27 | É incolor, por deixar o mundo sem cor

(Jay Green)

As mãos gentis e exageradamente cuidadosas de Dante me ajudam a descer do carro, com um sorriso meio sem graça ele coloca a minha palma em seu braço, que é imediatamente apertado por meus dedos em busca de firmeza, e me ajuda a me apoiar na muleta com a outra mão.

Sorrio agradecido, me lembrando que prometi parar de agradecer, já que, segundo o editor, ele me deve muitos obrigados pelo presente que lhe dei. A princípio, pensei ser brincadeira e ri com certo carinho e surpresa por ele ter gostado de um presente tão simples, percebi todavia que as coisas pequenas o agradam.

Sou guiado bem devagar para a casa de dois andares e consigo ve-la realmente na claridade da tarde, suas paredes que pensei serem cobertas de cimento são na verdade de um cinza bem claro e antigo, e com surpresa noto a quantidade de janelas da residência, seis em cada andar, todas abertas com as cortinas carmim tremeluzindo do lado de fora. Dante abre sem dificuldades porta azul de ferro e passamos então pelo pequeno corredor, ele não precisa, porém, abrir a segunda porta que é de madeira, pois sua mãe o faz, me recebendo com um enorme e apertado abraço.

Os braços fortes de Sheila fazem o editor me soltar e eu quase não necessitar da ajuda da muleta de ferro, os cabelos pretos longos lhe caem pelos ombros e quando sorri para mim passando a mão nos meus cachos ruivos vejo uma mãe.

— Tem certeza que não vou incomodar? — Pergunto mordendo levemente o lábio inferior.

Me soltando Sheila balança as mãos para cima, como se dizendo: bobagem. Seguro novamente no braço de Dante após soltar uma risada.

— Aliás, vai ser ótimo ter um tempo pra mim conhecer o meu genro. — Completa.

— E como a minha mãe já foi enfermeira e você ainda precisa se cuidar em casa, vai ser perfeito. — Comenta o meu namorado, perante isto só posso suspirar em concordância.

Derepente um leve cheiro de queimado chega aos nossos narizes, a mãe de Dante primeiro franze o senho e então como se recorda-se de algo arregala os olhos castanhos e diz saindo apressada:

Vixi, acho que é o arroz.

Ao meu lado Dante deixa escapar uma risada baixa e negando com a cabeça entramos realmente na casa, nada mudou desde que estive aqui para o aniversário do editor, consigo ver um pedaço da cozinha de onde estou, e nela Sheila anda de um lado para o outro.

— Ela se parece com você. — Murmuro pensando não ser ouvido, Dante porém indaga:

— Sério?

Concordo com a cabeça, ela é gentil de graça, assim como o editor quando me conheceu, ele nem sabia quem eu era ou como era, e mesmo assim me tratou como alguém conhecido, com gentileza.

Me surpreendendo Dante aproxima os lábios do meu ouvido.

— Agora posso ficar perto de você. — Fala e consigo sentir que um sorriso adorna seus lábios.

Perto demais... — Murmuro segurando o riso ao sentir uma mão apertar levemente a minha cintura.

Ele ri roucamente e quando tenta me dar um casto beijo na bochecha puxo seus lábios para os meus o agarrando pela gola da camisa, ele não tenta resistir. Não compreendo perfeitamente o que está dando em mim, pois nunca senti vontade de fazer essas coisas com alguém, Dante apenas diz que isso já estava dentro de mim e que eu apenas não deixava sair e provavelmente é isso, porque juro nunca ter essa sensação em meu peito, ele está quente e acelerado, que nem uma máquina em seu pleno funcionamento, como nunca esteve, por não ter amado antes.

Quebro o beijo e com um suspiro encosto a testa no peito do editor que delicadamente passa a mão na minha cabeça, então com um meio sorriso Dante ergue o meu rosto pelo queixo e dando um selinho agora em minha testa diz, já me guiando:

— Vem, pelo cheiro a comida está pronta.

Balanço a cabeça positivamente, sentindo um súbito cansaço mental e físico, e me deixo ser levado para a cozinha onde Sheila puxa uma cadeira para Dante me sentar, a agradeço muito sem graça e ela repete que é: bobagem, agora em voz alta. O editor então se senta na cadeira a minha frente e sua mãe na cabeceira da mesa, entre nós dois.

Tudo estava maravilhoso, ela fez um arroz soltinho com passas (só se notava um leve aroma de queimado) do qual Dante não gostou muito, e uma galinhada, por último um suco natural de laranja que ela comprou para ajudar na minha recuperação. Ao término do almoço, Sheila quase me matou de rir com as histórias da infância do editor, e em contrapartida, o editor quase foi acertado por um pano de prato assassino encharcado por me contar que quando a mãe dele assiste novelas pelo celular fica conversando com os personagens.

— Eu juro que a próxima eu acerto, vê se pode, o que tem gostar de ver novela? As vezes é melhor do que a realidade. — Ela profere com um olhar mortal para o filho que revira as orbes pedindo desculpas.

— Como assim? — Pergunto interessado.

— Bom, — Sheila começa se encostando no balcão com um suspiro. — Como no amor por exemplo, temos uma ideia tão errada dele... Ilusória, nas novelas tudo é perfeitamente organizado para ter o final certo. Na vida real, as vezes não importa o que você faça, simplesmente não é para dar certo.

— Tipo com o meu pai. — Dante comenta me fazendo olhar para ele que parece crispar os lábios com o pensamento.

— É. — Concorda. — Achei que amava o Arthur e aceitava tudo para tentar fazer dar certo, só que eu nem sabia o que era amor, santa ingenuidade...

— O que é o amor para a senhora? — A questiono me inclinando para frente.

— Hoje sei que não foi amor de verdade, ele é mais puro e sem extremismos, amor de verdade é quando você ama sem tirar a liberdade de alguém. — Sheila responde, sob os nossos olhares completamente admirados.

Ela diz que tem que sair, e quando minhas íris encontram as pensativas de Dante recordo-me de uma passagem de Jorge Amado:

"A liberdade é o bem maior do mundo".

E observando a profundidade das negras orbes do editor sinto-me navegar por elas, ele acorda de seu torpor e captando o meu olhar sorri para mim, me fazendo desviar os olhos com as bochechas avermelhadas. Me sinto mais livre do que jamais estive perto dele, e ele?

•••

Sento na cama passando a mão na garganta ao sentir minha garganta tão seca que chega a arranhar, a respiração de Dante ressoa no quarto devido ao silêncio da noite, sorrio e delicadamente tiro seu braço da minha cintura, e sem desligar o mini respirador tiro a máscara de oxigênio para sair da cama, é incrível mas, se eu o desliga-se o editor acordaria imediatamente. Sinto calor na fina camiseta branca de mangas longas, contudo, não a tiro e apoiando-me na muleta com o cotovelo atravesso a porta silenciosamente.

Sheila manteve as luzes do corredor do segundo andar acessas para o caso de eu querer ir ao banheiro que fica no fim do corredor, porém, o que quero fica na cozinha então desço a escadaria o mais devagar possível, apoiando-me ora na muleta de ferro, ora no corrimão de madeira. Após deixar para trás o último degrau consigo respirar fundo, aliviado.

Na cozinha paro enfim em frente à geladeira e colocando o meu suporte ao lado desta abro abruptamente a geladeira, e no breu da madrugada sua luz ilumina todo o ambiente, onde consigo ver na forma de uma tênue sombra o pai de Dante sentado à mesa. Abro mais a porta da geladeira para o iluminar melhor, noto então o rosto tão parecido ao da pessoa que deixei dormindo na cama, sujo e embriagado, Arthur come a quentinha que sua ex-mulher deixou para ele.

— Não te vi aí. — Digo coçando a nuca como que pedindo desculpas.

— Ninguém vê. — Ele responde erguendo o olhar, com uma risada seca.

— Quando se envelhece você some até morrer. — Completa voltando sua atenção para o prato.

Confuso murmuro um boa noite e pegando uma garrafinha de aguá saio da cozinha com a ajuda da muleta.

Sinto pena dele, por ter feito isso com sigo mesmo, porque no fim, quando se afasta as pessoas deliberadamente de você é porque tem medo de se apegar a elas, de criar laços. E você acaba passando como um fantasma no mundo, incolor, e para piorar ele ainda tentou deixar a vida de Sheila e Dante sem cor também.

Não quando você tem pessoas que te amam.

Reflito sobre o que ele disse, sorrindo ao deitar na cama e sentir os braços calorosos do meu namorado me envolverem.

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*Beijos e até o próximo sábado :)*

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