"Começo a pensar que você talvez nem mesmo exista."
- C.
Estação ferroviária de Gravewood, 06 de março de 2018. Quase 09:00 horas da manhã.
O bilheteiro terminara de verificar todos os passageiros no terceiro vagão quando se virou para a porta de entrada e assustou-se. O trem estava pronto para partir, mas havia uma garota do lado de fora. Parecia apreensiva com seu bilhete de embarque em mãos, provavelmente estava esperando por alguém.
— Senhorita, você não vai subir? Precisamos partir. — perguntou educadamente.
— Eu... eu... — ela ergueu sua cabeça, desperdiçando a atenção que mantinha ao corredor da estação. — Desculpe. O que foi que disse?
— Eu disse que estamos partindo agora. Você vai subir, ou precisa de alguma coisa? — insistiu o homem de uniforme e chapéu.
— Eu não posso. Desci no último trem, mas... não posso ir sozinha. Estou esperando por alguém. — ela sorriu e apresentou o comprovante da viagem.
— É claro! Eu entendo. — o funcionário retribuiu o sorriso e depois puxou uma alavanca que indicava o sinal ao motorista. — Até mais, senhorita Petit. — leu seu sobrenome no bilhete.
Então aquela enorme máquina sustentada por rodas pesadas e oscilantes decidiu partir — quase com atraso. E a moça francesa, com seu vestido cor de rosa beirando o concreto frio da estação, continuava aguardando ansiosamente por alguém. Infelizmente era alguém que nunca chegaria.
— Onde você está, Asher Nollback? — sussurrou preocupada, com suas mãos quase amassando o papel.
Pousada Woodhouse, 03 de janeiro de 2020. Início da madrugada.
O corpo dela se desfez em pedaços quando atingiu um emaranhado de rochas pontudas sobre a areia úmida. Seu vestido se rasgou na queda, o cabelo quase foi separado do corpo e suas mãos e pés congelaram com a água fria e escaldante. Ela morreu.
Ainda na beira daquele buraco escuro e sem fim, Johnny precisou ser amarrado sob os braços do xerife Tom e do seu filho, pra que não cometesse o mesmo que Penny. Ele continuou gritando, se contorcendo, chorando por mais alguns minutos dentro daquela floresta vazia e ninguém poderia impedi-lo de sentir a falta de sua própria irmã.
Um tempo depois aqueles hóspedes retornaram para a pousada — a maioria deles — sem dizer uma palavra sequer. Isso porque não tinham o que falar, o que sentir. Adentraram o salão principal e trancaram a porta, como Frankie pediu. Agora que os barulhos no céu haviam se instalado de vez e a chuva começara a cair sobre a ilha de novo, tinham a certeza de que uma tempestade estava chegando.
— Ainda não consigo acreditar que isso aconteceu. — Beatrice se sentou ao lado dos outros na sala de estar e agrupou seus fios de cabelo com os dedos, tentando tranquilizar-se.
— Sei que todos aqui estão abalados, mas precisam encontrar um jeito de se acalmar. A tempestade não vai embora tão cedo, então durante as próximas horas teremos de... — Frankie pretendia explicar a situação, mas a senhorita Smith o interrompeu agressivamente.
— Eu juro por Deus que se não fechar essa boca, Frankie... eu mesma fecho. Uma adolescente acabou de tirar a própria vida! — argumentou a loira, com seus olhos arredondados em estagnação sobre o caseiro.
— Kendra, é melhor se sentar. — comentou Jackie, com uma voz mais apaziguadora. — Frankie está certo. Essa tempestade é mais perigosa do que parece. Mantenham a calma antes que enlouqueçam de vez. — a dançarina arrastou seu olhar até a janela barulhenta da sala, arrepiando-se, como se de fato já tivesse presenciado aquilo anteriormente.
Pouco a pouco, os murmúrios aterrorizantes provocados pelas madeiras que compunham o chão iniciavam um lento atordoamento a cada hóspede. Não perceberam, mas haviam começado a sentir os apavorantes efeitos de uma típica noite de tempestade na ilha Shallow Wood.
— Não estão todos aqui. Quem foi que ficou lá fora? — Frankie estudou o grupo que estava na sala com seus olhos, enquanto vestia seu casaco.
— Eu não vi o Johnny entrar conosco. E... acho que avistei o garoto baixinho saindo na direção do caminho de areia antes que chegássemos aqui. — afirmou Asher, sentando-se ao lado de Beatrice.
— Certo. Então estou indo buscá-los agora. Por favor, fiquem aqui e tentem não chegar perto das janelas. — alertou o grisalho, caminhando até a porta de saída.
Frankie correu até a caminhonete debaixo da chuva e trancou as portas logo que entrou no veículo. Verificou o retrovisor, as duas maçanetas e por último levou sua mão até o banco de trás.
— Essa é sua última noite neste inferno. Eu prometo. — acariciou o tecido que cobria o corpo de Adele e depois voltou a prestar atenção na paisagem à sua frente. Então pisou no acelerador.
Enquanto isso, do lado de dentro, Jackie se locomovia novamente até o extenso sofá da sala e sentava-se ao lado dos demais com uma garrafa de refrigerante em mãos. Estava tentando permanecer serena antes que os trovões mais barulhentos atingissem aquela área da ilha e suas lembranças da última tempestade retornassem.
— Então, Argent! — exclamou Kendra, cruzando suas pernas sobre a poltrona, tendo sido a última a se juntar ao grupo. — Pode nos dizer o porquê de uma simples tempestade causar tanto alvoroço nesse lugar? Vamos lá. Frankie estava surtando mais cedo e você parece... tensa.
— Ela engole a ilha todos os anos. — começou a explicar, tentando desviar seus olhos da chuva que corria sobre a vidraça da sala. — Sempre na mesma época e na mesma semana de janeiro... às vezes mais cedo, outras mais tarde. Mas todos os habitantes já se acostumaram com esse evento anual.
— E por que tanto medo? — Asher perguntou, curioso.
— Se estivéssemos em um ano comum, o xerife teria emitido um aviso há algumas horas e todos seriam obrigados a se trancarem em suas casas. Mas tivemos a sorte de sermos os únicos neste inferno desta vez. Que maravilha. — ela sorriu fraco e levou a garrafa até a boca. — A única coisa certa a se dizer é que funciona como uma maldição. Àqueles que acreditam, é claro. Qualquer um em Shallow Wood já presenciou algum acontecimento estranho durante uma tempestade. Se ainda não, então provavelmente vai... nesta noite.
— Qual é?! São só algumas horas nessa sala de estar enquanto esperamos a chuva passar. Não pode ser tão ruim, não é? — Sam argumentou, relaxando seus ombros ao se deitar sobre o encosto do sofá.
— Você tem alguma lembrança ruim sobre alguma outra tempestade, Jackie? — Beatrice se intrometeu, apoiando seus braços sobre os joelhos.
— Tenho. Eu estava no hotel no ano passado quando aconteceu, mas é história para outra hora. — a garota deu mais um gole na bebida e largou a garrafa na mesa de centro. — Podemos ser positivos e acreditar na hipótese do Sam. A tempestade acontece todos os anos. Ela chega, faz o que precisa fazer e depois... simplesmente vai embora. Permaneçam nesta sala o maior tempo possível, não subestimem-na e tudo deve correr bem. — a dançarina encerrou com um sorriso, respirando fundo e liberando o ar apenas depois de se inclinar para trás e imitar a posição do ruivo.
— Vamos mudar de assunto. Já que teremos bastante tempo até o fim dessa coisa, por que não começamos ouvindo o que o náufrago tem a nos dizer sobre como chegou aqui? Acredito que ele já tenha tido tempo suficiente pra se lembrar de mais alguma coisa. Não é, Asher? — Kendra pronunciou seu nome de maneira cínica, erguendo a sobrancelha.
— Por Deus! Pecisam parar de tratar isso como um interrogatório. — Beatrice se levantou, enfurecida.
— Tá tudo bem, Trice. — Asher puxou seu braço pra que ela voltasse ao sofá. — Eu posso contar tudo o que me lembro. Mas antes, onde eu consigo uma dessas? — apontou para a garrafa que estava, agora, nas mãos de Jackie.
E assim se iniciara um silêncio arrebatador que seria apenas quebrado pela voz adocicada do novato. Os hóspedes decidiram ouvi-lo com atenção enquanto ignoravam a ventania do lado de fora. E talvez, como sugeriu aquela jovem, essa fosse a melhor maneira de se sobreviver à tempestade.
Lado externo da pousada, quase 01:40 da manhã.
Sobre o garoto que desaparecera depois que retornaram da floresta, colocava agora seus pés sobre a areia escaldante que o cercava. Olhou para o céu e percebeu a escuridão lilás e vinho que começara a cobrir a ilha inteira há pouco. A água ainda era barulhenta e, a cada passo em sua direção, mais clara em sua cabeça era a lembrança de Penélope caindo sobre uma água azul como aquela.
Josh estava tão perto de ter o mesmo destino daquela pobre garota que talvez fosse mais fácil colocar seus corpo naquela maré densa e deixar que os raios o atingissem. Mas se o fizesse, talvez nunca voltasse a ver o sorriso de Sam ou ter o abraço de Jesse. Nunca retornaria a Rainwood, afinal, e jamais veria o rosto da única outra garota que um dia o fez sentir humano também.
Entretanto, Josh não era o único que parecia perdido naquela noite. Não tão longe, em algum ponto da estrada de terra que se arrastava ao redor da longa floresta, Frankie dirigia com suas mãos trêmulas sobre o volante, procurando enxergar alguma coisa que pudesse ser iluminada por aquele farol fraco.
— Anda, Russell... precisa estar aqui em algum lugar. Não pode desaparecer como aquelas crianças. — murmurou, pensativo.
Como um convite aterrorizante feito por um estranho de beira de estrada, alguém bateu no vidro da caminhonete logo que pronunciou aquilo. Parecia desesperado, as mãos quase quebravam o vidro a cada batida. Fosse coincidência ou não, era a pessoa que ele queria encontrar.
— Deixe-me entrar! Deixe-me entrar! — insistiu Johnny, com seus cabelos encharcados pela chuva e o peito explodindo com sua respiração apressada.
— Minha nossa, Johnatan! Onde você estava? Podia ter morrido lá fora. — Frankie o encarou com espanto nos olhos.
— Dane-se. Minha irmã acabou de enterrar a própria vida em um penhasco. — respondeu com indiferença.
— Precisa parar de pensar nisso... sabe que ela amava você. Era o anjo protetor daquela garota. — afirmou o grisalho, voltando os olhos à estrada.
— Esse é o problema, Frankie. Minha única obrigação era protegê-la e eu não consegui. — Johnny apoiou seu rosto sobre as mãos. — Não quando precisou ser protegida dela mesma.
— Eu entendo você. — Frankie pousou sua mão direita sobre o ombro do rapaz e se calou. O silêncio prevaleceu por quase dez segundos. — Pode me alcançar um tecido que está no banco de trás? Acho que esses parabrisas não vão dar conta da chuva.
O garoto obedeceu sem olhar para trás. Esticou o braço e o esfregou sobre qualquer coisa que estivesse lá, procurando um pedaço de pano velho. Mas assim que o encontrou, percebeu que cobria alguma bagagem. Então Johnny começou a arrastar seus dedos sobre a superfície e sentiu que o objeto tomava forma. A forma de um rosto.
— O que você tem... — Russell se inclinou até lá, tentando erguer o tecido.
— NÃO TOQUE NISSO! — Frankie o puxou pelos ombros e impediu que desse continuidade.
— Tá... tá certo. — Johnny conseguiu juntar o tecido que estava no chão e o entregou a Frankie.
O menino se calou e procurou seguir olhando para a estrada depois disso. Mas não pôde ignorar tamanha estranheza no rosto do senhor ao fazer o carro parar no meio da estrada. Estava olhando diretamente para o lado de fora, como se houvesse alguma coisa lá.
— F... Frankie? O que está fazendo? — pronunciou com tremor em seus lábios.
— Ele está aqui. — foi a única resposta dada pelo caseiro.
Em seguida, Frankie escancarou a porta do carro e desceu carregando uma arma em mãos. Uma arma? Johnny não havia visto aquele objeto em suas mãos desde que entrou no carro, então não entendia o que ele pretendia fazer. Ainda assim, o mais estranho nisso tudo é que não tinha ninguém naquela estrada.
— Meu Deus. Frankie! — o rapaz saltou da caminhonete e foi atrás dele, tentando pará-lo. — VOLTA PRA CÁ!
Era impossível. Frankie mergulhou na chuva ácida e na escuridão oscilante e deixou que as vozes alcançassem-no. Apontava aquele revólver para todos os lados e continuava a gritar que tinha alguém lá. Ainda dizia coisas como: "Você tirou ela de mim!", como se algum monstro tivesse arrancado dele o amor de sua vida.
Johnny tentou controlá-lo mas só conseguiu que o grisalho parasse de gritar depois de ter atirado duas vezes contra o nada e, logo após, desmoronar em um mar de lágrimas e de mágoa profunda.
— Vamos voltar para dentro do carro, Frankie. Não tem nada aqui! Eu juro! — implorou o jardineiro, deixando que seu corpo também fosse corroído pela garoa e pelo vento amaldiçoados que partiam do chacoalhar das árvores ao redor.
A água transformou a estrada em lama pura alguns segundos depois. Frankie sentiu sua cabeça doer por conta dos faróis acesos mas concordou em voltar para dentro do veículo depois de se dar conta de que, de fato, não havia nada lá.
Os dois seguiram em silêncio durante o restante da viagem. Estavam enlouquecendo, sabiam disso. E também sabiam que era culpa da tempestade. Ninguém podia explicar o quão ansiosos e amedrontados os moradores de Shallow Wood ficavam durante uma noite como aquela. Não havia outra explicação senão, como designou a dançarina mais cedo, uma maldição.
Pousada Woodhouse, 02:10 da manhã.
Finalmente as pessoas naquela sala adormeceram — ao menos a maioria delas. Estavam tão cansadas que suas pálpebras cobriram sua visão logo depois que Asher terminou a história. O barulho da chuva se tornara agradável lá fora, ainda que os trovões fossem inoportunos.
— Deus! — Kendra abriu os olhos com espanto, percebendo em seguida que os outros continuavam desacordados. — Posso jurar ter ouvido tiros vindo lá de fora...
— São só os trovões. É resultado da... — Kendra cortou Jackie antes que ela culpasse a tempestade outra vez.
— Já sei o que vai dizer. E isso parece mais bizarro do que antes para mim, então... acho que vou me deitar no meu quarto. — ela arrumou seu cabelo levemente e depois seguiu andando até as escadas.
— Kendra, espera! Por que não fica... — a cantora foi interrompida de novo.
— Deixa ela ir. Vai voltar pra cá quando o próximo raio cair. — Sam afirmou, suspirando e voltando e recostar sua cabeça sobre o apoio do sofá.
Os dois jovens permaneceram em alerta por mais algum tempo. Tinham a supérflua sensação de que talvez não fosse tão ruim assim ficar naquela sala durante algumas horas, como sugeriu o próprio Sam, no início da noite. Mas esta hipótese foi derrubada quando eles dois — e os recém despertados também — ouviram o telefone tocar.
— Está vindo do escritório. Acha que devemos atender ou fingir que nada aconteceu? — Beatrice perguntou, enquanto tentava acordar o rapaz ao seu lado.
— Já sabemos quem está ligando... não sabemos?! Então vamos logo com isso. — Sam levantou do sofá e saiu em direção à sala no corredor.
Jackie, Beatrice e Asher o seguiram até lá e preparam-se logo pra que alguém atendesse a ligação. O ruivo se ofereceu, é claro, e de uma vez pegou o aparelho. Olhou para os demais, respirou fundo e deu ouvidos àquela mesma voz.
— O que você quer? — Sam perguntou com a voz firme, mas estava mais nervoso do que parecia.
— Só queria me certificar de que meus hóspedes favoritos estão aproveitando esta noite maravilhosa! — gargalhou o Fantasma.
— Quê? Ele nem me conhece. — sussurrou Asher, com um olhar indiferente à francesa.
— Você gosta dessa ideia, não é?! — Sam respondeu o telefonema, com os olhos cerrados. — Trancafiados neste lugar até o amanhecer, sem contato com os que estão lá fora, sem... sem poder pedir ajuda. Somos os ratos que você precisava pra sua experiência. — o ruivo esmagou o aparelho em sua mão, furioso.
— Essa é uma boa observação, Sammy. Mas também acho que uma noite de tempestade seja... — ele fez uma pausa, respirando fundo. — Como devo dizer? Hm... uma oportunidade para pensar.
— Pensar no quê? — Jackie se aproximou do telefone com seus braços cruzados.
— Não seja tola. Ainda não se perguntou quem sou eu? Ou, em um pior cenário, qual de vocês estaria me ajudando? — disse o assassino.
— Cala essa boca. Sem chances de alguém nesta sala estar fazendo isso. Você é o único maluco! — Sam disparou.
— A maneira como confia em seus colegas de estadia é incrivelmente precipitada, Sammy. De qualquer forma, eu não lembro de ter falado de vocês quatro. — outra vez o silêncio se fez. — Eu devo perguntar: há mais alguém em outro cômodo da casa?
— Kendra... — Beatrice murmurou, confusa. Sentiu um certo arrepio corroendo seus ossos.
— Estou aqui. — a mulher adentrou o escritório com pesar em seus ombros. — Se alguém pretende me acusar de alguma coisa é melhor que, pelo menos, seja na minha presença. — bufou. E o mascarado continuava do outro lado da linha, o que significava que ela não poderia ter feito aquela ligação.
— Finalmente a trupe está reunida! Agora... eu deveria começar apontando alguns detalhes sobre cada um de vocês. Não acham? Isso seria divertido. — o chiado quase interrompia a ligação, mas a voz dele continuava lá. — Seria legal se começássemos falando do rapaz que apareceu misteriosamente na praia alguns dias atrás.
— O que você sabe sobre mim? — Asher estufou o peito e deu um passo à frente.
— Sei que é um estranho com personalidade duvidosa na qual estas pessoas não deveriam confiar. Ah! Mas e por que não um casal trabalhando em conjunto? A francesa me parece muito animada em tirar as culpas de cima deste rapaz. — concluiu, esperando que os olhares acusadores naquela sala se iniciassem.
— Seu... seu... — Beatrice tentou falar, mas nada lhe vinha a mente.
— Não podemos esquecer do garoto cuja namorada desapareceu sem deixar rastros há poucos dias. E eu posso garantir que não a tirei desta pousada. Então... não seria estranho se Jesse não dissesse nada sobre sua partida, nem mesmo à pessoa em que ela mais confia? O que acha disso, Sam? — seu sorriso doentio provocava tanto ódio e rancor no peito do Colleman que ele poderia pular em sua garganta se estivesse à frente do mascarado agora.
— Pare com isso imediatamente! — gritou Kendra, eufórica. — Não percebem? Está tentando nos fazer enlouquecer.
— Obrigado por me lembrar, senhorita Smith, da sua estranha mudança de comportamento depois que seu marido foi queimado vivo. Só estou dizendo que, se eu matasse alguém que eu amo, tentaria fingir algum tipo de sentimento. — continuou o perseguidor, com sede de que aquilo se tornasse um inferno. — E quanto à dançarina?
— Me deixa em paz, por... por favor. — comentou enquanto engolia em seco o desespero em sua garganta. Ela era a última naquela sala, e a única a não ter sido acusada de alguma coisa.
— Você parece assustada esta noite. Isso é porque a tempestade te faz lembrar do que aconteceu no ano anterior? Oh, Deus. Eu sinto muito por ter tocado em um assunto tão delicado... talvez seja por isso que odeia tanto esse lugar nesta época do ano. Não é? Se não tivesse feito aquilo, se não tivesse escolhido terminar daquele jeito, talvez... — ele preparou seus lábios brevemente antes de pronunciar a frase que a faria enlouquecer. — talvez Cindy ainda estivesse com você. E talvez ainda estivesse viva.
— VAI SE FERRAR! SEU FILHO DA PUTA! — o caminho de veias expostas em seu pescoço poderia explodir a qualquer momento.
— Do que... do que ele está falando, Jackie? — Sam virou seus olhos para a jovem, assustado.
— Conte a eles, Jackie! Conte a eles o que aconteceu na última tempestade em Shallow Wood. E diga o porquê de você ser tão obcecada com aquela garota a ponto de nunca deixá-la ir. E talvez... a ponto de esconder o corpo dela debaixo do salão porque enfiou uma flecha em sua garganta na outra noite. E fez isso porque não queria que outra pessoa a tirasse de você. — ele tornou a gargalhar e provocar sussurros que causavam desconforto aos ouvidos dos hóspedes. — CONTE A ELES!
Aquela foi provavelmente a gota d'água. A ligação se encerrou sem que Sam tivesse uma resposta, se assustou quando o chiado alcançou a linha telefônica de vez. Os outros três encararam Jackie como se quisessem saber a verdade, mas ela não poderia falar sobre aquilo. Então deixou a sala imediatamente e restaram os quatro.
Outro raio maléfico pareceu ter seguido os movimentos da menina e clareou a janela naquele exato instante, fazendo com que Beatrice quase expulsasse o coração do próprio corpo. Junto dele, entretanto, a energia da pousada foi embora também. Estavam agora totalmente mergulhados em um escuro repentino que, obviamente, não poderia ter esperado mais dez segundos até que se acomodassem na sala de estar.
— Isso... isso é demais. Vamos voltar para a sala. Não quero ficar mais nem um minuto sozinha neste lugar. — Kendra abraçou o próprio corpo e se dirigiu até o outro cômodo. — Vou buscar algumas velas na cozinha pra que isso não se torne um calabouço.
— Você não vem? — Asher parou na porta do escritório, encarando Beatrice, que ainda parecia pensativa.
— Vou tentar falar com a Jackie. Volte para a sala com os outros e se certifique de que não vão se separar outra vez. Está bem? — a ruiva beijou a bochecha do rapaz e ele a obedeceu, ainda que com receio.
No fim das contas, o Colleman estava certo quando apontou que aquilo era uma experiência que fazia deles inofensivos ratos de laboratório. Algumas pessoas demonstram seu pior — às vezes o melhor — lado quando colocadas sob pressão. E algumas delas só fazem isso quando colocadas sob extrema necessidade. Talvez fosse necessário que uma noite de tempestade em Shallow Wood retornasse pra que Jackie Argent mostrasse quem era.
Beatrice entrou no quarto da garota depois de tocar a porta duas rápidas vezes. Estava entreaberta, então entendeu o suspiro da jovem, sentada na cama, como a confirmação pra que pudesse se aproximar. A ruiva, por sua vez, sentou-se ao lado dela com cautela e pôs suas mãos sobre o colo.
— Quer me contar o que aconteceu no ano passado? — perguntou com uma voz agridoce, tentando não assustá-la.
— Eu achei que poderia esquecer aquela menina algum dia. Temia que essa noite — Jackie ergueu seus olhos até a janela. — me fizesse voltar a pensar nisso. Bem, eu sabia! Sabia que poderia acontecer quando a tempestade chegasse, mas... achei que pudesse passar ilesa.
— Começo a entender o que quis dizer com "maldição". — Beatrice suspirou. — Mas você, Johnny e Frankie são os únicos que já estiveram aqui da outra vez, então... o que foi que você fez, Jackie?
— Eu a amava. A amava e não podia fazer nada a respeito. — seu olhar entregou que aquelas palavras eram verdadeiras quando um de seus olhos expulsou a água salgada. — Algum dia já sentiu a rejeição, Beatrice?
— Não, eu... eu acho que não. — respondeu sem desviar o olhar.
— Ela queima. Queima e arde como se nunca fosse ir embora. Mas um dia você para de sentir. — respondeu Jackie, com seus dedos entrelaçados. — Pelo menos eu acho que sim. Cindy não sentia o mesmo que eu porque sentia isso por outra pessoa. O nome dele era Brett, um cara qualquer que trabalhava no hotel. Sorriso bonito, jeito encantador, humor sociável... talvez ela estivesse certa em querê-lo.
— O que aconteceu pra que fosse rejeitada, Jackie? — insistiu a francesa.
— Eu só não devia ter tentado. Mas acreditei que, se contasse a ela, talvez dissesse que sentia o mesmo. Que burra. — bufou. — Mas ela estava tão brava comigo, e tão feliz com ele, que a rejeição me fez arder como nunca antes. — Jackie virou seu rosto para a ruiva e relaxou seus ombros antes de prosseguir. — Acho que as coisas saíram do meu controle. Nunca pensei que o amor de Cindy e Brett e a minha ira, em combustão, pudessem causar a morte dele.
Beatrice estagnou seus olhos e sem querer afastou as mãos da mais nova, sobre a cama. Seus lábios tremiam, ela não conseguia pensar em alguma coisa que confortasse Argent sem antes saber se aquilo era verdade. Ela realmente disse "morte".
— Jackie, o que... o que foi que... — sua voz serena foi cessada quando um barulho estrondoso partiu do lado de fora.
As duas levaram os olhos até a única passagem entre a porta e a parede e puderam enxergar Asher passando pelo corredor com pressa. Conforme se aproximavam da escada, identificaram a voz de Sam elevando-se como se ele estivesse gritando com alguém.
Por um momento, Jackie pensou que aquilo fosse um sonho. Tinha a forma perfeita de um devaneio costumeiro para noites como aquela. O perfume áspero do marinheiro ainda permeava o andar de cima e ela não conseguia saber de onde veio aquele barulho assustador. O garoto no salão parecia bravo, furioso. Alguma coisa ruim aconteceu, concluiu ela.
Beatrice chegou ao pé da escada e teve visão de dois homens enfrentando o filho do xerife. Kendra estava mais afastada, com medo. Mas na verdade, ao se aproximar e enxergar a cena debaixo da luz amarelada das velas espalhadas, percebeu que era Sam que os estava confrontando.
— DIGA, FRANKIE! OLHE NOS MEUS OLHOS E DIGA! — Sam agarrou a gola da camisa do homem e o puxou para perto. — Diga que não fez o mínimo esforço para procurar por aquele garoto. Você nem... nem foi até a praia!
— Eu estou tentando explicar a você, Colleman. A tempestade estava aumentando e não poderíamos chegar até a estrada de areia. Francamente! Acha que o seu amigo ainda estava na praia com essa chuva toda? — o grisalho revirou os olhos, soltando-se das mãos do menino. — Se ele estava, não poderia ajudá-lo.
— Ótimo. Você era a única pessoa com um carro lá fora e não foi capaz de trazê-lo pra casa em segurança. — Sam esboçou um sorriso sarcástico e deu meia volta, inspirando e expirando, no mesmo processo até que se acalmasse. — Aquele garoto era a última pessoa que eu tinha nesse inferno. Se algo acontecer a ele, Frankie, eu juro... eu juro... — ele não conseguiu terminar a frase.
— O que aconteceu? — Beatrice caminhou até Kendra e perguntou, confusa.
— Josh aparentemente ainda está lá fora. E Sam acredita que Frankie devia tê-lo trazido para cá, é claro. Onde vocês duas estavam? — a mulher encarou Beatrice e Jackie, mas nenhuma delas respondeu.
Então a francesa carregou passos leves até perto do tumulto e levou seus olhos ao rosto de Sam, percebendo que havia alguma coisa incomum chamando-lhe a atenção.
— Colleman... onde você estava? — no momento em que disse, os dois pararam de falar e viraram-se para ela. O ruivo, espantado. — Seus cabelos estão molhados mas você não saiu desta pousada a noite toda.
— O quê? — Sam desviou o olhar e tentou controlar a respiração ofegante. — Eu... eu devo ter me molhado quando abri a porta para eles dois. — apontou para Johnny e Frankie e depois esfregou os dedos sobre o cabelo. — Por que isso importa, Beatrice?
— Mentira. — refutou o caseiro. — Fui eu quem abriu aquela porta. Acho que está escondendo alguma coisa.
— Que se dane. Eu fui lá fora porque... porque achei que tinha visto alguma coisa. Ela pode confirmar isso. Não pode? — Sam virou o olhar para a senhorita Smith, escorada no corrimão da escada.
Mas ela não respondeu a tempo. Tão preocupados com o motivo do cabelo molhado daquele rapaz, os presentes na sala se esqueceram da barulheira inoportuna vinda há pouco do andar de cima.
— Eu preciso de ajuda aqui! — Asher exclamou do último degrau da escada. Suas roupas estavam encharcadas. — A vidraça do corredor principal foi rompida por um galho de árvore. Essa chuva vai inundar tudo se não consertarmos a passagem! — explicou entre gritos com a voz ofegante.
— Vou ajudá-lo. Guardem essa babaquice pra outra hora. — Johnny passou pelo ruivo e o empurrou com o ombro esquerdo, quase fazendo-o despencar.
Finalmente, a ideia de permanecerem juntos na sala de estar foi por água abaixo. Kendra e Beatrice ficaram no salão, Sam simplesmente desapareceu das luzes das velas derretidas e os outros dois foram até o andar de cima na intenção de consertar o estrago — oriundo da noite de natal, quando Madison e o assassino jogaram seus corpos contra a janela.
Quanto à Jackie, seguiu até o seu quarto de novo para que pudesse ficar envolta ao silêncio e o escuro. Mas acabou que ela se surpreendeu quando encontrou um cartão sobre a sua cama. Fora certamente colocado ali por alguém que estava na pousada, enquanto ela havia descido as escadas com Beatrice.
Nem mesmo conseguiu pensar em quem era o culpado naquele momento. Só se atentou àquela única frase escrita com tinta escura e, de maneira estranha, borrada pela água da chuva. Dizia: "Encare a máscara e a derrube antes que o seu passado faça isso com você."
Cada centímetro da sua pele foi arrastada por um arrepio sem fim junto da corrente gélida de vento que acabara de cruzar o corredor. Jackie estava tão assustada que não sabia o que fazer. Mas ao mesmo tempo tão disposta a fazer algo que seu medo não parecia mais tão preocupante assim.
A dançarina desceu as escadas correndo e atravessou o corredor dos fundos sem que ninguém a visse. As luzes azuladas da tempestade a seguiam por cada janela que passava. E foi assim até que chegasse no escritório. Não sabia como entraria em contato com aquela criatura horrenda, mas tinha a sensação de que ele estaria lá.
E o telefone tocou misteriosamente. Jackie recuou por um instante, mas em seguida colocou suas mãos sobre o aparelho e foi direto ao ponto. Ele só poderia estar observando ela nesse exato momento! Então por que esperar?
— O que está querendo me dizer? Preciso que diga com todas as palavras. — exclamou, com uma ardência incômoda na garganta provavelmente causada pela ansiedade.
— Achei que eu tivesse deixado claro no bilhete. Você não pode fugir do que já aconteceu, Jackie! Quem estamos tentando enganar aqui? Você... matou... alguém. — providenciou uma pausa dramática em sua voz ao pronunciar aquelas três palavras aterrorizantes.
— Você não... não sabe disso. Você não sabe de nada do que aconteceu. — exclamou ela, com preocupação.
— Qualquer um que tentasse saber o que aconteceu naquela noite saberia que você estava escondendo alguma coisa, Argent. — respondeu. — Mas o que eu quero saber é... se está disposta a encerrar essa história ou quer deixar que os ossos daquela menina morta te persigam para sempre?
— Isso é um jogo. Você sabe exatamente o que uma pessoa sob pressão faria e quer que eu siga os mesmos passos até que consiga me matar. Foi... foi o que aconteceu com Penélope, não foi? Você está brincando com a droga das nossas cabeças! — afirmou ela, com seu coração querendo pular para fora do peito.
— Penélope já estava perdida. Mas você, talvez possa enterrar isso tudo sem que ninguém saiba. O que acha? — insistiu ele. — Você pode decidir. Se quiser voltar para aquelas pessoas e responder todas as perguntas que farão, é sua escolha. Caso contrário, sabe onde pode me encontrar.
A chamada se encerrou e Jackie voltou a ser a garota sozinha naquela sala que gostaria de expulsar da sua mente os pensamentos sobre a última tempestade em Shallow Wood. Ela realmente gostaria. Mas seria burrice se fosse até lá. Por outro lado, alguma coisa dentro dela estava apodrecendo e ela temia que fosse o cadáver de Brett.
Hospital Geral de Shallow Wood, naquela mesma madrugada.
Os olhos de Jesse abriram-se com dificuldade depois de um longo tempo inconsciente — tempo que ela não poderia definir com exatidão. Seus braços e pernas provocavam a estranha sensação de terem sido pisoteados por alguém, como tortura. Ela mal conseguia se mexer, mas ao olhar para o lado, enxergou um pequeno frasco de algum medicamento com cheiro forte. Talvez aquilo a tivesse feito acordar.
— Como você está se sentindo? — a figura sentada próxima da cama se fazia quase irreconhecível, se não fosse pelo jaleco de cor branca.
— Que lugar é esse? — Jesse ignorou a pergunta e tentou sair da cama, mas seu próprio corpo colocou-a de volta no lugar. Estava muito fraca.
— Sou eu, a Hillary. — a mulher exclamou sorridente e se aproximou pra que Jesse pudesse ver seu rosto. — Você está no hospital, Jesse.
— Então... meus amigos estão aqui também? A ajuda já chegou? — suas perguntas pareciam ter surgido de um mundo idealizado em algum de seus sonhos da última madrugada, e exigiam respostas que Hillary não gostaria de dar.
— Infelizmente não. Há uma tempestade lá fora. Uma das piores. — Hillary colocou sua mão sobre a da menina e tentou acalmá-la. — Mas seus amigos continuam na pousada e... somos as duas únicas pessoas neste hospital. Assustador, não é?!
— É... é. — assentiu ela, cabisbaixa. — Como foi que eu cheguei aqui?
— Na verdade, estávamos procurando por você. Não quero que me explique nada agora, você ainda precisa descansar e também não é da minha conta. Mas o xerife me alertou sobre o seu desaparecimento. E de alguma forma, eu... eu não sei como, mas eu vi você nas redondezas do hospital umas horas atrás. Então a trouxe para dentro e te dei alguns remédios pra que não sentisse tanta dor. Espero que não se importe com isso. — a enfermeira afastou sua mão da paciente.
— Muito obrigada, Hillary. Pra falar a verdade, eu não lembro do que aconteceu. — Jesse levou a mão até a cabeça ao perceber uma dor contínua. — Eu estava na floresta, mas... não parecia mais Shallow Wood. Achei que fosse morrer lá. Não posso dizer exatamente o que era real e o que não era.
— Bem, eu acredito em você. Sei que isso parece loucura, mas nunca confiei na gentileza deste lugar. — Hillary cruzou seus braços enquanto falava. — Falo sobre a ilha, e não sobre as pessoas. Alguns acreditam que lugares assim têm um... um potencial convidativo. Entende?! Como se não quisessem que você estivesse lá. E, de longe, a floresta de Shallow Wood não é um dos mais gentis.
— Não sei dizer quantas vezes eu ouvi que a nossa mente nos prega peças, desde que cheguei aqui. — Jesse suspirou, impaciente. Depois apoiou seu corpo sobre o travesseiro e tentou enxergar o rosto de Hillary mais uma vez, sob a luz do abajur ao lado de sua cama. — Hillary, você conhecia a minha mãe?
— Eu conhecia Madison Greene. — a funcionária tardou a responder, causando certa desconfiança à garota.
— Eu a perdi naquela floresta. Não acho que algum dia eu encontre seu corpo, então... estou sozinha de novo. — exclamou.
— Eu sinto muito, Jesse. — respondeu Hillary, educadamente. — Mas você está segura agora. Posso pedir que o Johnson leve você até a pousada pelo amanhecer, quando a tempestade já tiver ido embora.
— Tudo bem. — respondeu, desviando o olhar até o chão. — Hillary... você disse que estamos sozinhas aqui. Correto? Seria problema se me ajudasse a encontrar algumas informações antigas sobre este hospital? — perguntou, inquieta.
— Jesse, eu não poderia fazer isso. — disse a enfermeira, levantando-se da cadeira. — Mas eu não acho que vá conseguir um emprego depois disso tudo e... sinceramente, nem que vá existir algum nesta ilha. Então, sim, eu posso ajudar.
— Sendo assim — Jesse segurou sua mão e aceitou a ajuda para sair daquela cama. — acho que estou exatamente onde deveria.
Por alguma razão, ela podia sentir que as peças começariam a se encaixar, uma vez que estava exatamente no lugar em que nasceu. E, coincidentemente, no lugar onde sua mãe esteve enquanto se escondia de um psicopata.
No entanto, infelizmente Jesse não era a única pessoa nas redondezas de Shallow Wood que estava prestes a cruzar um furacão escuro e tenebroso. Duas garotas se aproximavam da encosta, a mais ou menos duas horas de distância, imaginando que encontrariam todas as respostas necessárias para desvendarem aquele caso.
Erradas estavam. Na verdade, não estavam tão perto de chegar àquela ilha remota em segurança e tampouco sabiam se as pessoas naquele barco eram confiáveis. Millye começara a ter a impressão de que ela e Melissa deveriam manter distância dos dois rapazes, enquanto estivessem atravessando aquela tormenta marítima.
[Música: Achilles Come Down - Gang of Youths]
Mais ao centro do tabuleiro mortal, alguma coisa confirmava a hipótese exagerada de Sam Colleman. Seu amigo estava em perigo e não havia ninguém por perto para ajudá-lo. A única coisa certa a se afirmar é que, se Frankie realmente viu uma criatura naquela estrada no início da noite, mas que não os atacou, então significava que estava atrás de outra pessoa. E provavelmente a tivesse encontrado na praia, durante a inquietação violenta dos relâmpagos.
Pousada Woodhouse, 3:30 da manhã.
Àquele ponto, os hóspedes haviam se acostumado com a ideia de que a sonolência incômoda e o cansaço tedioso os acompanhariam até o amanhecer — se houvesse um.
A única coisa que não sabiam é que aquela madrugada não estava nem perto de acabar. Diferente disso, na verdade, o tédio foi pisoteado pela aflição quando a francesa desceu as escadas com pressa.
Sam havia voltado para a sala, ele parecia melhor. E aparentemente o restante do grupo também estava lá. Foi o que a ruiva conseguiu identificar debaixo da luminosidade fraca. Mas tinha algo errado.
— O que houve com você? Parece que viu um fantasma. — Kendra caminhou até Beatrice e entregou a ela uma taça de vinho, mas a outra recusou.
— Não... não é o que eu vi. — comentou em voz alta, pra que os outros ouvissem. Sua respiração estava alterada. — É o que eu não consigo encontrar.
— Do que está falando? — Sam franziu o cenho, começando a identificar que a menina não trouxera com ela boas notícias quando desceu as escadas.
No final das contas, não podiam adivinhar o que aconteceria até o fim da noite. Era uma incógnita, é claro, mas a dançarina tentou avisá-los do pior. Nunca, jamais, em hipótese alguma, Shallow Wood presenciaria uma tempestade daquelas sem que a madrugada fosse marcada por um acontecimento macabro.
E ela estava certa, de fato. Argent teria total razão quando, no fim daquela confusão toda, se sentasse na sala de estar e comentasse sobre como as coisas aconteceram exatamente da forma que ela supôs. Alguém sairia ferido. Ela só não avisou que essa pessoa seria ela mesma.
— É... é a Jackie. — Beatrice juntou seus lábios novamente e balançou a cabeça, tentando negar que a menina tivesse ido embora de verdade. — Ela desapareceu! E acho que planeja fazer algo terrível outra vez.
— O... outra vez? — a loira engoliu em seco, confusa.
Ela estava certa. Pouco distante daquela fortaleza erguida debaixo da chuva forte, a pequena menina tentava enxergar alguma coisa do caminho à sua frente. Seu corpo era tomado pela água fria mas não deixava de ferver por dentro. Andava em direção ao hotel abandonado. Em suas mãos, a promessa, em forma de dois recipientes com líquido inflamável, de que ela não poderia mais viver com aquela dor dentro de si. E alguém teria que pagar por isso.
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