32 | Só você me faz ter compaixão


(Dante Kafka)

O som de algo caindo me desperta de um sono profundo e conturbado, sento-me então no sofá me lembrando por sua cor e maciez que estou na casa do meu namorado. Esticando meu corpo atrofiado pelo mal jeito franzo o senho, a televisão continua ligada e os pacotes vazios de biscoitos, barras de cereal e chocolate estão espalhadas por toda parte.

Após o nosso terceiro filme Jay se retirou devido ao cansaço, eu contudo, resolvi ver o que ia passar em seguida — o que nem recordo mais o que era — e pelo visto cai no sono. Desligo a TV passando a mão no rosto para enfim deixar um bocejo sair por meus lábios secos, quando ergo a face juro que meu coração falha em uma batida, a porta do apartamento que está a minha direita se encontra completamente aberta, escuto o mesmo som que ouvi antes e me levanto de um salto, não é algo caindo no chão, é o barulho estalado de uma porta sendo aberta.

E o pior, vem do quarto do escritor.

Caminho depressa aproveitando o fato de estar descalço para fazer isso de forma silenciosa, consigo entretanto escutar meus batimentos ritmados e a minha respiração furiosa, eu caminho com a raiva de um assassino. Ná porta a primeira coisa com que me deparo é com a figura de Robert que meche enlouquecidamente no BIPAP do ruivo que imediatamente começa a sufocar, em questão de segundos arranco o desgraçado do respirador e o jogo na parede pelo capuz do casaco de moletom preto.

O seguro com firmeza pelo pescoço olhando brevemente para a cama a tempo de ver Jay se sentar, desperto, tentando voltar a respirar, e essa visão apenas me faz apertar ainda mais a garganta da pessoa que tanto tem feito mal para ele. Minhas íris cheias de cólera não desgrudam das de Robert que me olha sem medo, apenas com dor, não a física, a de uma alma corrompida por si próprio.

Ele não se meche quando grito:

— Por quê!?

E isso só intensifica minha vontade de mata-lo, pois sua recente indiferença e falta de sarcasmo me faz querer ter pena dele. O tiro da pare pelo pescoço o empurrando contra ela várias vezes para tentar obter alguma, qualquer, reação de sua parte, então um choro convulsionante sai de sua garganta engasgada e comprimida por mim.

A palma carinhosa de Jay pousa então por sobre o meu braço nú, e seus poderes tranquilizantes chegam até mim através de ondas elétricas que arrepiam o meu corpo o deixando quase dormente, viro-me para o meu ruivo, seus olhos úmidos analisam os meus e consigo notar o esforço que faz para se manter de pé. Meus dedos então se afrouxam e o corpo do ex-empresario cai como merda no chão, uso então os meus dois braços para guiar o escritor para sua cama, ligo novamente o respirador passando a máscara para Jay.

Amor, acabou... — Ele sussurra com um sorriso, olho para trás, Robert não move um centímetro mas pelo choro que engasga em sua garganta sei que está vivo, me volto para o ruivo e concordo com a cabeça colocando a máscara no seu nariz.

Vai acabar meu anjo, vai acabar. — Sussurro de volta.

•••

O processo foi longo, aparentemente Robert não estava bem das ancas e no fim de tudo levou a Editora que o contratara para um processo com ele, por ter se aproveitado de seu debilitado estado mental e financeiro. Quando todos os fatos foram apresentados ao júri, as mensagens e ligações, além é claro do sequestro e da invasão tudo ficou claro. Portanto aqui estamos nós, quatro semanas depois.

Estamos em um salão oval cheio de cadeiras como um auditório — talvez fosse mais prático dizer em um tribunal — onde a pena do jovem Harrison é julgada, Jay não tira os olhos da tribuna e aperta com firmeza a minha mão e a de Nancy, sentada ao seu lado. Ele me olha e percebo que independente do resultado deste julgamento ele sairá feliz, finalmente se sentirá livre do medo que o perseguia.

O gêmeo então olha para sua gêmea que acaricia fraternalmente sua face com um sorriso aliviado, no princípio ela se sentiu culpada e magoada por não saber de nada do que estava acontecendo, escolha estúpida do irmão que quis poupa-la.

— Vai dar tudo certo. — Ela diz.

— Eu sei, só... não consigo evitar ter pena dele, afinal, ele ficou assim após a pousada... — Jay confessa, o cutuco para que olhe para mim.

— Acredite Jay, ele já fazia coisas ruins antes disso, as consequências um dia chegariam. — Retruco recordando-me de George.

O ruivo então concorda com a cabeça respirando fundo, não posso deixar que depois de tudo isso ele se culpe de qualquer forma que seja, o ex-empresario vai se tratar, Jay fez mais vezes a coisa certa do que eu faria se ele não estivesse lá para me impedir de sufoca-lo por exemplo.

O som do "martelo" ressoa pelo tribunal após uma breve discussão entre o júri e até o sussurrar das respirações param.

— Eu condeno Robert Harrison a cinco anos de prisão, pelos crimes de: tentativa de assassinato, sequestro e chantagem; período em que será acompanhado por um médico especializado para receber qualquer tratamento necessário. — Declara o Juiz ajeitando a "batina" preta sob sua pele negra.

Nós três nos levantamos em uníssono e Nancy e eu abraçamos o escritor que está gelado tamanha sua pressão, apertamos seu corpo contra o nosso como que para dar-lhe vida, e conseguimos sentir isso acontecer pois um grande peso foi tirado das suas costas. No dia da invasão Jay ficou apavorado mesmo depois que a polícia foi chamada, e como o medo não combina com a maldição de Ondina uma forte crise o abateu, sei portanto, que ele suportou coisas demais para tão poucos meses.

Nancy se afasta para informar Peter e Anne sobre o transcorrido, o ruivo então me puxa para um abraço mais forte enterrando sua face em meu alvo pescoço, e neste momento tudo ao nosso redor some e só o que vejo é o meu anjo seguro e bem.

— Eu posso estar vivo, mas a vida já teria me deixado se você não tivesse aparecido. — Jay Green sussurra e consigo imaginar o sorriso que adorna seus lábios. — Ela é como respirar para mim, as vezes dói, contudo você faz isso sempre valer a pena.

Sorrio o apertando com força antes de solta-lo para beijar castamente sua bochecha vermelha.

— As vezes acho que nasci para conhecer você, então se você deve sua vida a mim eu devo a minha a você. — Digo com essa recente convicção.

Jay entende, Jay sorri, pois Jay ama, e só quem ama entende o que é não ser mais completamente dono de si mesmo. Lá embaixo, na tribuna, ainda há coisas a serem resolvidas, mas como para nos tudo acabou vamos embora, já caminhando dou uma última olhada ao redor e com surpresa minhas íris se cruzam com as de Robert, e é impossível não reconhecer seus cabelos grisalhos, ele sorri triste para mim mas não consigo sorrir, não consigo fazer nada além de o olhar.

Será que para ele tudo acabou?

***Eu queria ter dado um final melhor para o George, mas a trama o levou a esse e acho difícil um pai ficar bem com o seu filho preso, embora isso não seja uma surpresa. Espero que ele se recupere***

**Obrigada por ler até aqui, tenho só um pedido...**

*Please votem e comentem (^^) é rapidinho e isso me deixaria muito feliz.*

*Até o próximo capítulo :)...*

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top