|Despertar|

Trevas. Só... trevas. Ao mesmo tempo que nenhum dos sentidos respondiam, uma dor lancinante preenche os campos do vazio em que Elaine se encontrava. Há quanto tempo ela estivera ali, daquela forma?

Tem pessoas em volta. O que será que elas estão falando? Pareciam só... ruídos. Elaine tenta mexer os dedos do pé, abrir os olhos ou qualquer outra coisa. Sem sucesso. Ela sente o toque de mãos frias... um médico? Mesmo que pudesse sentir sua pele sendo tocada, era como assistisse tudo de longe, como se o corpo e a alma não estivessem conectados. "Estou morta?", pensou ela.

Apesar de tais pensamentos, as sensações continuavam a aparecer e ficavam cada vez mais fortes. Agora, havia algo deslizando em seu peito. Seda? Eram as mãos de alguém... alguém que usava luvas de seda. Uma mulher.

—Acorde.

Um feixe de energia corre por todo o corpo de Elaine como uma rede elétrica que acaba de ser ativada. O calor retorna e preenche todo o ser da guardiã, que começa a se sentir puxada daquele abismo em que se encontrava. Um clarão a cega por um momento. Seria o sol?

Os olhos da garota começam a se abrir,
lentamente. Tudo pareceu borrado, mas ela viu o que pareciam ser flores... centenas de flores. Em sequência, pessoas, a cama, e por último, uma mulher: de cabelos vermelhos e vestindo uma túnica preta. Só podia ser uma Hora. Estava segurando alguma coisa... algo brilhante e azul.

—Está feito.

Um coro de alegria e palmas ressoa pelo ambiente. Elaine finalmente volta a si. A garota estava no que parecia ser um quarto de hospital. Havia flores e presentes por todos os lados, juntamente com inúmeras pessoas em volta da cama. Vários fotógrafos. A garota mal podia enxergar com todos aqueles flashes que a cercavam, e o barulho que as pessoas faziam era ensurdecedor. Elaine ouvia seu nome em meio aos berros delirantes da multidão. Sua cabeça doía. A Hora, que se sentava do lado direito da cama levanta a sua mão, sinalizando para que todos saíssem. Mesmo de costas para o público, o gesto dela fez com que todos obedecessem imediatamente. Aquele olhar sério, a pinta no queixo, cabelo vermelho. Era a Primeira. O que a Hora mais influente do conselho estaria fazendo ali? Ela nunca dá as caras, se o caso não fosse minimamente importante. Afinal de contas, ela é a líder do conselho.

Quando todas as pessoas saem, Elaine percebe que Quarta e Sétima também estavam ali, bem no fundo da sala. Dava para ver o imenso respeito que aquelas duas Horas sentiam em relação à Primeira, já que nem ao menos tentaram ofuscar a presença da líder, enquanto estava entre os fotógrafos.

Elaine tenta dizer alguma coisa, mas ao se levantar um pouco, uma dor intensa que vem do abdômen a impede de continuar.

— Não se afobe, minha criança. — Primeira segura a garota com cuidado, levando-a cuidadosamente de volta para a cama. — Você ainda não está completamente curada.

Inquieta, Elaine segura o braço da Hora, impedindo-a de se afastar, e murmura. — Mãe Primeira... O que aconteceu comigo?

Ao ouvirem isso, as Horas se olham, e Primeira dá um longo suspiro.

— Ouça bem, tenho certeza de que deve ter sido um choque para você. — Com uma expressão gélida, ela estica suas mãos enluvadas e acaricia o rosto de Elaine. — Edward tentou encerrar a vida de sua santidade, Éden, e a sua.

Memórias começam a explodir na mente da guardiã. Era verdade. Edward havia roubado uma relíquia, e cometido um atentado contra todos na cerimônia do legado. Ao tentar impedi-lo, ela foi mortalmente perfurada pelo próprio homem a quem iria se declarar, naquele mesmo dia. Lágrimas começam a escorrer pelo rosto da garota. Não foi um pesadelo. Edward tentou matá-la.

— Alguém se machucou? — perguntou Elaine, trêmula.

Primeira suspirou novamente. — Cerca de trinta pessoas morreram...— Disse, sem mostrar expressão alguma — Chegamos à conclusão de que Edward absorveu todos os que haviam sobrado da plateia além de mais alguns guardas. Tudo o que sobrou deles foram as roupas... Acredito que tudo seja obra do poder maligno de Astargan.

— Por Éden! Ele não ... —  disse enquanto encarava o olhar gélido de Primeira.— Nunca ouvi falar de tanta gente morrendo assim!

— O pior massacre já cometido desde o início da colônia. — Completou Quarta.

Elaine começa a chorar sem parar.

Primeira procura consolá-la, colocando suas mãos sobre as dela. — Mas, graças a você, criança, Éden está viva.

No entanto — diz Sétima — Um criminoso muito perigoso está à solta. 708 deve ter aproveitado a comoção do dia do legado para escapar... Acreditamos que ele deve estar em algum lugar nas florestas próximas a Caldrath.

"Sete?", pensou Elaine. As coisas não paravam de piorar. Ele havia fugido? Como? Ela pensava em possibilidades, mas, era cedo demais para fazer suposições.

— E é por isso que você não deve sair deste quarto, por enquanto.- Continuou Sétima. — Mas não se preocupe, ele está usando algemas de contenção mágica e as chaves estão em meu poder. É provável que ele retorne para buscá-las comigo, cedo ou tarde. Mas não se preocupe. Estando neste aposento, estará segura.

Elaine mal  absorvia as palavras da Hora. Apertou firmemente os lençóis que a cobriam e disse:
— Eu... Jurava que tinha morrido e...

Primeira intervém — Quando eu e as outras do conselho acordamos, você estava à beira da morte. Foi difícil acreditar que aguentou por tanto tempo aquela bandeira lhe atravessando.

— Apesar da benção de ter sobrevivido, você acabou ficando em coma. Mas, graças aos esforços da mãe Primeira, te trouxemos de volta! — Quarta sorri. — Primeira tem a maravilhosa monção de reestruturar tecidos do corpo humano. O dom da cura!

Primeira sorriu modestamente.

— Foi um trabalho delicado, mas após semanas de estudo, consegui achar uma forma de revitalizar sua mente sem nenhum dano maior. Apesar do meu dom ser bastante útil, tem a ação bastante lenta. Desta forma, apesar de você estar melhor, demorará um pouco para retornar ao campo de batalha. — A primeira Hora coloca a mão sobre o ombro de Elaine, dando um sorriso discreto — O desejo do conselho é que a guardiã da aurora retorne logo à ação... portanto farei sessões diárias de reabilitação com você.

— E o que vai acontecer com o Edward...? — A fala de Elaine traz olhares de reprovação das Horas.

— Edward e sua cúmplice estão sendo procurados, dia e noite, nas seis camadas da colônia. Logo, ele será preso, e assim que recuperarmos a relíquia, o conselho julgará a punição apropriada.— Afirma Sétima.

—Mas... e quem vai ficar no lugar dele?—Elaine olha para as Horas, com receio— No cargo de guardião, eu digo...

— Quanto ao cargo de Guardião do Crepúsculo, Cibelle, a capitã da guarda, foi a escolhida para preencher esta função. Ela fará a cerimônia em segredo, apenas na presença do conselho, para que não haja mais contratempos. Você a conhecerá em breve.— A sétima Hora se aproxima, e segura as mãos de Elaine com carinho. — Não se preocupe com essas coisas, querida. Foque apenas em descansar por enquanto, está bem? A manteremos segura e informada nesse tempo.— Ela beija Elaine na testa.

Antes que as Horas passassem pela porta, Elaine tenta dizer mais uma coisa:

— O que era... Aquele vidro?

Primeira não faz questão de se virar para ela naquele momento.

— As relíquias são os itens que contém a magia que restou do mundo antigo. E é seu dever protegê-las agora.

— E o que é uroboros? —disse Elaine, hesitante.

Mas não houve resposta. As Horas se despedem e saem da sala, apagando a luz. Parece que era noite, afinal de contas. Só restava Elaine e aquela enorme sala escura, sendo iluminada apenas pela fraca luz da lua que vinha da janela. Olhando para o teto, a guardiã coloca as mãos no rosto, e começa a chorar. A barriga doía, mas o que mais doía, era o peito.

Como Edward havia planejado tudo aquilo? Quando? Eles se conheciam há sete anos, e ela nunca havia percebido nada. Foi antes de Elisa ter aparecido? Ou será depois? Nada mais fazia sentido. Porém, o maior mistério era o fato de que Edward não havia pedido nenhuma vez, para que Elaine fosse com ele. Há anos, eles eram a dupla perfeita. Mesmo que fosse para armar uma conspiração, ele deveria ter dito algo. Eles estavam juntos nessa, certo?

Agora, Elaine havia feito o juramento de destruir qualquer um que arriscasse a existência da colônia. E se, por acaso, ela não cumprir seu dever, a punição seria a morte. E o que mais a assustava naquele momento, era que, se ela morresse agora, morreria sozinha e sem um lugar no mundo. Ela havia perdido tudo, absolutamente tudo. Estava numa função que só aceitou, para estar ao lado de quem amava, e esse alguém a traiu. Teria que passar o resto da vida como guardiã de um mundo que nunca a acolheu, lutando contra o amor de sua vida. As Horas tinham toda razão por estarem o caçando, já que ele cometeu crimes horríveis. Mas, porque Elaine não estava brava, e sim triste? Ainda queria olhar para o rosto que tentou matá-la? Será possível que ela ainda o ama?

Elaine mordia os lábios até sangrarem. Ela estava se odiando. Odiando por ser tão burra. Tão infantil. Tão ingênua. Por estar presa num mar de desespero, onde não podia falar com mais ninguém.

Ela estava sozinha. De novo.

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