|Ícaro e Castor|
— Atenção seus vermes! Estamos indo para o sul! Não é porque estamos numa viagem, que estamos de férias, seu animais!
O expresso subterrâneo de Sidéria estava prestes a zarpar. Vapor quente saía descontrolado da maquinaria. Construído pelos cientistas de alto nível de Tegloncy; aquele era o método mais rápido de viajar entre as camadas. O motor estava aquecendo, fazendo um enorme barulho. Entretanto, nem o trem conseguia sobrepor a altura do discurso de Sexta, que berrava como se fosse um alarme.
— Ei, sua imbecil! Para gritar no meu ouvido! — Disse Décima Primeira esparramada no sofá do vagão principal.
— É o meu dever como a Sexta hora e marechal do exército de Sidéria, garantir que a escolta da guardiã da aurora seja segura e de acordo com a lei! — Ela balança seu apontador. — Resumo da missão: Décima Primeira e Décima Segunda devem levar a guardiã até a tribo Kalari para aprender o Apogeu!
— Sexta, minha filha... Assim a escolta não vai ser mais secreta! — Falou a senhorinha pendurando seu chapéu. — Além do mais, é falta de educação falar alto nos vagões!
Sexta fica vermelha. — Sendo assim eu... Desculpe.
— Estamos interrompendo alguma coisa?
Dois homens entram no vagão segurando algumas malas. Um usando uma longa túnica branca e atrás dele um andarilho enorme. Ao verem essa cena, todos ali sabiam de quem se tratava. Era bem comum chamarem embaixadores em viagens longas do governo. Especialistas em relações públicas, servem justamente para manter a paz entre as camadas mais distantes. A tribo kalari era conhecida por ser extremamente reclusa, mais do que todas as outras, o que faz ainda mais necessária a presença de um embaixador.
— Oh, Ícaro! Há quanto tempo! Como tem passado? — Décima Segunda envolve as mãos do rapaz com seus dedos enrugados.
— Olá Amélia. — Ele dirige o olhar às outras Horas— Senhoritas.
Sexta faz continência em resposta. — Perdoe a minha rudeza, embaixador! Mas preciso que me diga quais são as intenções deste homem de estatura incomum logo atrás de você!
— Ah, esse aqui? Ele é meu guarda costas. A minha camada, Tegloncy, insistiu para que ele viesse. Não se preocupem, Primeira já está ciente. — Ele deu um sorriso gentil. — Agora, se nos derem licença, precisamos guardar essas coisas.
Alguns vagões à frente estava a recepção. Elaine apoiava o corpo no sofá enquanto deitava o rosto no parapeito da janela. Em sua mão esquerda estava um lenço azul um tanto familiar. Ela olhava silenciosamente a fumaça se esvair até o céu. As lágrimas não caíam mais. Já havia se acostumado com a ideia de morrer. O apogeu era uma técnica muito perigosa, e até mortal. Ninguém pensava sobre os perigos daquela habilidade até o desastre de Eurtan, onde os guardiões gêmeos encontraram a morte. Quando Cordélia, a antiga guardiã da aurora, foi forçada a lutar,chegou ao limite e teve que usar o Apogeu. Infelizmente a guardiã perdeu o controle do feitiço e seu irmão, sendo o único com o aval para tirar vidas, foi obrigado a matá-la. O evento foi um choque para todos. Tantas vidas perdidas. E quando buscaram o porquê da técnica ter dado errado, ligaram diretamente ao estado mental da guardiã, que era conhecido por ser fortemente alterado.
Depois do dia do legado, Elaine já havia passado por todo tipo de situação traumática. Será que teria estrutura para suportar uma técnica tão poderosa? Pensando em todas essas coisas, fez lembrar da conversa que havia tido com Terceira no dia anterior:
— Elaine. Você sabe que essa técnica pode significar sua morte. Certo?
—Certo.— Respondeu a guardiã, seca.
— Você tem mesmo a certeza que quer fazer isso?
—Sim. Como você disse, se eu não for ajudar a enfrentar a ameaça de Edward, terei que ser deixada de fora.
— É o mais óbvio. Afinal, se você não é parte da solução, é parte do problema certo?
— Ou seja. Nunca mais vou ver ele de novo.
— Isso também é verdade. Sabemos que quer respostas, mas se não colaborar conosco, não podemos nos dar ao luxo de deixar você solta por aí. Você entende, não?
— Eu... Vou aprender o apogeu... santíssima.
— Sabia que usaria a razão. Vocês partem amanhã.
Um som de passos pesados atravessava a porta de metal e interrompia as lembranças de Elaine. Não demorou muito para que dois homens estranhos entrassem por ali.
— Olha, Cas! Deixaram frutas pra gente! — Observaram os arredores— Então essa é a recepção? É bem mais luxuosa que da última vez.
O homem enorme e com uma cicatriz no rosto apenas respondeu com um grunhido. A guardiã se virou discretamente para ver o que estava acontecendo e se surpreendeu com o contraste visual dos dois. Elaine tentou se esconder, fingindo que não tinha os notado, o que não deu muito certo. Quando os olhos azuis do garoto cruzaram com os dela, o rapaz coloca suas malas no chão e rapidamente vai em direção a guardiã com uma expressão animada:
— Ei! Você é a Elaine, não é? Reconheci pela fita no cabelo!
— Fita? Ah. — Ela segura a ponta do cabelo. —Essa aqui, né?
— Exato! Engraçado que na tv e nas fotos ela parecia ser branca, mas agora vejo que ela é vermelha! Que coisa né?
Uma expressão triste surgiu no rosto da menina. —Ah... É porque ela rasgou na cerimônia. Quando eu...
— Eu não devia ter dito isso... Sinto muito. Você está bem?
"Você está bem?" Ao ouvir as palavras daquele homem, sentiu um baque. Ela nunca havia ouvido tais palavras antes. A surpresa foi tão grande que a própria guardiã se perguntou se estava mesmo bem. Teoricamente ela devia estar. Afinal, agora ela era rica e poderosa. No entanto, talvez a realidade fosse diferente.
—E-eu? Bem? É claro! — Disse ela gesticulando bobamente.
—Ufa. Que alívio. Eu odiaria estragar nosso primeiro encontro! — Ele coça a cabeça — Ah! Onde estão meus modos? Prazer, eu sou o Ícaro, embaixador de Tegloncy. E esse grandão aqui é o Castor! Diz oi pra ela Cas!
Castor solta um grunhido em resposta, e Ícaro comemora:
— Isso aí! Você tá evoluindo bem! — Ele faz sinal de reverência— Perdão, o Castor é um cara de poucas palavras.
Elaine ri enquanto aperta a mão do embaixador. A garota sempre imaginou que pessoas do ramo dele fossem arrogantes, mas ao que parecia, Ícaro era muito amigável e gentil. Ele passava um ar de confiança e serenidade, coisa que fazia Elaine se sentir mais à vontade.
— Nós vamos guardar essas malas aqui. A gente se vê no jantar?
Elaine só consegue concordar com a cabeça, um pouco vermelha. Ao ver o garoto sair do cômodo, a guardiã volta a olhar para o lenço, e o aperta. Ela lembra de Abel e dos sentimentos mistos que sentiu quando estava com ele. A guardiã passou a vida apaixonada por Edward, e bloqueou completamente qualquer tipo de atração por outros garotos. Mas agora que Edward havia partido, seu coração estava reagindo diferente ao mundo ao redor. Elaine estava confusa, não sabia o que estava sentindo, e nem por quem. Entretanto, a garota não teria muito tempo de descobrir caso o apogeu desse errado.
Sabendo disso, Elaine sentiu seus pontos latejarem. Ela passou sete anos em ignorância, sem conhecer a vida, nem o amor. E agora que o tempo estava acabando, o desespero tomava conta da mente da guardiã. Não podia acabar desse jeito. Não podia morrer sem ter feito nada de emocionante na vida. Era óbvio que ter se tornado guardiã era um marco e tanto, mas para isso teve que viver como um soldado assexuado por quase uma década. Isso fez Elaine chegar a conclusão que devia começar a se permitir mais. Aproveitar o tempo que lhe restava. Sendo mais ousada, conseguiu conquistar seu primeiro aniversário depois de tantos anos. O que mais ela poderia conseguir com essa mesma atitude?
As três Horas entraram uma depois da outra no recinto. Estavam tão engajadas discutindo que quase não viram Elaine. A garota custava a se acostumar com o fato de que elas não estavam mais usando seus hábitos. Por ser uma viagem sigilosa, foi decidido que as Horas usariam roupas comuns para não chamarem atenção. A guardiã achava no mínimo curioso que os cidadãos da colônia não conhecessem o rosto das santas, mas quando pensou bem, nem ela mesma sabia até vencer na arena. O conselho está sempre presente, porém sempre discreto e acima de tudo, distante. Mas ver aquelas mulheres de tamanho poder de uma forma tão casual, era como um balde de água fria. Elaine passou a vida pensando que as Horas eram seres de pura excelência, requinte e santidade. Mas agora, estava percebendo que não passavam de pessoas comuns. Complicadas, poderosas, mas comuns.
— Ah. Você tá aí. — Decipri cruza os braços. — Porquê não foi receber a gente na entrada? Perdeu o respeito ou o quê?
— Falta de modos é um crime imperdoável! Reportarei isso ao conselho imediatamente!— Disse Sexta de maneira enérgica.
— Meninas, se acalmem. Elaine acabou de passar por um choque muito grande.— Amélia dá tapinhas no ombro de Decipri — Vamos, ela precisa de um tempo para processar tudo.
Elaine foi deixada sozinha na recepção. A garota estava exausta depois de ter passado a noite em claro. Ela deitou-se no sofá aveludado, e começou a contar cada peça de ouro que havia no cômodo para passar o tempo. " O Abel tem razão. Zênite tem alguma coisa muito séria com coisas douradas." refletiu a garota e caiu no sono logo em seguida.
Como se fosse um lapso de tempo, Elaine leva um susto ao ser acordada por uma aia da comitiva do expresso.
—Senhorita. Sinto muito por acordá-la desse jeito, mas sua presença é solicitada no vagão bar.
—Meu Deus! Já é de noite?! — A garota se levanta assustada.
— Sim! O jantar se aproxima! — A aia junta as mãos. — As santíssimas pediram para que eu lhe ajudasse a se aprontar para o compromisso! Precisamos ir imediatamente até suas acomodações! Vamos?
Antes que Elaine respondesse qualquer coisa, a aia já a empurrava pelos corredores. Quando chegaram no aposento, a guardiã ficou embasbacada com a quantidade de roupas e acessórios que havia lá dentro. Vestidos cravados em jóias, bolsas, sapatos e todo o tipo de acessórios. A garota nunca foi se importar com esse tipo de coisa quando estava no exército. Mas ao ver aquele quarto recheado de adereços hiper femininos, viu a oportunidade de começar. Elaine se vira para aia com um olhar determinado:
— Quero que me deixe linda.
A aia ficou completamente entusiasmada com aquela cena. Logo correu para pegar todos os seus materiais de tortura, e então começou. Elaine não estava nem um pouco confortável com a situação, mas suportava. A pele pinicava,o blush irritava o nariz e o rímel ardia os olhos. Há quantos anos não passava um batom? Era um mistério. De alguma forma, a sensação do bastão deslizando por seus lábios era extremamente satisfatória. Quase como uma micro sensação de poder. No dia do legado, mal se preocuparam em maquiá-la para parecer uma mulher, e sim uma beata. Pura e sem pecado. Agora, aquela situação estava sendo diferente. Era como se fosse uma estrela de cinema.
A aia questiona.— Senhorita? Posso retirar a fita para fazer o penteado?
Aquela pergunta a deixou encucada. Elaine usava o cabelo daquele jeito desde que ganhou a fita de Edward, anos atrás. Apesar do adereço ter sido substituído depois da cerimônia, o peso emocional que aquela fita tinha era o mesmo. De qualquer modo, fez sim com a cabeça. A guardiã já havia decidido que iria sair da zona de conforto, expandir seus horizontes. Se sentiu ainda mais determinada ao ver aquela fita caindo no chão.
Ao terminar um belo rabo de cavalo, a aia dá pulinhos de alegria, dizendo:
— Prontinho!
Ao ter sua cadeira virada para o espelho. Elaine vê um rosto muito diferente ali. O de uma mulher. Decidida e brilhante. No entanto, se desanimou ao olhar sua silhueta nua no espelho e não ver nada além do corpo de um soldado. Braços fortes, mãos calejadas e pernas a depilar. Olhou para baixo. Quase nada de seios; via somente os dedos grosseiros dos pés. Pela primeira vez estava se arrependendo dos tantos anos apertando o busto com bandagens para caber nas armaduras.
Vendo o claro desapontamento da menina, a aia segura nos ombros de Elaine e procura animá-la de alguma forma:
— Você está estonteante, milady. Mas ainda falta o vestido para acentuar seu rosto tão amável!
A mulher traz cabides com trajes pendurados. A guardiã vê à sua frente dois vestidos distintos. Um verde, curto e com mangas bufantes, e outro mais longo, vermelho e com decote. Elaine respirou fundo e falou sem pestanejar:
—Eu quero o vermelho.
Apesar da decisão, Elaine ficou receosa ao olhar os saltos altos em seus pés. Nunca foi boa com equilíbrio, quem dera com sapatos desse jeito. Mesmo assim, era aquele par que combinava com o traje, então buscou ficar calma e seguir em frente, mesmo cambaleando.
Certamente parecia outra pessoa. Outra garota escondida em seu reflexo. Se sentia estranha, mas ao mesmo tempo animada. Talvez aquilo fosse um sinal de que as coisas estavam funcionando.
— Sim! Sim! O tom coral ficou excepcional em sua pele! — A aia batia palmas.— Tenho certeza que a senhorita arrasaria muitos corações por aí. Até aquele embaixador bonitão, se me permite dizer!
— Você quer dizer o Ícaro? Nada a ver! — Elaine ri um pouco mas para por um instante. — Ou talvez... Tenha a ver...!
— Isso mesmo, milady! Se eu fosse bonita e jovem como a senhorita, certamente não perderia tempo!
— É... Sabe o que mais? Você está certa. Eu vou falar com ele!
Sob a torcida de sua ajudante, Elaine sai marchando pela porta em direção a sala de jantar. Era difícil demais andar com aqueles sapatos e os cílios postiços coçavam. Mas a garota estava determinada a vencer. Afinal, ela era a guardiã da aurora. Ao ouvir o som da música clássica, sabia que estava perto do destino. Com toda a força abriu a porta do vagão bar.
— BOA NOITE, SENHORAS! — Berrou indiscriminadamente.
Todos pararam para ver o que estava acontecendo.
— Qual é o seu problema, garota? Pegou mania da Sexta, por acaso? — Decipri bebia um drink encostada no balcão.
— Nossa! Que energia! — A velhinha ri.— E que belo vestido!
Elaine não sabia encontrar uma resposta adequada. —O-obrigada... Eu...
Quando olhou para o cômodo de maneira mais ampla, viu uma requintada sala de jantar com uma mesa cheia de petiscos, um bar, serviçais e uma violinista. Conseguiu encontrar Sexta estirada no sofá; dormindo com uma garrafa de vinho no colo enquanto balbuciava táticas de batalha. Amélia estava sentada logo ao lado, com sua bengalinha na mão. Décima Primeira no bar e Castor logo no fundo da sala, observando tudo.
— Boa noite, senhorita Elaine.
Ao ver que Ícaro estava logo atrás de si, se afastou imediatamente de susto. O homem riu discretamente e lhe fez uma reverência. Elaine se encantou ao ver a aparência refinada e polida do rapaz. Ele era albino, com olhos azuis que pareciam safiras na neve. Seus cílios quase deixavam passar a luz, de tão brancos. Parecia um príncipe encantado. Ele tomou sua mão e a beijou, deixando a guardiã arrepiada. Edward nunca foi bom com códigos de etiqueta, já Abel provavelmente pediria que Elaine beijasse a mão dele, no lugar. De qualquer jeito, Elaine estava gostando de ser paparicada daquela forma, mesmo que fosse um tanto antiquada. Afinal aquela música, a prataria e os candelabros pareciam ter mais de um século. No entanto, fingir que estava num conto antigo podia ser bem divertido.
Elaine é convidada pelo embaixador para sentar numa mesinha próxima a janela. A garota nunca foi boa em socializar, sendo mais contemplativa do que participativa. Mas de alguma forma a presença de Ícaro era muito confortável de se estar. Ele praticamente se misturava com o ambiente. Ele tinha uma aura leve, uma expressão extremamente pacífica e tranquila. As coisas fluíram tão facilmente que quando se deu conta,já estava sentada com o embaixador. Então foi abordada enquanto beliscava algumas fatias de queijo.
— Lhe convidei porque você parecia querer me dizer algo.
Elaine dá um pulo na cadeira, ao ter seus pensamentos interrompidos. — Ah! É que... Sabe...
— É raro você simpatizar com alguém que acabou de conhecer?
— Isso! E também...
— Parece que nos conhecemos há muito, muito tempo, estou certo?
— Nossa! Como você sabia disso? — Elaine coloca as mãos contra o peito. — Você é telepata?
O garoto ri delicadamente. — Não, senhorita. Eu sou um linguista! Minha monção me permite saber exatamente o que as pessoas querem dizer.
— Em qualquer língua?
— Qualquer uma! — Ícaro desliza seu dedo pela borda da taça vazia. — Embora eu precise conhecer o idioma para pegar o contexto exato. Acabei de passar a marca de quarenta e duas línguas! — Fez os números com os dedos.
— Uau! Isso é incrível! — Elaine quase levanta da mesa. — Deve ser incrível ser um embaixador! Viajar pra todo o lado, ver lugares inexplorados, conhecer culturas diferentes!
— Nem tanto. — Ele dá um risinho desengonçado. — Geralmente chamam a gente para resolver conflitos. Isso significa estar sempre no meio de confusão, haha.
— Ah... Você é de Tegloncy, né? Eu fiquei sabendo da briga com Dustrain. Teoricamente como guardiã da aurora eu deveria saber, mas ainda não sei dos detalhes.
— Está tudo bem! Dustrain e Tegloncy tem uma história longa... Uma camada controla a energia e outra a tecnologia. Um não vive sem o outro, mas mesmo assim se acham superiores e querem mais apoio do conselho.
— Parece delicado. — Comentou a garota enquanto comia.
— Nem me fale. Depois que fui pra Dustrain, eles não me deixaram em paz. Inclusive me mandaram o grandão pra ficar de olho em mim. — Ele se apoia na mesa e sussurra — Eles acham que eu sou um espião!
— Sendo assim, você não tem medo do Castor? Afinal, ele é enorme.
Ícaro desconversa. — Não parece, mas ele tem um bom coração. Então procuro pensar que ele é meu guarda costas pessoal!
Elaine ri baixinho. O garçom vem com uma garrafa de vinho e serve o embaixador. Quando o serviçal enche a taça de Elaine, a garota se espanta:
— Não! Espera! E-Eu não costumo—
Ícaro intervém.— Ela nunca bebeu antes, senhor. Seria mais adequado se tivesse perguntado à senhorita antes, não?
—Não! Está tudo bem! — Elaine toma um bom gole — É uma boa chance para provar!
A música fica mais alta, e quando se deu conta Elaine estava batendo o pé conforme a música. Ícaro percebeu o discreto interesse da guardiã e disse:
— A música está bem animada! Você gosta de dançar?
— Na verdade eu sou péssima. — Riu a garota.
O homem toma um curto gole de vinho, levanta-se e estende a mão para ela.— Acho que temos algo em comum, porque como dançarino eu sou um ótimo embaixador! O que acha de dançarmos juntos?
Elaine finaliza a taça. — Claro! Parece divertido!
Ícaro a leva para o centro da sala, guiando-a numa dança desajeitada, porém amável. Elaine não conseguia tirar os olhos dos pés, tentando acertar os passos. Chegou a conclusão de que o embaixador estava sendo humilde, pois sabia dançar muito bem, mesmo na companhia de alguém que nunca havia pisado num baile antes. Conseguia inclusive, contornar cada passo em falso da garota com maestria.
As Horas assistiam aquilo com interesse. Até mesmo Decipri se virou para olhar. Fez lembrar um baile que foi televisionado há anos atrás, onde Cordelia e Cornelius dançaram a mais bela das valsas. Mesmo sem um parceiro, talvez Elaine pudesse ser assim também. Podia ser estonteante, carismática e linda, assim como sua antecessora. Mas naquela altura, quem seria a pessoa valsando com ela? Não importava muito. Não se sentia boa o bastante para realizar o apogeu, de qualquer maneira. Mesmo assim queria tentar ficar viva para pelo menos descobrir os motivos de Edward. Pensar esse tipo de coisa a fez ficar visualmente pálida. No entanto, logo sentiu Ícaro tocar a ponta de seu nariz.
— De volta à terra firme, senhorita?
Elaine chacoalha o rosto por um momento. — Perdão. Perco a atenção com facilidade...
— É tão fácil se perder no próprio mundo, não é? Eu até que entendo. — Ele a faz rodopiar. — Só queria que você pudesse se divertir um pouco. Você parece perturbada.
A música aos poucos vai terminando, fazendo com que os dois se separem por um instante. A violinista faz reverência e tira uma pausa.
— Bom, parece que não vamos ter o violino por um tempo. Mas podemos ouvir outro tipo de música! — O homem vai até o toca-discos no canto da sala e coloca uma moeda.
Um animado som de jazz começa. Ícaro bate o pé e começa a estalar os dedos conforme a música; quase como se estivesse a convidando para que se juntasse a ele.
— Champanhe, senhorita? — O garçom estica-se com a bandeja em direção a ela.
—Claro! — A garota pega a taça e a bebe de uma vez, então corre para onde Ícaro estava.
Se sentiu leve. Uma estranha sensação de torpor tomava seu corpo. Normalmente morreria de vergonha de dançar na frente das pessoas, quem dera das Horas. Mas por algum motivo, aquele momento parecia muito natural e acima de tudo, divertido. Dançou sem restrições até que tropeçou. Se não fosse pelo embaixador, com certeza teria se espatifado no chão. " Malditos sapatos" pensou ela. Então retirou seus saltos e os arremessou para longe.
— A garota até que manda bem. — Disse Decipri para Amélia. — Sexta surtaria se visse alguém quebrando os códigos de etiqueta.
A senhorinha se vê entretida.— E você vai contar a ela, Decipri?
— Nunca fui fã da Sexta. Quero que ela se exploda. — E continuou tomando seu Whisky.
O tempo passava. Mais e mais copos vazios e pratos se acumulavam na mesa. Elaine dançava, ria, bebia e comia. Seu corpo estava anestesiado, praticamente formigava. Ícaro parecia se divertir com a companhia dela. Pela primeira vez estava se sentindo à vontade para conversar com alguém. Talvez por conta dele ser um diplomata? Fazia sentido. Ele era amigável, usava roupas extremamente neutras e sabia guiar bem uma conversa sem que o outro se sentisse desconfortável. Será que Ícaro era assim com todo mundo? Talvez Elaine estivesse equivocada no final das contas. Ele não estava gostando dela; Elaine era só outra pessoa com quem aquele rapaz tinha que lidar.
Chegando a essa conclusão, a garota fica com os olhos marejados. Não queria mostrar para ninguém que estava fraquejando de novo, então correu para fora do vagão, transtornada. A garota se deu conta que sua visão estava turva, o chão parecia se mover e ainda por cima se sentia nauseada.
Já era mais de meia noite, os vagões estavam apagados. Não estava conseguindo ler as placas, tampouco sabia onde era o seu quarto. A garota se escora numa parede, tentando se recompor. O barulho dos motores pareciam estourar seus tímpanos de tanto que a cabeça doía. Mais uma vez estava sozinha, impotente. Ao fechar um pouco os olhos, sentiu um toque quente em seu ombro. Por reflexo, se afastou em posição de batalha:
— Ícaro? — Gritou a garota.
Ao ver o rapaz procurando por ela, sentiu em seu âmago um impulso incontrolável.
O homem coloca as mãos para o alto, com os calçados entrelaçados no polegar. — Calma Elaine. Está tudo bem. Só vim devolver seus sapatos. Também fiquei preocupado com—
Subitamente, Elaine se joga nos braços do embaixador e o beija sem pudor algum.
Ícaro fica surpreso, mas retribui a investida. Os dois ficam daquele jeito por um tempo. A guardiã tinha acabado de ter seu primeiro beijo com Abel, mas apesar de tudo, a experiência foi bem distante do que se considera normal para uma garota de vinte e dois anos. Foi um beijo triste, amargo. Não por causa de Abel, mas por ela mesma. Estava cheia de coisas na cabeça. No entanto, apesar daquele beijo com o embaixador ser mais leve e delicado, ainda sentia a mesma amargura. "O que as pessoas sentem quando se beijam?" matutou ela. Nada mais fazia sentido. A noção de amor nunca havia sido mais nebulosa. Talvez seu estado mental a impedisse de ver as coisas com clareza, ou talvez simplesmente não fosse madura o suficiente.
Elaine se separa do rapaz, cabisbaixa.
—Algo de errado? — Disse o homem segurando-lhe a bochecha.
— Desculpa. Acho que estou confundindo tudo, eu...
— Elaine. A gente se conheceu hoje, não precisa se forçar a sentir algo por mim.— Ele lhe acaricia a cabeça. — Não precisa fingir ser outra pessoa. Eu consigo enxergar através de você, e gosto do que vejo.
Lágrimas começam a escorrer sem querer, borrando toda a sua maquiagem.
— Quando o conselho pediu para entreter você e fazê-la se sentir melhor, fiquei incomodado. Embaixadores não servem bem para isso.— Ícaro desvia o olhar — Mas no final das contas eu nem precisei fingir, e o mais maluco é que acabei me divertindo!
Foi aí que Elaine percebeu que aquele jantar havia sido montado para ela. Para que ela se sentisse melhor. Pode ser que fosse uma tentativa para acalmar a mente da garota e garantir que o apogeu desse certo. E, de alguma forma, aquela festa aqueceu seu coração.
Elaine gagueja.— Desculpa... É que eu não acredito que eu tenha muito tempo de vida e—
— Então você se forçou a fazer todas essas coisas para aproveitar o tempo que lhe resta. — Ele limpa as lágrimas da garota — Não tenha medo. Existem três Horas te escoltando, e também você tem a mim e o Castor pra te apoiar. Eu vou fazer o que estiver ao meu alcance para que o apogeu seja um sucesso!
Elaine viu que Castor estava no fim do corredor, vigiando. Com vergonha, tenta caminhar sozinha, mas não tinha mais força nas pernas. Ícaro a segura. O sono começa a tomar a guardiã, a visão escurecia e o corpo amolecia por completo.
— Sobe nas minhas costas, está bem? — Disse o embaixador se agachando.
A garota obedece. Nas costas do rapaz, em estado de dormência, começa a balbuciar algumas palavras. E então confessa:
— Talvez eu... Não estivesse sendo eu mesma esse tempo todo... Ninguém me conhece...— O bafo de álcool batia na bochecha de Ícaro— Só o Eddy sabe... E ele me abandonou. As pessoas que me conhecem de verdade vão embora...
De tanto chorar, a garota cai rapidamente no sono. Ao chegar no aposento de Elaine, o rapaz solta os cabelos da garota para que ficasse confortável, coloca-a na cama e a cobre. Ícaro estava incerto sobre o futuro. Pelo o que conhecia sobre o apogeu, não fazia ideia se funcionaria mais uma vez. No entanto, ao conhecer a guardiã, ficou determinado a suceder na missão. Nunca viu alguém com o falar tão triste. E quando conseguiu fazê-la sorrir, mesmo que por pouco tempo; se sentiu realizado. Finalmente sentiu que era necessário, e que seus poderes podiam ser usados para o bem.
Ao olhar a garota em sono profundo, pensou nas verdades dolorosas que ela teria que enfrentar. Mas naquele momento, ele jurou para si mesmo que Elaine nunca mais teria que ficar sozinha.
Oi pessoal, tive problemas com os extras desse cap, então aguardem atualizações empolgantes em breve!
Leitor da semana: mariaeduardaborgesb4!
Caramba! Que empenho! Agradeço de coração por ter lido Sidéria na velocidade da luz! Você já está guardada no meu baú de tesouros, valeu <3
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