Temporada 3 - Capítulo 1| "A história não acabou"
Ilha de Shallow Wood — Localizada a alguns quilômetros da cidade de Rainwood. 29 de novembro de 2001, 23:30 da noite.
As estradas de terra da ilha estavam quase que alagadas por conta da tempestade. Pouca iluminação clareava ainda as construções do lugar.
Em um movimento brusco, uma caminhonete vermelha estacionou em frente ao Hospital Geral de Shallow Wood, construído há poucos anos na ilha. O automóvel foi estacionado de forma errônea, não que isso importasse, levando em conta o estado do motorista que o dirigia. Nesse caso, a motorista.
— Socorro! Por... por favor. Alguém me ajuda! — repetia incansáveis vezes.
A jovem ruiva de aproximadamente dezenove anos desceu do carro às pressas, quase sem forças para andar. Seus pés afundavam no pequeno riacho que se formava passando pela estrada e indo em direção ao bueiro ali perto. Ela pusera as duas mãos sobre a barriga rapidamente. Seus cabelos encharcados lhe impediam de enxergar o caminho com exatidão. Ao entrar pela grande porta iluminada do hospital, continuara a clamar por ajuda.
— Ela... ela vai nascer! A minha filha vai nascer. — persistiu.
Segundos depois, em um devaneio de fraqueza, ela caiu no chão. Felizmente uma equipe de enfermeiros se propôs a ajudá-la imediatamente. A garota foi posta sobre a maca e deixou aquele corredor iluminado em seguida.
Depois daqueles inusitados momentos de desespero, a ruiva despencou em uma sonolência profunda. A última coisa que havia visto antes de ser levada para o quarto foi o rosto de uma garota. Parecia ser um pouco mais velha do que ela, tinha cabelos loiros e aguardava o nascimento de uma criança também. Entretanto, após seguir o corredor esquerdo, a ruiva nunca mais voltou a vê-la.
— Por favor. Sa... salvem-na. Salvem minha filha. — sussurrou, pouco antes de deixar que a claridade do corredor se tornasse um breu de escuridão.
Rainwood, 19 de dezembro de 2019 — Cerca de dez meses após a última onda de assassinatos.
A serena e tranquila manhã em Rainwood. Nada poderia ser diferente. Depois de um restante de ano letivo torturante, as aulas haviam acabado. Nada de escola outra vez. E pelo menos Jesse e os outros estudantes puderam ter, como última lembrança daquele lugar, uma exuberante comemoração de formatura ao invés do evento mortal que ocorreu no início daquele ano. Era hora de seguir em frente.
— Querida, já avisei que vamos partir daqui a pouco. Termine de arrumar suas coisas. — disse Madison, seguida de duas batidas apressadas do outro lado da porta.
— Estou quase pronta, mãe. — Jesse levantou-se da cama e tirou a chave da fechadura, encontrando a mulher por fim. — Desculpa a demora.
— Sem problemas. Melissa e a mãe dela ainda irão nos encontrar aqui? E quanto ao Sam? — perguntou.
— Sim, mãe. Todos eles com exceção do Josh que vai nos esperar no cais. — Jesse suspirou, guardando seus braços no bolso do moletom ligeiramente.
— Jesse... está tudo bem? — a mulher encarou seus trejeitos. — Sabe que podemos cancelar esta viagem a qualquer momento. Só achei que...
— Não! Está tudo perfeito, mãe. Eu sei que vai ser ótimo pra todos nós se deixarmos a cidade para trás por um tempo. — a garota abraçou Madison de forma rápida. — Eu só... fico triste por não podermos levar a Millye.
— Filha, ela ainda estará aqui quando voltarmos. Sua amiga estará segura e, muito provavelmente, vai deixar o hospital em alguns dias. E então... — duas batidas violentas na porta da frente fizeram Madison juntar seus lábios.
— JESSE, PRECISA VIR AQUI EMBAIXO AGORA! — a voz de Melissa percorreu o primeiro andar inteiro.
— Bom dia pra você também. O que houve? — Jesse se aproximou da loira ao chegar no final da escada.
Nas mãos de Morris, havia uma manchete um tanto peculiar. A capa mostrava uma fotografia da Rainwood High na noite do ataque e, logo abaixo, a mensagem: "Silêncio ensurdecedor após dez meses sem assassinatos faz com que internautas nomeiem o psicopata da cidade como 'Fantasma Negro'".
— Consegue acreditar nisso, Jesse? — Melissa largou o jornal sobre o sofá. — Pessoas morreram! Como eles podem tratar os massacres como uma lenda local ou um motivo de... eu não sei, fanatismo. Além disso, não faz o menor sentido nomearem um assassino quando tivemos três. — bufou.
— Estamos em Rainwood, Melissa. Era só questão de tempo até que alguns adolescentes começassem a romantizar o caso. — explicou Jullie, pousando sua mão sobre os ombros da filha. — Não sabem pelo que passamos.
— Sua mãe está certa. Já devíamos esperar. — complementou Jesse.
— E é por isso que estamos saindo deste lugar! — Sam adentrou a sala de estar com um sorriso em seu rosto, levando o entusiasmo natural até os lábios de Jesse em seguida.
— Ah, ótimo saber que estão todos aqui. Podemos ir? O barco parte em menos de quarenta minutos e eu não gostaria de me atrasar. — Madison levou seus braços até a cintura, encarando a todos presentes.
— Na verdade... eu, Melissa e Sam pretendíamos ir até o hospital para checar se tudo corre bem com a Millye antes de deixarmos a cidade. Podemos? — perguntou Jesse. — Prometo que estaremos no cais em vinte minutos.
— É claro que sim, filha. — Madison suspirou, não podendo recusar. — Eu e Jullie vamos esperá-los. Por favor, não se atrasem.
Os três adolescentes deixaram a residência e dirigiram-se até o veículo na rua. Jesse apertou o cinto e começou o trajeto até o hospital. Enquanto pusera seu braço sobre o lado de fora da janela, era impossível para Sam que não percebesse os olhares mórbidos dos moradores locais.
— Acha que nos querem fora daqui? — o ruivo virou-se para Jesse.
— Com certeza querem. — Melissa entrou na conversa. — Digo, não é nossa culpa que nossos amigos ou parentes tenham se tornado psicopatas, mas... é o que pensam.
— Querem saber? — Jesse apoiou seus polegares sobre o volante. — Não sentirei falta desse lugar de forma alguma. — ela colocou o pé sobre o acelerador, fazendo com que saíssem de lá imediatamente.
Ao chegarem no hospital, percorreram os corredores azuis até que encontrassem o quarto 237, onde a garota repousara pelos últimos meses. Jesse se surpreendia com o quão familiar aquele rosto lhe parecia. Mesmo depois de tanto tempo, Millye continuava a mesma. E a culpa por tê-la deixado se ferir também continuava ali.
— Me admira o fato de continuarem visitando-a. Mesmo durante o coma. E mesmo depois que ela começou a melhorar. — exclamou a enfermeira ao entrar no quarto. — São ótimos amigos.
— Não estaríamos aqui se não fosse por ela. Nós... precisamos ter a certeza de que ficará bem. — disse Melissa.
— Quanto a isso, srta. Morris, não se preocupem. Campbell apresentou melhoras tão significativas nas últimas semanas que acho que os tratamentos fizeram efeito. Quando retornarem, ela estará saudável por completo outra vez. — explicou a mulher.
— Ouviu o que ela disse? — sussurrou Sam, aproximando seus lábios do ouvido de Jesse. — Quando voltarmos, seremos nós cinco outra vez. Teremos todo o tempo do mundo em alguma mesa na Summer Coffee. — ele sorriu.
— É, eu... eu sei. Só não queria deixá-la aqui. — Jesse suspirou, se aproximando da cama em que a garota descansava. — Voltaremos logo, Millye. — ela segurou sua mão.
E depois de alguns minutos encarando os macios traços da garota desacordada, os três tiveram a certeza de que tudo correria bem. Então deixaram o hospital e seguiram pelo mesmo caminho até que chegassem ao cais. Lá, não demorou muito para que avistassem uma figura conhecida se aproximando.
— Aí estão os três mosqueteiros! — Josh sorriu, abrindo seus braços e caminhando até a primeira garota.
— Uau. Senso de humor. — Melissa o cumprimentou.
— E aí, cara. Como você tá? — Sam perguntou, depois de realizar algum toque de dedos estranho com o menino.
— Bem, eu acho. Não é estranho que nos encontremos sem que seja por conta de um assassinato ou uma mensagem suspeita? — bufou.
— Felizmente não. E se tudo der certo, teremos mais uma semana pela frente assim. — Jesse pôs um sorriso entre os lábios.
— Eu espero que esteja certa. — o garoto de cabelos negros ficou para trás, observando os outros três se aproximarem do barco. — Realmente espero.
— Jesse! Eu disse que não tínhamos muito tempo. Quase partimos sem vocês. — Madison carregou sua ira e indignação até a garota.
— Eu prometi que estaríamos aqui antes de partirem. E estamos. — Jesse lhe tranquilizou, seguindo até o lado de dentro da embarcação.
Por último, Jullie esperou que os dois rapazes passassem pela entrada pra que pudesse abordar a filha do lado de fora.
— Melissa, escuta. Eu sei... sei que não precisamos nos preocupar com nada. Mas assim que chegarmos na marina, não saia de perto de mim. Sinto um pressentimento ruim sobre este dia. — a mulher levou seu chapéu escuro até o topo da cabeça rapidamente.
— Não poderíamos estar em um lugar mais seguro agora, mãe. Você precisa relaxar. Teremos algumas horas de viagem até lá. — a menina deixou-a para trás.
As duas juntaram-se ao restante então. A viagem seria um tanto longa, então tudo o que deviam fazer agora era relaxar e aproveitar. A ilha de Shallow Wood ficava a mais ou menos quatro horas de distância da costa.
No cais, perto a alguns carros estacionados, um homem estava parado. Seu casaco longo cobria seu corpo mesmo que à luz do dia. Ele encarou fixamente o barco deixando para trás a cidade. Em um de seus olhares para a cidade que se afastava, Jesse o enxergou. A garota fitou aquela figura por um tempo, e depois se dispersou. Após alguns segundos, o rapaz tinha deixado o local como se nunca houvesse estado lá.
Um tempo considerável se passou. Agora o período de viagem restante diminuira para duas horas, e todos na embarcação se sentiam sonolentos com o velejar sobre as ondas. Quanto ao Sam, parecia mais estranho do que o normal. Seus olhos haviam se fixado no amarelo escaldante que cercava o oceano naquele instante, e assim permeneceram por quase trinta minutos.
— Está tudo bem? Parece um pouco... cansado. — Jesse perguntou, sem querer atrapalhar.
— Tá tudo bem, sim. Só não sou muito fã de viagens longas. — ele sorriu, seguido de um suspiro.
— Eu te entendo. Acho que isso me deixa um pouco enjoada também. — Jesse retribuiu o riso e encostou sua cabeça sobre o peito do rapaz.
— Viagens ao mar me fazem lembrar do meu pai. Costumávamos andar de barco todos os finais de semana. — o garoto esticou seus braços sobre o corpo dela. — Mas isso não durou muito tempo.
— O que realmente aconteceu com ele? Talvez não queira falar sobre isso, e... eu entendo. Mas você disse que seus pais eram divorciados, e quando sua mãe morreu você foi morar com ele, e depois acabou indo morar com sua tia. Por quê? O que aconteceu? — ela questionou, cerrando seus olhos.
— Jesse... o meu pai não é um membro da minha família de quem eu me orgulhe tanto. Depois da morte da minha mãe, ele se tornou outra pessoa. Suas noites eram repletas de álcool e qualquer droga na televisão. Ele era violento. Tinha crises de pânico. Foi quando minha tia percebeu que não era seguro que eu vivesse com ele. E então... eu nunca mais o vi ou soube do seu paradeiro. — Sam abaixou a cabeça.
— E acha que isso foi o melhor a se fazer? — continuou ela.
— Sim. Com toda a certeza. — ele voltou a levantar seus olhos. — Não sinto falta dele.
— Eu entendo. Obrigada por me contar. — Jesse colocou sua mão sobre a dele.
— Sabe... algumas pessoas são tão importantes em nossas vidas que não nos imaginamos vivendo sem elas. Mas aí, quando elas se vão, percebemos que era melhor nunca terem estado lá. — Sam encerrou, voltando a observar a água que agora havia se acalmado.
Mais um tempo se passou, e o grupo que estava perto da sala de estar se espantou com a chegada inesperada de Madison. A mulher vestia uma blusa de cor branca e um chapéu fantasia de comandante. Ao agarrar uma taça de suco deixada sobre a mesa, ela pôs um sorriso no rosto e chamou a atenção de todos.
— Atenção, passageiros! Estamos chegando ao nosso destino. Todos prontos para tirar umas férias? — Madison jogou aquele líquido amarelo para dentro de sua boca.
— Mãe, para com isso! — disse Jesse, em gargalhadas.
De repente, interrompendo a música agitada acionada por Madison e a calmaria da água que Sam ainda observava, o barco parou. O comandante fez sinal à ruiva de que haviam chegado à marina da ilha, onde estavam todos os outros barcos e um turbilhão de pássaros que se apropriavam do píer.
— Finalmente em terra firme. — Madison segurou seu chapéu com as duas mãos enquanto descia da embarcação, impedindo que ele voasse.
— É... é lindo. — Jesse presenciou o relutante espalhar das gaivotas do píer quando desembarcaram.
Melissa e Jullie foram as últimas a deixar o barco, isso porque talvez a mulher ainda tivesse receio de sair daquele veículo seguro e pisar em solo desconhecido por mais de uma semana. Já a filha, maravilhava-se com os enormes pinheiros que cercavam a ilha e o mais puro oxigênio esverdeado, coisas que não se encontravam tão facilmente em Rainwood.
Madison logo avistou um dos caminhos de terra que pareciam levá-los até o lugar onde passariam seus dias. Pousada Woodhouse, como indicava no panfleto. A estrada era estreita e um tanto úmida por conta da chuva na outra noite, mas pouco lhes importava que sujassem seus sapatos caminhando sobre aquela terra ingênua.
— Então... talvez eu esteja perdida com este catálogo. Não entendo porque os nomes parecem diferentes. — Madison suspirou, tentando revirar o panfleto. — Se estivermos no caminho certo, só devemos seguir essa trilha — apontou — até que encontremos a pousada.
Sem outra escolha, o restante do grupo deixou que a mulher os guiasse. Jesse segurava firme a mão de Sam durante a maior parte do caminho, ajudando-o também a carregar a bagagem. Melissa optara por carregar todas as suas coisas dentro de uma pequena mochila, diferente de Jullie que trouxera quase a sua residência inteira para a ilha. Josh foi o último a deixar a marina para trás, e aproveitou de seu tempo distante dos outros para fotografar cada pedaço daquele caminho.
Depois de longos doze minutos de caminhada, os seis viajantes encontraram o que parecia ser uma construção antiga erguida entre as árvores. "Woodhouse", sobre a porta principal, revelava que tinham chegado ao lugar certo. As escadarias levaram Madison até a porta de madeira, onde chocou seus dedos com pressa. E não demorou muito pra que recebesse uma resposta.
— Oh! Aí estão vocês. Finalmente, achei que tivessem se perdido no caminho. Sejam bem-vindos à pousada Woodhouse! — a mulher que parecia ser a representante do local lhes recebeu com carinho nos olhos. — Podem entrar. Este é o Frankie, meu companheiro. E eu me chamo Adele. — ela abriu espaço.
— Como a cantora? — questionou Josh, sorrindo.
— Exato. Como a cantora. — respondeu ela, seguido de um breve riso.
— Antes que perguntem, o prazer é todo meu. Entrem! Preciso mostrar o lugar a vocês. Como ia dizendo, eu e Frankie somos os administradores da pousada. Sintam-se em casa a partir de agora. — ela seguiu até o corredor à esquerda. — Venham por aqui. Vou mostrar os quartos para que possam desfazer as malas logo.
Joshua foi o último a cruzar o tapete vermelho do corredor principal, ainda segurando sua câmera, enquanto seguia o restante do grupo até as escadas. E ao olhar para o lado direito, exatamente na direção da sala de estar, avistou uma mulher na poltrona. Ela tinha um longo cabelo ruivo que se dava por duas tranças intercaladas. Aproximadamente vinte anos. O modo com que se vestia indicava que ela provavelmente não era dali.
Constantemente hipnotizado pela figura de mais ou menos 1,70 de altura, o garoto continuou encarando-a por mais alguns segundos. Josh lembrou-se de registrar uma fotografia antes que ela percebesse sua presença, mas escondeu a câmera de imediato quando viu que Frankie, o segundo caseiro, se aproximava.
— Quem é a mulher na sala de estar? — Josh deu dois passos à frente enquanto reposicionava a alça do aparelho sobre o pescoço, sem olhar nos olhos do homem.
— O quê? Quem? — Frankie levou seus olhos até a sala de estar, rapidamente percebendo que não havia ninguém lá. — É melhor ficar com o resto do grupo. Seus amigos já subiram. — o homem o deixou depois de alguns segundos.
O menino continuou a observar a sala vazia até que se desse por conta de seu atraso. Então subiu os degraus ligeiro e alcançou Jesse e Sam no topo da escada. Logo voltou seus olhos à Adele, que continuava a tagarelar sem parar.
— Bem, vou deixar que escolham seus quartos agora. Acomodem-se da forma que preferirem. — Adele esboçou um sorriso gentil. — Eu e Frankie vamos organizar algumas coisas. Assim que descerem, vos apresentaremos aos outros hóspedes.
— Ou... outros hóspedes? — Sam questionou, confuso. — Achei que não houvesse muita movimentação aqui.
— E de fato não há. Mas certamente não são os únicos a se hospedarem na Woodhouse nos últimos dias. Acho que algo nos trouxe sorte este ano. Eu não sei, talvez signifique algo bom. — Adele pousou sua mão direita sobre o corrimão da escada. — Como eu disse, estaremos lá embaixo se precisarem. Ah! E o jantar de boas-vindas se inicia às 20:00 horas.
— Acho que somos só nós agora. — Melissa cruzou os braços ao perceber o vazio no corredor antes de o grupo se separar. — Vejo vocês daqui a pouco. — a garota abriu a porta de um dos quartos, ajudando sua mãe a carregar as malas para dentro.
E de repente, os jovens e as duas mulheres haviam se dispersado. Cada um ou dois trancou-se em um dos quartos, preparando-se para a tranquila e tão desejada estadia na pousada Woodhouse. Sabiam que os próximos dias seriam repletos de paz e calmaria. Assim esperavam.
Salão principal da pousada Woodhouse, 18:45 da tarde.
O anoitecer gélido estava prestes a cair sobre a ilha quando Jesse desceu as escadas do salão principal. Ela vestia uma saia avermelhada e uma sapatilha de mesma cor. Ao chegar no último degrau, sentiu um leve espanto. Os hóspedes que Adele havia mencionado estavam parados em fileira no salão. A garota teve suas bochechas tomadas por uma coloração rosada de imediato.
Alguns segundos depois, o restante de seus amigos teve a mesma reação ao acompanhar Jesse no último degrau. As pessoas paradas na sala eram completos estranhos mas, de alguma forma, tinham uma peculiaridade familiar.
— Ah, aí estão vocês! — Adele deu um passo à frente. — Pessoal, conheçam Jesse e seus amigos. Passarão um tempo conosco.
Josh rapidamente ergueu seus dedos, acenando para aqueles sujeitos. E o que mais lhe intrigou foi que, estranhamente, a garota que havia visto mais cedo não compunha o grupo.
— Eu me chamo Kendra. Este é o meu marido, Mike. Ficaremos aqui durante esta semana. — uma mulher de aparentemente trinta e cinco anos de idade disse, sorrindo, olhando nos olhos de Jesse.
— O meu nome é Rose. — seus cabelos encaracolados se escondiam por um pequeno chapéu de cor neutra, a mesma que caía sobre seu corpo em um vestido longo. — Fico feliz que estejam na ilha nesta época, as coisas aqui ficam... maravilhosas. Como em todos os anos, é claro. — a mulher juntou suas mãos.
— Bem, estas são Jackie e Cindy. — Adele apontou para duas jovens de mais ou menos dezenove anos. — Elas são as artistas da ilha e, certamente, se apresentarão no jantar de hoje à noite. — ela se movimentou até o outro lado rapidamente, se juntando aos demais. — Estes são Johnny e Penélope Russell. O Johnny é o nosso jardineiro, e a pequena Penny vai passar suas férias conosco desta vez. — os dois abanaram para o grupo na escada, na intenção de parecerem carismáticos.
— Muito bem. — Frankie entrou na conversa. — Agora que todos já se conhecem devidamente, vamos deixar que aproveitem a estadia. Nos vemos no jantar.
E rapidamente, o salão se tornou vazio outra vez. Melissa e Jullie foram até o lado de fora, levando em conta que a mãe alegou precisar respirar um pouco de ar puro. Quanto ao Sam, deixou Jesse sozinha no andar de baixo e voltou até o quarto para terminar de arrumar suas coisas.
— Não me parece tão ruim. — Jesse disse a si mesma, encarando as paredes recém pintadas com tinta fresca, no corredor em que andava.
— O que não parece tão ruim? — a voz de Josh invadiu seus ouvidos, assustando-a.
— Ah, ainda está aqui. Digo... este lugar. Acho que foi uma ótima ideia termos deixado a cidade. — exclamou a garota.
— É. Com certeza. — Josh cruzou os braços. — Sabe de uma coisa? As pessoas são até que amigáveis. Eu só gostaria de saber por que... — o garoto parou de falar, voltando a prestar atenção à Jesse. — O que houve?
— Oi? Nada. O que disse? — ela desfez os traços de pavor em seu rosto ligeiramente, desligando a tela do celular que recém havia desbloqueado.
— Ah, esquece. Vou dar outra volta por aí. Até depois. — o garoto se despediu, deixando-a novamente.
Pelo contrário do que afirmou ao Josh, e talvez não tão contente com o que havia visto, o "nada" não era suficiente para descrever aquela sensação. A sensação de receber uma mensagem escrita em letras pequenas e curvadas, indicando uma frase que não era de tanto agrado assim. "Pessoas sempre parecem amigáveis. Peças sempre voltam ao jogo".
Assustada, Jesse virou seus olhos rapidamente na direção das duas garotas que caminhavam pelo corredor naquele instante. Jackie e Cindy seguravam um buquê de flores, provavelmente para serem utilizadas no jantar. E embora não tivessem seus celulares em mãos, Jesse estava certa de que a mensagem veio de alguém por perto. Pois somente alguém que ouvira sua conversa com Josh poderia tê-la enviado.
Mas como havia prometido a si mesma, Jesse preferiu ignorar a brincadeira de mal gosto desta vez. Na verdade, quase isso. Ela não poderia deixar de dar uma resposta a quem fosse o bastardo que enviou aquilo. "Enterre isso", digitou, na intenção de que o desconhecido deixasse-a em paz e não voltasse a tocar em um assunto tão horrível. Em seguida voltou a se dirigir até a escadaria, tentando repôr em seu rosto um sorriso.
Do lado externo daquela aconchegante pousada, mãe e filha caminhavam até perto da entrada da floresta. O ar puro e o canto dos pássaros faziam milagres à sensação de nervosismo que Jullie carregava naquela viagem. Mas Melissa não deixara de encarar o rapaz que se aproximava em passos largos desde a hora em que chegaram.
— Cuidado com a floresta. Já está anoitecendo e... não vão querer ir muito longe. — exclamou Johnny, mantendo suas mãos sobre as garrafas que carregava. — É difícil encontrar o caminho de volta neste lugar.
— Não se preocupe. — disse a garota, eufórica. — Não vamos sair daqui. — Melissa levou sua mão esquerda até a prmeira mecha de cabelo que encontrou.
— Qual é mesmo o seu nome? — ele perguntou, encarando a loira.
— Me... Melissa. Melissa Morris. — a garota levou sua mão até a dele, o cumprimentando ligeiramente.
— É um prazer. — Johnny soltou os dedos dela lentamente, e por fim saiu de lá.
— Melissa? — Jullie sussurrou, uns segundos após o garoto ter se afastado. — O que está acontecendo?
— O quê? Na... nada. Só estou feliz por estarmos aqui. — ela voltou a tocar o cascalho de uma árvore à sua frente. — Não consegue sentir, mãe? É tudo tão... leve.
— É. Entendo. Se quiser voltar para dentro, eu te alcanço depois. Quero ficar um pouco sozinha aqui. — Jullie sentou-se em uma pedra no chão, podendo ter a vista minúscula da marina lá embaixo.
— Nos vemos no jantar, mãe. — e a menina a deixou.
Enquanto isso, sobre o carpete vermelho vinho que cruzava a maior parte dos corredores, Josh levava seus passos com calma. As pinturas na parede lhe chamavam a atenção pelo fato de serem antigas e, em sua maioria, um tanto envelhecidas.
— Quem é você? — as palavras suaves, entretanto amedrontadoras, soaram da boca do sujeito à sua frente.
— O... o quê? — o menino deu um passo atrás, assustado.
Era ela! A mulher que Joshua havia fotografado mais cedo estava parada em sua frente. E isso provava que ela não era um fantasma, que não havia sido uma alucinação e lhe proporcionava a ideia de que ela não compareceu às boas-vindas por coincidência.
— Eu... eu te conheço? — Josh voltou à sua posição normal. — De qualquer forma, o prazer é meu. Me chamo Josh.
— Foi quem me fotografou mais cedo, Tosh? — perguntou a moça.
— É "Josh". Vem de "Joshua". Como sabe disso? — rebateu.
— Tenho bons ouvidos... — disse ela. — Connard.
— O que disse? Bem... eu posso apagar a foto se quiser. — Josh franziu a sobrancelha.
— Nada. Não importo de que fique com a foto. — ela esgueirou seus olhos sobre a cabeça dele, enxergando o restante do corredor vazio. — Só me avise da próxima vez.
— É... é claro. Nos vemos por aí. — exclamou Josh, antes que ela se fosse.
— Talvez. — a ruiva virou seu pescoço por um segundo e, de imediato, voltou a andar.
Salão de festividades da pousada Woodhouse, 20:00 horas da noite.
Cada mesa fora enfeitada com um tecido branco simplório e algumas flores ao centro. Os funcionários haviam organizado o buffet no meio do salão e, minutos antes, Adele já havia se posicionado no palco e dado seu belíssimo discurso de boas-vindas. O que tornava o lugar animado era a melodia contagiante que se formava com a ajuda dos lábios de Cindy e Jackie.
Melissa foi a única, entre os cinco sentados ao redor da mesma, que manteve seus olhos na mesma direção desde o início do jantar. Johnny Russell, o jardineiro. As sardas sobre seu rosto caíam como pequenas plumas sobre o claro.
— Procurando algo em específico? — sussurrou Josh, sorrindo.
— Evans! — disse ela, recuando. — Nã... não. — Melissa imediatamente voltou seus olhos ao celular quando percebeu a chegada de uma nova mensagem.
"Como vai?", de um número completamente desconhecido. Primeiramente sentindo seus dedos trêmulos e sua respiração fraquejar, a garota teve receio de responder a mensagem. Mas em seguida voltou atrás. "Quem é?", digitou.
E para o seu alívio, seu nome era Johnny. O rapaz afirmou ter conseguido o número da garota quando o pediu ao Josh, e isso explicava o sorriso bobo no rosto do amigo quando a mensagem chegou. Pelo menos a mensagem não era de um assassino em série.
— A que lhe devo a honra? — Melissa respondeu à mensagem.
— Me encontre no lado de fora em cinco minutos. Se for de sua vontade, é claro. Acho que esse jantar não parece lá tão animado assim. — e esta última mensagem de Johnny era suficiente pra que ela o entendesse.
Melissa levantou da mesa às pressas ao enxergá-lo fazendo o mesmo, a mais ou menos dez metros de onde ela estava. Ao se distanciar dos amigos, inventou uma desculpa qualquer. A adolescente afirmou que iria procurar pela mãe, a qual ainda não havia voltado. A questão é que ao utilizar este fato como desculpa, Melissa não se deu por conta de que realmente deveria o fazer. Afinal, Jullie Morris não havia retornado para a pousada há mais de uma hora e meia.
— Quer dar uma volta também? Acho que há um bar aqui perto. — explicou Sam, ajeitando levemente o nó frouxo em sua gravata.
— O quê? Estão de brincadeira, não é? — Josh cruzou os braços, encarando o casal.
— Voltaremos logo. Mãe, Josh, aproveitem a festa. — Jesse puxou Sam pela mão esquerda, saindo do salão em rapidez.
— Parece que somos só nós dois agora. — Madison sorriu para o jovem.
Enquanto derretia seu corpo sobre a cadeira, sabendo que teria que passar as próximas horas sozinho ali, Evans mal percebeu a chegada de alguém. A garota se sentou ao lado dele sem nem mesmo pedir permissão. Seus cabelos escuros e trançados realçavam os olhos brilhantes. Sua pele era adocicada como caramelo.
— Hm... boa noite? — questionou ele.
— Ah! Mil perdões. — a menina estendeu sua mão. — Me chamo Penélope Russell, ou só Penny. Você não me conhece, mas... eu sei de quase tudo sobre os cinco sobreviventes da noite do baile. — um sorriso tomou seu rosto.
— Os cinco... o quê? — Josh estranhou. — Como... como sabe disso?
— Foi assim que apelidaram vocês. Bem, não há muita novidade pela ilha há um bom tempo, mais especificamente, há uns dezoito anos. Então as notícias das cidades próximas se tornam assunto aqui. — Penélope explicou, juntando seus dedos debaixo da mesa.
— Saquei. Você é a irmã mais nova do Johnny, certo? — dessa vez o garoto parecia mais confortável com a presença de Penny.
— Claro. Não faz muito tempo que eu vim parar nesse lugar, mas confesso que é divertido. Já decorei o nome de cada hóspede. — respondeu, com um sorriso entre dentes.
— Interessante. Sabe qual é o nome da garota ruiva? Acho que está hospedada em uns dos quartos no andar de baixo. — perguntou.
— Garota... ruiva? Não há nenhuma na pousada. — respondeu Penélope.
— O quê? — Josh rebateu, confuso.
— Só estou brincando. É que quando a vi chegar tive a impressão de que era um fantasma, ou... algo do tipo. Mas fantasmas não existem, né? E o nome dela é Beatrice Petit. Ela é francesa, eu acho. — disse Penny.
— Ufa. Tive a mesma sensação, na verdade. Interessante. Não a vi em nenhum momento junto com qualquer outra pessoa. — falou ele, suspirando.
— Talvez ela seja tímida. Enfim, ainda tem muito o que conhecer aqui. — a garota debruçou-se sobre a mesa, entusiasmada.
— Eu imagino. — respondeu.
Weekend — Bar e Lancheria, quase 21:00 horas da noite.
— Então... eu não sei se estou com fome. — resmungou Sam. — Na verdade, há mais gente aqui do que eu imaginava. E eu...
— Sam, você quer dançar? — Jesse o interrompeu.
— Ah... oi? Dançar? Dançar aqui? — o garoto se desfez em um sorriso bobo e confuso.
— É claro. Por que não? Essa música é maravilhosa! — a menina se levantou imediatamennte.
Jesse puxou o ruivo pela mão e o conduziu até o centro do pequeno espaço. E apesar da vergonha, Sam se deixara levar pelos passos adoidados da namorada enqunto a melodia agitada de 'Johnny B. Goode' os guiava, da mesma forma como um casal juvenil se divertia há cerca de trinta anos atrás. E por mais estúpida que lhe tenha parecido a ideia, o rapaz sorria o tempo inteiro em que se perdia no olhar dela. Como se estivesse realmente feliz. E estava.
Sam colocou um pé depois do outro, puxando Jesse contra seu peito e em seguida afastando-a, deixando que caísse em seus braços. A dança se encerrou quando alguns clientes começaram a encarar o casal. Depois de sentir seu fôlego apurado e o peitoral agitado do rapaz, Jesse distanciou suas mãos dele e ambos voltaram à mesa. Aconteceu no exato momento em que um homem uniformizado entrou no bar.
— Olha só se não é o grande Tom! — disse um dos garçons, em voz alta. — Vai querer o mesmo de sempre?
— O mesmo de sempre, por favor. — o grisalho espalhou seu olhar pelo lugar inteiro enquanto esperava o pedido. E sem demora, avistou o casal em uma das mesas.
— Jesse... me dá licença um minuto. Eu já volto. — o ruivo levantou-se e caminhou na direção do balcão.
Suas pernas tremiam. A palma de sua mão exalava um suor descontrolado e seu pescoço coçava com a gola da camiseta. Mas Sam continuou caminhando na mesma direção. E então, ao tocar no ombro esquerdo daquele homem, ouviu uma palavra de que havia se esquecido há muito tempo. Um nome. Um nome pelo qual só uma pessoa na face da terra lhe chamaria.
— Sa... Sammy? — sussurrou Tom, com suas sobrancelhas erguidas em espanto.
— Sou eu. — respondeu, curto e grosso. — Como vai, pai? — Sam continuou a encará-lo.
Em algum lugar da floresta que rodeava o lugar, 21:24 da noite.
A lua se fazia esplêndida naquela noite. Um grande círculo de cor branca, capaz de iluminar boa parte da ilha de Shallow Wood. Mas não forte o suficiente para tornar o lugar menos assustador.
— Será que pode... esperar um pouco? — Melissa redigiu as palavras ao garoto que segurava sua cintura, arfando a cada instante.
— O que foi? Quer parar? — Johnny se afastou rapidamente, interrompendo os beijos que haviam marcado o pescoço dela.
— Nã... não. É só que eu acho que vi alguma coisa. Ouviu isso? — Melissa se soltou de seus braços, dando dois passos à frente.
— Não tem nada lá. É só o escuro. — ele suspirou, tentando não fazer tanto barulho. — Você tem medo do escuro?
— Não. Mas... do que tem nele. — a loira agarrou seus próprios braços no momento em que sentiu uma passagem de ar gélida entre as árvores.
— Não se preocupe. O que vem de lá não vai te machucar. — o garoto colocou, delicadamente, sua mão sobre o ombro dela mais uma vez.
— Espera! — novamente ela se distanciou, mas agora com mais nervosismo. — Você ouviu desta vez. Não ouviu?
— Com certeza eu ouvi. — Johnny engoliu em seco. — Quer voltar pra pousada? Acho... acho que não é mais uma boa ideia ficar aqui.
— Vamos. — a garota juntou seu casaco do chão, passou a mão sobre os cabelos e começou a seguir o garoto.
O barulho continuou se aproximando. Pareciam passos apressados de alguém. Se não fosse isso, então era algum animal. Mas de qualquer forma ficar ali não era seguro e aqueles dois jovens descobriram isso da pior maneira.
— NÃO! — gritou Melissa, involuntariamente, ao encontrar uma figura com vestes brancas em sua frente.
— Scarlett? — exclamou o rapaz, confuso. — Que droga você faz aqui a essa hora?
— Johnny Russell... é bom vê-lo. Não deveria estar tomando conta da sua irmã? Ela não parecia bem da última vez que a vi. — ela levou suas mãos até a cintura. — E quem é a estranha?
— Não é da sua conta, Scarlett. Achei que tínhamos dito para ficar longe. — ele continuou encarando-a com insatisfação.
— E eu estou. Não coloquei meus pés naquela pousada. Mas você não é o dono dessa ilha, Johnnyzinho. — Scarlett levou seus dedos até a bochecha dele. — É melhor tomarem cuidado, a floresta é... bem, você sabe.
E em um passe de mágica, assim como apareceu entre os arbustos segundos atrás, ela se foi outra vez. Seguiu um caminho do qual Johnny e Melissa não tinham visão, o que lhes fizera perceber que estavam sozinhos novamente.
— Ela me parecia estranha. — disse Melissa, voltando a andar perto do rapaz.
— Acostume-se. Ainda não conheceu metade das pessoas aqui. — ele bufou.
E os dois voltaram a perseguir o minúsculo ponto de luz que indicava a varanda da pousada Woodhouse, a mais ou menos vinte metros de onde estavam.
Cidade de Gravewood — aproximadamente a quatro horas de distância da ilha de Shallow Wood, neste mesmo momento.
Riley Belmont, sobrevivente dos primeiros assassinatos cometidos por Jacob Woods, havia encontrado calmaria após tanta turbulência. Se mudara para Gravewood tentando fugir daquele pesadelo todo. E de fato conseguiu. A mulher até abriu uma livraria, sonho de sua mãe. A loja de livros se chama Contos & Mundos e fica próxima ao mar. Mais especificamente, a loja fica no píer. Então quem passa por lá à noite pode ouvir a água violenta se debatendo nas rochas durante uma forte tempestade, que era o caso desta noite.
Já era tarde, Riley estava organizando alguns livros antes de fechar o lugar e ir embora. Estranhamente, antes que pusesse o último na prateleira, reconheceu o barulho do sino na porta da frente.
— Desculpe informá-lo, mas já estamos fechados! — gritou, sem mesmo sair da sala dos fundos. — Como posso ajudar?
Para a sua surpresa, assim que atravessou a bancada e alcançou a porta de entrada, não encontrou ninguém. Nada além da ventania forte e as gotas de chuva sobre a vidraça.
— Bem... — Riley levou suas mãos até a cintura, suspirando. — foi o vento. Sempre dizem que é o vento.
Ela elaborou um sorriso sincero, passando a mão sobre os cabelos e os colocando para trás do ombro. Depois caminhou até a porta dos fundos de novo, mas foi obrigada a parar de andar ao ouvir o barulho do telefone tocando.
— Droga! — a moça sentiu certo arrepio ao ser arrancada de seus pensamentos tranquilos pelo toque do aparelho.
Ela se posicionou sobre a bancada e agarrou de uma vez o telefone, levando-o até seu ouvido. E assim, com uma voz calma, atendeu à chamada.
— Livraria Contos & Mundos, me chamo Riley. Como posso ajudar? — perguntou.
E nada. A transmissão continuou muda. Apenas um chiado que lhe causara desconforto do outro lado da linha. Enquanto isso, a tempestade do lado externo e o barulho do mar ficavam cada vez mais fortes. Riley então encaixou o telefone no encaixe e caminhou em passos rápidos até a porta transparente. O píer estava vazio, não havia ninguém lá.
Ligeiramente a mulher destrancou a porta e virou a placa que estava grudada ao vidro. "Fechado". Nesse exato instante, o telefone tocou de novo.
— Alô? Livraria Contos & Mundos. Posso ajudar em algo? — Riley não hesitou desta vez. Não se sentia mais tão segura assim.
Como se não fosse surpresa, ninguém disse nada. Ela permaneceu ouvindo apenas o chiado incômodo do outro lado e a interferência dos raios lá fora. Então se afastou, e pela terceira vez, o telefone tocou.
— Já disse que estamos fechados. Que droga você quer? — disse ela, impaciente.
— Olá. — alguém respondeu, surpreendendo as expectativas da mulher.
— Ah... olá. Em que posso ajudar? — ela perguntou, tentando retomar sua postura.
— Eu gostaria de deixar um recado, Riley. — explicou, ainda em anonimato.
— Quê? Como sabe meu nome? — ela rebateu.
— Você se apresentou na primeira ligação. Não se lembra? — um sorriso fraco se deu.
— Certo. E... qual é o recado? — ela questionou, com medo.
No exato segundo em que o disse, a chamada se encerrou sem resposta. Em seguida, algo quebrou a porta da livraria. Uma pedra de tamanho médio atravessou o vidro e Riley virou-se em rapidez. Assustada, caminhou até lá e pegou o objeto com as duas mãos. Havia um papel enrolado nele.
— O quê? Como... como assim? — se perguntou, confusa.
Riley abriu o bilhete. E a partir desse instante, ela finalmente sentiu o medo corroendo seu corpo de novo. Mais uma vez, o pesadelo que havia superado parecia ter lhe pego. E o motivo disto tudo era a pequena frase no centro do papel: "Você é o recado".
Riley se apavorou. Começou a se afastar devagar da vidraça mas, no momento em que ergueu seus olhos, viu uma figura negra em sua frente. Era ele. O seu pior pesadelo. O Fantasma Negro, se é assim que preferiam agora.
Belmont permaneceu paralisada por alguns segundos. Ela não conseguia gritar. E então, depois de reconhecer que ele carregava nas mãos uma faca afiada, tudo que conseguiu pensar foi em correr. Correr por sua vida. E foi isso que fez. Ela abriu a porta da frente e fugiu em disparada.
Riley correra rápido sobre o píer, tentando chegar à praia o mais rápido possível. Como já dito, não havia mais ninguém lá àquela hora considerando a horrível tempestade que rodeava o lugar. Tudo o que poderia fazer era contar com a própria sorte.
— SOCORRO! POR FAVOR, ALGUÉM! SOCORRO! — gritava ela, esperançosa.
Mas os trovões abafaram sua voz. E em um deslize, seu corpo foi ao chão. As madeiras molhadas à fizeram tropeçar em algum momento e cair. O que é uma pena, porque talvez, se continuasse correndo, chegaria em segurança à praia. Infelizmente, ele a alcançou e colocou logo suas mãos imundas sobre seu corpo.
Mas Riley não se daria por vencido. Ela já sabia que algum dia ia acontecer. Então, em um movimento rápido, segurou o braço dele antes que levasse uma facada certeira no pescoço. Riley conseguiu empurrá-lo para longe. Ela lutou, lutou por sua vida. E sabia que o faria até o final. Sairia viva ou morreria tentando.
Mas ele era mais forte, e a colocou no chão novamente. Riley estava cansada, não tinha mais forças, mas ela tentou até o último momento. Ele cravou a faca em sua mão e continuou empurrando até que o objeto cortante atravessasse sua pele, atingindo seu peito.
— Nã... não. NÃO! — murmurava, sentido o sangue pulsar em si.
Riley Belmont estava morta. E isso provava que o assassino não estava morto. E por mais que Seth Hastings e Arthur Morris estivessem, o pesadelo não havia acabado.
Sem um pingo de misericórdia em sua alma, o mascarado arrastou o corpo repleto de sangue até a beirada do píer de madeira, o empurrando logo para baixo. Entretanto, nesse milésimo de segundo, algo aconteceu. Riley agarrou seu braço com força. Ainda estava viva.
— SE EU CAIR, VOCÊ CAI JUNTO! — ela gritou.
E tentou mais uma vez, segurando-se na beira do píer. Seu corpo estava prestes a ser jogado no mar violento e ela não poderia deixar que isso acontecesse. Mas ele sabia que venceria, ainda mais agora que a vítima havia sido ferida próximo ao coração.
— Você sabe que não, Riley. Suas chances no jogo finalmente acabaram. — exclamou ele, aproximando sua máscara do rosto dela. — De uma vez por todas.
E então finalmente a empurrou. Belmont continuou relutante, entre suspiros de dor, até que seu corpo se chocasse contra as rochas na água. Agora havia acabado. E mais ninguém poderia fazer nada a respeito.
Talvez seu assassinato tivera uma ligação com todas as outras mortes. Talvez tenha sido um crime aleatório. Por enquanto, para aqueles que saberiam da notícia em breve, era ainda uma incógnita sem resposta.
Por enquanto.
Floresta da ilha de Shallow Wood, aproximadamente 22:00 horas da noite.
Suas pegadas foram apagadas pela ventania sombria que assolava aquela área da ilha. Os rochedos, conforme eram atingidos pelo oceano, faziam Jullie sentir calafrios cada vez mais frequentes.
Ela estava cansada. Não sabia ao certo como foi parar perto daquela cachoeira assustadora e muito menos em que momento acabou se perdendo entre aqueles longos pinheiros. A única coisa de que tinha certeza era que estava muito longe da pousada e qualquer outro lugar cujas luzes pudesse seguir.
E como se já não bastasse o seu medo e preocupação, carregados consigo desde o início daquela viagem, agora o barulho incômodo havia voltado. Idêntico ao que ouvira quando estava com Melissa, ele se assemelhava a alguns arbustos se mexendo ali perto.
[Música: Way Down We Go - KALEO]
Mas Jullie não tinha coragem para caminhar até lá ou para dizer qualquer coisa. Talvez tivesse, mas não agora. Então ela tentou manter sua respiração calma e cerrou seus punhos, preparando-se para o que enxergaria saindo de lá.
— Interessante vê-la por aqui. — diferente do que esperava, uma voz lhe atingiu pelas costas.
Uma voz masculina, forte, grave. E conforme se passavam os dois ou três segundos que levara para virar seu rosto, ela já podia ter a certeza de que estava delirando desde que pôs seus pés naquele lugar. Era isso, só podia ser.
O terno azul marinho e a gravata entregavam a figura amedrontadora que se apoiava ao tronco de uma árvore. Ele segurava uma arma em sua mão, do mesmo jeito que na última vez em que se encontraram. Seu peito tinha um buraco enorme e manchas de sangue. Arthur Morris.
— A... Arthur? — um nó se fez em sua língua, tentando impedi-la de pronunciar aquele nome.
Se soubesse o que estava prestes a acontecer, talvez Jullie Morris não tivesse escolhido ficar sozinha naquela noite. Se estivesse ciente do decorrer desta bizarra história, daquelas que se contam em noites de fogueira, talvez as coisas fossem diferentes. Mas ela não poderia adivinhar. Ninguém poderia, afinal.
No dia seguinte, se de alguma forma descobrissem sobre o assassinato em Gravewood, Jesse e os outros teriam as respostas de que precisavam. Ou pelo menos uma pista delas. Mas para Jullie Morris, naquele momento, a única coisa de que se certificou era o fato de que aquele lugar não parecia mais tão seguro quando aparentava no início do dia.
Ilha de Shallow Wood, 29 de novembro de 2001, pouco antes do relógio indicar meia noite — Pouco mais de dezoito anos atrás.
O procedimento médico foi executado com êxito. Provavelmente, alguns minutos de atraso e aquela mulher não teria dado a luz àquela garotinha. Mas isso não aconteceu. Ela agora se encontrava recostada sobre a cama, em segurança, e com os lindos olhos abotoados de sua filha a encarando.
— Muito... muito obrigada. — sussurrou a ruiva, com lágrimas em seus olhos.
— Meus parabéns. — a enfermeira respondeu, pousando suas mãos sobre os ombros da paciente calmamente. — Já sabe o nome dela?
E então um sorriso, seguido de um movimento leve de seu rosto que confirmava a resposta. Abrindo seus lábios levemente, a garota enfim respondeu.
— Vai se chamar Jesse. Jesse Greene.
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