|Dies Irae|


O público já estava divido, alguns lutavam para sair dali, enquanto outros assistiam aquele evento, ou por estarem petrificados de medo, ou por estarem presos em sua própria curiosidade. A pergunta que não queria calar era: Quem era o homem naquele terno?

Ouvem-se escombros mexendo. Uma poderosa aura negra se manifesta de Elisa, que mesmo ferida, livra-se das pedras que a soterravam como se fossem cascalhos. Seus cabelos estavam no rosto, agora lisos e compridos, deixando-a com um aspecto amedrontador. Certamente não era a Elisa de antes, estava diferente, mais alta, voluptuosa e madura. Sua aparência mexe com os sentidos de todos ali. Nunca viram mulher tão bela.

Elisa caminha, lentamente, em direção a Edward, e cliques de seus saltos ecoavam no grande Hall. Ninguém mais ousava tomar atitude alguma. Tinham sido completamente rendidos.

- Eu devia saber que você era uma traidora no dia em que chegou aqui!-Afirmou Sétima. - Era óbvio que uma mulher dissimulada como você concordaria com os planos de Astargan!

- Eu não concordei com nada, o plano foi meu. - retrucou Elisa, passando por ela.

Ao ver que sua noiva se aproximava, Edward se sentiu à vontade para se posicionar no centro do hall, como se nada ou ninguém pudesse detê-lo. Mesmo sem um microfone, sua voz ecoou de maneira poderosa, e todos ali pararam para ouvir o que ele tinha a dizer:

- Quem decide a paz neste reino? - Disse Edward, com uma voz muito mais assombrosa - Vocês?- Apontou para as Horas- Suas velhas imundas!

Mal terminou seu discurso, e foi violentamente empurrado por Elaine, que voou em disparada em direção a Edward. Os dois vão ao chão, enquanto a guardiã o segurava pelo colarinho, com uma fúria incontrolável no olhar.

- Quem é você? O que você fez com o Eddy?!

O homem não consegue evitar de sorrir.- Olá, Ellie. Como vai?

- Não me chame de Ellie! Você não tem esse direito!

- Pois que fique bem claro: Eu sou Edward, herdeiro de Astargan! Não ignore a realidade, assim como você ignorou o que aconteceu com a sua mãe.

A guardiã se amedronta na mesma hora, incrédula. Não conseguia ouvir aquelas palavras, queria fugir, tapar os ouvidos. Como aquele monstro poderia saber daquilo? Era impossível. Ao considerar a mínima possibilidade de aquele homem ser Edward, enlouqueceu. Sentiu-se nauseada, atordoada. Poderia ser qualquer coisa, menos ele.

A garota o segurou mais forte ainda, pressionando-o contra o solo.

Edward não mexe um músculo.- E então Elaine, o que vai fazer? Me matar?

A garota se afastou de pronto. Esqueceu-se de que não podia machucar ninguém, morreria se quebrasse o juramento. Não havia maneira de enfrentá-lo,

Edward se levanta, batendo o pó de seu terno, e, então, praticamente ignorando a presença de Elaine, passeia pelo hall. Ele caminha, olhando para todos ali presentes, os guardas, convidados, as horas, e, por fim, Éden. A mulher, tão bela e graciosa, não movia um músculo. Tudo o que se podia ver era o seu olhar de extrema apreensão no rosto.

- Olha quem está aqui... a deusa! A filha da criação!- Éden se encolhe aterrorizada, tapando os olhos. - Que Sidéria miserável vocês criaram.

"Por favor Elaine, nos ajude!"- Sussurrava Terceira para a garota.

Entretanto, Elaine tremia perante Edward. O que podia fazer contra ele? Seus poderes pareciam demais para qualquer um ali.

- Vamos Éden, faça seus milagres! Salve a todos aqui! - Estranhamente, Edward se dirigia à clareira, e não à mulher que estava no trono. Enquanto isso, Éden pressionava-se contra o trono, quase como se quisesse atravessá-lo.

Aquela mulher que parecia ter vindo de um livro de fantasia estava... se acovardando? A santa das santas estava encolhida, escondendo-se atrás de seu véu, e... chorando? Não. Aquela não era Éden. Éden havia salvado milhares de vidas, zelado pelo planeta há tantos anos. Do alto de seu trono, lançou um olhar para Elaine, que assistia calada. Olhos prateados como a lua, que se cruzaram com os de Elaine. A guardiã sentiu do fundo de sua alma que aquele olhar não revelava nada mais do que puro medo. Nem mesmo as horas, no auge de seus desesperos, clamaram pela alta sacerdotisa. "Éden não está nem mesmo aqui?" concluiu a guardiã.

Ao ver Edward falando com a clareira, teve um insight. Olhou para o céu, preenchendo-se com toda a energia que podia e perguntou ao alto :

"Éden?"

No mesmo instante, uma energia quente preencheu todo o ser da guardiã. Uma força gentil, pura, e sutil. Todas as pistas apontavam que aquela mulher que Edward observava não era a verdadeira. Então talvez fosse verdade, Éden poderia muito bem ser uma entidade, um espírito de luz.

Elaine juntou as mãos, fechou os olhos e pediu:

" Santa Éden, preciso de auxílio! Não posso lutar. Jurei que jamais machucaria alguém com essas mãos. Não posso quebrar meu juramento!"

"Sua oração foi ouvida."

Numa fração de segundo, um brilho cegante veio dos céus e destruiu o teto do hall, levando cacos de vidro para todos os lados. Então, algo pousou graciosamente no chão, expandindo uma aura poderosa que se espalhou por todo o ambiente. Elaine abriu lentamente os olhos, quando se deparou com um objeto estranho e flutuante bem na sua frente. Aquilo brilhava muito forte, e emitia muito calor.

-Uma... estrela cadente?

A guardiã tentou tocá-la, mas era quente demais. Até que ouviu uma voz feminina, etérea e suave:

"Dá-me um nome guardiã, para que eu possa ser tua..."

Éden, de todos os itens, havia lhe dado uma estrela? Tão brilhante e poderosa, seria Elaine digna de possuí-la? Alguém tão fraca, impotente, e insignificante como ela não seria capaz, mesmo com aquele presente. Mas não era mais questão de ser escolhida ou não. Podia não ser a melhor opção como heroína, mas era a única no momento. Então, mesmo assustada e ferida, bradou:

" Astèri!"

Em meio a uma cintilante explosão cósmica, a estrela se tornou uma espada, fulminante e brilhante. No entanto, Elaine não sabia o que fazer. Mal podia tocar na espada, era quente demais.

Edward, assistindo aquilo, se vê entretido.

- Katoa, espíritos da miríade. Achei que fossem lendas... Mas isso não importa, você não pode usá-la. Vai morrer se fizer isso.

Era verdade que, apesar de lendária, algo como uma espada não ajudaria naquela situação. Não poderia atacar, nem poderia empunhá-la. De que servia aquele item para ela afinal?

- Basta de conversa. - De sua mão, surge um tridente de uroboros, afiadíssimo. - Vejam, corte de Sidéria, sua heroína!

Edward atacou abruptamente a mais nova guardiã da aurora. Elaine pensa em tomar alguma atitude, mas tudo o que consegue fazer é colocar as mãos contra o rosto em reflexo. Não podia fazer mais do que isso, a capa do amanhecer estava prendendo o evtann naquela hora. A guardiã fecha os olhos, prevendo seu fim.

Ao ser golpeada, sente o vento do corte bater contra sua pele, mas nada mais acontece. Ao abrir os olhos, viu o inacreditável acontecer.

A espada estava defendendo-a do ataque de Edward. Ao pensar um pouco sobre isso, aquilo tudo fazia sentido. Éden não escolheria uma espada comum sabendo da situação que se desenrolava. E se... talvez... aquela espada não devesse ser tocada, nem empunhada? Se a espada obedecesse aos comandos sem ser segurada, não violaria o juramento que fez sobre machucar alguém com as próprias mãos, já que, tecnicamente, tem vida própria.

Em meio ao desespero, pensou no ataque mais simples que pôde imaginar, um corte vertical. Viu em sua mente o golpe ocorrendo, e, a partir daí, a estrela se moveu, obedecendo corretamente ao comando. A guardiã ficou extasiada com a ideia de uma guardiã da aurora poder lutar. Mesmo sendo uma escudeira, observou com cautela os golpes de Edward naqueles anos todos enquanto treinavam. Sabia como ele lutava, podia imitar os golpes dele. Vendo o rebelde correndo em sua direção, soube que apenas defender não seria o suficiente, teria que atacar também.

Com a força do pensamento, começou a golpear Edward com a espada, mas sem tocá-la, fazendo investidas limpas e rápidas, da maneira que lembrava ser o estilo de seu companheiro.

- Vejo que encontrou uma brecha. - disse Edward, confiante - Mas replicar meus golpes não vai te salvar.

O combate continua. As horas restantes se mobilizavam para auxiliar suas companheiras caídas. Os guardas, com muito esforço, tentavam abrir saídas alternativas no salão.

Elaine observou os arredores, e Elisa havia desaparecido. No entanto, não poderia pensar naquilo no momento. Passado algum tempo, Astèri finalmente conseguiu partir a arma de Edward ao meio. Ao ouvir o som estridente do metal contra o solo, a guardiã sentiu um alívio.

Elaine estava à beira da exaustão. Os poderes da aurora eram fortes demais, e não estava acostumada a usá-los. Sem forças, caiu de joelhos enquanto tentava consertar sua respiração descompassada. Levou seu olhar para o alto, na esperança de ver seu adversário da mesma forma.

- Já desistiu, Elaine? - Disse Edward com frieza.

O rebelde ainda estava de pé. Elaine se sentiu confusa, e só então percebeu que estava sendo feita de idiota. Claro que alguém poderoso como Astargan não seria derrotado por uma qualquer. Estavam brincando com ela, já era óbvio àquela altura.

Edward se aproximava com fúria no olhar, fúria essa que mostrava que nada e nem ninguém iria pará-lo. A garota se desespera. O que poderia fazer contra aquele ser? Não sabia os limites dele, mas conhecia muito bem os seus.

Suor e lágrimas se misturavam no rosto derrotado da garota. Seus dentes rangiam, e o gosto amargo da traição descia por sua garganta seca. Buscou ar, e, junto com ele, uma resposta. Mas nada vinha à mente, além de uma intensa vertigem.

Não ousava tirar os olhos do chão... tudo o que podia ouvir era o som dos passos vindo em sua direção. O "Tac, tac, tac" dos sapatos envernizados ecoava. Elaine apertou os punhos, afogando-se em sua própria agonia.

A escuridão de uma sombra a cobriu. Parecia que as próprias trevas batiam à sua porta. Era uma presença poderosa, que estava a poucos centímetros de distância. Com os olhos arregalados, Elaine, então, sentiu-a. Estava à beira do precipício.

Sem ao menos pensar, a guardiã deu um golpe rápido no chão. Aquilo surpreendeu a todos , até mesmo à própria guardiã. O ataque saiu seco, indisciplinado. Quase como se fosse um impulso primitivo causando tudo aquilo. Se sentiu patética por mal ter controle de um objeto tão poderoso. Mas algo incomum interrompeu seus pensamentos.

Ouviu o som de algo rasgando. Alguma coisa parecida com tecido, lona, ou outro material espesso, e se alarmou ao ter seu campo de visão tomado por uma estranha poça que estava a se formar no chão. Elaine imediatamente olha para cima, mas não estava preparada para o que estava por vir...

Uma visão aterradora.

Edward, o guardião do crepúsculo, estava irreconhecível, tamanha era a mutilação de seu corpo. Astèri conseguiu cortá-lo não só profundamente, como também de uma ponta a outra. O rebelde estava partido em dois. O rosto do rapaz, antes tão belo, agora não podia ser mais visto.

Elaine, ao presenciar aquilo, ficou mortificada. Sua pele ficou praticamente branca, e seus lábios secaram. Não conseguiu dizer nenhuma palavra, e, no mesmo momento, a estrela cadente perdeu a força, caindo no chão. O corpo deformado do rapaz, de alguma forma, ainda se mantinha de pé, enquanto um líquido negro parecido com sangue escorria para fora. A anatomia pútrida ainda pulsava, movia-se involuntariamente em espasmos perturbadores. Mas isso mal captava a atenção da guardiã, que não conseguia parar de olhar suas mãos trêmulas, encharcadas de matéria escura. Não pôde se conter, teve uma crise de choro ali mesmo.

Ao que Elaine chorava pesadamente, todos ali presentes observavam a guardiã no auge do desespero. O símbolo da paz, cura e proteção estava imundo, coberto de feridas, e sangue. Aquilo que aconteceu despertou forte desesperança naqueles que passaram a vida crendo na invulnerabilidade e santidade de seus ídolos. Éden, o conselho, os guardiões, todos foram desmoralizados.

A guardiã forçava seus punhos contra o chão ensanguentado, até que suas próprias unhas penetrassem sua carne. Matar seu amado... nunca sequer imaginou a possibilidade. Há algumas horas, estava prestes a dar sua vida a ele, e, agora, era a responsável pelo seu fim.

- Não... eu não... - Gaguejava Elaine em meio a lágrimas.- Eddy...

"Ellie..."

Ao ouvir o timbre familiar, Elaine voltou-se para o cadáver de seu amado.

- Você... me pegou... de surpresa... Elaine... - De alguma forma, o corpo agora destroçado, começava a mover-se e emitir sons. Sílabas faladas de forma pausada.

Ao perceber que a estranha voz vinha do corpo de seu amado, Elaine cai no chão aterrorizada. Todos ali se assombram na mesma intensidade. O corpo de Edward voltou a se mover, e, de forma macabra, foi se reestruturando e voltando à sua forma original. E, em cerca de segundos, o homem estava como se nada tivesse acontecido.

Elaine fica estarrecida com a cena. Sentiu uma mistura de horror e alívio. Não sabia mais o que pensar, Edward havia se tornado algo que transcendia o entendimento humano.

Edward estala seu pescoço, enquanto massageia seus pulsos- Entendeu agora? É inútil.

Ao ouvir tais palavras em tom tão gélido, Elaine sente a indignação transbordar em seu espírito.

- Qual é o seu problema?!

Edward responde com o mais doloroso silêncio.

- Por que você está fazendo tudo isso?! A gente ia ter tudo!

Edward, com o olhar frio, arrancou um estandarte que estava próximo, e apontou para ela. - Sim, é verdade. Mas nesse tudo, não tinha o que eu queria.

Sentindo as presas da morte puxando-a, Elaine entra em total desespero. Suas lágrimas desciam gélidas em seu rosto pálido e trêmulo. Não tinha forças para se levantar, sua espada já estava parecendo uma rocha qualquer. Seus lábios ressecados formigavam, e as palavras mal saíam da boca. Havia perdido sua identidade. Guardiã, amiga, amante? Que diferença fazia? Era o fim.

Inerte no mesmo altar que lhe trouxe a glória, mirava os belos olhos de seu amado, que lhe trouxeram tanta alegria. Mas agora ela sabia: Aquele olhar trazia apenas a morte!

- Eddy... - Ela falava, trepidando em tom choroso- Eu tô com medo...

Naquele palco trágico, Edward segurou o estandarte, usando as duas mãos com firmeza. Sabia que a haste não possuía uma ponta afiada, então teria que fazer mais força para penetrar a carne. A estocada foi rápida. A bandeira atravessou-a de uma vez.

Elaine solta um grito rouco, que ecoa na mente dos ali presentes como um réquiem. Sua visão se tornou turva, até se enegrecer, e ficar apenas com a lembrança do amor de sua vida.

E assim se fecha o primeiro arco de SIDÉRIA: Hierarquia!

Fiquei feliz com o modo que retratei Edward nesta fase. Acredito que nessa versão, fiz justiça a ele, deixando-o mais coerente com sua personalidade. Espero que tenham apreciado esta nova versão da cerimônia!

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