzada.

Já tinha ouvido o nome antes, mas confesso que não havia dado muita importância, já que aquela era sua única obra conhecida. Talvez esse fosse o motivo pelo qual ainda não o tivesse lido. E estava descobrindo por mim mesma que aquilo havia sido um erro.
Quando enfim decidi reabrir o livro bem onde deixara meu dedo marcando, a porta foi aberta, e Alvarenga entrou rapidamente. Uma mão segurava a maçaneta e a outra ele escondia atrás das costas.

— Está louco?! — Disse com a voz rouca e o olhar arregalado.

— Eu sei, eu sei... — ele fechou a porta, veio até mim e se ajoelhou ao lado da cama. — Isso é mesmo uma loucura! Se alguém me pegar aqui...

— Sim! — Fiz uma expressão de dor.

— Não fale! — Ele tocou meus lábios com a ponta dos dedos. — Não quero que piore. Tinha que vê-la, estava preocupado.  Não gostou?

Lancei-lhe um olhar meigo e fiz um assentir, e ele tirou o dedo dos meus lábios.

— Vou ser rápido, prometo! Trouxe uma coisinha para você. — Ele tirou a outra mão detrás das costas e me mostrou uma caixinha de bombons com uma fita vermelha terminando em um laço em cima dela. Meu coração quase parou naquele momento.

— Carlos...

— Shhh! — Só quero que saiba que é importante para mim. — Ele fez um carinho no meu rosto.  Aquele toque me aqueceu mais que a canja quente da Luiza, que ela nunca saiba disso. — Você foi muito bem hoje. — Ele disse com um sorriso.

— Mas eu...

— Sei que você vai dizer que foi a Karol, mas nós duas sabemos que o mérito é mais seu que dela, e eu não poderia deixar de parabenizá-la.

— Então foi por isso que veio?... — Acho que ele percebeu o tom de tristeza na minha voz, pois em seguida se aproximou e beijou meus lábios. Tive vontade de puxá-lo para a cama e abraçá-lo infinitamente, mas sabia que aquilo seria uma loucura.

— Por isso também. — Ele falou — Mas principalmente por que estava com saudades.

— Você não deve se arriscar.

— E você não deve ficar falando, senão não irá melhorar. 

Eu assenti mais uma vez.

— Mas você tem razão, eu preciso ir. — Ele se levantou. — Agora que sei que irá sobreviver, meu dia está perfeito! 

Naquele momento dei-lhe o meu mais genuíno sorriso. Aquele homem aquecia meu coração de uma forma que ninguém conseguia.

— O que está lendo? — Ele perguntou com a testa franzida ao ver o livro na minha cama. Eu o peguei e mostrei a capa. Ele fez uma expressão de desdém. — Acho que não deveria perder tempo com literatura que não acrescentará no seu currículo.

Eu poderia dizer que Jamais uma leitura maravilhosa como aquela seria perder tempo, mas queria poupar minha voz, e principalmente, não queria quebrar o encanto do momento, então apenas assenti e sorri.

— Quero que se cuide! — Ele falou de forma séria — Siga corretamente toda a medicação e logo sairá daí! — o meu belo e apaixonante professor português parou junto a porta e me mostrou um meio sorriso que fez parar meu coração.

— Prometo... — Forcei-me a dizer enquanto o olhava fascinada.

Ele me jogou um beijo com as duas mãos, entreabriu a porta para se certificar que não havia ninguém no corredor e então saiu. Depois daquilo acho que meu quarto nunca esteve tão vazio.
Fiquei olhando para a porta por um bom tempo. Mesmo sabendo que ele não ia voltar, me iludia com a ínfima possibilidade.
Quando enfim cheguei à conclusão que aquilo não iria acontecer, resolvi voltar para a segunda coisa que mais aqueceu meu coração naquele dia... Os Jardins de inverno.

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