11 | Chuvas de verão


(Dante Kafka)

O som da chuva la fora soa como batata frita sendo fritada em uma panela gigante, mal da para ouvir o que um ou outro fala. Chuva esta, que parece não pensar em estiar, prendendo todos os inquilinos na pousada.

Quem nos vice superficialmente pensaria que nos conhecemos a tempos. Estamos todos na sala principal da pousada. Observo Jay rir e brincar com a garota Sara, enquanto os outros contam suas vidas e histórias.

A enorme sala com um aspecto praiano nos abriga do temporal. Janelas fechadas mas tremendo, contudo permanecemos intocáveis em nossas poltronas.

George Harrison entra então no aposento em sua cadeira de rodas, um antigo bancário, hoje aposentado, tive a oportunidade de conversar com ele depois que cheguei, ele é alguém que tem muito o que ensinar. Seu cabelo grisalho em contraste com seus gentis olhos azuis, ele pisca para mim em cumplicidade, retribuo com um sorriso.

Atrás dele, empurrando sua cadeira vem alguém com quem ao contrário do senhor Harrison, não simpatizei nem um pouco. Robert, filho dele, um homem engomado que não sai do celular.

— Bom dia George, como está essa manhã? — Pergunta o dono da pousada que está sentado à minha frente.

— Muito melhor, obrigado pelos cobertores extra. — Responde o grisalho parando com a cadeira ao meu lado. Robert ficando no outro, encostado na parede, com o terno impecável como sempre, e a cabeça baixa com os óculos ocultando seus olhos, como se uma névoa pairasse sobre eles.

— Não foi nada. — James afirma dando de ombros. — A propósito, o senhor fez faculdade certo? Nancy estava nós contando como o curso de medicina é diferente dependendo dos países.

— Você faz medicina? — Indago a ruiva ao meu lado com os olhos arregalados, já que não estava prestando atenção na conversa. Jay que está do outro lado da sala, próximo a janela ri junto da irmã.

— Qual a surpresa? — Diz enfim com divertimento no olhar, murmuro um nada me voltando para frente.

— Não ligue irmã, esse velhinho nos acha muito jovens. — Ouso o ruivo fingir sussurar.

Quando estou prestes a revidar George ao meu lado pergunta:

— Quantos anos vocês têm?

— Eles tem dezenove. — Sara responde no lugar dos gêmeos.

— Caramba, com a idade de vocês eu ainda estava vagabundeando por aí. — Ele confessa nos fazendo rir.

— E não que alguém tenha perguntado. — Digo olhando diretamente para o escritor. — Mas só tenho vinte e cinco anos.

— Não disse, velho. — Retruca fazendo todos rirem novamente, reviro os olhos com um meio sorriso e nego com a cabeça.

Ele vai ver o velho.

— E você Jay está cursando alguma coisa? — Questiona James que parecia esperar o momento de fazer essa pergunta, o moreno olha da sua filha para o ruivo.

Ele coça a cabeça acanhado, se ajeitando na poltrona, e com sinceridade fala:

— Na verdade tive que trancar a faculdade a alguns meses.

— Por quê? — Indaga ainda o dono da pousada com o senho franzido, Sara revira os olhos.

— Motivos pessoais. — Responde Nancy no lugar do irmão, recebendo um sorriso agradecido em troca.

Um trovão ressoa lá fora, fazendo um clarão entrar pela janela ao lado de Jay. Quando ele se vira para ela consigo ver claramente suas feições, continua pálido como sempre, contudo as olheiras diminuíram. Me permito sorrir em contentamento, não fui somente eu quem dormiu bem ontem.

Ele se vira para mim e cora com a intensidade com que o olho. Da então um sorrisinho como que tentando fingir não estar envergonhado, e se volta para a janela.

— Puxa vida, tem chovido cada vez mais. Sinceramente, escolheram um péssimo momento para viajar. — Confessa James, o proprietário da pousada, mudando de assunto. — Em compensação, os dias ensolarados são magníficos. — Completa com ar um tanto sonhador.

— Concordo com o senhor. É como se por ele ter que se esconder na maior parte do tempo, acabasse tendo que guardar sua luz. E quando finalmente aparece, ela transborda. — Pensa Jay em voz alta, quase como se falasse consigo mesmo.

— Exatamente. — James murmura um pouco surpreso.

Jay nós olha mordendo o lábio inferior, provavelmente pensando ter falado besteira. Sorrio o tranqüilizando, e sei que ao meu lado Nancy faz o mesmo. Estou prestes a abrir a boca para dizer que ele devia dizer o que pensa mais vezes quando George Questiona:

— Se não for problema dizer, o que o senhor faz ultimamente?

Olho do senhor Harrison para o ruivo. O mais velho parece já saber a resposta, e bastou o mais novo abrir um sorriso para confirmar.

— Eu escrevo. — Diz.

Neste momento até mesmo Robert tira as orbes escuras do telemóvel e o olha, abro a boca para dizer que sou editor dele mas me calo, isso não soaria nada espontâneo.

— Caramba, agora que você disse, acho que já li um livro seu Jay! —  Sara que estava quieta só a observar ao lado do escritor exclama.

Ele ri modesto e diz que quer a opinião dela depois, sorrio e nego com a cabeça imperceptivelmente.

Então repentinamente escuto pela primeira vez a voz do empresário mesquinho, filho do George:

— Jay Green?

Me volto para ele franzindo o senho, desconfiado. Sua voz soava áspera, e seus olhos de um azul gélido finalmente visíveis, fixados no ruivo me passam um desconfortável arrepio.

— Errr, bem, sim, esse é o meu nome. — Responde Jay coçando a nuca. Olho para ele e o ruivo me olha, não fui somente eu que notei algo de errado.

Escuto então um riso mais áspero e disforme quanto a voz, Jay volta suas íris verdes para ele e faço o mesmo, nos deparamos com a típica falsa expressão burguesa de felicidade. O sorriso de quem faz negócio.

— Até que enfim algo nesta viagem que vale a pena. — Diz lançando um olhar de zanga para o pai, que revira os olhos. — É um prazer conhecer o meu escritor favorito.

Se afasta da parede e caminha até o escritor com passos felinos, minhas íris o seguem a cada passo. Ele estende a mão para Jay, que a aperta levantando com um sorriso acanhado e surpreso.

— Puxa, obrigado, é um prazer conhece-lo também. — Responde o jovem.

O sorriso de Robert aumenta, indo de orelha a orelha, e está prestes a dizer algo quando seu celular toca. Pede licença, cumprimentando o escritor novamente e sai. O ruivo olha para a porta com o senho franzido e a mão ainda estendida. Relaxo então, e olho sobressaltado para as minhas mão, as abrindo pois estavam cerradas.

— Aproveitando que estou em pé, vou pegar biscoitos. — Escuto Jay dizer.

— Pode pegar alguns de chocolate pra mim? — Nancy que também observava a situação pede.

— Claro. — Ele confirma com um sorriso, ergo o rosto a tempo de ve-lo passar pela irmã tocando seu ombro e entrar na cozinha.

— Pensando bem também também quero alguns. — Digo me levantando e o seguindo.

A porta que levava ao corredor ficava logo ao lado da ruiva, passei por ela a passos largos me precipitando a cozinha. Eu nunca fui muito de gostar de dormir com alguém, geralmente sou bem espaçoso e me sinto agoniado quando ficam em cima de mim. No entanto, quando Jay se alinhou em meu pescoço, e pude ouvir o som da máscara o ajudando a respirar, meu coração se aquiesceu imediatamente, e quis ficar ali para sempre.

Um pensamento idiota, já que tivemos que levantar de manhã assim que a luz voltou.

Mas isso não tirou esse calor do meu peito, e do meu coração, que parece bater cada vez mais devagar conforme me aproximo da entrada da cozinha. Ouso o som de portinhas batendo, e me escoro na porta com os braços cruzados e um meio sorriso, esquecendo qualquer pensamento romântico e admirando a vista.

O escritor está na ponta dos pés, se inclinando para pegar um enorme pote de vidro no armário mais alto. Me aproximo de vagar e sussurro em sua orelha parando atrás dele:

— Deixa que eu pego, assim vai cair.

Ele se sobressalta e acaba dando um passo para trás, colando suas costas em mim, vira o rosto para trás, e resisto a vontade de dar-lhe um beijo em sua face corada. Me inclino para mais perto de si e posso ouvir sua respiração ficar mais desregulada, pego o pote e me afasto o colocando na bancada da pia.

— Obrigado. — Fala baixo, ainda acanhado, mais já sorrindo. Ele nunca para de sorrir.

Dobro meu corpo como que fazendo uma reverência e pego um biscoito do pote recém aberto, Jay vai colocando alguns em uma vasilha enquanto o analiso. Será que o deixei tenso, desconfortável?

Ontem à noite ele parecia bem, adormeceu quase que imediatamente quando deitamos.

Mas a desculpa esfarrapada que dei, "preciso de você cem por cento". Acho que não tinha como eu ser mais óbvio.

— Sabe, desculpe por ter agido estranho ontem à noite. — Digo enfim, jogando os cabelos negros para trás com as mãos, e olhando para qualquer lugar que não fosse o ruivo.

Escuto seu riso, e ele fechar o pote. Espero paciente, e quando finalmente se pronuncia diz baixo, gentil:

— Se você não estivesse lá eu não teria conseguido dormir.

Abro a boca e o olho, não sei se com surpresa ou sorrindo, talvez os dois. Jay coloca o pote no lugar e passa por mim com a vasilha cheia de biscoitos do chocolate nas mãos, quando ele está prestes a cruzar a porta arrisco:

— Pode me chamar sabe, se precisar.

O ruivo se volta para mim surpreso, sorri mais uma vez e concorda com a cabeça antes de sair. Fico ali por um tempo, apenas olhando para a porta, quando finalmente acordo decido passar no banheiro antes de voltar a sala.

Volto ao corredor mas viro a esquerda ao invés de ir reto para a sala, saio na recepção, e por pouco não esbarro em George que vem em minha direção com sua cadeira. Ele a para com as mãos e eu dou um passo para o lado.

— Desculpa não sei com o que estou na cabeça hoje. — Confesso acanhado.

— Tudo bem Dante, está escuro aqui. — Faz pouco caso rindo.

Estou prestes a perguntar se a conversa na sala acabou quando noto, pela porta de vidro, Robert na varanda conversando ao celular. Ele tem um sorriso travesso e debochado na face, e tenta devolver ao lugar uma mecha fujona de seu penteado impecável.

— Estava tentando convencer esse imbecil a voltar para dentro, está trovejando, e isso é perigoso. Mas o viciado em trabalho prefere morrer. — Me conta George parando ao meu lado com a cadeira, para olhar também o filho.

— Por que saiu de férias se prefere trabalhar? — Questiono, pois avia notado que por causa do filho George pouco se divertia.

— Eu o convenci, pensei que isso faria bem para ele. — Responde com um quê de desapontamento. — Contudo nem sei mais, ele parece tão distante... E mudou tanto depois que mudou de emprego.

E suspira, toco seu ombro ainda com as íris fixas no homem ao telefone. Tudo nele inspira desconfiança, e o fato dele, desinteressado de tudo, ter se interessado por Jay não pode ser um bom sinal.

Vou ficar de olho nele.

— Vamos voltar para perto da lareira, aqui está muito frio. — Digo enfim me voltando para o grisalho senhor, que sorri triste concordando.

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