13 | Abrir o jogo
(Jay Green)
Fecho os olhos, e tento sentir o mar e o vento que nós carrega. Me volto então para o editor que não percebe meu foco, a amarrar cordas aqui e ali no pequeno barco a vela.
Se a intenção de Dante era fazer eu me sentir melhor, ele conseguiu. A brisa que bate em nossos rostos e bagunça nossos cabelos é revigorante e purificadora, assim que o cheiro salgado da maresia entrou em meus pulmões levou embora toda a dor. Ele então se vira para mim, e ao encontrar meu olhar sorri, ao que eu retribuo.
Mal nos falamos desde que acordei e fui procura-lo. Coisa que aconteceu hoje de manhã, pelo visto dormi durante o dia de ontem, e a noite também. Quando o achei ele já preparava o pequeno barco. Quis porém, ter certeza de que eu estava bem, tive que pedir para que confia-se em mim. Ele confiou.
— Aonde vamos? — Pergunto finalmente.
— A uma ilha. — Responde Dante apontando para a frente. Olho para trás de mim, e tento em vão ver mais que um pontinho a distância. — Quero te mostrar uma coisa.
— Parece longe, quer ajuda com o barco? — Digo me voltando para ele.
— Não precisa o vento vai nos levar até lá. — Me informa ao terminar de amarrar a última corda, ele então solta um longo suspiro e se senta na minha frente.
O editor continua com um calça social azul escura, mas traja apenas uma blusa branca de botões que tem as mangas dobradas até o cotovelo. Observo seus braços cruzados, nessa posição seus músculos se contraem, e consigo ve-los perfeitamente contornados. Engulo em seco e volto minha atenção para o céu.
As nuvens vão sendo levadas pelo vento, como uma bela cortina que se abre de manhã para deixar o sol entrar. Descanso as pálpebras e sinto a brisa em meu rosto, deixo um pequeno riso escapar por entre meus lábios.
— Você deveria ficar assim sempre. — Escuto Dante falar. Abro os olhos e indago, olhando para ele confuso:
— Assim como?
— Feliz, deveria ser mais feliz. Vejo que coisas simples te alegram, mas as vezes nem essas coisas simples você tem. — Responde me olhando com curiosidade.
Observo suas íris negras por um tempo, e então suspiro.
— É difícil aproveitar os sentidos, e sentimentos, quando tenho que focar na respiração. Contudo estou descansado, e consigo fazer os dois agora. — Confesso com um sorriso. Quis na verdade dizer com você, mas travei minha língua a tempo.
— Entendo. — Ele diz, e então se concerta piscando os olhos várias vezes: — Quero dizer eu tento entender, imaginando como deve ser, mas só você sabe como é.
Me inclino para frente pegando suas mãos e as juntando nas minhas. Fixo minhas orbes nelas, tentando ocultar meu rubor que surgiu mais por surpresa e excitação do que por vergonha.
Beijo então suas mãos agradecendo, como eu pude encontrar alguém assim? Ele beija a minha cabeça e me abraça, trazendo-me para seu peito. Fecho os olhos desejando ficar assim para sempre.
Por que esses momentos duram tão pouco?
Porque é bom, único, e raro. E não teria graça se não fosse assim.
Respiro contra seu peito, ele cheia a maçã verde e a amaciante. Faz círculos nas minhas costas me dando um leve arrepio, abro os olhos despertando, vejo então seu peito subir e descer com intensidade. Sorrio me afastando com relutância.
Ficamos então cara a cara, sinto minha respiração ficar mais pesada e o ar mais quente. Dante notando isso me solta, volto a me sentar.
— Desculpe, te deixei nervoso. — Ele diz.
— Nervosismo foi apenas uma das coisas que senti. — Retruco com um sorriso.
Ele ri corando levemente e olha então para o horizonte, franze o senho e se levanta rapidamente indo em direção às cordas amarradas. Pega uma e baixa a vela fazendo com que o barco ande mais devagar. Me viro na direção que ele olhou e arregalo os olhos surpreso, Dante sorrindo exclama:
— Chegamos! — Sinto o barco dar uma batida, e o vejo entrando na areia, posso então olhar ao redor. A "ilha" é pouco maior que o barco a vela, o dobro no máximo. Olho para o editor incrédulo e este ri mais ainda. Não estávamos longe, o lugar apenas era pequeno mesmo. — Não me olhe assim, não te trouxe aqui atoa, tenho mesmo algo para te mostrar.
Diante de seu olhar pidão piso na areia fofa, sendo seguido pelo editor. Meus pés afundam a cada passo e tenho que fazer cada vez mais esforço para andar, ele então pega em meu braço e anda lado a lado comigo.
Por algum motivo o vento aqui é mais gélido e seco. A "ilha" não tem nada além de areia branca e fria, quase congelada. Andamos reto chegando ao outro lado, ele olha para mim com suas íris brilhando em espectativa, sorrio feliz por te-lo ali.
Nós abaixamos e ele vai afastando a areia de um ponto com as mãos. Então vejo um copo de vidro surgir, ele está de cabeça para baixo, me inclino mais para a frente tentando ver o que tem dentro até que com muito cuidado Dante o tira.
Levo as palmas a boca em surpresa, por ver se erguer a minha frente, bela e simples uma muda de rosa negra. Está pálida, coberta por uma geada que a protege do frio, mas aparentemente o copo a protegeu das ondas.
— George veio visitar esse lugar ontem de manhã, com o filho dele. — Começa Dante e faz uma careta ao dizer a última parte. — A cadeira de rodas ficou presa na areia e ele caiu, Robert não conseguia ergue-lo. Acho que foi por isso que me chamou. Então depois que o coloquei de volta no barco vi um pontinho preto na areia branca, as marés subiam, George me deu um copo do barco e eu o cobri.
— Vocês salvaram uma coisas única, ela é linda, e uma sobrevivente. — Digo em um sussurro.
— Como você. — Dante conclui me fazendo virar para ele. — Exatamente como você.
Coro de súbito, mas não consigo conter o sorriso que brota em meus lábios. Toco a flor, me arrepiando com suas pétalas ainda fechadas, geladas.
Dante coloca sua mão por cima da minha e sinto o calor irradiar de sua palma, neste mesmo momento uma onda bate mais forte na suposta ilha respingando água salgada em nós. O vento também fica mais forte empurrando nossos cabelos para frente.
— Acho melhor irmos. — Ele diz, concordo com relutância, e ao desviar os olhos da rosa para o editor consigo notar a semelhança entre eles. Frios e impenetráveis superficialmente, porém guardam calor dentro de sí.
Dante coloca o copo de volta por cima da rosa negra, e o cobre com areia. Então se levanta me trazendo consigo pela mão que ainda segura, voltamos assim para o barco, aperto mais meu casaco branco de crochê contra o corpo e a mão do editor.
Ele me deixa sentado e solta a vela mudando sua direção, rapidamente voltamos a nós locomover. Joga uma corda para mim e pede que eu amarre em um gancho atrás de mim, o fasso dando logo quatro nôs para garantir. O editor sorri agradecendo e se senta novamente na minha frente.
Olho para a água, em consequência do vento velejamos cada vez mais rápido, e vamos deixando um grande rastro de espuma para trás. Me inclino para fora do barco passando os dedos na água espumosa, então me volto para o moreno, e pergunto repentinamente:
— Por que você faz essas coisas por mim?
— Pra te ver sorrindo como fez hoje. — Responde prontamente. — Mas se eu estiver te incomodando, pode falar.
Sorrio e nego com a cabeça.
— Não, essa palavra não surge nem em sonho pela minha cabeça. Você está sendo incrível na verdade Dante, me ajudando assim, e ainda posso te conhecer melhor. — Digo colocando para fora o que a muito pensava, ele sorri leve, mas fica confuso sobre a pergunta.
— Só não quero que se sinta obrigado sabe, por ser meu editor e tal. — Esclareço corando por ter que colocar em palavras meu pensamento.
O editor sorri agora abertamente e se senta ao meu lado pegando em minhas mãos, coisa que virou um costume sempre que conversamos. Ele ergue meu rosto com o torço da mão, me deparo com seu sorriso de lado.
— Eu quero fazer isso, eu... gosto na verdade. Me sinto bem perto de você, e isso é bom. Não se preocupe, eu não ficaria se não fosse. — Dante diz fazendo minha respiração descompassar a cada palavra.
— Mas tenho que admitir. — Completa falando com calma. — Ter algum interesse em você Jay, gosto de ser seu amigo, contudo não sei se é o suficiente pra mim.
Se eu mal respirava antes, agora nem respiro, trago uma boa quantidade de ar uma, duas, três vezes. E quando abro novamente os olhos, que nem percebi ter fechado, me deparo com íris preocupadas e ansiosas. Sorrio o tranquilizando, e ele coloca a mão por sobre o meu peito me surpreendendo. Abro a boca para falar algo mas ele nega com a cabeça dizendo:
— Já falamos bastante por hoje, agora apenas respire. — E sorri, fasso então exatamente o que ele mandou.
Quando a minha cabeça para enfim de girar agradeço mais uma vez.
— Não precisa agradecer. — Fala com um suspiro, mas sorrindo por saber que eu sempre agradeceria.
— Preciso sim, é o que as pessoas fazem quando se sentem agradecidas. — Retruco tentando mudar o assunto.
— Okay então, senhor agradecido. — Diz maroto ao que sorrio, no entanto continua retomando o assunto de outrora: — Desculpe se fui apressado, só quis deixar tudo a panos limpos.
Sorrio para o editor, suas orbes negras pedem por uma resposta que sei não poder dar. Então concluo com calma:
— Também gosto de você, mas como eu ainda não tenho certeza.
— É o suficiente para mim. — Ele profere me olhando com ternura. — Porém se quiser, posso tentar te ajudar a descobrir. Sem pressão, claro.
Pondero por alguns instantes, não existe desvantagem nisso, na verdade posso até dizer que meu coração se iluminou com a possibilidade. Nós conhecemos muito pouco, de modo que algo sério não faria muito sentido, mas ir levando, podendo aproveitar a companhia dele ja vale a pena.
— Eu quero. — Respondo ao que ele faz um Yes! com o braço, rio alto sem me conter.
O restante o caminho é silencioso e frio. Não por minha parte ou de Dante, este se encontra na ponta do barco olhando o horizonte, quase consigo ouvir seus pensamentos se misturarem aos ventos.
Espirro baixo contra a mão ao que ele me olha assombrado, pega então um cobertor de dentro de um compartimento do barco e me enrola nele, sorrio agradecendo ao que ele sorri de volta. O sono então me domina novamente.
A quanto tempo estou acordado?
Duas, três horas no máximo.
Meu sono e cansaço extremo novamente me surpreende, suspiro e quando ergo o olhar noto que estamos nós aproximando do porto. Ao chegarmos o editor me ajuda a descer, aceito sua ajuda constrangido quando ele pega em minha cintura.
A passadas rápidas Sara vem se aproximando da gente, me afasto de Dante que ainda segurava minha cintura disfarçadamente e sorrio para a morena. Seus longos cabelos cacheados estão presos em um rabo de cavalo, ela limpa a areia do sobretudo verde claro e comprimenta Dante que retribui rindo.
— Estive procurando Jay, aí Nancy me disse para procurar aqui. — Se explica esfregando o nariz corado.
— Chegou bem a tempo, o pacotinho está entregue. — Dante diz é reviro os olhos, não ligando e me enrolando mais ainda no cobertor.
— Estou aqui. — Confirmo só para ter o que dizer.
Sara e Dante riem.
— Que bom, tenho que falar com você. É sobre... você sabe. — Fala lançando olhares ansiosos para o editor, que entendendo a deixa informa:
— Vou avisar ao James que o barco está entregue. Boa conversa Sara, e até mais tomate.
— Até, raven. — Provoco mas ele sorri parecendo nem ligar.
A jovem observa cada passo do editor, e apenas quando este entra na pousada começa a falar. Logo Sara estará no ensino médio, e terá que mudar de escola pois a atual dela só tem fundamental, ela quer ir para uma escola da cidade que tem aulas de música e arte, o pai dela, James, no entanto quer que ela vá para a cidade grande estudar em uma das maiores escolas de Edimburgo.
— Não consigo me imaginar deixando este lugar, a vila, o mar e nem o meu pai. — Diz gesticulando. — Meu coração mora aqui.
Sorrio leve entendendo seu receio.
— Já disse isso a ele? — Indago.
— Me pai é cabeça dura, se digo um não quero para ele, já é motivo de briga. Não entende meus motivos e ainda... — Começa levando uma mão a cabeça.
— Você disse? — Repito notando que ela não respondeu.
— Não! — Confessa enfim se exaltando.
Me aproximo e toco seu ombro com gentileza, espero ela se acalmar então figo baixinho:
— Não vou dizer que fuja de casa ou que desobedeça seu pai, só digo para seguir seus sonhos não importa o que aconteça. Mesmo que isso signifique ter que encarar uma fera, no caso o senhor James.
Sara ri e então concorda com a cabeça.
— Obrigada mais uma vez Jay, desculpa ter gritado, acho que vou andar por aí para esfriar a cabeça. — Diz ainda com dúvida no olhar.
Noto então alguém atrás dela, está recostado na parede da pousada. É Robert, este me chama e se dirige em seguida para os fundos da casa, franzo o senho e então digo ja caminhando em direção a ele:
— Okay, tenha cuidado.
— Terei. — Ela responde com um sorriso, alheia ao medo que sinto, não por mim, mas pelo olhar que a pouco dirigiu a Sara. Um de vingança, ambição e deleite.
***Adorei escrever este capítulo, amo os momentos Dante/Jay. Espero que também tenham gostado, não se esqueça de votar, me estimula muito a continuar escrevendo.***
***Enfim... Até o próximo capítulo :)***
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