23 | Culpa
(Dante Kafka)
Entro com passos apressados pelo hospital carregando o corpo inerte do meu namorado nos braços, Sheila corre na frente pedindo ajuda. Consigo ouvir as sirenes da ambulância lá fora, os choros e os gritos da emergência, contudo ao mesmo tempo não sou capaz de escutar nada.
Uma menininha morena segura a mão de um homem na ala de espera, esse homem tem a cabeça completamente enfaixada e mantém as orbes sem vida fixas ao chão, sem se dar conta da garota que com os olhinhos vermelhos tenta não chorar mais. Desvio o olhar, uma maca passa por mim, nela uma esta uma mulher com a perna ensanguentada, ela não se mexe e sua mão pende para fora da cama móvel, sem vida.
Sem me dar conta de ter parado sou sacudido, envolvo instintivamente o corpo do ruivo de forma protetora até que reconheço minha mãe atrás da médica que tenta falar comigo.
— Senhor... Senhor, preciso ver o pulso dele.
Piscando os olhos como se acorda-se de um transe a deixo se aproximar, lendo brevemente seu nome no crachá, Emily Sony. Ela toca seu pulso franzindo o senho e então toca a testa de Jay, suas orbes intensamente azuis se arregalam quando grita chamando os enfermeiros.
Nada consigo dizer, uma maca é trazida e com uma velocidade profissional o escritor é deitado nela sendo logo carregado para o interior do hospital.
— O que ele tem!? — Indago em um misto de medo é fúria, sinto-me tolo e idiota, como se todos estivessem escondendo algo de mim.
— Desculpe a pressa mas é uma emergência, a febre dele precisa abaixar imediatamente ou pode mata-lo. Parece penamonia no entanto não tenho certeza... — A médica responde sem olhar para mim, ela preenche a ficha de Jay com rabiscadas furiosas.
— O que vão fazer? — A minha mãe pergunta se aproximando por trás de mim para tocar levemente meus ombros, sinto-me relaxar com o contato.
— O procedimento padrão para emergência é a banheira com gelo, depois vamos estabilizar com medicamentos. — Emily informa limpando o suor da testa com o braço.
Está quente, e sinto porém uma vontade louca de andar pelo pavilhão lotado da entrada, ir atrás de Jay só para estar com ele.
E então uma luz se acende em minha mente, eles não podem tirar a máscara dele.
— Doutora tem um fato importante, ele tem a síndrome de Ondina não pode ficar sem a máscara com a qual entrou. — Digo rapidamente de forma clara de modo a enfatizar a importância desse fato.
Ela se volta para mim espantada e enfiando a fixa nos meus braços sai correndo pela porta que Jay entrou, respiro profundamente passando a mão nos cabelos negros.
— Ele vai ficar bem? — Questiono em voz alta.
— Ela parece boa médica. — Minha mãe responde esfregando meus braços, suspiro olhando para a fixa.
"Batimentos quase nulos e respiração desregular, além de febre extremamente alta adicionada a palidez preocupante, possíveis problemas sanguíneos."
Como pude não ver isso? Jay porventura estava tão acostumado a tranquilizar as pessoas que cobriu minha visão ou eu não quis ver?
— Vem querido, vamos sentar e esperar, é tudo o que podemos fazer. — Sheila completa prendendo seus longos cabelos negros com fios acobreados em uma trança, concordo com a cabeça enquanto sou guiado para uma fileira de cadeiras. Ela permanece serena e como em muitos momentos da minha vida consigo ver sua incrível força, enquanto me sinto desmoronar com o primeiro terremoto minha mãe segura as paredes da casa.
Sento-me de forma desconfortável pois meu corpo parece preparar-se para levantar a qualquer momento, meus cotovelos apoiados nos joelhos e o rosto abatido nas mãos. Sinto a suave palma da minha progenitora tocar meu joelho e me volto para ela, deparando-me com uma interrogação em sua face gentil.
— A quanto tempo Jay está doente?
— Desde que nasceu. — Respondo com um sorriso melancólico. — Seu sistema imunológico é fraco, uma simples gripe já é um perigo; Nancy tinha razão, viajar não foi uma boa ideia e nem perguntei antes porque ele saiu da Escócia, mesmo sendo tão óbvio, lá é frio e perigoso.
— Não seja bobo, você não é um Deus filho. Quem poderia saber? Depois que vocês viajaram chegou uma frente fria aqui, o Texas inteiro ficou doente. — Minha mãe retruca. — Além do mais, Jay toma as próprias decisões, pode ser jovem mas já é maduro o suficiente para isso.
Sorrio de lado ao me lembrar de quão estranho é pensar que o escritor tem apenas dezenove anos, alguém que para mim tem uma figura tão mais velha. Meu sorriso então morre com a chegada da saudade das nossas conversas em frente à televisão desligada, e dos sorrisos com que Jay me presenteava.
Fecho os olhos e respiro fundo me recordando de algo importante, digo para Sheila:
— Tenho que avisar a irmã dele.
Minha mãe concorda e se levanta dizendo que vai tentar conseguir informações, ela já trabalhou aqui como enfermeira na época do estágio e conhece algumas pessoas. Agradeço com um beijo em sua bochecha e apanho o celular enquanto ela se distancia.
Nancy atende no primeiro toque, e como que já sabendo de tudo pergunta o que aconteceu. Ela nada diz enquanto conto tudo, entretanto posso sentir sua exasperação pelo som ritmado da sua respiração. Ao fim de tudo temo suas palavras, e secando os olhos molhados com o torço da mão aguardo-a também se recompor.
A gêmea funga e após respirar profundamente três vezes finalmente fala, sem raiva, sem remorso ou indícios de que estivera chorando comigo:
— Eu estou indo.
A ligação porém não é desligada, posso ainda ouvir sua respiração, e após alguns segundos ela pede:
— Cuide dele Dante, e não se culpe, não dá para fazer mais do que fazemos.
E então o bip de ligação encerrada ecoa pela minha mente ressoando como um mantra.
Culpa, a palavra que tanto circula como um redemoinho por meus pensamentos irrelevantes. Rumino-a de forma completa para descobrir seu significado, o verdadeiro significado. O conhecimento comum dela pode não mentir, mas mostra de forma heterogênea a culpa e o culpado, sendo porém os dois parte da mesma coisa pois é o culpado quem verdadeiramente tem, é, e sente a culpa.
Olho ao redor, espantando-me ao notar que a tarde já se inicia. Minha mãe caminha em minha direção e com um sorriso tranquilizador me informa que até agora tudo bem, sinto imediatamente meu coração se acalmar quando me levanto para beijar sua face corada.
— Não foi nada meu filho, não aguentava mais ver essa sua cara de enterro. — Ela brinca conseguindo me fazer revirar as orbes. — Só tem um problema, eu tenho que ir, o seu pai causou algum problema lá na vizinhança.
— Bêbado? — Indago.
— É — Confirma crispando os lábios. — Vai ficar aqui esperando?
— Vou. — Respondo sem precisar pensar, e com um leve sorriso completo: — Preciso ver os olhos dele.
•••
Sou sacudido por mãos gentis, pisco os olhos algumas vezes antes de fato os abrir franzindo o senho para a dor que se espalha pelo meu corpo por ter dormido de mau jeito nas cadeiras da ala de espera. Me sento massageando a nuca e me deparo com uma ruiva diferente da que eu me acostuma-ra a ver, ela pisca os olhos inchados e vermelhos igualando-se com o nariz e é claro os cabelos cacheados. Sua face bondosa me recebe com um sorriso sincero, sinto porém uma pontada no peito.
— Oie — Falo sem graça. — Chegou cedo.
— Cedo? — Ela tenta brincar me fazendo olhar lá para fora, a escuridão domina as ruas. — Acho que alguém precisava dormir.
E me desarmando quase que completamente concordo com a cabeça, recebendo um abraço da gêmea cujas íris verdes brilhantes se igualam tanto as de Jay.
— A propósito, feliz aniversário atrasado. — Nancy comenta me fazendo rir.
— Obrigado. — Peço quando nos separamos.
— Nada, depois vai ter que me dizer o que Jay te deu, ele não me deixou ver. — Declara a gêmea, fazendo-me lembrar que não cheguei a abrir o presente.
Uma enfermeira se aproxima da gente e após conferir os nossos nomes informa que a doutora Emily disse que terminaram, podemos ve-lo.
— Por gentileza sigam-me. — Pede, se pondo a caminhar.
Nancy e eu nos entre olhamos brevemente antes de segui-la. Ao passarmos pelas duas grandes portas azul marinho a atmosfera muda completamente, é como se entrássemos em um formigueiro de formigas de jaleco branco. Um médico alto e loiro passa ao meu lado esbarrando em mim, quando me volto para trás franzindo o senho porém ele já sumiu.
A enfermeira para então diante de uma porta fazendo a gêmea e eu a imitarmos, e então dá três leves soquinos na madeira branca desta. Respiro fundo passando a mão nos cabelos, e enfim a porta é aberta. Emily acena com a cabeça para que entremos e agradece a nossa guia que se retira com passos apressados.
E quando enfim as minhas íris negras encontram a cama de metal frio no centro do quarto branco congelam. Jay quase não aparece por entre os lençóis brancos de tão pálido, e os fios e tubos ligados a sí lhe dão um aspecto fantasmagórico, sinto Nancy segurar o meu pulso como que precisando de apóio. Os olhos do ruivo então fechados e a face quase que completamente oculta pela máscara respiratória do hospital.
— O que aconteceu? — Nancy pergunta com a voz trêmula.
— Bom. — A médica começa, sentindo a tensão. — Ao que tudo indica é mesmo uma penamonia, soube que ele viajou recentemente então é fácil saber como a infecção em seu pulmão começou. Ainda mais levando em conta a imunidade baixa do paciente, resultado de sua síndrome rara.
Caminho trazendo Nancy para mais perto da cama e após esfregar os olhos indago finalmente olhando para a médica:
— Como Jay vai ficar doutora...? E ele achou que fosse apenas uma gripe, se é que não sabia, esse...
— Idiota. — Completa a irmã levando a mão ao rosto para esconder as lágrimas.
Passo o braço em volta de seus ombros a trazendo para mais perto de mim. Emily anda pelo quarto ao dizer:
— Muitas vezes parece um resfriado mesmo, a tosse, a dor nos pulmões, e o cansaço excessivo poderia ser explicado pela Ondina. Mas tenho que admitir estar impressionada, não é fácil esconder a dor da penamonia. — Emily explica parando de andar, e após olhar brevemente pela janela continua: — Mas o tratamento é até bem simples, passada a fase de risco. Será a base de vitaminas por meio de soro e muitos antibióticos mesmo quando ele estiver livre.
— Só tem um problema. — Fala com um suspiro de quem vai contar uma bomba.
— Qual? — Questiono se entender.
A ruiva ao meu lado limpa as lágrimas e se afastando de mim vai para a cabeceira da cama do irmão, ela olha bem para um aparelho enorme dos dois lados da cama e franzindo o senho para a loira que se senta em uma das poltronas da sala começa:
— Isso não é...
— Sim é. — Emile responde.
— É o que?! — Pergunto exasperado.
A médica fixa seus olhos azuis em mim, e vejo uma dor verdadeira neles.
— A infecção do senhor Green estava muito avançada, estava atacando o seu sistema sanguíneo de forma muito intensa. Então tivemos de induzi-lo a um coma, era a única forma.
Nancy se ajoelha ao lado do irmão abraçando seu corpo, e eu fico simplesmente parado alí descrente, olhando para um canto vazio na parede.
— Agora depende dele, ele vai ter que acordar naturalmente. Sinto muito.
***Tum tum tum olha eu aqui de novo :• ***
***Obrigada por ler até aqui, não se esqueça de deixar o seu voto (^^). Até o próximo capítulo.***
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