12 | Noites dependentes
(Jay Green)
Existe uma certa lenda que conta uma infeliz história de amor entre uma ninfa e um humano. A ninfa da agua, Ondina, que gostava muito das pessoas da terra se encanta por um mortal.
Uma história de paixão repentina bem comum na mitologia. O tolo homem porém, promete a ela que a partir daquele momento, respiraria apenas por Ondina. Passado então bastante tempo, ele a trai. Pensando provavelmente que a ninfa já avia se esquecido de sua promessa. Ela no entanto não se esqueceu.
Então foi até ele, e o amaldiçoou, a não conseguir respirar sempre que dormi-se. Uma forma simples de matar alguém, suponho.
Existem muitas versões dessa lenda, essa foi a primeira que ouvi, com toda certeza mais simplificada já que eu era uma criança. Estava no hospital, o tubo respirador em minha garganta me impedia de falar muito, eu contudo, não queria dizer nada. Minha mãe se sentou perto de mim, mas não dei por sua presença e comecei a chorar, meu peito doia muito.
Sandra me envolveu com seus gentis braços, o cabelo loiro cobrindo minha face, e perguntou se poderia fazer alguma coisa. Lembro de ter olhado bem fundo nos olhos verdes de minha mãe, e pedido para ela me contar uma história. E foi essa que ouvi.
Ainda com os olhos fechados tateio a cama, soltando um pesado suspiro ao notar o espaço ao lado quente, entretanto vazio. Me sento coçando os olhos e bocejo. Dante só se mudou para o meu quarto a três dias, e estou tão acostumado com seu corpo ao meu lado, que acordo quase que imediatamente quando ele não mais está.
Coloco mês pés no chão, e ainda com os olhos fechados procuro os chinelos, assim que consigo calça-los me levantando revelando minhas orbes. A claridade é cegante, não chove já a dois dias, mesmo que as nuvens não sumam.
Caminho preguiçosamente até o banheiro, resistindo a fraqueza de corpo que me manda ficar deitado o dia todo. Dentro do comodo azulejado me olho no pequeno e redondo espelho. Ignoro meus cachos ruivos desgrenhados, contudo anoto mentalmente que estão abaixo das orelhas. E analiso meu rosto sonolento, continuo com uma sombra ao redor dos olhos, e com as íris opacas, isso porém é meu. Sinal claro de meu metabolismo fraco.
- De alguém fraco. - Penso em voz alta, me assustando com minha própria rouquidão. Preciso de algum remédio para a garganta.
Escovo os dentes, o som das escovadas quase me fazendo rir. Lavo o rosto e dando um último olhar de censura para a minha imagem no espelho, saio.
Caminho pelos corredores da pousada olhando ao redor ansiosamente, sem me preocupar de ainda estar com uma fina camisa de dormir. Pode parecer estranho, mas aqui os dias mais quentes, são os mais frios do Texas.
Meu peito sobe e desse em uma velocidade alarmante, paro um instante me apoiando em uma parede.
Respire seu idiota! É só respirar.
Trago uma boa quantidade de ar e continuo andando, tentando pensar em qualquer coisa que não seja a dor que se instala em meu pulmão. Parece que nos momentos mais inoportunos o desgraçado do Dante some, preciso de sua segunda opinião sobre o manuscrito, para reescreve-lo logo.
Olho por uma janela ao passar pela cozinha, a praia está praticamente vazia. Tirando alguns pescadores que andam para lá e para cá, e uma sombra negra que grita ao celular.
A propósito, ontem à noite esqueci de falar uma coisa importante com Dante, ele se deitou do meu lado me abraçando, e quando dei por mim ja dormia. Tenho entretanto que confessar as dúvidas que estou tendo em relação ao primeiro manuscrito que entreguei a Louise, já que a infeliz não responde as minhas ligações. Sorte que Oscar atendeu o meu pedido e o enviou pelo correio, espero que chegue logo.
Entro na sala e sorrio ao ver minha irmã sentada em uma das poltronas, próxima a janela e olhando para ela.
- Bom dia madrugadeira. - Digo parando a sua frente. Troco o peso de uma perna para a outra, percebendo que estão ficando dormentes e fazem menção de dobrarem-se.
- Bom dia dorminhoco. - Responde Nancy me olhando com suas orbes termas. - Conseguiu dormir de verdade?
Concordo com a cabeça desviando as íris para a janela, conseguindo agora identificar o homem que falava ao telefone como sendo Robert. Franzo o senho com um mau pressentimento.
- A resposta é óbvia, mas ainda se sente cançado Jay? - Pergunta a ruiva se inclinando para tentar olhar em meus olhos.
Suspiro tensionando se continuo omitindo a verdade, contudo como ela disse, a resposta é óbvia. Não importa o quanto eu durma, se dou mais de dez passos, minhas pernas pedem para que eu me sente, como estão fazendo agora.
- Sim estou. Na verdade, andar está me matando. - Confesso sem conseguir disfarçar uma careta, Nancy arregala as orbes e se levanta. Ela me pega pelos braços e me guia, me fazendo sentar sem que eu possa protestar. - Obrigado mana. - Digo fechando os olhos e esticando as pernas, minha respiração se tranqüilizando.
- Depois ainda diz que não preciso ficar de olho em você! - Ela exclama balançando a cabeça com a mão na testa, mas ao continuar sua voz fica baixa e preocupada: - Combinamos lembra? E prometeu me avisar se ficasse cançado demais, tudo bem que ta dormindo melhor agora, mas seu cansaço continua redobrado.
Apenas concordo com a cabeça e coço os olhos, encaro então a minha irmã com um meio sorriso. Perante sua confusão esclareço:
- Você vai ser uma ótima médica.
Ela rola as orbes mas noto um pequeno sorriso em seus lábios. Coloca então uma mão na testa murmurando para si mesma, e diz:
- Que horas Dante costuma acordar? Tenho que checar o seu respirador, mas as perguntas dele me enchem.
A menção do nome me lembra o porquê de eu ter levantado. Tenciono fazer o mesmo novamente, a ruiva, contudo, me empurra para baixo pelos ombros.
- Nancy... - Choramingo fazendo uma nova tentativa.
- Na na ni na não. Só levanta daqui para ir pra cama. - Ela informa ainda me segurando.
Suspiro desistindo. Filha da minha mãe, maldita hora em que resolvi ser sincero. Digo então em uma última tentativa:
- Nancy... tenho que achar o Dante, é importante.
Ela pensa por alguns instantes e então me solta, acho que vai me deixar ir porém fala logo:
- Vou procurar, e dizer que está o chamando. Mas nem pense em sair dessa poltrona Jay, só se for para a cama, por favor, tenho que dar um pulo no mercado.
- Okay mamãe. - Concordo revirando os olhos com uma risada.
- Cuidado ta maninho? - Diz a ruiva em censura e ao mesmo tempo com ternura. - Você está ficando dependente. - E ao dizer isso, sei que está se referindo ao Dante.
Nancy se afasta olhando para trás a cada passo, quando finalmente some da minha vista volto meu olhar ao céu cinzento lá fora. Não são nuvens suponho, e sim uma neblina espeça que sobe com o movimento das ondas.
Estou mesmo dependente?
É difícil dormir sozinho agora, porém sempre foi assim. O problema creio eu, é que me desacostumei dessa dificuldade. Não é possível que isso seja apenas comigo, qualquer pessoa que tenha dificuldades para dormir faria de tudo por boas noites de sono.
Mas talvez Dante não goste de sangue sugas pendurados em seu cangote, tem feito tudo isso por mim e olha para mim, choramingando nessa poltrona. Escuto passos e sei que ele se aproxima.
Acho melhor falar com Louise primeiro, ela me deve boas explicações.
- Dormiu bem tomate? - Questiona ao se aproximar com as mãos nos bolsos. Me viro para ele admirando seus cabelos negros penteados.
- Sim, muito, Raven. - Respondo com um sorriso ao que ele franze o senho, sorrio ainda mais.
- Aaaaaa Jay, pare de me chamar assim, parece nome de mulher. - Resmunga Dante.
- Pode ser, mas é muito bonito, e combina com você, Corvo. - Insisto.
Ele ri sem jeito mas concorda com a cabeça. Olha pela janela e também franze o senho para a imagem de Robert, quando se volta para mim Indaga, deixando esse assunto para depois:
- Por que me chamou? Sua irmã disse pra mim não te estressar, pois não está bem.
- Ela exagera. - Digo com dificuldade, mas dando de ombros, Dante me analisa descrente e para os olhos por sobre meu peito que ainda sobe e desce rapidamente. - Desculpe se te atrapalhei, porém tinha que saber, como está minha nova tentativa?
- Olha, eu não teria críticas a fazer, na verdade seu nível de escrita subiu muito. - Começa o editor com sinceridade. - Só posso dizer o que já disse, não parece você escrevendo.
Ele então para me olhando com preocupação pois eu tossi, uma tosse seca e ruidosa.
- Ta tudo bem, é só tosse. - Falo tentando sorrir. - Pode continuar.
- Espere um momento. - Diz Dante se dirigindo a cozinha, franzo o senho e me inclino tentando ver o que ele vai fazer. Ele volta em instantes com um pote e colher na mão. - Aqui, coma um pouco, é mel.
Sorrio abertamente diante do doce e levo uma colherada a boca, ele ri e sinto minhas bochechas esquentarem de leve. Mantenho a boca ocupada ao que ele continua:
- Sabe Jay, eu estava pensando. Por acaso você não foi influenciado de alguma forma? Sabe, alguém tentando dizer o que você deveria fazer.
- Estranho, eu estava pensando justamente nisso. - Digo engolindo o mel. - Mas não tenho certeza ainda, então acho melhor não tirar qualquer conclusão.
Dante concorda e não pergunta mais nada sobre o assunto. Sinto a agonia em minha garganta passar e consigo falar com mais alivio, agradeço ao escritor me levantando, contudo quando tento devolver o pote a ele este diz que preciso mais.
- Obrigado. - Falo novamente.
- Não foi nada, vem, vou leva-lo ao quarto. - Informa me segurando pelo cotovelo, visto que minhas pernas banbearam.
- Não se incomode, você deveria estar fazendo alguma coisa. - Julgo me afastando suavemente de seu toque. Meu corpo pesa, como se eu carregasse um grande fardo, e tudo o que ele pede é ficar inerte, de preferência em uma cama.
- Não diga mais nada assim Jay, você não me incomoda. Por que pensa isso? - Riposta o corvo com o senho franzido.
Abro a boca, entretanto a fecho sem saber o que dizer.
Por que o chamo muitas vezes?
Por que estou dependente?
Digo então com um sorriso:
- Tudo bem Dante.
Ele me olha desconfiado, mas contente por ter vencido uma batalha sorri de lado, e estende o braço como que me tirando para dançar, o aceito rindo. Caminhamos assim pelos corredores em silêncio, eu segurando em seu braço e ele me guiando. Meus olhos pessam no entanto consigo me manter acordado.
Quando estamos próximos a porta do quarto ouvimos passos ecoarem atrás de nós. Nós viramos juntos, e semicerramos os olhos para a figura de Robert que cambaleia na nossa direção.
- Por gentileza, meu pai precisa falar com você urgentemente. - Diz a Dante quando para a nossa frente.
A desconfiança brilhava nas íris do editor. O empresário parecia ter corrido uma maratona, e mesmo que não gostassem dele, George poderia estar precisando de ajuda. Dante então diz, sem tirar os olhos de Robert:
- Okay, espere só eu levar Jay até o quarto.
Ele tão me olha pela primeira vez e fala:
- Sinto muito atrapalhar senhor Green, mas meu pai realmente precisa dele.
O editor faz menção de retrucar porém coloco uma mão em seu braço, fazendo com que ele olhe para mim. Sorrio tentando mostrar estar bem e o asseguro:
- Não se preocupe, já me ajudou muito. Veja, a porta está logo ali atrás, va tranquilo.
Ele coloca a mão por cima da minha e concorda com relutância. Me afasto dele colocando uma mão na parede.
- Ta bom então, mas se depois que dormir se sentir melhor faz um passeio comigo? - Indaga ainda segurando a minha mão.
- Fasso. - Respondo baixinho ao que ele sorri.
Então ele vai correndo com a mesma velocidade com que Robert chegou. Estou presta a me virar e seguir meu caminho tateando a parede, quando reparo por uma tossida que o empresário ainda está ali.
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***Até o próximo capítulo :)***
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