21 | Parabéns pra você
*** É importante estarmos lá para quem amamos, e tentar compreender quem odiamos.***
(Jay Green)
Respiro fundo olhando por uma brecha do armário, Sheila está espiando pela janela de vidro que dá para a calçada. Dante ainda não chegou.
Me volto para o bolo em meu colo e sorrio, mal posso ve-lo neste escuro entrecortado pela luz que vêm de fora, porém sei como é, sua cobertura de chocolate desce por ele como lava derretida e os morangos o adornam delicadamente que nem pequenas flores brilhantes. Não foi difícil escolher esse sabor já que o editor adora mergulhar morangos em chocolate, o difícil foi encontrar a casa de Dante com as genéricas instruções da mãe deste.
Além disso, teve a Nancy que quis de qualquer forma vir comigo, por um lado para me vigiar pois segundo ela não estou nada bem e preciso descansar, isso porque acordei sufocando ontem à noite; pois é, meus pulmões estão fazendo um péssimo trabalho. E por outro para parabenizar o aniversariante. Entendo porém os seus motivos para não vir, minha irmã está tendo provas muito importantes na faculdade e notas em medicina não são fáceis de recuperar.
Me encosto nos casacos do fundo ao sentir uma leve tontura me dominar e fecho os olhos controlando a minha respiração, o frio me faz estremecer, esse ar condicionado é realmente frio aqui dentro, olho ao redor, eu poderia pegar um dos casacos mas teria que colocar o bolo em algum lugar, o que não é uma possibilidade levando em conta que estou espremido como os livros que tento enfiar entre os outros na estante.
Rio roucamente com o pensamento e contraio imediatamente o rosto, meu peito dói como se eu tivesse levado um soco enquanto dormia.
Preciso me recuperar deste resfriado.
Então o som compassado da campainha toca, me ajeito animado sobre os joelhos e coloco um olho na brecha da porta de madeira adornada com folhas. Sheila aperta o botão do interfone que abre o portão da frente e se vira para mim murmurando prepare-se, e mesmo sabendo que ela não pode me ver concordo com a cabeça.
Ela faz um coque com os cabelos negros longos e posso ver seus fios brancos brilharem como fios de cobre, é baixinha com quadris largos no entanto, e quando se esconde atrás da porta ainda consigo ver sua silhueta.
Assim que Dante cruza a porta sua mãe pula na frente dele jogando confetes gritando:
— Surpresa! — Ele fica estagnado por uns segundos sem entender mas assim que isso acontece sorri balançando a cabeça negativamente e a abraça, sorrio instintivamente em meu esconderijo também. — Feliz 29 anos meu querido.
— Obrigado mãe. — Fala lhe dando um beijo na bochecha. — Então era isso que estava planejando?
— Mais ou menos, falta o bolo, pode pega-lo no armário Dante? — Sheila diz como quem não quer nada, tento me ajeitar em meu esconderijo e enquanto ele se aproxima minha respiração se descompassa até quase.
parar.
Meu peito dói, pelo meu ferimento de nascença e de emoção, contudo simplesmente não consigo respirar, a cada passo suas feições estão mais nítidas, curiosas e excitadas, o brilho porém parece ter deixado suas íris. Meu coração acelera quando a porta é aberta, como vou ser recebido? Carinho? Ou como intruso que não avisou sua chegada?
Sou entretanto surpreendido por um sorriso que parte sua face com delicadeza e pela mão que me é estendida quando balbucia:
— Jay...
— Feliz aniversário Dante. — Sussurro corando ao ser erguido, e se possível seu sorriso aumenta ainda mais. Ele pega o bolo com um olhar malicioso e sorrio ao ver o brilho voltar, o pousa na mesa e me puxa para uma abraço quente e apertado. Suspiro envolvendo as suas costas e cheiro seu perfume, como pude ousar me esquecer deste cheiro? — É tão bom te ver.
Dante me olha e seu olhar me diz o mesmo. Ele beija minha face murmurando meu anjo e então me beija de forma calma e saudosa, como que decorando cada sensação. Quando nos separamos me dou com as orbes emocionadas de Sheila atrás deste, minha face parece queimar viva.
— Dante... Sua mãe. — Murmuro e ele ri.
— Ela não parece se importar, mas a propósito. — Continua se voltando para ela, — Obrigado pela surpresa, — E se volta para mim. — você também, obrigado por estar aqui, sabe que eu te amo muito né?
— Em que outro lugar do mundo eu iria querer estar se não aqui com você? E ainda poder te ouvir dizer isso novamente. — Digo acariciando a face do editor que sorri e beija a ponta do meu nariz.
A mãe do moreno então nos chama para a realidade dizendo para cortar-mos logo o bolo antes que não seja mais aniversário de Dante, pois já estamos perto da meia noite. O bolo repleto de morangos e posto sobre a mesa, coloco as duas velas que formam vinte e nove e Sheila e eu cantamos o parabéns. O editor nos acompanha batendo palmas e logo estamos rindo ao repetir a música de forma descompassada, contudo animada.
Em meio as palmas de fim de cantoria olho ao redor, consigo ver ao longe quadros adornando a parede do corredor e semicerrando as orbes percebo ter três figuras em cada. Tento espantar o pensamento quando Dante me guia para a mesa, porém suas íris negras me fazem pensar, onde está a terceira pessoa da foto?
— Então, agora que estamos aqui reunidos posso enfim perguntar. Filho, por que escondeu esse jovem brilhante de mim? — Sheila Indaga acusadoramente o filho me fazendo rir disfarçadamente.
— Mãe... Como poderia esconder Jay de você, nos conhecemos a apenas dois meses. — O filho responde revirando os olhos.
— Não gire esses olhos pra mim senhor Kafka, — Alfineta apertando a bochecha do editor e se volta para mim com um termo sorriso. — mas fico feliz em te conhecer, embora não dá forma tradicional.
— Também fico muito feliz, agora sei de quem Dante puxou a gentileza. — Digo levando a mão a boca para tossir fazendo uma careta para a dor que se espalha pelo meu peito com o ato. — Desculpem. — Murmuro tossindo novamente.
Sheila sorri dizendo que tudo bem, Dante porém aproxima sua cadeira da minha e toca minhas mãos, franzindo o senho para elas, estão frias. Ele abre a boca para falar algo mas balanço imperceptivelmente a cabeça de forma negativa.
Agora não.
O editor concorda com relutância permanecendo no entanto ao meu lado, segurando com uma mão a minha, e com a livre saboreamos o bolo. Sheila fala conosco mas consigo apenas balançar a cabeça em resposta é acabo percebendo que Dante faz o mesmo, seus dedos me acariciam e fechando os olhos tudo o que desejo fazer é abraça-lo e beija-lo novamente.
Quando terminamos ela se levanta repentinamente dizendo que vai guardar o restante do bolo.
— Precisa de ajuda? — Dante pergunta.
— Não tudo bem, não sobrou muita coisa. — A mãe do editor responde sorrindo, pega a bandeja e vai para o interior da cozinha.
Suspiro olhando para baixo e consigo sentir as íris questionadoras dele em mim, minha face é acariciada e erguida fazendo-me deparar com elas. Sorrio de forma tranquilizadora ao sussurrar:
— Quis tanto te ver, e agora que vi não sei o que fazer ou dizer.
— O que quer fazer? — Ele sussurra de volta e acaricia minha bochecha com um sorriso de lado.
— Não sei, acho que só ficar assim por mais um minuto. — Respondo rindo e ele ri também.
— Como você consegue fazer isso? — Dante indaga.
Olho em seus olhos sem entender.
— Fazer o que?
— Me deixar feliz assim, só por estar do seu lado, a uma hora atrás tudo o que eu queria era dormir, agora só quero ficar acordado olhando pra você. Seus olhos expressivos, seus cachinhos, e as suas bochechas vermelhas como tomate. — Dante diz baixinho como se fosse um segredo, sinto minha face esquentar a cada palavra, ele ri.
Pego então uma coisa no bolso do meu casaco sob o olhar curioso do editor, uma pequena chavezinha dourada e falo a entregando a ele:
— Olhe pra mim um escritor sem palavras, pois só o que consigo pensar no memento é que tenho sorte.
Paro por uns segundos segurando outra tosse e aponto com a cabeça para o andar de cima.
— Deixei o seu presente no seu quarto, é mais uma lembrança mas... — Digo constrangido, entretanto ergo o rosto com um sorriso de lado, reprovador. — Se bem que não é culpa minha, senhor orgulhoso.
Ele ri coçando a nuca mas me olha bem nos olhos ao se desculpar.
— A verdade é que eu queria ver você, ainda mais hoje, quando vinha pra casa vi ao longe o trem que dava para a sua casa, cheguei a toca-lo mas... Fiquei com medo.
— De que? — Pergunto sem entender.
— Eu não sei, só senti medo. — Dante responde fixando em mim suas orbes suplicantes.
Suspiro beijando suas mãos, e então digo calmamente:
— Ta tudo bem, eu também sinto medo.
O editor sorri e eu sorrio também com a estranheza da situação, o que me faz recordar dos nossos primeiros encontros, na lanchonete, no parque, o que há de não estranho na gente?
A campainha toca me fazendo desviar o olhar para a porta com o senho franzido, Sheila sai da cozinha secando as mãos e sai dizendo que vai atender.
— É o meu pai. — Dante me informa em um suspirar, devo o estar encarando de forma preocupada pois este sorri ao dizer. — Não é nada anjo, e ei, eu é que deveria estar preocupado contigo senhor Green.
Desvio o olhar murmurando:
— Eu tô bem, é só uma gripe.
— Desde a viagem?
— Bom... er, mais ou menos. — Respondo de forma enrolona.
— Jay por favor olha pra mim. — Dante pede e eu o atendo encontrando uma face suplicante. — Por que tem enrolado para não ir ao hospital?
Baixo os olhos encarando nossas mãos e confesso:
— As coisas se tornam piores quando eu vou, eles sempre encontram alguma coisa...
— Eu entendo. — Diz o editor erguendo o meu rosto. — Mas não dá para ficar fugindo.
— Você vai comigo? — Peço sem pensar mas ele apenas sorri gentil e concorda.
— Claro, amanhã mesmo eu te levo. Posso não ser médico mas a sua tosse e esses calafrios não parecem coisa boa. — Fala me analisado.
— Calafrios? Eu não estou tendo... — Começo e então percebo, minha pele arrepiada e demasiada branca, além do frio que nem percebi estar sentindo. Quando abro a boca para comentar algo ouso a porta ser aberta.
Nos viramos juntos a tempo de ver um homem alto e pálido entrar, seus olhos negros estão fundos e os cabelos castanhos parcialmente brancos desgrenhados. Quando vê a gente não sorri, porém mesmo com sua expressão inexpressiva sei imediatamente ser este Arthur, pai de Dante.
O filho mantém as íris ariscas fixas no pai a cada passo que ele dá, este pára diante de nós analisando os três pratos com farelo de bolo sob a mesa, e ignorando completamente o aniversariante fala se dirigindo a mim:
— É você o chefe do meu filho?
E ri asperamente ao ver minha expressão confusa, ele sabe quem sou, pois Sheila conversou com ele antes de virmos, e Dante confessou que o pai já sabia sobre sua sexualidade. Então deduzo que este comentário é para alfinetar o editor.
— Trabalhamos juntos pai. — Dante responde seco.
— Não, não trabalham. Porque no final o único nome do qual as pessoas se lembram são os dos autores. — Arthur riposta com um sorriso cínico, e neste momento Sheila entra tentando entender a recente atmosfera fria que se espalha.
Respiro fundo deixando escapar um sorriso é nego com a cabeça fazendo com que todos me olhem, então olho bem nos olhos rijos que me vêem de sima ao dizer:
— Se engana senhor Kafka se acha que editores não são importantes. Sem os editores, nosso trabalho ficaria tão ruim que ninguém passaria do primeiro capítulo. Eles conseguem ver além dos olhos do autor, que são como olhos de um pai coruja.
Sinto Dante apertar a minha mão por baixo da mesa em agradecimento e consigo voltar a piscar aliviado por não ter falado besteira. Passo a mão livre na garganta a sentindo seca e tusso a colocando na boca, mas tento parecer o menos cansado possível quando o pai do editor se dirige novamente a mim, desta vez insinuando uma trégua.
— Se você diz, afinal não entendo nada do assunto. — Admite e inclinando a cabeça na direção do filho completa: — Parabéns, sinto por ter estragado a festa.
Então continua o seu caminho para o andar de cima, sendo seguido pela morena que o pergunta o que diabos este fez desta vez.
— Conheci meu genro. — Riposta enigmaticamente.
Ao meu lado Dante suspira massageando a têmpora.
— Desculpe por isso. — Ele pede mas eu sorrio negando com a cabeça.
— Ta tudo bem, só fiquei preocupado contigo, parecia que ele estava te testando. — O tranquilizo.
— Ele sempre faz isso, só que acho que desta vez ele estava testando você. — Me informa e sorri apertando de leve o meu nariz. — E você o enfrentou, só a mamãe faz isso.
Dou de ombros corando, e então como se lembra-se algo Dante toca o meu braço me sentindo estremecer, estou gelado, e em seguida toca o meu pescoço franzindo o senho. Tira seu blazer e me cobre com ele antes de me lembrar que vai comigo ao médico, concordo com a cabeça quase sem o ouvir, me deliciando com a sensação de ser envolto em seu cheiro.
— O que está sentindo? Parece cansado. — Me questiona fazendo-me revirar as orbes.
Até já se esqueceu que era ele que estava trabalhando que nem um condenado.
— Nada, só sono. — Minto mudando rapidamente de assunto. — Por que ele age assim com você?
— Não adianta tentar me distrair, vem, vamos dormir e depois eu te conto. — Riposta se levantando.
Dante me guia escada acima e então percebo o quanto estou mal, a cada passo minha respiração se torna mais ofegante e quando minhas pernas falham completamente ele me pega no colo sem exitar. Enquanto sou carregado me conta baixinho que o pai dele queria que este fizesse direito, e como Dante sempre fez tudo o que ele queria sem nunca reclamar Arthur se assustou quando este disse um belo: não quero.
— O que aconteceu? — Pergunto também baixo, tossindo com o esforço.
— Ele tentou me bater, minha mãe conseguiu interferir. — Responde tocando levemente a minha testa e murmurando algo sobre ligar para Nancy que eu ignoro. — Desde então são separados, mas ninguém quer deixar a casa.
Ele abre a porta do quarto com as costas e quando sou deitado delicadamente em sua cama macia durmo instantaneamente.
***A família de Dante finalmente apareceu, por enquanto de forma breve, mas nos próximos capítulos vou focar um pouco neles.***
***Obrigada por ler até aqui, não se esqueça de votar***
***Um abraço e até o próximo sábado (^^)***
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