capítulo 1





"Sentimentos são como rodamoinhos que nascem no meio do oceano; Distantes são pequenos e não fazem tanto mal, mas à medida em que vão crescendo, podem se tornar devastadores... "

— Acorda Rose, estamos atrasadas! —
Ouvi Carol batendo na porta e pulei da cama já procurando meus óculos para olhar para o despertador.

— Merrrrdaaaa! Essa praga não despertou de novo! — Exclamei ao perceber que faltava apenas cinco minutos para começar minha aula de imunologia. 

Nesse meio tempo teria que me arrumar e atravessar todo o campus. Era isso ou ser chamada à atenção na frente de todos outra vez pelo cruel Alvarenga. Ah! Aquele malvado professor!  Mas não dava pra dizer que ele não era bom no que fazia. Na verdade poucos eram aprovados em sua matéria; mas isso era como ter um selo de qualidade depois que se formava, e eu queria mais que tudo!
Então vesti minha calça jeans desbotada, calcei minhas botas marrons, coloquei o casaco, o gorro e abri a porta.

— Não vai nem escovar os dentes?  Karol brincou ao ver meu pavor de  atrasar outra vez.

— Se aquele homem falar alguma gracinha hoje, solto um bafo bem fedido na cara dele! — Respondi brincando, mas havia certa verdade naquilo. — Vamos rápido!

Assim que acabei de falar, tranquei a porta e saí a passos largos pelo corredor dos dormitórios da ala leste. Karol seguia ao meu lado tentando acompanhar o ritmo. Ela não precisaria estar ali correndo o risco de chegar atrasada junto comigo, mas amigos de verdade fazem esse tipo de coisa.

Assim que enfim conseguimos chegar à sala 402, percebemos que estava fechada.

— Vai dar merda... — Meu comentário saiu quase sem eu perceber.

— Parece que sim. — Ela corroborou mostrando os dentes serrados.
Sem perder mais tempo abri a porta, e logo todos os olhares se voltaram para nós.

Alvarenga estava de costas escrevendo algo na lousa.
Que bom que não nos notou!
Senhorita Castro e senhorita Müller... Que bom que resolveram aparecer...
Falei cedo demais...
Quando nos viramos ele já nos encarava. Alto e rígido como uma cerejeira.  Calças pretas, camisa azul e blazer preto. O professor mais jovem e bonito de toda a universidade.  Não dava para entender como também era o mais chato.

— Perdão professor Alvarenga, a culpa foi minha, deixe Karol fora disso por favor.

Ele olhou para minha amiga com uma sobrancelha arqueada.
— Não sei como falam na  terra de vocês senhorita Lopes, mas aqui dizemos que, quem anda com porcos come restos.

— É quase isso professor... — Karol disse com voz tímida.

— Mas sem o sotaque. — Que merda! Não acredito que falei isso! — Quer dizer... Me desculpe professor.
Alvarenga me olhou com aquele tão conhecido olhar de impassividade sem alterar um único músculo do bonito rosto retangular.

— Que bom que você é tão boa em responder pelos outros,  senhorita Müller. Não se sente ainda, faça o favor de vir a frente e dizer em voz alta para os seus colegas o nome dos seis ossos que compõe o ouvido humano.

Outra vez todos os olhares se voltaram pra mim. Senti um suor frio umedecer minha testa, mas consegui me controlar e caminhei lentamente até a frente do quadro negro. Olhei de soslaio para Alvarenga, que mantinha o olhar impassivo e amedrontador.
— O ouvido humano é formado por seis ossos, a saber: dois são as bigornas, dois martelos e dois estribo. Vale lembrar que o menor osso do corpo humano é o estribo, localizado no ouvido médio que mede 0,25 centímetros.

Naquele momento foi impossível não notar os sorrisos nos rostos dos meus colegas. Eu apenas sorri em pensamento. Não queria irritar o Alvarenga mais do que eu sabia que ele já estava irritado.

— Pode se sentar senhorita Müller. — Ele disse em seu habitual tom sereno e sem passar qualquer emoção na voz.

Karol e eu fomos para nossas cadeiras, mas quando estávamos prestes a nos sentar, ouvi a voz do homem novamente.

— Senhorita Müller, senhorita Lopes...
— Nos viramos — já que as duas são tão inteligentes ao ponto de se acharem no direito de chegar a minha aula no horário que quiserem, então quero que me substituam na próxima aula na matéria Genética e Evolução. Preparem um simpósio sobre o tema e discutam com seus colegas menos inteligentes que vocês. — Naquele momento senti os sorrisos murcharem e os olhares se tornarem raivosos para o nosso lado. — Por enquanto é só, senhoritas, podem se sentar.

Depois daquilo, obviamente a aula ganhou um tom mais sombrio que o comum, e mesmo a sorridente Luíza me olhava de forma atravessada. Mas o que podia fazer, a merda já estava feita.

Assim que a aula acabou, todos foram saindo em silêncio, menos eu, que fui chamada pelo cruel Alvarenga.
— Senhorita Müller, preciso de cinco minutos com você.

Não tive outra opção a não ser, sorrir de forma constrangedora para os meus amigos e me despedir:
— Nos encontramos no Silver então. — Disse antes que a porta se fechasse e eu ficasse a sós com Alvarenga.

— Senhorita Müller... Se aproxime. — Ele falou já se levantando por detrás de sua mesa e apoiando as mãos nela.

— Presente querido professor! — Gracejei imitando a lendária Pópis do Chaves, mas agora o homem abriu um sorriso ao invés de ficar carrancudo.
Ele levantou as mãos da mesa e veio em minha direção, parando a não mais que um palmo de distância do meu rosto.

— Os ossos do ouvido humano?... Sério mesmo? — Perguntei com um sorriso sapeca no rosto.

— Por que acha que pedi um simpósio? Lógico que foi pra compensar... — Ele sorriu revelando os alvos dentes brancos em um forte maxilar quadrado.

Nos beijamos ardentemente, como em todas às vezes que ele fingia querer ficar comigo par uma conversa séria.
Eu havia me apaixonado pelo estonteante professor de olhos castanhos e cabelos negros encaracolados assim que o vi pela primeira vez, mas em público era extremamente necessário que nos tratássemos daquela forma, pois não queria de maneira alguma prejudicá-lo.

— Silver Café é?... — Ele disse assim que nossos lábios se separaram.

— Conhece?

— Sim, não é dos melhores.

— Acho aconchegante.

— E sábado a noite, tudo certo? — Ele perguntou.

— Agora não sei, já que tenho um importante simpósio para entregar a um professor muito exigente...

— Eu a libero. — Ele sorriu outra vez.
Sem responder, o beijei de novo e depois me afastei.

— Não se preocupe, darei conta do simpósio e de você!

— Gostei disso... — Ele me pegou pela cintura e também me beijou novamente. — Agora vá, seus amigos estão esperando.

— O senhor que manda Mr. Alvarenga. — Fiz uma leve mesura para ele e saí sorrindo da sala.

No final de tudo, até que o atraso havia valido a pena.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top