17 | Que seja você e eu
(Jay Green)
O sorriso dele, tudo ficaria mais fácil se ele não tivesse aquele sorriso.
Um se forma em meu próprio rosto com a simples lembrança, sorriso esse que morre quando sinto um arrepio subir pelo meu pé. Abro os olhos e ergo imediatamente a cabeça olhando ao redor.
O quarto é escuro mesmo com o sol recém nascido lá fora, passo a mão na cama a sentindo vazia e suspiro, Dante ja levantou.
— Por que diabos fica tão frio quando ele não tá? — Indago me levantando também, tiro a máscara de oxigênio do meu rosto e desligo meu velho BIPAP, esfrego então os olhos bocejando. — Não é como se fosse um aquecedor.
Sei que tecnicamente o corpo humano é um aquecedor, só que tipo, ele meio que esquenta o quarto todo. Rio por entre um suspiro entrando no banheiro, e acendo a luz para me ver pelo espelho. Meus cachos ruivos agora quase tocam os ombros, mas não ligo muito, pois o editor parece gostar de mecher neles. Toco então os meus lábio sentindo o meu rosto enrubecer, estão inchados, e mais vermelhos do que o costume.
Não é pra menos, já que a gente não se largou.
Dou as costas ao meu reflexo, temendo ver outra revelação também no pescoço, e pego a escova de dentes da bolsa que já estava no banheiro desde depois do jantar de ontem. Coloco à pasta nela e me dirijo para o box fechando o mesmo.
— Peter e Anne parecem ter gostado dele. — Cochicho baixinho tirando a minha roupa e a pendurando, sorrio ligando o chuveiro. — Aquele idiota.
Eles ficaram conversando o jantar inteiro basicamente sobre mim, enquanto eu tentava esconder a minha cara na tigela de almôndegas, a minha avó fazia um relato detalhado ao Dante das coisas que eu gosto. Como um verdadeiro site de encontros humano.
Balanço a cabeça negativamente escovando os dentes. Só me senti melhor quando notei que o editor estava tão envergonhado quanto eu, e consegui rir quando meu avô o perguntou repentinamente se ele era gay.
Lavo a boca ainda no chuveiro e olho para cima, a água cai em meu pescoço descendo por ele. Água quente que relaxa o meu corpo e me envolve como um cobertor, deixando a minha pele pálida vermelha.
Quando enfim término de me enxaguar saio do box negro já enrolado na toalha de linho branco. O vidro do espelho está embaçado, e tudo o que vejo ao me vestir é um vulto laranja. Seco o cabelo e visto um blusão cinza de Dante, sorrindo ao sentir seu calor.
Me pergunto se ele sabe o efeito que causa em mim, consigo ser bem transparente quando não quero, no entanto, sabe ele a proporção? As vezes olhando nos olhos de Dante tenho a impressão de que ele pode ler cada pensamento meu, espero para o meu bem que isso não seja verdade.
Deixo o quarto ouvindo o tilintar de panelas, e franzo o senho ao distinguir risos. Aperto o passo descendo a escada de dois em dois degraus, parando ofegante no último.
— Quantas vezes a vovó vai ter que dizer que não é uma boa ideia correr na escada? — Escuto a voz de minha irmã do sofá da sala. Um sorriso se abre em meu rosto de orelha a orelha, e após respirar fundo três vezes vou em sua direção.
Nancy se levanta poupando o meu trabalho e me puxa para um abraço apertado, sorrio mais ainda contra seus cachos ruivos.
— E olha que nos vimos ontem. — Murmuro e ela ri.
— Desculpe. — Responde se afastando, dou de ombros sorrindo.
— Já tomou café? — Indago.
— Ainda não, cheguei quase agora então acho que vou tomar um banho primeiro. — Nancy nega me dando um beijo na bochecha e já subindo as escadas.
— Até mais então. — Digo com um leve sorriso, ela concorda e some no andar de cima.
Suspiro negando imperceptivelmente com a cabeça, recepções assim não são raras, talvez seja coisa de gêmeos, não sei. Mas não importa o quão no meu pé ela fique, ve-la sempre me passa uma sensação de paz.
Quase dou um pulo quando um ensurdecedor som metálico chega até mim me tirando de meu devaneio, a panela causadora deste som acaba rolando até mim. Coço a nuca confuso e a pego do chão, me dirigindo em seguida para o lugar de origem da panela.
Risos ecoam de forma melodiosa na cozinha, me aproximo devagar parando na porta para admirar bem a vista. Meu avô ri contra a xícara de café, aberto e feliz como só fica com pessoas próximas. Anne está sentada ao seu lado com a mão pousada no braço dele.
Sorrio ao ver a causa desta felicidade incomum, Dante se encontra no fogão virando uma panqueca, bato palmas quando ele a lança no ar e ela pousa delicadamente na frigideira. Ele também sorri quando me vê, e me chama entusiasmado para ver o seu trabalho.
— Jay que bom que chegou, você tem que para-lo — Peter brinca quando passo por ele e minha avó sentados a mesa. — Ele não para de fazer panquecas.
Rio e pego em sua mão o comprimentando, dou um beijo na bochecha de Anne e digo parando atrás de Dante para espiar o fogão:
— Tudo bem, Nancy jaja ta descendo para comer também.
— Ficou boa? — O editor indaga temeroso, sorrio apertando de leve o seu braço.
— Parece perfeita. — Respondo quase suspirando com o cheiro.
— Que bom — Ele sussurra parecendo aliviado. — Essa é sua.
Arregalo os olhos surpreso e ele belisca o meu nariz de leve sorrindo, me fazendo sorrir também. Dante me guia para a mesa onde meus avós nos olham com uma recente ternura, e o observo de longe colocar a panqueca em um prato. Ele então a coloca na minha frente e senta na cadeira ao meu lado.
— Obrigado Raven. — Falo sem graça.
O corvo faz uma quase imperceptível reverência, rio pegando o garfo para provar a panqueca. Tem bastante tempo que não como uma, então não pude conter os suspiros a cada mordida, coisa que pareceu agradar muito o editor.
— Ficou maravilhosa não é mesmo? Ainda mais com o melado. — Anne comenta se levantando para tirar a mesa, concordo com a cabeça.
— Ae! — Dante exclama derepente mais entusiasmado do que antes. — Nancy me contou que hoje a noite vai ter um grande festival aqui em Edimburgo, e que vocês costumavam ir quando mais novos.
Concordo com a cabeça sentindo um sorriso se abrir imediatamente em meu rosto. Nancy costumava percorrer todas as barraquinhas me enchendo de doces, e tentávamos acobertar um ao outro quando eu passava mal por isso.
— Sim, tem muitos doces e música. É realmente algo muito divertido. — Digo vendo o meu avô concordar.
Dante coça o queixo e então me olha como se tivesse acabado de ter uma ideia, borboletas danção no meu estômago em ansiedade.
— Quer ir comigo? — Ele então pergunta com um meio sorriso. — Sei que tipo, tecnicamente eu vou com você já que não conheço a cidade. — Rio mordendo a ponta do polegar quando noto seu rosto ficando rubro. — Mas sei lá, ei não ria!
Meu sorriso porém se abre mais ainda, me viro para ele inclinando-me para segurar suas duas mãos. Então respondo sem exitar:
— É claro que eu quero ir ao festival com você Dante.
•••
O cheiro de truta é salmão assados dominam o ambiente, e o céu estrelado ilumina as ruas repletas de barracas com a ajuda de uma imensa lua cheia. As pessoas se acumulam ao redor das assadeiras e churrasqueiras elétricas, muitas trazidas de casa.
Sorrio olhando ao redor, os pisca piscas dão um estranho ar familiar a essas ruas. Até estar aqui não tinha percebido o quão boa é esta sensação, de familiaridade e segurança.
Não é difícil identificar Dante das figuras que usam roupas típicas escocesas, coisa rara aqui, menos em festas culturais como essa. Ele traz dois espetos cheios de trutas em uma mão, e na outra uma sacolinha de papelão dobrada. Sorri ao me entregar um dos espetinhos, e quando fala uma expressa nuvem de ar gelado deixa seus lábios:
— E eu pensando que já avia sentido frio antes.
— Pois é, aqui o sol é uma benção — Rio, estou acostumado a este frio intenso, entretanto o editor vem do Texas. Passo então meu braço pelo dele, e passamos a caminhar assim, de braços dados por entre as pessoas.
Dante não parece se incomodar, até mesmo aproveita a oportunidade para segurar a minha mão, me aquecendo com sua luva. Ele me olha com um quê de reprovação pela ausência delas, e dou de ombros com um "esqueci".
A respiração dele está pesada, e por conhecer tão bem essa sensação sinto seu nervosismo. Lanço um olhar questionador para o pacote, mas não ouso perguntar nada, mesmo abrindo a boca uma ou duas vezes, acabo preferindo dar um tempo para ele, que não demora em se pronunciar.
— A sua família é muito legal, esse lugar é muito legal. — Diz finalmente me olhando.
— Sim, eu sei. — Respondo sorrindo e esfregando o braço dele com a mão para esquenta-lo. — Esse é o lugar para o qual me transfiro quando preciso de paz, quando me esqueço que existem coisas boas. Venho para cá, quando preciso respirar.
Passamos por um uma mesa rodeada de pessoas, Dante me cutuca e eu tenho que levar a mão livre a boca para não rir, dois homens abraçados passam pela gente cambaleando, uma enorme caneca de cerveja em cada mão. Depois de passar por eles acabamos chegando em uma parte da rua mais cheia, a animação é palpável e a alegria das risadas contagiante.
— Jay, então por que você e sua irmã foram para o Texas? — O editor indaga ficando de frente para mim, mas sem soltar a minha mão.
Suspiro massageando sua palma, olho ao redor, para as pessoas indiferentes a nos e então respondo olhando diretamente nas íris negras dele:
— Até mesmo simples gripes são um perigo para o meu pulmão, então viver sempre aqui, onde é tão frio nunca foi uma escolha pra mim. Quando recebi a resposta positiva de uma universidade de um lugar mais quente, todos me incentivaram a ir. Nancy é claro sempre quis viajar, então aproveitou a ocasião.
Dante concorda com a cabeça, e olha para as estrelas pensativo. Então volta seu olhar para o pacote em suas mãos e sorri.
— Seu nariz está vermelho. — Diz baixo dando-lhe uma leve beliscada, sorrio sentindo minhas bochechas corarem, ele nunca fez isso em público. — Aqui, acho que vai ser útil.
E ao dizer isso abre o embrulho, e sob o meu olhar atento e curioso tira um fofo cachecol xadrez de tricô. Dante da um curto passo a frente, ficando mais próximo de mim, e o enrola no meu pescoço. Passo a mão em sua bochecha, sorrindo e ele ri também. Neste ponto estamos à apenas sentimetros um do outro.
— Obrigado — Murmuro, e ele leva sua própria mão ao meu rosto. — Por tudo.
Neste momento fogos explodem ao nosso redor, ambos olhamos para cima admirados e ludibriados pelos gritos da multidão. Dante então me surpreende levando sua mão para a minha nunca, me volto para ele no exato momento em que ele me traz para si.
Sou envolvido pelo mais caloroso beijo que faz meu corpo inteiro arder, quando meus olhos se fecham o mundo inteiro se apaga, e tudo o que passa a existir e ele. Dante morde meu lábio inferior e eu arquejo, o sentindo sorrir contra a minha boca.
Ele desce a mão pelas minhas costas me apertando mais contra si, sinto minha excitação aumentar e então a muito custo separo os nossos lábios. Dante porém não me solta, e tento conter a vergonha perante seu meio sorriso.
— Eu quero você pra mim. — Diz atonico e eu rio.
— Não sou um doce em uma loja, senhor Kafka. — Digo mordendo o lábio inferior, e é a vez dele de rir.
— Tem razão, mas a sua boca me faz duvidar. — Brinca me dando um selinho, coro consideravelmente quando ele se afasta. Baixo a cabeça, no entanto Dante delicadamente a ergue pelo queixo.
— Por que brinca tanto comigo? — Choramingo.
— Porque amo você. — Dante responde como se fosse óbvio. Fecho os olhos para respirar fundo, o editor espera, me segurando pela cintura, e faz movimentos circulares nas minhas costas.
Abro os olhos mordendo minha boca com força suficiente para machucar, temendo ser isso tudo um sonho, ele porém continua aqui.
— Posso estar indo rápido demais, ou talvez devagar demais, não sei. — Continua me fazendo sorrir.
— Acho que os dois. — Pondero.
— Então vou me arriscar. — Ele murmura me fazendo franzir o senho. O observo respirar fundo e arregalo os olhos consideravelmente ao perceber o que ele iria fazer. — Jay Green, namora comigo?
O nervosismo para, e em meu rosto se desenha um enorme sorriso. A única resposta que consigo dar é um balanço energético com a cabeça antes de beija-lo, um balançar afirmativo.
***Obrigada por ter lido até aqui, o que acharam do Peter e da Anne?***
***Não se esqueça de votar, até o próximo capítulo (^^)***
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