Temporada 3 - Capítulo 15| "Olhos famintos"

Rainwood, 28 de Dezembro, 20:16 da noite.

O escuro celeste tardou a atingir a cidadezinha naquele dia. Então finalmente anoiteceu, com carros iluminando as ruas estreitas e postes de luz fraca guiando aquelas que eram mais estreitas ainda.

No cais, lugar de onde qualquer um poderia enxergar a vaga área marítima que se debatia ao píer, apenas o vento circulava. Luzes apagadas, poucos barcos presos à madeira úmida que rodeava a passarela. Quieto, quase sem apontar sua própria presença, se aproximava da costa o pequeno barco que saiu de Shallow Wood há várias horas.

Os três únicos passageiros pareciam tão cansados que nem se importavam com a suspeita demora do trajeto — que deveria ter acabado há mais de vinte horas — entre a ilha e a cidade. Melissa foi a primeira a perceber familiaridade no céu que estava acostumada a observar quando retornava da escola.

— Mãe, nós... nós chegamos. Chegamos! — chacoalhou o corpo da mulher, e demorou a perceber que havia alguma coisa errada.

Jullie se manteve calada. Mas sua respiração era acelerada, suas mãos seguravam firme o próprio peito. Alguma coisa estava deixando Morris desconfortável, olhos arregalados e uma evidente necessidade de desabar em prantos.

— O que está acontecendo? Mãe, fala comigo! — a loira voltou os olhos ao marinheiro que trouxera as duas até ali, incrédula.

— É uma crise de pânico. Precisamos levá-la ao hospital o mais rápido possível antes que piore. — comentou ele, enquanto caminhava sobre o píer. — Consegue segurar a minha mão? Há uma caminhonete a mais ou menos vinte metros daqui. Eu levo vocês duas.

Melissa não pensou duas vezes. Na verdade, muito provavelmente não ouviu nem metade das palavras do rapaz, mas aceitou a proposta. Os dois conseguiram ajudar Jullie a chegar até o carro e, em minutos, se aproximavam do iluminado Hospital Geral de Rainwood.

O rapaz foi embora assim que os enfermeiros conseguiram atender a mulher. E Melissa, ainda preocupada, não teve tempo de agradecê-lo. Não sabia seu nome, de onde vinha e tinha a impressão de que nunca mais voltaria a vê-lo. Mas isso não importava mais. Tudo ficaria bem agora.

Então o tempo iniciou uma corrida apressada na direção dos ponteiros. Quando percebera, a menina já estava há mais de uma hora sentada sozinha na mesma fileira de cadeiras, encarando o mesmo corredor com paredes azuis e carregando a mesma sensação de incerteza.

— Inspirar... e expirar. Inspirar e... e... — continuara desperdiçando seus momentos em uma calmaria falsificada por ela mesma. Quando de repente, lembrou-se de alguma coisa. — Minha nossa, como... como pude esquecer?

Melissa levantou com pressa e se dirigiu sem perder tempo até a recepção do hospital. Uma senhora simpática, olhos castanhos e vestimenta azulada a atendeu. Estranhou, em uma primeira olhada, a atitude bruta da jovem ao jogar seus pulsos sobre a bancada.

— Preciso ver uma pessoa. O nome dela é Millye Campbell. Você pode me dizer onde ela está? — vagarosamente, Morris retomava sua respiração.

— Eu sinto muito, senhorita. Mas Millye Campbell não está disponível. — a mulher suspirou com pesar, voltando a mexer no computador ao qual vidrava seus olhos.

— Por quê? Horário de visitas ou... algo assim?! — questionou.

— Não, senhorita. Millye Campbell deixou o hospital há mais de quatro dias. Não tivemos retorno algum desde então. Sua família não entra em contato conosco há semanas. — novamente ela descansou seus olhos e voltou a focar no trabalho.

— Mas... — a loira pensou em protestar.

— Não. Não podemos fazer nada a respeito. — declarou por fim, expulsando a garota de lá sem que precisasse dizer isso a ela, de fato.

Cabisbaixa, a menina voltou a se sentar no mesmo corredor vazio e silencioso. Pernas cruzadas sobre a cadeira, pulsos escondidos e o olhar focado nas paredes azuladas. Não havia nada que pudesse fazer agora. Uma peça inútil, inerte em um tabuleiro que precisava ser movimentado a cada segundo. Era assim que Morris se sentia e se sentiria durante o restante daquela noite fria em Rainwood.

Em um prédio qualquer, localizado na rua Orxwell. Mesmo horário.

Talvez isso não seja mais uma surpresa, ou nunca tenha sido. Entretanto, se torna válido enfatizar que aquela era uma noite chuvosa. Para Rainwood, uma noite normal. Mas à garota que encarava a janela molhada e o vento que balançava parte das árvores da rua, o mistério que tentava desvendar na tela do notebook acabava parecendo ainda mais bizarro.

— Millye? Ainda está me escutando? — a voz masculina a perseguiu, vinda da cozinha.

— O que disse? — ela virou seu pescoço rápido demais, causando certo desconforto. — Droga. Fiz de novo.

— Eu estava falando sobre o festival de amanhã... na praça. Quer comparecer? — Chase continuou a misturar alguns ingredientes no liquidificador.

— Festival na praça? Qual é o motivo que Rainwood encontrou desta vez? — perguntou, retoricamente.

— Parece que vão anunciar a nova xerife. — ele suspirou.

— Disse nova xerife? — Millye aproximou as sobrancelhas após retirar seus óculos.

— É... mas não precisamos ir se não quiser. Eu só achei que... — a menina o interrompeu antes que terminasse.

— Eu quero! — gritou. — Eu... eu quero.

— Ótimo. — sua voz se aproximou de repente. Ele estava atrás dela agora. — Vamos depois das oito da manhã.

A menina assentiu com a cabeça, demonstrando entusiasmo pelo convite quando, na verdade, sabia que precisava descobrir quem era a nova xerife. Algo dentro dela deixava claro uma imagem familiar e ela não sabia ainda explicar o motivo.

— Então... o que está fazendo? — Chase se sentou ao lado dela, finalmente juntando-se ao barulho relaxante das gotas de chuva em contraste com os trovões em intervalos de tempo programados.

— Na verdade, estava prestes a chamar você. Andei pesquisando e acredito que encontrei mais alguma coisa sobre... sobre o mistério — enfatizou, gesticulando. — que teve início naquela tarde, na escola. Em específico, a foto da gincana de 2001 me chamou a atenção.

— O que há de tão especial na fotografia? — o rapaz se aproximou mais da menina de óculos.

— Ainda nada. Mas há algo relacionado. Sabe o que aconteceu naquele mesmo ano, na verdade, na mesma época em que foi tirada? Uma estranha infestação de ratos na Rainwood High. — exclamou, ainda concentrada nos rostos daqueles estudantes.

— É, eu lembro dessa parte. O que tem de errado? — questinou o menino.

— O errado é que... pesquisando um pouco, descobri que não há vestígios de uma infestação na escola de Rainwood em 2001 porque, pasme — ela respirou fundo. — não houve infestação alguma naquela época. Mas alguém inventou essa manchete falsa, Chase.

— E por que acha que fizeram isso... então? — Chase colocou as duas mãos sobre o colo, instigando seu desejo pelo restante da história de uma vez.

— Estavam escondendo alguma coisa. Algo pior do que uma infestação, algo que não gostariam que os cidadãos de Rainwood soubessem. E chegamos na terceira linha que sai desta fotografia. Lembre-se da outra coisa marcante que também ocorreu naquele ano. Consegue fazer isso? — ela abaixou o tom de voz gradativamente, até que se tornasse um sussurro quase inaudível por conta da chuva.

— Meu... Deus. O massacre de Jacob Woods, Millye! Aconteceu em dezessete de fevereiro, não foi? Na mesma época da infestação e... — uma pausa em sua respiração acelerada.

— E na mesma época em que a fotografia foi tirada. — a menina concluiu. — O que me faz pensar, tendo quase certeza, que a infestação de ratos nunca aconteceu porque não passou de uma desculpa. Algo para esconder o que realmente acontecia na escola naquela época.

— O assassinato de seus próprios alunos? — ele perguntou, entusiasmado.

— Quase isso. Se eu estou certa, aqueles jovens morreram na noite de dezessete de fevereiro. Mas alguns dias antes disso, Jacob Woods estava sendo perseguido ou investigado, como preferir chamar. Porque ele fez alguma coisa. — Millye descansou suas mãos por um segundo e escorou a cabeça sobre o encosto do sofá.

— Campbell, isso é insano. O que mais você sabe? — Chase inclinou sua cabeça.

— Volte seus olhos para a foto novamente, por favor. — ela apanhou o pedaço de papel. — Acho que fica claro quem são essas pessoas. Se trata dos jovens que foram assassinados por Jacob, ou... quase todos eles.

— Sabe o nome deles? — disse.

— Seria estranho se não soubesse. Masha Williams e Robert Asper — apontou. — foram as primeiras vítimas naquela noite. Sabrina, Kelsey e Peter também foram encontrados por Jacob antes do amanhecer. Ao menos, é o que a história indica. O que me fascina é saber o que aconteceu na semana em que Jacob era investigado, e o porquê. O que foi que o levou a cometer esses crimes horríveis?

— Espera um pouco. Há dez pessoas na foto. Quem... quem são as outras cinco? — o garoto encarou a imagem mais uma vez.

— Sobreviventes, Chase. É aqui que as pistas acabam. Das cinco pessoas restantes, só podemos reconhecer uma delas: Riley Belmont. — ela esgueirou seu dedo sobre o rosto da menina. — Dizem que foi quem atirou no rosto de Woods naquela noite. Quanto aos outros quatro, bem... — Millye revelou os rabiscos sobre as faces de cada um deles. — quem nos entregou isso não quer que saibamos quem são.

— Porcaria. Mas quanto à Riley, não acha que podemos pedir ajuda a ela? Mesmo sem saber quem são os outros quatro sobreviventes? — insistiu Chase.

— Assassinada em Gravewood, nove dias atrás. Não deixou respostas, sequer alguma pista. É aqui que o nosso mistério acaba. — Millye fechou a tela do notebook e recolheu a foto.

— Calma aí. Vai desistir disso? — ele levou seus olhos até ela. Pôde perceber que a garota se fascinava, agora, com o lado de fora do prédio.

— É claro que não. — se dispersou por um segundo, deixando o cenário do anoitecer de lado e voltando a prestar atenção no rapaz. — Só preciso descansar um pouco. Mas... ainda vamos ao festival amanhã de manhã, correto?

— Como quiser. — Chase esbanjou um sorriso.

Ele restou, solitário, no salão quieto e coberto pela sombra da água que escorria do lado de fora. Ainda intrigado com a foto que Campbell deixara sobre o sofá, Chase continuava analisando-a até que seus olhos se cansassem e seu corpo derretesse sobre o sofá sem aviso prévio. Adormeceu.

Hospital Geral de Rainwood, 08:23 da manhã.

Seus olhos se abriram com uma batida apressada na porta. Quando se deu conta, Melissa segurava a mão de sua mãe enquanto debruçada sobre a lateral da cama. Uma enfermeira adentrou o quarto e murmurou alguma coisa, palavras das quais a garota não se lembraria segundos depois.

Ergueu seus olhos devagar. Não se lembrava de ter voltado para o quarto depois do momento em que apagou sentada na fileira de cadeiras do corredor. Seu corpo doía, a visão era a de alguém que foi esmagado por uma carreata de caminhões. A menina respondeu a mulher uniformizada e então voltou a encarar sua mãe.

— Essa cidade está perdida. — a enfermeira fez um barulho com os lábios enquanto parava para assistir o documentário na pequena televisão na parede do quarto.

— Pode aumentar o volume? — Melissa desembaraçou seus cabelos e começou a prestar atenção no noticiário.

— É só mais um evento patrocinado pelo prefeito. Nada de mais. — a mulher suspirou, descontente.

E então, intrigada com as imagens na tela, Melissa se surpreendeu ao ler a frase: "Pronunciamento da nova oficial do departamento de polícia em Rainwood" que cobria parte do vídeo.

— Isso... isso está acontecendo agora? — a jovem se levantou.

— Está acontecendo na praça municipal, garota. — a funcionária respondeu e depois saiu do quarto calada.

Melissa respirou fundo e apanhou seu casaco na cabiceira da cama. Se aproximou de Jullie por um instante e a beijou na testa. Gostaria de ficar ao lado dela até o fim do dia, mas precisava ir até aquele pronunciamento. Podia ser sua chance de encontrar Millye Campbell.

A garota, até então agarrando a estranha sensação de pisar sobre aquelas ruas molhadas outra vez, se aproximava da praça municipal apenas com seu celular em mãos. Checava o sinal de área o tempo inteiro, torcendo pra que recebesse uma ligação, mensagem ou qualquer coisa daquela menina.

As vozes gritantes, em específico a do prefeito tagarelando no microfone sem parar, tornavam o caminho entre a multidão ainda mais estonteante. Seus pés a levavam em passos errôneos, Melissa não sabia para onde olhar.

Em algum ponto, descansou seus braços e aceitou que seria impossível que enxergasse Millye no meio de tantas pessoas. Afinal, nem mesmo tinha certeza de que ela havia comparecido ao evento.

Mas então, enquanto se torturava imaginando o que faria, as palavras do prefeito chamaram sua atenção. Melissa reverteu seu olhar e teve uma surpresa ao perceber quem estava subindo as escadas até o pequeno palco.

— O que foi que ele disse? — murmurou para si mesma. Um nome, aquele pequeno nome que por um instante causou um revertério em seu estômago.

Katy, a antiga oficial do departamento de polícia. Melissa sabia que já havia escutado este nome antes, provavelmente mencionado por um de seus amigos no início daquele ano. Ela devia ser a policial que os ajudou quando começaram a ser perseguidos por um psicopata.

Melissa imaginou, então, que alguma coisa havia acontecido. Não entendia o porquê do xerife Moose ter sido trocado por outra pessoa e muito menos o porquê do retorno de Katy. E enquanto se concentrava nas palavras da, agora, nova xerife, sentiu um toque sobre seu ombro.

Ela virou seu rosto calmamente, acompanhada da sensação de que algum estranho procurava alguma coisa. Mas não era um estranho, jamais poderia ser. Aquele toque era da garota que Melissa mais sentia falta. O motivo de ela não ter conseguido dormir bem na última noite. O toque era de Millye Campbell.

— Minha... minha nossa. Melissa? — a de óculos confirmou sua teoria ao enxergar de perto a face da loira. — Eu não consigo acreditar!

—Ah meu... ah meu Deus. MEU DEUS! — Melissa deixou que seu corpo desabasse nos braços da amiga.

Nenhuma delas tinha palavras o suficiente para descrever o quão reconfortante era encontrar uma a outra no meio de momentos tão turbulentos. Era como se, por um pequeno segundo, esquecessem do quão terrível era aquela situação. Porque agora estavam juntas outras vezes.

— Quando foi que você voltou? E... e... está sozinha? Onde estão Jesse e os outros? Santo Deus! Ainda não consigo acreditar que está aqui. — Millye cobriu a boca com as duas mãos enquanto sorria.

— É uma longa história, Millye. Quero dizer... muito, muito longa. E infelizmente estou sozinha. Bem, minha mãe também veio comigo, mas... os outros, eles... — balançou a cabeça em negação.

— Não importa. Estou contente em vê-la de novo, Melissa. Acredito que temos muito o que conversar. — Millye demonstrou seriedade. — A propósito, este é o Chase. Nos conhecemos em circunstâncias absurdas, mas sem ele eu... eu acho que não estaria aqui.

— O prazer é meu. — o garoto sorriu e estendeu a mão à menina.

— Perfeito. Eu tenho inúmeras perguntas a fazer, mas antes de tudo, por que diabos Katy está aqui? — Melissa apontou para o palco, ignorando os aplausos do público.

— Moose precisou ser substituído porque... eu explico depois. Mas fico feliz que Katy assuma o cargo. Acho que ela pode nos ajudar mais tarde. — disse Millye.

— Então o que fazemos agora? Acho que vocês duas têm muito sobre o que falar. Não é? — afirmou o rapaz.

— É claro. Melissa, quer vir com a gente? Há tantas coisas que preciso te contar! Você não faz ideia do que eu descobri. — ela ajeitou seus óculos, entusiasmada.

— É claro. Eu... eu tento avisar a minha mãe depois. Pra onde vamos? — perguntou, segurando sua bolsa com as duas mãos.

Entretanto, a loira aguardou uma resposta de Campbell e não obteve nenhuma. A menina parecia concentrada em seu smartphone, era uma chamada de voz. Seus olhos demonstravam insatisfação. Aquela não era a melhor hora e, pela expressão ríspida em seu rosto, não era de alguém que ela gostaria.

— Esperem aqui por um minuto. Eu volto já. Enquanto isso, por que não conhecem melhor um ao outro? Prometo que estarei aqui em pouco tempo! — Millye se afastou antes que os dois pudessem questioná-la.

Seus óculos permitiam que enxergasse apenas uma quantidade significante de rostos escuros e pernas se locomovendo sem parar ao seu redor. E o toque no aparelho em suas mãos não chegava ao fim. Respirou fundo, contou até três e levou o celular até o ouvido, uma vez que não tinha outra opção.

— Eu não vou perguntar o que quer desta vez. Mas me incomoda o fato de estar sempre tão... tão perto que sua voz nunca possa nos deixar em paz. — exclamou sem desviar o olhar, enquanto tampava o outro ouvido com a mão.

— Essa é a graça de um jogo. E acredito que estejam prestes a pirar, todos vocês. Mas eu preciso falar sobre outra coisa. Como se sente abraçando a desgraçada da Morris outra vez? — sua voz grosseira procurava aquele espaço permanente no ouvido da garota de forma dolorosa, como costumava fazer.

— Como... como sabe que eu estou com ela? — seus olhos viraram-se para o lado imediatamente. Agora procurava um rosto diferente entre as dezenas que a esmagavam.

— Como pode ser tão ingênua, Campbell? Eu estou sempre observando você. E é a minha parte preferida nisso tudo. Então não tente chamar a atenção de Chase ou Melissa agora pra não acabar com a graça. Mas agora, preciso que faça uma coisa. — um suspiro cansado e ele seguiu falando. — Deve voltar ao lugar em que esta história se encerrou da primeira vez. A mansão Wady, consegue se lembrar?

— Eu não poderia esquecer. Seth era um maluco como você. Por que quer que eu vá até lá? — Millye questionou.

— Porque precisamos dar continuidade ao que começamos. Há um pacote esperando por você no exato lugar em que a máscara de Seth Hastings foi retirada. — concluiu. — Ah, e espero que não passe pela sua cabeça a ideia de fazer qualquer sinal para um dois policiais naquele palco.

— Não acho que tenha coragem de vir até aqui. Você é um perseguidor silencioso. Como apareceria em público para me impedir? — ela murmurou.

— Não teste a minha paciência. Faça qualquer coisa, Millye, qualquer coisa e... a cabeça da sua amiga não vai mais fazer parte do corpo dela esta noite. Você tem exatamente três horas para ir até a mansão. Estou te esperando. — a ligação chegou ao fim após sua última palavra.

E agora havia voltado à estaca zero. Sua visão se embaçava novamente, as mãos suando e aquele sentimento de que tudo ao seu redor começava a girar como antes. A única diferença é que provavelmente uma das pessoas que compunham aquela multidão a observava de longe. E não era alguém que queria ajudar.

— Ele... ele está aqui. — murmurou para si mesma, e então voltou a caminhar depressa.

Millye tentou desviar de cada rosto desconhecido com o qual esbarrou no caminho. De algum lugar distante, ouvia a conversa de Chase e Melissa em volume mínimo, mas não conseguia enxergá-los. De repente seu corpo exalava calor e uma claustrofobia que não a deixava ir embora. Quanto mais se aproximava, mais se afastava.

— Millye! — as mãos pesadas de Chase foram colocadas sobre seus ombros de imediato. Ele não disse uma palavra sequer, apenas continuou encarando-a, confuso.

— Estão aí. Ah... ah... sobre o que estavam conversando? — Millye desviava o olhar enquanto o entretia com aquela pergunta avulsa.

— Nada. Apenas falando sobre como vocês são, estranhamente, chamados de "os cinco da noite do baile" por algumas pessoas aqui. — Chase reposicionou suas mãos sobre a própria cintura, suspirando.

— E põe estranho nisso. Quem era no telefone? — Melissa chegou mais perto dos dois.

— É uma resposta óbvia. — exclamou a garota de óculos. — Inclusive, acho que precisamos sair deste lugar imediatamente. Não somos os únicos a ter vindo a este pronunciamento procurando por respostas.

— Do que está falando? Tem alguém... nos observando? — Melissa mergulhou os braços dentro do seu moletom e instintivamente grudou seu corpo ao de Chase.

— É... podemos ir para a minha casa, então. — o rapaz disse, paralisado.

— Qualquer lugar longe daqui. Não é seguro continuarmos falando sobre isso. — Millye agarrou a mão de cada um deles e saiu andando, esbanjando seriedade em seu rosto.

Rua Orxwell, 10:00 horas da manhã.

Os três se sentaram ao redor da pequena mesa de centro do apartamento de Chase. Havia uma neblina do lado de fora, nada de chuva, apenas frio, o que os forçava a beber uma xícara de café quente antes que seus corpos congelassem.

Melissa começou a contar um pouco sobre todos os acontecimentos bizarros pelos quais tiveram de passar desde o dia dezenove, quando desembarcaram naquela ilha. Millye e Chase permaneceram atentos, mas era impossível que a menina não sentisse desconforto ao saber que seus amigos continuavam presos lá.

— A última coisa da qual me lembro é de passar horas sentada na cama, encarando a parede de madeira e... esperando. No fim da madrugada, eu e minha mãe fomos escolhidas pra sair de lá. E desde então, não temos nenhuma notícia. É por isso que gostaria de ir até a delegacia, mas... — sua respiração saiu dos trilhos.

— Mas você não sabe por onde começar. Eu sei como se sente, eu e Chase estivemos presos aqui desde que isso começou sem... sem ter notícia alguma. — Millye balançou a cabeça em negação.

— Acha que podemos confiar naquela xerife? Talvez possa nos dizer como voltar para a ilha. Bem, eu sei que envolver a polícia não é algo sensato, mas acredito que tudo isso já tenha passado de um simples jogo de tabuleiro. — Melissa explicou, demonstrando cansaço sobre seus ombros.

— Eu não sei. Qualquer passo que dermos é extremamente decisivo e... eu não quero que nada dê errado. Mas estou certa de que vamos voltar e ajudar nossos amigos enquanto ainda temos tempo. Estamos juntas. — Millye esticou seu braço e pôs a mão sobre a da loira.

— Eu também quero ajudar... — Chase invadiu a mesa com sua mão, encaixando-a sobre as outras duas.

— Então... o próximo passo é? — Melissa perguntou, atenta aos lábios da outra.

— Eu sinto que tudo o que estivemos investigando até agora tem a ver com o que nos cerca desde o ano passado. As histórias, Jacob Woods, esta ilha, nossos amigos e... tudo isso. Então, odeio dizer, mas acho que devíamos seguir o que o Fantasma Negro disse. — ela suspirou, sentindo repúdio.

— Ir até aquela mansão é mesmo seguro? Digo... nem eu e nem Chase estávamos aqui quando aquilo aconteceu. Você é a única que pode saber como chegar lá. — disse Melissa.

— Sim, eu tenho certeza de que é o que precisamos fazer agora. Desde que acordei no hospital, as pistas começaram a aparecer em situações estranhas. O mascarado quer que eu encontre a próxima, e então... só assim poderemos chegar ao fim disso tudo. — explicou ela.

— Mansão Wady. Essa é a próxima parada. — Melissa bebeu o último gole do líquido em sua xícara e então se levantou. — Estão prontos? Eu não quero ter que dirigir.

— Eu dirijo! — Chase apanhou a chave do carro e seu sobretudo de cima do sofá, o mesmo que usara na noite em que conheceu Millye Campbell.

— Ótimo. Antes de sairmos, eu... eu não posso deixar de perguntar. Perdão pela inconveniência, mas desde que se conheceram, vocês dois... — Melissa não conseguiu esconder o sorriso entre os dentes. — deve ter rolado alguma coisa.

— O quê? Não, não, não! Sem chances. Eu e Chase somos só amigos de última hora. — Millye adquiriu uma vermelhidão perceptível em suas bochechas.

— Na verdade, eu não gosto de garotas. — respondeu com tranquilidade.

O que se seguiu foi um silêncio inoportuno entre os três. Surpresa, para Millye e Melissa. E a sensação de ter desapontado alguém, para Chase.

— Você nunca me disse isso. — a de óculos começou a rir.

— Você nunca perguntou, Campbell. — Chase deu de ombros e ajeitou o casaco sobre seus ombros.

— Reviravolta engraçada. Agora precisamos ir, há um pacote desconhecido em um local abandonado. Uhu. Entusiasmo! — a loira atravessou a porta com as mãos para o alto.

Os três, então, adentraram a caminhonete do garoto e deixaram que ele dirigisse até o endereço indicado. A viagem durou mais ou menos meia hora, o que significava trinta minutos de silêncio absoluto dentro do veículo. Enquanto se aproximavam da mansão, Millye decidiu retirar seus óculos do rosto e observar a estrada vazia pelo qual passavam.

E é claro que seria impossível ultrapassar aquele caminho sem se lembrar da última noite em que estiveram ali. A noite em que o corpo de Claire Jensen foi encontrado em seu apertamento. Os arrepios voltaram a incomodá-la, como se não fizessem isso desde o início da manhã. Mas enxergar outra vez a mesma neblina que escondeu seus rastros naquele fim de tarde, enquanto procurava pelo garoto que jurava amar, era um método de tortura lento e doloroso.

— Chegamos. — a voz agridoce do rapaz no banco do motorista insistiu em tirar a Campbell de seus pensamentos.

— Tão rápido... — disse a si mesma. Percebeu então que sua mente havia se desligado nos últimos dez minutos de viagem.

— Aparentemente, vocês foram de fato os últimos a terem colocado os pés nesse lugar. — Chase desceu da caminhonete e começou a caminhar na direção da construção.

Seu palpite provavelmente estava correto. As portas e janelas do lugar continuavam da mesma forma: destruídas, asquerosas e tendo como único ponto de iluminação o reflexo celeste que pouco a pouco se escondia com a neblina.

— Então... a ideia é real. Né? Vamos mesmo entrar nesse buraco. — Melissa encarava a porta entreaberta, por sinal, quase tão deteriorada quanto às paredes, com aversão em seu olhar.

— Você me lembra a Jenny às vezes. — Millye deixou que um riso escapasse, balançou a cabeça e então caminhou até o lado de dentro.

— Não sente nada ao entrar aqui? — Chase perguntou delicadamente, enquanto observava a de óculos caminhando pelo escuro inevitável.

— Não, eu... eu... acho que não. — havia mentido, é claro. Cada passo naquela poeira guardada no chão desde aquela noite lhe causava arrepios. Era como se as imagens de seus amigos sendo atacados e arrastados pelo escuro reaparecessem a cada instante.

— Ótimo. Uma pessoa a menos pra se sentir desconfortável aqui dentro. — Melissa deu de ombros e tomou a frente da caminhada. — Então, Millye... tem ideia de onde esse "pacote" possa estar?

— Bem, naquela noite o jogo foi encerrado na sala principal. Não sei se aquilo devia ser a sala principal, ou... enfim. Era como uma câmara. Existem duas entradas para aquele cômodo, não acho que seja difícil encontrá-lo. — Millye respondeu, averiguando os caminhos ao redor deles.

— Minha nossa! Isso é uma mansão um laboratório de um cientista pirado? — Chase questionou, assustado. — Eu não me surpreenderia se fosse. Esse lugar é enorme.

— Já faz tantos anos que esse lugar foi abandonado pelos moradores, que talvez alguém tenha modificado a maior parte. — respondeu Millye. — Vamos andando, o sol está ficando cada vez mais longe e não podemos perder mais nem um minuto.

— Então... vamos em frente. Estou bem atrás de vocês. — Chase expôs um sorriso entre dentes.

A loira e o rapaz permaneceram quietos enquanto seguiam a morena. Nenhum dos dois queria tirar a sua concentração ou fazê-la sentir qualquer coisa referente àquela noite. Deixaram que ela os guiasse cegamente entre as paredes velhas e escadarias barulhentas.

Depois de um bom tempo andando, Millye parou onde estava. Presumiram, então, que era o destino final. Os olhos de Melissa se ergueram e ela pôde avistar uma pequena passagem que os levaria a um cômodo repleto de azulejos brancos, alguns azulados. Aquela deveria ser a sala à qual Millye se referiu.

— É... aqui? — Melissa cobriu seu corpo com o próprio casaco enquanto rodeava o cômodo.

— Como vamos encontrar o que ele quer? Deve ser difícil. Talvez esteja escondido em algum lugar. — Chase continuava concentrado, observando as paredes repletas de marcas violentas.

— Não vai ser preciso, já encontrei. — exclamou Millye, mantendo seus olhos sobre o centro da sala. E lá estava, sem surpresas, sem enigmas, sem demora, uma pequena caixinha avermelhada com um laço claro.

— Foi mais fácil do que pensei. — Chase apoiou as mãos sobre a cintura. — Quem vai ter a honra?

— É todo seu, Millye. — disse Melissa, de imediato.

— Espera! — o rapaz interveio antes que a de óculos pusesse suas mãos sobre a caixa. — Tem... tem certeza de que isso devia ser tão fácil assim? Sem nenhuma armadilha?

— Ele está certo. Por que o mascarado entregaria o pacote tão facilmente? — Melissa arqueou a sobrancelha.

E enquanto especulavam se deviam ou não apanhar aquela caixinha vermelha de uma vez, algo aconteceu. Um barulho brutal, como se a porta da entrada tivesse sido empurrada com força. Os três encararam-se por um instante, e depois se deram conta de que não estavam mais sozinhos.

— Isso não é bom. — Chase balançou a cabeça e após, saiu andando pela porta em que entraram.

— Calma aí! Quê? Onde você está indo? — Melissa esbravejou, correndo até a passagem que levava ao corredor escuro. — Qual é o problema dele, Millye? Ninguém aprende nada aqui. É por isso que continuam morrendo! Minha nossa senhora.

— Melissa, não... não é hora disso. Temos um problema. — Campbell ainda se concentrava no dilema da caixa.

— Não podemos ficar aqui sozinhas. Temos que sair, encontrar o Chase e... e... — Melissa não parava de falar.

— Eu sei disso! Mas não podemos deixar essa coisa aqui. — ela disse, ainda olhando fixamente para o pacote e para a área ao redor dele. Nenhum sinal de armadilha.

As duas puderam identificar a voz de Chase clamando pelos seus nomes do outro lado da passagem. Seu tempo estava se esgotando e a garota de óculos ainda não sabia se podia colocar suas mãos naquilo ou não. Talvez elas fossem automaticamente atingidas por uma haste pesada que cairia do teto daquela sala. Talvez as portas se fechassem.

— Droga! — gritou, começando a respirar ofegante.

Então tomou uma decisão. Millye agarrou a caixa vermelha de uma vez e a retirou do centro da sala. Nada aconteceu. Não era uma armadilha, era um blefe. Seu peito começara a diminuir as batidas gradualmente até que ela se acalmasse outra vez.

— Acha... que ele queria que perdêssemos tempo? — Melissa agarrou a mão de Millye e as duas saíram andando. — Porque acabamos de nos separar do Chase.

— Eu não sei. Consegue enxergar a luz da saída? Não temos uma lanterna. Porcaria. — Millye exclamou, espremendo seus olhos para que conseguisse identificar qualquer coisa do cenário.

Estranhamente, não ouviu a voz da loira respondendo-a. E em seguida percebeu que não estavam mais de mãos dadas. Parecia loucura, mas na verdade as duas haviam soltado as mãos assim que passaram pela porta, e desde então Melissa se calou. Millye estava sozinha, e agora começava a se perguntar se de fato estava acordada ou presa em outro daqueles sonhos bizarros.

A única certeza é que ainda tinha em mãos a pequena caixa vermelha. E conforme se afastava, indo contra ou na direção da saída, sentia-se ainda mais imersa àquela escuridão. De repente, ficou clara a presença de outra pessoa naquele mesmo corredor.

De primeira, imaginou que fosse Melissa. Mas ela não atendeu quando foi chamada, e Chase muito menos. Seus amigos estavam longe e tudo o que ela tinha era um desconhecido logo à sua frente. Foi nesse momento que percebeu que as paredes não eram mais tão escuras assim. Millye não estava presa na mansão Wady, estava presa no cenário de um pesadelo que sua própria cabeça construiu.

E se sabia que era lá que ela estava, então também deveria saber quem era a única pessoa possível que também fazia parte de seu pesadelo. Jaremy Fitzgerald revelou-se no meio daquela figura sem rosto e, a cada instante, se aproximava mais da menina.

— Eu não... não posso. Eu não posso mais ficar aqui! — gritou com toda a força que tinha, na tentativa de expulsar a criatura de lá.

— Não pode fechar os olhos quanto a isso, Millye. — sua voz adocicada se aproximava cada vez mais.

— Eu não quero mais vê-lo. Por favor, me deixa ir embora. Me tira daqui! — fechando seus olhos, a garota continuava evitando que aqueles dedos irreais a tocassem.

— É você quem precisa me deixar ir, Millye. — foi a última frase dita por Jaremy.

E então, desapareceu. Quando Millye abriu os olhos, notou que as paredes ainda eram escuras. Ela ainda estava na mansão e seus amigos ainda estavam por perto, conseguia ouvir a voz deles. Em contrapartida, ainda tinha a sensação de que alguém a observava, logo à frente. E agora sabia que não era Jaremy Fitzgerald.

— SOCORRO! — exclamou, por instinto, ao sentir as mãos negras atacando seu corpo. Era o assassino outra vez, e aquilo de fato não era um sonho.

Ele a empurrou para o chão, segurando em seu pescoço como se quisesse vê-la sufocando. As vozes de Melissa e Chase ficavam cada vez mais distantes, e sua visão cada vez mais embaçada. De repente, por algum motivo, Millye sentiu como se seu sangue fervesse dentro de suas veias. Agarrou o corpo do vilão e começou a exercer uma força que jamais imaginou ter em si.

A menina se livrou de suas mãos pesadas e começou a se arrastar pelo escuro. Cada centímetro percorrido pelo seu corpo fraco e sua visão sem óculos parecia deixá-la ainda mais longe da saída. E então, sentiu como se fosse agarrada outra vez. Mas agora não eram as mãos de um assassino, e sim as de Chase.

— Millye! Onde diabos você estava? — o garoto perguntou, assustado.

— Eu... eu não posso enxergar nada. — ela respirava depressa, ainda tremia, podia sentir o corpo do Fantasma Negro sobre o seu.

— Está segura agora. Seja lá quem estava aqui, se perdeu no escuro como nós. Melissa está nos esperando na porta dos fundos, se seguirmos a luz vamos encontrá-la. Consegue segurar no meu braço? — ele começou a andar vagarosamente.

A garota respondeu que sim, e então os dois encontraram facilmente a saída que aparentava ser tão distante. Ainda era dia, o céu era tomado por um cinza esbranquiçado e a caminhonete de Chase continuava no mesmo lugar. Não havia ninguém do lado de fora, mas ainda assim não se sentiam seguros em continuar naquele lugar.

— Você está com a caixa? — perguntou Melissa, enquanto entrava no veículo.

— Está comigo. Vamos sair daqui o mais rápido possível, pelo amor de Deus. — implorou a de óculos, enquanto apertava contra seu peito o pequeno pacote deixado na sala.

Assim, os três voltaram para o silencioso caminho até o centro da cidade outra vez. Alguma coisa ainda incomodava à Millye, que não tirava seus olhos do pacote em suas mãos mas também não tinha coragem para encará-lo. Melissa roía suas unhas, ansiosa, enquanto apreciava a de óculos entrando no mesmo dilema anterior. E Chase não tirava os olhos da estrada.

— É sério que vai esperar até chegarmos em casa pra abrir essa coisa? — Melissa bufou, cruzando os braços.

— Eu só tenho medo do que encontrarei aqui. — Millye deixou sua cabeça recostar-se sobre o banco do carona.

— Millye, medo não é algo que deveria nos impedir agora. — exclamou o rapaz, ainda sem tirar as mãos e a concentração da direção.

— Me dê isso aqui. Eu abro! — a loira impulsionou seu corpo até o meio do veículo e então tomou a caixa das mãos da outra.

Millye, então, virou seu olhar para o colo de Melissa e esperou que ela retirasse o laço da embalagem. Seu coração palpitava, suas mãos continuavam soadas desde que entraram naquele lugar. E de repente, Melissa tinha em mãos um pedaço de papel envelhecido e com marcas de uso aparentes.

— O que diz aí? — perguntou a Campbell, preocupada.

— É... é uma foto. — respondeu de forma rápida. Melissa não tirava os olhos da suposta fotografia, ao mesmo tempo que recusava entregá-la à amiga.

— Uma foto? Foto do quê? Melissa, me deixa ver. — Millye esticou seus dedos até o banco de trás.

— Espera! — a loira recuou. — É... é uma foto de alguém que eu conheço. Pessoal, essa é a minha... a minha mãe.

O silêncio mais uma vez perdurou dentro da caminhonete. Millye e Chase encararam um ao outro rapidamente, espantados. Morris, por sua vez, continuava paralisada. Sem nenhuma reação. Lhe incomodava o fato de sua própria mãe ser a "chave" para o próximo capítulo de um pesadelo.

— Não consigo entender. O que Jullie Morris tem a ver com isso tudo? E como ela se interliga ao Jacob e aos assassinatos em 2001? — Millye perguntou, assustada.

— Ele nos encontrou. — a voz suave de Chase não foi identificada pelas duas em um primeiro momento, mas logo em seguida entenderam do que ele falava.

— O quê? — Melissa insistiu.

E de repente, um barulho. Uma batida na parte traseira da caminhonete fez com que a loira, no banco de trás, sentisse seu corpo sendo empurrado para a frente. Millye rapidamente agarrou suas mãos ao suporte do carro e começou a entrar em pânico.

— Que droga está acontecendo? MEU DEUS! — gritou Melissa.

— É ELE! — garantiu Chase, tentando não retirar sua atenção do volante.

Alguns segundos depois, a próxima batida. Desta vez mais forte. Havia uma picape com quase o dobro de altura da caminhonete de Chase perseguindo-os desde que deixaram a mansão, mas ninguém havia se dado conta disso. Ao olhar pelo retrovisor, a menina de óculos teve a certeza de que o motorista utilizava um tecido preto sobre o rosto. Era de fato o mascarado.

Parecia quase impossível desviar dos ataques do psicopata enquanto tentava não capotar o carro. As duas garotas gritavam, implorando pra que nada de ruim acontecesse. E o barulho forte do motor do carro de trás não deixava de ser amedrontador.

De repente, quando teve uma única escapatória, Chase levou o volante do carro ao extremo para a direita, conseguindo tirar o veículo da pista e escapar da perseguição. Por sorte, o cenário que encontrara era um macio milharal à beira da estrada. Nada aconteceu além de um batimento desesperado e alguns arranhões. Caso contrário, provavelmente estariam mortos agora.

— Isso não pode ser verdade. Que porcaria acabou de acontecer? — disse Melissa, enquanto respirava de forma ofegante e tentava retirar parte de seu cabelo bagunçado da frente do rosto.

— Ele... ele não queria nos matar. Só estava tentando nos assustar. — exclamou Millye, ainda encarando a cor verde que rodeava o veículo.

— Sério?! Porque eu tenho certeza que se não tivéssemos tanta sorte, teríamos acabado esmagados! — o rapaz completou, em fúria.

— Não... não importa. Você ainda tem a foto, Melissa? — Millye virou seu olhar a ela vagarosamente, e a loira confirmou. — Ótimo. Vamos retornar à cidade. Esqueçam isso. Só esqueçam.

Delegacia de Rainwood, aproximadamente 17:00 horas da tarde.

Finalmente, o fim do dia. Os três jovens se aproximavam das escadarias do prédio ainda calados, como seguiram durante o restante do caminho de volta. Qualquer palavra soava pesada demais, qualquer comentário não era bem-vindo. Mas ficar em silêncio entregava o quanto o cansaço e a desesperança haviam se impregnado debaixo daquelas olheiras.

O prefeito Dikins fazia parte do tumulto na frente da delegacia, quando Chase, Millye e Melissa pretendiam passar pela porta. O homem sequer os encarou, com exceção de Millye. Seu olhar a ela era de desgosto, arrogância, repúdio.

A autoridade e qualquer um dos repórteres presentes, uma vez que fossem perguntados sobre, apostariam na mesma coisa: algo de ruim tornara a acontecer em Rainwood. Primeiro um assassinato, depois a rebelião nas ruas. Apesar de fingirem ter o controle outra vez, a sensação era de medo por um trauma que fazia parte daquele município: o sangue.

E ao olhar para aquela garota, a única restante do grupo que tentou confrontar este mal há mais ou menos um ano, tudo o que sentiam era aversão. Sempre seria. Mas como se isso não bastasse, a menina sabia exatamente o porquê daquela história trazer tanto incômodo. Estavam envolvidos no escândalo que acometera os alunos da Rainwood High há alguns anos.

— Você está bem? — Melissa pousou sua mão sobre o ombro de Millye.

— Sim. — respondeu, após um suspiro de alívio. A garota retirou seus olhos do grisalho e dos repórteres e voltou a olhar para frente.

— Então... precisamos entrar. Né? — questionou Chase, nervoso.

— Precisamos falar com a Katy. Acredito que ela possa ajudar ou... pelo menos tentar. Algo me faz pensar que é a única nesta cidade que está do nosso lado. — afirmou a Campbell, ajeitando seus óculos sobre a face e então adentrando a delegacia de uma vez.

A xerife pareceu surpresa ao vê-los ali. Na verdade, ao ter visto Millye, a única dos três cuja aparência lhe era familiar. Esboçou de uma vez um sorriso em seus lábios e relaxou os ombros, andando em passos rápidos até a jovem.

— Minha nossa! Garota! — Katy agarrou Millye sem perder tempo. — Achei que nunca mais a veria nesta cidade. O que faz aqui?

— Também é bom ver você, Katy... — ela retribuiu o sorriso. — Na verdade, eu nunca deixei Rainwood. Mas os meus outros amigos, eles... eles estão longe agora. A propósito, esses são Melissa e Chase.

— É um prazer, crianças. — a mulher os cumprimentou e depois escancarou a porta do seu novo escritório, permitindo que eles passassem. — Podem se sentar. Mas Millye, o que houve com seus amigos? Disse que estão longe. Achei que vocês ficariam juntos para o resto da vida. Uma história daquelas é para ser contada em conjunto ao redor de uma fogueira!

— É, eu... eu sei disso. E também espero que estejamos juntos em breve. Na verdade, é sobre eles que eu vim falar, Katy. — Millye colocou sua bolsa sobre o colo e se sentou na frente da mesa de centro.

— Pode me contar qualquer coisa, garota! Sabe que eu amo histórias. O que foi dessa vez? — Katy cruzou as pernas e debruçou-se sobre a mesa, apanhando uma rosquinha de dentro da caixa.

— Então... é um pouco mais complicado do que parece. Confiamos em você, mas não posso contar sobre tudo. Ou coisas ruins acontecerão. — Millye esgueirou seus olhos até a janela da sala, e depois se aproximou mais da mulher, diminuindo a cadência de sua voz.

— O que aconteceu, querida? Estou ficando preocupada. Precisam da minha ajuda com o quê? — Katy largou imediatamente o doce de sua mão.

— Precisamos encontrar um lugar, xerife Katy. Quero chegar até os meus amigos o mais rápido possível. Eu não quero envolvê-la nisso, mas tenho esperança de que possa nos ajudar a descobrir onde estão. — exclamou ela.

— Não entendo. Do que está falando? Seus amigos estão... em perigo? — ela questinou, assustada.

— Talvez. Como eu disse, não quero que se envolva nisso. Mas viemos até a delegacia há alguns dias e Moose tentou nos ajudar com isso. O problema é que não encontrou nada. É como se o lugar simplesmente não existisse. — Millye deu de ombros. — Não sabemos o que fazer.

— Então... está dizendo que seus amigos foram parar em um lugar desconhecido, do qual não se há notícia alguma, e agora precisam chegar até lá também? Uau. Isso sim é bizarro. — Katy suspirou. — Sabe me dizer qualquer nomenclatura?

— Shallow Wood. Ilha de Shallow Wood, mas... como eu já falei, não encontramos nada que explique como chegar lá. É como se esse nome não existisse! — contou a menina.

— Não se preocupem. Vou fazer uma pesquisa. — Katy preparou seus dedos e começou a digitar freneticamente. — Enquanto isso, garotos... vocês parecem tão preocupados. Me lembro da última vez em que a vi, srta. Campbell, você era ainda uma mocinha. Agora parecem adultos.

— As coisas nunca voltaram a ser como eram, Katy. Esta cidade se tornou mais sombria, eu diria. Só precisamos nos adaptar. — a de óculos respondeu, cabisbaixa.

— Nada disso! Rainwood sempre foi amaldiçoada, isto é fato. Mas vê-los sendo parte disso é... triste. Oh, céus. Peguem uma rosquinha, vão se sentir melhor. — ela ofereceu o pacote de doces aos três. Em seguida voltou a olhar para o computador. — Minha nossa! Você estava certa, Millye. Não há registro algum de uma ilha com esse nome nas proximidades da cidade. É tão... estranho. Tenho certeza de que chequei todos os pontos com ligação ao município.

— Como imaginei. — Millye balançou a cabeça. — De qualquer forma, obrigado por tentar ajudar.

— Isso não vai ficar assim, querida. Vamos descobrir que lugar é esse, e... e... fazer seja lá o que for preciso. Podem contar comigo. — a oficial sorriu. — Enquanto isso, há mais alguma coisa na qual eu possa ajudar? Sou toda ouvidos.

— Na verdade... — Millye pensou duas vezes antes de abrir a boca. Olhou para os dois jovens ao seu lado, e então virou-se para Katy novamente. — há sim. Você se lembra do caso de Jacob Woods?

Neste momento, Chase arregalou seus olhos. Melissa teve a mesma reação. Falar sobre o mistério que envolvia os assassinatos na cidade podia não ser seguro, muito menos em um local rodeado por câmeras. Era arriscado prosseguir.

— É claro que sim. Bem, eu não estava aqui quando tudo aconteceu. Tudo o que sei é por conta dos registros deixados em aberto sobre a investigação. Por quê? Há alguma coisa que queiram saber? Porque posso procurar. É errado quebrar as regras, mas cá entre nós, isso faz eu me sentir em um filme de espionagem! — ela gesticulou, entusiasmada.

— Na verdade... é mais simples do que isso. Você se lembra da infestação de ratos na Rainwood High? Aconteceu na mesma época dos assassinatos. Uma semana antes, para ser específico. — explicou Millye.

— Ah, eu... eu me lembro disso. Já ouvi o prefeito Dikins comentando sobre algo desse tipo. Acredito ser parte de algo confidencial, mas... — ela encarou o corredor, pensativa.

— O que disse? Katy, isso pode provar o que temos em mente. Se o que você sabe for de fato... — Millye foi interrompida ao ser cutucada por Chase.

O menino a encarou assustado. Levantou sua mão, então, e apresentou o próprio celular a ela. Na tela, uma chamada desconhecida que fizera o aparelho vibrar. Chase negou com a cabeça, demonstrando que não sabia de quem era. Foi quando tudo ficou mais claro para Millye.

O assassino deixara óbvio que observava as peças movimentando-se sobre o tabuleiro a todo momento. E, para Millye, isso se aproximava tanto a uma definição físico-quântica muito conhecida: ela diz que átomos não podem se modificar enquanto observados. Em outras palavras, é impossível que qualquer ação seja feita, incluindo vencer um jogo doentio e mortal, enquanto há alguém observando cada um de seus movimentos.

— Já chega. — Millye levantou da cadeira, farta. — Katy, obrigado pela ajuda, mas... nós precisamos ir. Sinto muito por tê-la incluído nisso. Não há mais tempo. Por favor, não procure nada sobre isso.

— Mas... mas... — ela ergueu a mão, protestando, entretanto sem saber o que dizer.

— Obrigado de verdade, Katy. É mais complicado do que pensa. — Chase garantiu, assentindo com a cabeça e se retirando da sala em seguida.

— Valeu pela rosquinha. — a loira foi a última a deixar o lugar.

Então os três retornaram sozinhos à mesma escadaria. Desta vez, não havia mais um emaranhado de câmeras e repórteres encarando-os. Embora ainda sentissem como se fossem observados. Era impossível não sentir isso em Rainwood. Mas de qualquer forma, sabiam qual era o próximo destino. E não, ainda não era a ilha de Shallow Wood, porque não sabiam como chegar lá. Mas havia uma última pessoa com a obrigação de ajudá-los.

— Isso me faz sentir calafrios, mas temos que falar com a minha mãe. — Melissa respirou fundo, desviando o olhar até os outros dois.

— É a coisa certa. Acha que ela de fato sabe alguma coisa sobre aquilo tudo? E se não devêssemos ir atrás dela também? E se for contra as regras? — Chase especulou, nervoso.

— Nada disso. Jullie nunca deixou o tabuleiro. É diferente. Ela é como nós... — Millye respondeu, ainda encarando a paisagem ao redor deles. — uma peça como nós.

— Usar esse termo me assusta. Enfim, podemos ir logo? Esse vento gélido me traz a sensação de que há alguém chegando mais perto. — Melissa abraçou o próprio corpo.

Millye e Chase concordaram. Por fim, saíram de lá pouco antes do anoitecer. Havia sido um longo dia, talvez suas pernas não aguentassem mais correr. Seus olhos não aguentavam mais o susto, o medo de olhar para trás sem saber o que iriam encontrar. Mas aquela seria a última tentativa. Jullie era sua última chance.

Apartamento 114, perto das 18:00 horas da tarde.

O elevador silencioso os levou até o andar de cima. Impaciente, Melissa arrastava seus dedos sobre os botões na porta sem parar. Era estranho para ela estar ali de novo, uma vez que suas últimas lembranças vinham de um incêndio sem respostas e de inúmeras visitas inoportunas das quais ela gostaria de esquecer.

— É aqui. — a loira atravessou o corredor e se colocou em frente à porta. — Têm certeza de que vamos fazer isso?

— Não temos outra escolha, Melissa. — Chase levou as mãos até a cintura.

— Eu sei, é que... tudo bem. Talvez ela ainda esteja no hospital, eu não sei. Mas podemos esperar. — Melissa tocou na maçaneta da porta, mas teve uma surpresa antes que a empurrasse.

— Melissa. — a voz grave lhe causou arrepios. Jullie a encarava de cima, ao ter aberto a porta antes da filha.

— Mãe? Não sabia que já havia sido liberada. — a filha esboçou um sorriso.

— Eu fui liberada no início da tarde. Onde esteve o dia todo? E com quem? — Jullie cruzou seus braços enquanto encarava os outros dois.

— Millye e Chase. Você... já deve conhecê-la. Eu disse que iria até a delegacia, mas você estava desacordada, eu acho. Na verdade, foi um dia cheio. Será que podemos entrar? — insistiu, descansando seus ombros.

— É claro que sim. Desculpe perguntar, mas o que eles fazem aqui? — Jullie franziu a sobrancelha, enquanto acolhia os três, levando-os até a sala de estar.

— Mãe, eu não queria perguntar, mas preciso saber a verdade. Nós precisamos. — a filha disse com suavidade, ao se sentar no sofá, de frente para a mulher.

— Qual verdade, Melissa? — Jullie ficou paralisada.

— Com todo o respeito, não queremos ser invasivos. Mas acredito que se nos contar qualquer coisa que você realmente saiba, nós poderemos ajudar nossos amigos e todos aqueles que ficaram presos na ilha. Você quer ajudá-los, não quer? — Millye a intimou.

— Eu... eu quero, mas... — e então a voz de Chase a interrompeu.

— Você reconhece esta foto, srta. Morris? — o garoto levantou o pedaço velho de papel e permitiu que Jullie enxergasse a si mesma na fotografia.

Seus olhos ficaram estagnados. Ela levou a mão até o pescoço, preocupada. E logo entendeu sobre qual verdade eles queriam saber. Naquela noite, as três pessoas que poderiam fazer alguma diferença em Rainwood se sentaram em um sofá de cor branca e permitiram que seus ouvidos fossem tomados pela voz de Jullie Morris.

Porque ela tinha o dever e a obrigação de contá-los a verdade. Principalmente à sua própria filha. Uma verdade de que nem ela mesma gostava de se lembrar, mas carregava consigo uma culpa desde sempre. Não seria uma história doce, iniciando-se com "Era uma vez...". Na verdade, Jullie iniciou aquela conversa com "Eu sinto muito". E ela deveria saber que não há, de forma alguma, um jeito de escapar da sua própria história.

[Música: Brother Run Fast - KALEO]

Ilha de Shallow Wood, 23:53 — Poucos minutos para o início de uma cansativa madrugada.

Agora ela era apenas outra estranha. Talvez ainda não, mas as circunstâncias obrigavam-na a ser. Era uma estranha vestindo um sobretudo marrom, que pretendia não tornar mais a ver a varanda iluminada daquela pousada. Pelo menos durante um tempo. As coisas começavam a ficar pior e ela entendia, de alguma maneira, que seu lugar não era mais ali.

Precisava estar onde onde tinha suas respostas. Onde? Ela ainda não sabia. Talvez levasse tempo, talvez encontrasse este esconderijo secreto ao amanhecer. Mas tinha a certeza de que seu destino fazia parte daquela pequena ilha no meio do nada. Então se distanciou pouco a pouco, escondendo seus pés trêmulos sob a entrada da mata que a engolia enquanto olhava para a janela do quarto de Sam pela última vez.

Continuar vagando dentro das paredes seguras daquela fortaleza, enquanto uma tempestade se preparava do lado de fora, não era a melhor opção. Ficar ao lado de seus amigos poderia causar a morte de um deles, e não era isso que Jesse Greene queria. Ela precisava encontrar alguém, e no meio do caminho reencontraria a si mesma. Sabia disso.

Havia uma pequena chance de que, naquele exato instante, uma garota de cabelos dourados e presa em uma cidadezinha não tão distante gastasse todas as suas forças discando, discando e discando novamente o número do telefone de Jesse. Por uma ligação que nunca chegaria, por uma história que nunca seria contada. Pelo menos não por enquanto, mas era inegável que a própria Jesse estava prestes a descobrir toda e qualquer verdade que contornava Shallow Wood.

Ela ajeitou a alça de sua mochila, colocou as mãos dentro do bolso e iniciou uma marcha sem um fim programado, sem promessa de retorno. Entretanto, antes que partisse por completo da beira da floresta e a adentrasse, um equívoco a alcançou. As ligações de Melissa nunca chegariam a tocar seus ouvidos por algum motivo. Mas alguma ligação desconhecida tocou, convenientemente segundos antes de Jesse tomar iniciativa à descoberta daquele pesadelo sem fim. E isso aconteceu, provavelmente, porque o toque vinha de algum lugar dentro da ilha.

— Sua voz se torna reconhecível, Fantasma. Até mesmo quando você não diz nada. — Jesse pronunciou o nome dele sem gaguejar, e não tirou seus olhos da vista que tinha da pousada silenciosa.

— Talvez seja porque estamos cada vez mais próximos de um encontro. — exclamou com seriedade. Sem gargalhadas desta vez.

— Eu adoraria encontrá-lo. É inevitável, na verdade. Não é? Porque se eu estiver seguindo o caminho certo, então... estamos de fato mais próximos do que antes. — Jesse respirou fundo, acalmando seus batimentos acelerados.

— Jesse, Jesse... Jesse. — ele paralisou seus lábios após ter dito o nome pela terceira vez. — Gosto do seu entusiasmo. Mas preciso te contar uma coisa. Você acredita em um final feliz?

— Eu acredito em um final. — respondeu.

— Então deveria saber que talvez não haja um jeito de escapar. Você sempre fala sobre vencer o jogo, mas... eu odeio ter que avisar que estará presa a ele para sempre. Não há como me derrubar. Sem chance de mexer suas peças, sem chance de vitória. Não passa de uma falsa esperança. E quando menos esperar, eu... — a garota calou a voz do desconhecido antes que terminasse a frase. Não precisava mais de sua voz.

E o motivo de não precisar ouvir o que ele tinha a dizer era simples: quando você sabe com o que joga, não precisa que alguém repita as regras. Não importava quantas vezes ele dissesse que a esperança era uma piada. Jesse Greene era, naquele momento, a única peça preparada e em posição para confrontá-lo de todos os jeitos. Não havia outra escolha a não ser continuar o caminho.

No fim de tudo, é incerto dizer quem vence ou quem perde. Mas a certeza para aquela noite azul escura, ao adentrar a mórbida e assustadora floresta que cobria a maior parte da ilha, é que não existiriam mais dúvidas sobre sua própria história. Ao amanhecer, não existiriam mais segredos.

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