|Feliz aniversário, Elaine|
Elaine disparou em direção aos gritos que ouvia. Horas... gritando? Horas não sabendo o que fazer? Em todos aqueles anos no exército, nunca viu nenhuma delas demonstrar o mínimo de perda de controle. Até mesmo na cerimônia com aquela confusão toda, as Horas mantiveram o máximo de compostura até o fim.
A preocupação só aumentava ao que Elaine percebia que não havia sinal de onde os sons estavam vindo. Era estranho. Parecia que o barulho vinha do andar de cima, mas ao subir , notava que o som passava a vir de baixo. Parecia uma incógnita. Se elas não estavam nem no centésimo terceiro andar nem no centésimo quarto; onde estariam? Elaine pousou, deitando-se no piso gelado de mármore, colocando a orelha direita grudada ao solo; os sons vinham dali. Deu alguns soquinhos no chão; de alguma forma parecia oco. "Uma sala secreta?" pensou Elaine. Mesmo se fosse verdade, naquele momento não tinha nenhuma pista de como acessar tal lugar. Pensou em socar o chão e abrir uma passagem, mas lembrou sobre o que Terceira havia dito sobre a espada, e como podia ser perigoso o fato de um teto desmoronar na cabeça de alguém. Era óbvio. Mas nos quadrinhos entrar nos lugares destruindo tudo parecia algo tão legal, que virou um conceito comum.
Elaine ponderou sobre a existência da sala secreta e como acessá-la.
Bom. Se não podia ir por cima, quem sabe não teria uma idéia melhor se olhasse o prédio por fora? E assim foi. Voou pela primeira janela aberta que viu.
"Está na hora de provar que não é uma inútil." pensou a guardiã, cerrando os punhos. Naquele momento, Elaine era o ser mais poderoso da colônia, e mesmo que não pudesse machucar ninguém, sua espada a permitia lutar. Mas até que ponto ela poderia exercer esse livre árbitrio, era algo nebuloso.
Ao observar de fora com calma a estrutura do prédio, percebeu que o espaçamento entre as janelas do centésimo terceiro e do centésimo quarto andar era maior que a dos outras, o que reforçava ainda mais o fato de que existia algo escondido entre os dois andares. Mas porquê? O que estava acontecendo de tão sigiloso assim? Realmente se via necessária a existência desse cômodo oculto?
Não podia fazer mais questionamentos, as Horas estavam em perigo. Elaine pensou que probabilidade de alguém se machucar se entrasse pelo lado era menor. Então, a guardiã golpeia de uma vez a parede,e os punhos não sentem o mínimo de dor. A alvenaria se quebra como se fosse feita de biscoitos, e ao que a parede se desfez, um líquido estrelado explodiu para fora, formando uma grande cascata. No mesmo momento, a guardiã fez com que sua capa tapasse o buraco recém feito, porém moldando-a para que escoasse um pouco da água. A capa da aurora era poderosa desse jeito, podia tomar a forma que o dono imaginasse. Elaine fez aquilo por medo de que alguém fosse levado para fora junto com a enxurrada. Afinal, ela era uma sentinela no governo, treinada para proteger e tirar os outros de enrascadas. Procedimentos de salvamento eram naturais para ela, apesar de que uma inundação dentro de uma sala secreta não era nem um pouco familiar.
Quando o nível do líquido baixou, Elaine adentrou cautelosamente o recinto onde o fluido ainda escorria pelo piso. "Será que alguém se afogou nessa água toda?" pensou ela.
A sala era redonda, tinha um altar no meio onde havia uma pequena fonte e surpreendentemente, Cibelle.
Ela estava parada em pé, bem em frente a fonte. Enquanto as Horas estavam todas ao chão, encharcadas pelo líquido estrelado. Ao sentir a energia vital de todas ali, a guardiã ficou aliviada, mas estranhava o silêncio da capitã.
—Cibelle? Você está bem? — A guardiã foi voando vagarosamente até ela.
Sem resposta. A mulher continuava imóvel. Mesmo assim Elaine continuava se aproximando lentamente...
Ela fica chocada, dando um grito rouco. O líquido que quase afogou todas ali, estava vindo não só da fonte que transbordava, mas dos olhos, nariz e boca de Cibelle. A mulher estava com os olhos negros, expelindo aquilo incessantemente, como se ela própria tivesse se tornado uma fonte viva.
Tal líquido que refletia a luz das estrelas. Aquilo só podia ser...O elixir do crepúsculo...? Por que o elixir sagrado estava se comportando daquela forma? Independente do que era para acontecer ali, havia dado muito, muito errado.
Elaine chacoalha Cibelle, esperando que acordasse do transe, gritando seu nome.
— Não adianta. O ritual falhou.
Elaine vira-se em direção ao som, com o coração disparado.
Era Quarta, já de pé e de braços cruzados. Ela não tinha mais aquela expressão de quando se encontraram no jardim, no dia do legado. Agora Quarta parecia amigável, mansa e pacífica.
— Mãe Quarta?! — indagou Elaine, estranhando a recuperação a jato da Hora. — Desde quando a senhora estava acordada?!
— Eu sempre estou acordada. — Diz ela com uma voz baixa, sorrindo.
Era mesmo estranho. Transformada, Elaine tinha todos os sentidos apurados. Mas Quarta se levantou e ficou a observando por um tempo até ser notada.
Ela continua sorrindo, com o olhar distante— É tudo por causa dos sonhos.
— Os... Sonhos? — Estranhou Elaine.
— Eles são o meu domínio. Minha monção.
Já havia ouvido falar de oneirocinese antes no exército,mas nunca havia visto alguém portando tal monção antes. Dizem que o oneiropata tem poderes sobre o estado do sono. Inclusive, existiam rumores de que ao explorarem o sonhar por muito tempo, grande parte dos que possuíam esse poder nunca mais retornaram a lucidez. Quarta tinha um aspecto de dormência e plenitude ao mesmo tempo, o que deixava Elaine com a pulga atrás da orelha.
— Perdão, mas a senhora está dizendo que é consciente mesmo estando inconsciente?
Quarta ri— Ah, pequena... O estado inconsciente nada mais é do que um período transitório da recuperação do corpo. Assim que o corpo se recupera, a mente se conecta com o corpo instantaneamente. — No meu caso, essa conexão nunca cessa. Como o baque não foi tão grande, tudo que eu precisei fazer foi ligar o interruptor no meu cérebro assim que dei ao meu corpo um tempo. Se quisesse, poderia ter acordado no mesmo momento em que perdi a consciência, mas sentiria cansaço demais. Afinal, o corpo só desliga quando precisa.
—A Cibelle... E as outras Horas? Elas estão...bem?
—Sim! Não se preocupe. — Ela riu delicadamente.— Apesar do aspecto sinistro, Cibelle está em sono profundo. Já as meninas vão precisar de mais alguns minutos pra recobrar a consciência. Primeira não vai ficar nada feliz quando ficar sabendo, bom, disso.— Ela apontava para Cibelle expelindo líquido.
Quarta parecia leve como uma pluma, quase como se estivesse sonhando acordada. Ela realmente parecia não estar levando nada daquilo a sério. Ou pior, estava consciente da situação mas simplesmente não se importava.
— O que estava acontecendo aqui afinal?!— Elaine voou ficando frente a frente com a Hora, que nem se mexeu.
— Oh céus! Você realmente está ansiosa não é? — Disse Quarta com a mão em frente a boca, simulando surpresa.— Deve ser por isso que ela deixou você e as outras de fora.
"Ela"? Será que estava falando da Primeira? Dando tapinhas no rosto, a guardiã tenta ignorar as insinuações de Quarta e a interrompe:
— Mãe Quarta, esse líquido é....
— Ah! Isso.— Ela faz uma expressão de devaneio. — É o elixir do crepúsculo. Acho que já devia imaginar. É que sabe... Já que a cerimônia era hoje, precisávamos do elixir, não é?
— Era... hoje?! — Respondeu Elaine, gaguejando.
— Bom, corrigindo... A cerimônia foi hoje.— Ela deu uma curta risada. — Obviamente, não deu certo.
— Como assim, "não deu certo?" — Elaine questionou embasbacada— Não pode "não" dar certo!
Quarta fica pensativa— Hmmm... Na verdade... Pode sim. Tecnicamente existem apenas duas possibilidades. — Gesticulava ludicamente — Se o aspirante a guardião não for digno do cargo; o que eu pessoalmente duvido, pois Cibelle serviu fielmente a colônia por vinte anos...
— Ou? — Elaine interrompe curiosa .
— Ou...— Ela foca nos olhos de Elaine por um momento:
— Se alguém já tenha bebido o elixir, e consequentemente se tornado guardião do crepúsculo.
"O quê?!" pensou Elaine petrificada. Alguém já fez o juramento e se tornou guardião? E algo assim aconteceu sob o nariz de todo mundo,inclusive da Primeira? Todas essas perguntas se tornaram um turbilhão na cabeça de Elaine, deixando-a nauseada.
— Você acha mesmo que... — Diz Elaine trêmula.
— Sim. Não haveria motivo para mentir a essa altura. Só isso explicaria essa rejeição violenta do elixir. Ele acha que tem um segundo alguém querendo se aproveitar dos poderes do crepúsculo.
— "Ele"? Quer dizer que o que eu bebi...
— Era uma entidade, óbvio. — Quarta se vê entretida. —Parece que te privaram de informações valiosas não? — Ela ri.— Vamos resolver isso antes que elas acordem. Afinal, Cibelle pode se afogar né?
— Se afogar?! — Elaine se desespera.— E o que eu faço?
Quarta se perde em pensamentos. —Sabe que eu também não sei?
Elaine põe as mãos na cabeça em total desespero. Quarta estava calma, serena, sem deixar escapar nenhuma resposta. Nervosa e assustada, pensou em centenas de possibilidades para lidar com aquilo. Precisava salvar Cibelle, precisava ajudar as horas, precisava salvar... Num tornado de pensamentos e sentimentos, Elaine beira ao desespero e voa disparada para fonte.
—CIBELLE!!!
Um "crash!" ecoa no salão.
Ao retornar aos sentidos, a guardiã respirava violentamente. Ela se viu agachada no chão frio, enquanto segurava Cibelle nos braços. A capitã não expelia mais nada, e parecia apenas desmaiada. Uma sensação de alívio domina Elaine. Ela olha para trás, procurando Quarta, mas acaba antes enxergando milhares de cacos de cerâmica no chão, e o restante do elixir derramado.
O silêncio domina.
Elaine havia acabado de destruir uma fonte centenária. Ela põe uma das mãos na boca, percebendo o que havia feito. Podia sentir o elixir escorrendo pelas solas de seus pés, em vão.
— Ora ora... Que final inesperado...— Pela primeira vez Quarta parecia realmente surpresa.— Não foi a melhor maneira, mas... Já é passado.
Quarta começa a passear pela sala cantarolando, até encontrar Sétima, desacordada. Ela se agacha e revista os bolsos da Hora, encontrando um chaveiro. Quarta delicadamente vai separando as chaves até escolher uma. Ela a retira, devolve o chaveiro e retorna a Elaine.
— Aqui. — Quarta posiciona a chave nas mãos de Elaine.
— Uma chave níquel? Mas por que—
— Tem uma pessoa que nós duas gostamos muito. Ele precisa disso.
—Mas— Quarta a interrompe.
— Não se preocupe. Sétima tem várias dessas. Ela vai demorar até notar que alguma tenha sumido. Então tenha certeza de que a chave chegue ao destinatário, certo? Eu lido com a fonte quebrada.
Elaine ficou muda.
Quarta completa:
—É melhor você levar a Cibelle até a enfermaria. Pode deixar que eu cuido delas por aqui. Sua cura não será necessária.— Ela aponta para a porta. — Ah! Se por um acaso você receber uma visita no meio da noite, não vá achar que é o bicho papão, hein?— Ela termina com uma risadinha.
Elaine silenciosa alça vôo com Cibelle em direção a saída, mas pára por um instante. Pensa em todas as horas que estavam encharcadas no chão frio. Resolve usar um de seus acessórios sagrados — sua auréola solar— e com um brilho cálido seca as roupas de todas ali antes de ir embora.
Quarta sorri dando um tchauzinho como resposta. E a guardiã segue caminho.
Ao colocar Cibelle na cama da enfermaria, vê o quão pálida e exausta parecia. O semblante alegre e contagiante da Capitã havia desaparecido por completo. Rodeada de doutores e enfermeiros , Elaine concentrava seu poder enquanto segurava as mãos frias de Cibelle. Uma aura brilhante começou a surgir da guardiã. Energia pura e reluzente que aumentava progressivamente. Tamanha força emanava da garota que até seu capuz caíra; fazendo seus cabelos se soltarem e dançarem no ar. E então, lentamente a aura luminosa foi sendo transferida para a capitã, que aos poucos recuperava sua cor natural. Cibelle deu um suspiro em seu sono que passava uma sensação de alívio.
— Você vai ficar bem... Parceira.— Disse Elaine segurando o rosto de Cibelle. No fundo, sabia que a ideia das duas sendo guardiãs já havia se tornado um sonho distante.
A segunda cerimônia havia dado errado. Uma cerimônia que foi secreta até para algumas das Horas . Alguém havia roubado o poder do crepúsculo, e Cibelle havia pago o preço. Aquilo estava além até do conselho das doze, que deveria ter todas as respostas. Edward havia rejeitado o poder do crepúsculo, então quem poderia tê-lo roubado?
Finalmente havia conhecido Quarta. Porém sua personalidade não poderia ser mais nebulosa. Elaine tinha impressão de que Quarta vivia sonhando. Era como se tudo ao seu redor tivesse perdido a importância há muito tempo. Mas apesar do semblante distraído, Quarta sabia de muita coisa. Aquela chave... Que tipo de relação Quarta tinha com Abel afinal? Uma coisa era certa: o que os dois tinham, era forte o suficiente para que Quarta roubasse de Sétima. As Horas realmente brigavam e disputavam umas com as outras. Mentiam. A colônia realmente parecia cada dia mais manchada de corrupção. E cada vez mais Elaine não tinha controle sobre nada.
Após algumas horas ao lado de Cibelle, a noite se aproximava. Saindo da enfermaria, de punhos cerrados, Elaine já em sua forma natural, mostrava desgosto e rancor em seu olhar. "Eu estou cansada. " pensou ela. "Estou cansada de não ter poder algum" suspirou. Os olhos da garota estavam cansados, o passo arrastado, e os pontos doíam de novo.
Ela chega em seu mais novo aposento, em que deveria estar desde o começo. Um lindo quarto cor pérola com piso de madeira. Uma bela lareira, uma pequena biblioteca ao lado de uma poltrona. Havia até uma varanda com espaço para o chá da tarde.
Elaine se joga na cama, deixando-se afundar nela.
— Que dia de merda.— Falou com o travesseiro abafando o rosto.
Então Elaine finalmente lembrou que era seu aniversário e a injustiça que foi passar tudo aquilo num dia que era para ser dela. Elaine sempre disse a si mesma que não ligava. Mas agora que estava sozinha, essa data pesava demais. Porquê ela não podia ter um aniversário feliz como todo mundo? Segurando a chave níquel contra o peito, disse:
— Eles tomaram tudo. Mas não vou deixar eles tomarem meu aniversário. Não vou! — Elaine cerrava os dentes.
Quando a luz da lua se escondia dentre as nuvens, o quarto se enegreceu por um instante.
Ao que a luz retornava ao aposento, um homem se via em pé em frente a cama de Elaine. Uma presença já conhecida.
—Olá, raio de sol.
Mas o homem se surpreende ao ver que a garota não estava em sua cama, como da última vez. Abel sente a respiração de alguém bater em suas costas, que o faz virar instintivamente.
Elaine estava em pé, segurando firmemente uma chave prateada na mão direita.
— Abel?
— Sim?— Sorriu, interessado.
A garota faz uma expressão furiosa enquanto o perfura com uma aura desafiadora.
—Eu quero fazer um acordo.
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