6 | A irmã preocupada e o escritor


(Dante Kafka)

Atravesso a rua à passos largos arrastando minha mala preta atrás de mim, reviro os olhos impaciente perante o buzinar dos carros.

De acordo com as últimas mensagens que troquei com Jay, ele e a irmã já estavam no aeroporto a mais de três horas. Tenho consciência de que eles precisavam arranjar algumas coisas para o trajeto, Nancy, a irmã dele foi bem simplória ao me informar, também via mensagem, que viagens são perigosas para a saúde do irmão. Mas é claro, não fez o favor de me informar o porquê.

Adentro o amplo ambiente ouvindo meus passos ecoarem sob o piso de mármore. Me sinto mais confortável em roupas formais, mas não foi boa ideia usar um sapato social novo. Meu dedo mindinho reclama a todo vapor, latejante.

Consigo identificar o escritor sentado de costas em uma das cadeiras de uma fileira inteira vazia, seus cabelos ruivo claro penteados para trás. Me aproximo em silêncio, ele olhava abobado para um ninho de pombos no teto.

— Tenho que te avisar Dante, seus sapatos fazem um barulho tremendo. — Diz Jay olhando para trás com um sorriso, acabando completamente com a minha ideia de tapar seus olhos.

Me inclino deixando nossos rostos próximos, para sussurrar rente a sua orelha:

— Ouvidos sensíveis é? — Pergunto com a voz rouca, e sorrio vitorioso ao ve-lo corar violentamente.

Ele volta a observar os pombos, mas desta vez com um olhar ligeiramente indignado. Passo por entre duas cadeiras e me sento ao seu lado. As poucas pessoas que passam pela gente andam preguiçosas, sem pressa. O som rítmico de passos quebrado apenas quando surge ao longe, um choro de criança.

— Onde está sua irmã? — Questiono de repente, afinal Jay estava aparentemente sozinho.

O escritor abre a boca para falar, porém se cala ao se virar na minha direção, com um sorriso aponta com a cabeça para trás de mim. Me viro imediatamente ouvindo um estalo no meu pescoço, e não consigo evitar arregalar os olhos ao ver uma ruiva com o senho franzido e os punhos cerrados vindo em nossa direção.

Ela para ao meu lado e suspira, me ignorando completamente ao falar com o irmão:

— Aqueles babacas estavam presentes a deportar o seu aparelho, aluguei uma carona para ele, com o seu cartão.

— Não me importo. — Responde Jay  se levantando, ele passa uma mão pelos cabelos, nervoso. Mas me apresenta animado:

— Dante essa é minha irmã, Nancy. — Pela primeira vez ela me olha, erguendo as sombrancelhas. — E Nancy este é o meu editor, Dante Kafka.

Estendo minha mão automaticamente levantando, e ela a aperta, me analisado. Não consigo conter um suspiro de alívio quando ela me da um leve sorriso.

— Finalmente conheci a pessoa que está tirando o meu irmão da merda. — Declara soltando a minha mão, pelo canto do olho vejo Jay revirar os olhos.

Nós sentamos em um silêncio harmonioso, minha preocupação com a possibilidade dela me odiar e culpar por colocar Jay em perigo dissipada. Bem, menos a minha própria culpa e preocupação. Hoje de manhã li mais de três vezes o relatório do próprio médico do escritor, que afirmava a possibilidade de viagem, mas sem dizer que não era perigoso.

A versão feminina de Jay se senta do outro lado do irmão. Pegando uma malinha de mão que estava embaixo da cadeira do escritor, apesar de pequena ela teve que fazer certo esforço para coloca-la em seu colo. Após a abrir, Nancy começou a revirar a bolsa mordendo o lábio inferior, notando o nervosismo da irmã, Jay diz suavemente tocando o braço dela:

— Não se preocupe Nancy, não é como se eu não tivesse viajado antes. É até o mesmo trajeto hora.

— Eu sei, só estou checando. — Responde Nancy fechando o zíper da bolsa com um suspiro.

Então Jay se inclina na minha direção e me alerta:

— Não ligue para o superprotetorismo dela, essa viagem é tão segura quanto uma ida a padaria.

Não consigo evitar rir do tapa que ele leva na nuca, aparentemente ele não falou tão baixo assim. Não que parecesse arrependido, ja que esfregava o pescoço rindo audivelmente.

A partir dai os dois irmãos mantém uma conversa amigável. E Nancy ao perceber que o nosso horário de embarque se aproxima, se afasta dizendo que tem que checar umas coisas. Jay e eu a observamos se afastar, os longos cachos ruivos balançando atrás de si.

Então uma coisa começa a fazer sentido na minha cabeça, encaro fixamente o ruivo ao meu lado. Cabelos, olhos, pele, altura...

Ele me olha espantado, e como se entendesse tudo volta seu rosto para a figura já distante da irmã, com um discreto sorriso no rosto.

— Hmm... então você percebeu. — Concluí o escritor.

— São realmente gêmeos? — Pergunto mesmo sem temer estar equivocado.

— Sim somos. — Responde, e sorrindo mais ainda mesmo com a voz trêmula, completa. — Quase ninguém percebe, ela sempre foi mais viva do que eu.

Observo seu rosto ainda voltado para a irmã. Os cachos de Jay eram alaranjados de tão claros, enquanto os de Nancy ainda eram visíveis ao longe, rubros. Realmente, é como se ela tivesse herdado toda a cor pelos dois. Contudo a confusão continuou impregnada em meu semblante, ele falou como se tivesse também outro sentido, mais profundo, mais doloroso.

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Já no avião Nancy fica ainda mais preocupada. E enquanto eu tento disfarçar o meu nervosismo perante essa máquina de metal que voa, os olhos de Jay brilham como nunca.

O escritor se senta ao lado da janela, a irmã do lado. Eu fico do outro lado do corredor mas na mesma direção, então consigo ver quando ela se inclina para pegar algo na bolsa que antes avia revirado. Jay balança a cabeça negativamente, firme, sério.

Ela para e o encara, o corpo tenso, entretanto quando fala consigo sentir a preocupação na sua voz:

— Jay, você já esta se arriscando bastante.

— Eu nem estou com sono, ta tudo bem. — Responde o ruivo dando de ombros. — Não se preocupe tanto. — Acrescenta, com um pouco de mágoa na voz.

Com essa última fala consigo entender o que estava acontecendo, seja lá o que esteja na mala ele tem vergonha de usar. Jay se vira para a janela, e sorri novamente olhando para as pessoas que trafegam lá embaixo. Nancy então se vira na minha direção.

— Diz pra esse idiota colocar logo essa máscara. Quem sabe ele te escuta. — Ela me pede frustrada. Mas ao notar a minha surpresa perante a palavra "máscara" pergunta abismada. — Ele realmente ainda não te contou nada?

— Eu sei que a saúde dele é debilitada. — Respondo coçando a nuca.

— Não é tão fácil. — Ela retruca. — Ele...

— Mana — Começa Jay se virando pra gente. — Quando chegarmos eu explico tudo, vamos aproveitar a viagem. Tudo bem esperar Dante?

Minha mente agoniada e curiosa gritava "não!". Porém seus olhos baixos me suplicavam. A quanto tempo ele desejou entrar em um avião rumo a sua terra natal? Ele merece aproveitar esse momento, abri um leve sorriso, ao qual ele retribui e concordei:

— Claro. — Então Nancy, que estava de costas para o irmão apontou com os olhos para a bolsa e completei — Mas só se você usar a máscara quando o avião decolar.

Ele olhou da pequena mala para os passageiros do avião e engoliu em seco, a ruiva se vira para ele e aperta de leve seu braço. Jay a olha nos olhos e sorri, então volta seu rosto para mim é balança afirmativamente a cabeça.

O nosso enorme transporte metálico começa então a tremer. Aperto firmemente os braços da minha poltrona, ignorando o homem que ronca do meu lado, a cabeça na janela.

Pelo canto do olho observo o escritor colocar uma máscara transparente no rosto, ela está ligada por um tubo a uma caixa preta que continua na mala. Um respirador portátil.

Quando ele aperta um botão da caixa, relaxa visivelmente. Então me olha e faz um sinal de positivo com o polegar, desagarro do braço da cadeira para fazer o mesmo, logo segurando firme nela novamente fechando os olhos quando sinto o avião subir. Consigo ouvir Jay e Nancy rindo e mando dedo para eles, esquecendo completamente qualquer etiqueta.

— Vai melhorar quando já estiver lá em cima. — Escuto a voz do escritor me informar. E respondo com um aceno de cabeça.

Minha vontade de vomitar era tremenda, mas consegui me segurar até sairmos completamente do chão. E Jay estava certo, quase não dava para perceber que estávamos voando. Nancy dormiu em menos de meia hora, o ruivo e eu passamos a noite inteira acordados conversando aos sussurros. O sono na voz dele era palpável, os bocejos ecoavam na máscara, mesmo assim se recusava a dormir.

O que afinal ele tem? Por que está sempre tão cansado? As perguntas não param de brotar em minha mente, eu quero ajuda-lo, fazer ele parar de baixar os olhos sempre que alguém passa pelas nossas cadeiras, o encarando. Acho que essas "férias" não serão o suficiente, não para mim. E pelo sorriso que ele tem no rosto por sair do Texas, nem para ele.

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***Até o próximo capítulo :)***

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