Temporada 2 - Capítulo 9| "O baile da morte" • Parte 1

17 de fevereiro, 11:00 horas da manhã — Nove horas para o baile.

Se aproximava cada vez mais a noite do grande baile. A multidão na delegacia havia se acalmado quando os policiais conseguiram conter o tumulto, e pouco antes da meia noite a cidade estava em silêncio outra vez. Quanto aos seis amigos restantes, não conseguiam parar de pensar no agonizante fim que Jenny Hopps havia levado.

Naquela manhã fria, até mesmo Josh Evans sentiu como se as coisas estivessem diferentes, mesmo que não fosse tão próximo à vítima. Melissa era a novata na cidade quando chegou, e Jenny foi a primeira pessoa a falar com ela por vontade própria. Do seu jeito meigo, doce e único, como sempre. Doía a cada um deles imaginar que não ouviriam mais aquela risada irritante ou os sapatos de cano alto chocando-se ao chão. Jennifer Hopps não era a pessoa mais carinhosa, a mais amigável ou educada, mas faria falta. Ela fizera do mundo um lugar mais intenso.

Mas no momento em que deixou aquela lâmina atravessar seu peito, ela foi derrubada. Fez isso para impedir que mais alguém se machucasse por sua conta. Infelizmente, pessoas ainda iriam se machucar até o amanhecer do dia seguinte, e muito. Seus corações dividiam batidas de desespero entre viver aquele dia da forma mais normal possível ou seguir o caminho de Hopps. Aquele era o último dia e consequentemente a última noite. A última chance de dizer algo, de acreditar em algo, de lutar por alguém ou tentar consertar alguma coisa.

— A... alô? — Jaremy tremeu seus lábios ao atender a ligação.

— Não precisa fingir que não me conhece. Não há ninguém olhando. — ele suspirou.

— O que você quer? Disse que me deixaria em paz se... se... — ele gaguejou.

— Fala sério, Jaremy! Você matou aquele homem para salvar a própria pele. Acha que vai viver uma vida normal outra vez, como a vítima que era no ano passado? Você é um monstro como eu agora. — sua voz causava arrepios ao menino.

— Eu matei aquele homem porque você disse que eu não tinha escolha. Disse que deixaria eu e meus amigos em paz. Droga! Você... você me prometeu. — o rapaz passou a mão sobre os cabelos. — Quando é que vai parar de me ligar?

— E eu vou cumprir o que disse, depois da noite de hoje. Me encontre na escola, Jaremy, e ninguém vai se ferir. Mas lembre-se: se alguém souber, acabou. — o chiado da ligação tomou conta da linha.

— Droga, droga, droga. DROGA! — Jaremy derramou seus braços sobre a parede, caindo no chão em seguida.

Era um caminho sem saída. Talvez fosse realmente verdade, talvez ele estivesse pensando em acabar com aquele devaneio de uma vez e provar para aqueles que amava que ele não era o monstro. Esse seria seu jeito de fazer as coisas voltarem ao normal. Mas como se lida com um pesadelo depois de ter sido o monstro que o assombra? Jaremy fez seu jogo e seguiu o caminho que achava ser correto. Ele se colocou do outro lado do tabuleiro na esperança de que pudesse continuar em pé. A única dúvida que o assolava era: e se ele caísse mesmo assim?

Em alguma pequena loja no centro da cidade, meio dia — Oito horas para o baile.

Jesse largou dois vestidos sobre a bancada. Um era repleto de detalhes amarelados e um pequeno broche prateado ao centro. Quanto ao outro, se dava pelas terminações rosadas e uma fita decorativa lilás que circundava a cintura. A garota tentava se concentrar nos mais insignificantes assuntos naquele dia, como uma maneira de esquecer do filme de terror que rodeava sua vida. Procurar um vestido para o baile com a ajuda de Millye e Melissa era uma destas coisas.

— O que acham destes dois? — Jesse pôs um sorriso sobre o rosto e virou-se para as duas garotas.

— O rosa é incrível, mas... o amarelo tem mais a sua cara. — exclamou Millye.

— Exato. Se Jenny estivesse aqui, ela... ela te forçaria a escolher o rosa. Sem dúvidas. — Melissa deixou escapar um riso entre dentes.

— Com toda a certeza. — Jesse colocou a vestimenta próxima ao seu corpo. — Bem, acho que já fiz minha escolha.

— Quer saber? — Melissa levantou-se, caminhando até lá e agarrando o vestido rosa com as mãos. — Eu fico com esse. Ela gostaria de estar lá. — suspirou.

— Então eu fico com o azul. — Millye apanhou o vestido que havia escolhido, apreciando seus mais diversos detalhes.

E por um instante, depois de terem encontrado as roupas que utilizariam na festa, as três meninas paralisaram-se. Ficaram encarando uma à outra como se faltasse algo. Elas sabiam que aquele evento não chegaria nem perto de ser a mesma coisa que poderia ser se Jenny estivesse ali. Longe disso, seria apenas mais uma reunião que acabaria muito provavelmente em uma morte. Mas algo aquecia o coração das três: elas ainda estavam ali. Estavam juntas.

— Eu amo vocês. — Jesse não conteve seus olhos lacrimosos, e logo abraçou as outras duas garotas.

— Vamos conseguir. Vamos ficar juntas até o fim desta noite entediante. Não é? — Melissa sorriu. Ela esperou que ambas concordassem, mas imediatamente percebeu que Millye parecia distante. — Millye?

— Oi? Ah, sim. Desculpa, eu só estava... pensando. — ela se sentou.

— Em quê? — Jesse se aproximou.

— Talvez não seja a melhor hora, mas... acredito que algumas coisas façam mais sentido agora. — ela voltou a olhar para Jesse e Melissa. — Melissa, se lembra do que aconteceu na fábrica?

— Como eu iria esquecer, Millye? Não se passaram nem vinte e quatro horas. — ela bufou.

— Certo. Então... o recado deixado pelo mascarado indicava dezessete de fevereiro. Foi a noite do massacre na Rainwood High. — disse ela.

— O que tem de mais? — questionou a loira. — Várias coisas não fazem sentido desde o início. Aliás, já pararam para pensar no porquê de ele utilizar "um velho amigo" como nome nas mensagens? Que coisa broxante. — Melissa deu de ombros.

— Eu sei, mas... há um detalhe. Sabem que dia é hoje? — Millye respirou fundo. — Dezessete de fevereiro.

— Droga. É por isso que ele disse que o jogo deveria se encerrar hoje. Talvez... talvez como uma forma de recriar o que aconteceu há exatos dezoito anos. — explicou Jesse.

— E por que diabos ele está fazendo isso? Tipo... ele é alguma daquelas pessoas que veneram Jacob Woods por ter feito o que fez? Eu não entendo. — Melissa cruzou os braços.

— Talvez seja. Bem, Seth era uma delas. — disse Millye. — Mas eu não sei de fato o que pode acontecer.

— Não importa. Qualquer teoria é válida, até porque não temos nada que nos diga quem ele é até agora. — respondeu Jesse.

— Enfim, eu realmente espero que isso não aconteça. É improvável, mas... eu prefiro acreditar nisso. — disse Melissa, enquanto encarava a tela do celular. — Preciso ir agora. Nos vemos no baile?

— É claro. Tomem cuidado. — Jesse também se despediu. — Millye, você vem comigo?

— Oi? — virou-se. — Na verdade, eu... eu acho que preciso ir a outro lugar antes. — ela deixou o estabelecimento antes das outras duas, com pressa.

Apartamento 114, 12:30 — Sete horas e meia para o baile.

Os intervalos de respiração intensa entre cada passo que dava sobre o carpete da entrada revelavam o quão ansiosa a garota estava. Talvez aquela não fosse a ocasião para tal, mas carregar consigo a euforia por trazer uma notícia até Jullie lhe fazia lembrar dos velhos tempos, quando Melissa corria para os braços da mãe com saudade.

— Mãe, está aí? Olha só, eu sei que vai perguntar por que eu não escolhi algo mais discreto, mas... há um motivo especial desta vez. — seus olhos brilhavam enquanto a menina encarava o vestido rosado em seus braços.

Foi somente quando cruzou a entrada do primeiro cômodo que percebeu o silêncio perturbador que assolava o apartamento. Sua mãe não estava na cozinha ou na sala de estar. Melissa caminhou pé por pé até o fim do corredor, podendo identificar um barulho incômodo que vinha da esquerda. E a única coisa à sua esquerda era a porta envelhecida daquele pequeno quarto.

— Mã... mãe? — com seus dedos trêmulos, Melissa agarrou a maçaneta e a contornou, ainda com os olhos fechados.

Já fazia dois dias que os pesadelos aterrorizantes a tinham deixado. Depois que seu pai retornou, a jovem se sentia estranhamente segura novamente. Ainda pairava sobre sua cabeça a dúvida sobre o porquê de sua mãe ser o monstro na maior parte de suas lembranças. E no instante em que abriu aquela porta, o medo voltou.

O corpo de Jullie se erguia sobre o tapete envelhecido no centro do quarto. Ela parecia cansada, mas um tanto frenética. Suas mãos seguravam uma pequena lamparina acesa. E pelo seu olhar aprofundado naquela minúscula chama, seus impulsos a fariam jogar aquela cápsula de vidro no chão em breve.

— Você queria saber o que aconteceu aqui. Não queria? — Jullie exclamou, entre suspiros de nervosismo.

— O quê? Mãe... mãe, não! — Melissa gritou, amedrontada.

E então, a mulher levantou o lampião e em seguida aproximou-se de atirá-lo contra o tapete. Ela faria o lugar queimar outra vez. Mas Melissa agarrou o corpo da mãe antes que outra catástrofe viesse a acontecer naquela residência. Jullie contraiu seu corpo ao sentir os dedos da filha a tocarem, e segurou o objeto com mais força, impedindo-o de cair no chão.

— Que droga estava tentando fazer? Podia ter morrido! — Melissa se afastou, ainda encarando-a com incerteza.

— Estou farta de viver nesse lugar. Nunca deveríamos ter voltado para essa cidade, Melissa. NUNCA! — Jullie aproximou-se das paredes escurecidas do quarto, escondendo seu rosto entre as próprias mãos.

— Mãe! Precisa me dizer o que está acontecendo. Você... você está me deixando com medo. — a jovem levou um pé atrás do outro, tentando voltar para o corredor fora do quarto.

— Lembra-se de quando eu disse que o medo sempre vai embora, filha? —sussurrou Jullie, enquanto ainda encarava a estrutura mórbida da parede à sua frente. — Eu menti. — um sorriso repentino instalou-se em seus lábios.

— Mãe, eu não entendo. Onde está o papai? — Melissa levou suas mãos até a porta atrás dela.

— O MEDO NÃO VAI EMBORA! — Jullie começou a caminhar na direção da filha, com seus olhos inchados, como se tivesse deixado que lágrimas escorressem durante os últimos trinta minutos sozinha naquela casa. — E sabe por quê? Porque ele vive... dentro de você.

Melissa sentiu as pontas ásperas dos dedos de sua mãe deslizarem por seu pescoço. A mulher levou suas duas mãos até os ombros da adolescente e depois a agarrou com força. Nos seus olhos, havia alguma coisa assustadora. Era como se a menina estivesse outra vez dentro de um devaneio, a diferença é que o monstro estava em sua frente agora.

O medo voltou a tomar conta de Melissa durante aqueles torturantes instantes, nos quais ela enxergava alguém que não parecia ser sua própria mãe. Sua respiração começou a ficar ofegante, e suas mãos tremiam. Entretanto, uma voz invadiu o quarto imediatamente. A garota levou um breve susto, mas teve tempo de escapar das mãos da mulher e voltar para o corredor principal.

— O que está tentando fazer? — Arthur colocou seu corpo à frente da filha, confrontando a esposa. — É melhor ficar longe dela, Jullie.

— Você é tão... tão asqueroso, Arthur! — disse Jullie, entre murmúrios. — E isso é tudo culpa sua. Sua e... e do Billy. — ela afastou-se dos dois depois de dizer aquilo, indo em direção ao seu quarto, no fim do corredor, e trancando a porta em seguida.

Melissa ficou em choque por alguns segundos. Seu pai não havia chegado a tempo para entender o que de fato aconteceu, mas analisando a atitude que tomou, a garota percebeu que ele sabia de algo. Sua mãe estava fora de controle, e aquilo muito provavelmente tinha algo a ver com os inúmeros segredos que o casal escondeu da pequena este tempo todo.

E quando Melissa ouviu aquele nome estranho ser dito por sua mãe, ela sabia que o reconhecia. De alguma maneira. "Billy" era como uma das memórias que a menina deixou esquecer-se com o passar dos anos. Mas ela estava mais do que certa de que iria exigir as respostas. E se só pudesse confiar em seu pai para isso, então seria ele quem deveria explicar o que aconteceu ali.

— Não pense em sair por aquela porta. — disse Melissa, esgueirando seus olhos pelo homem que já se afastava. — Você vai me explicar toda a droga que aconteceu nesse lugar. E vai ser agora. — ela caminhou até a sala de estar, esperando que ele a seguisse.

Alguns minutos se passaram. Melissa sentou-se no sofá da sala, encarando o arranhar do vento sobre as árvores através da janela. Jullie havia adormecido, o que parecia ser um sinal de que aquele momento mais cedo havia sido apenas um deslize de sua saúde mental. Ela iria melhorar. Arthur agora se preparava para dizer a verdade à filha. Se ele quisesse que ela confiasse nele, essa era a coisa certa a se fazer.

— Quer algo para beber? — o homem sentou-se à frente da menina, esfregando suas mãos sobre as pernas a cada dois segundos.

— Eu só quero que me diga o que aconteceu naquela... naquela noite. E eu adoraria saber quem é Billy. — ela cruzou seus braços.

— Isso é um tanto difícil. Digo, já faz tanto tempo que eu estive aqui pela última vez e... — Arthur respirou fundo. — as lembranças continuam.

— Me diga! Me diga de uma vez, porque essa noite é a causa dos meus piores pesadelos. Eu... eu preciso saber, pai. — implorou Melissa.

— Houve um apagão na cidade naquela noite. Eu cheguei tarde em casa e te encontrei no sofá. Sua mãe estava aflita. O prédio inteiro estava escuro, e a única coisa que Jullie carregava era... era aquele pequeno lampião. — Arthur suspirou, encarando o carpete da sala.

— E depois? O que foi que causou o incêndio, pai? — Melissa o pressionou.

— Bem... havia este cara, o Billy. Eu imaginava que ele e sua mãe tinham um caso ou algo do tipo, e então... naquela noite, ele resolveu vir até a nossa casa. Mas ele estava fora de si. Devia estar bêbado. Ele tinha uma arma. — explicou.

— O quê? E por que ele traria uma arma para dentro da nossa casa? — ela questionou, assustada.

— Eu não sei, filha. Eu não o conhecia. Sua mãe e eu discutimos e Billy enlouqueceu. Eu nunca soube exatamente o que sua mãe e ele faziam juntos, mas não era algo bom. Billy estava descontrolado, ele tentou me atacar e então eu me defendi. — Arthur sentia em si o peso que sentiu naquela noite, enquanto contava a história. — Jullie estava com medo, mas eu não achei que fosse o momento certo para colocá-la contra a parede ou algo assim. Então eu... eu chamei a polícia.

— Então a minha mãe estava te traindo. — Melissa franziu o cenho. — Eu sabia que ela escondia algo. E quanto ao quarto? — ela voltou a encará-lo.

— Essa é a parte ruim da história. Ou a pior. Melissa, nós dois concordamos em não lhe dizer nada sobre isso porque sua vida já seria difícil o suficiente, como a vida é. Não queríamos que carregasse isso consigo. Mas se insiste, eu vou dizer. — Arthur segurou a mão dela.

— É o que eu mais quero. — exclamou Melissa.

— Billy caminhou até o seu quarto, o antigo quarto, enquanto eu e sua mãe esperávamos os policiais. Nenhum de nós percebeu, e então... a ouvimos gritar. — ele disse, entre murmúrios de nervosismo.

— O quê? O que ele fez comigo, pai? — perguntou a garota, com os olhos lacrimejando.

— Nada. Eu e sua mãe não chegamos a tempo de tirá-lo de lá, mas você o fez. Quando encontramos você no corredor, o lampião que sua mãe havia deixado na sala estava no chão. As chamas se espalharam pelo quarto mais rápido do que pensávamos e... então nós tiramos você de lá. — ele disse com certo alívio.

— Está dizendo que eu matei... o Billy? — Melissa disse, boquiaberta.

— Nós não sabemos o que teria acontecido naquele quarto se você não tivesse jogado o lampião no tapete, Melissa. Billy era um louco e estava lá para machucar todos nós. Você... nos salvou. — Arthur sentou-se mais perto da garota, tentando ainda evitar que seus olhos se enchessem de lágrimas.

— Eu causei aquele incêndio. Eu... eu era o monstro? — ela olhou para o homem, assustada.

— Não! Não, filha. Billy era o monstro. Você fez o certo. Ah, Deus... você era tão pequena e pura. E ainda é. — ele sorriu.

— Mas por que você foi preso, papai? Se Billy era o monstro, por que não acreditaram em você? — questionou a jovem.

— Porque a sua mãe disse que eu havia feito aquilo. Eu nunca soube a verdadeira história por trás do que ele e sua mãe tinham, mas... eles me levaram. Depois de alguns meses eu fui solto, mas não tive coragem. Sabe? Eu não tive coragem de voltar para esta cidade. Foi por isso que esperei este tempo todo. — disse Arthur.

— Então ela era de fato o monstro. E agora... — Melissa olhou para o corredor. — ela quer que você vá embora.

— Nada vai acontecer comigo, filha. Eu estarei bem aqui. Vá ao baile hoje à noite, divirta-se. Eu vou ficar aqui e garantir que sua mãe não saia daquele quarto. — Arthur caminhou até o corredor, deixando a menina sozinha na sala.

— Pai! — ela chamou sua atenção. — Tome cuidado.

— Eu terei. E a propósito... lindo vestido. — ele deixou que seu sorriso fizesse o coração de Melissa aquecer-se.

Ela ficou sentada ali, encarando o cinza exterior naquela tarde. As coisas aconteceram tão rápido que sua estadia naquela cidade parecia ter sido tirada de um filme de suspense. Parte dela agradecia por saber a verdade agora, e aquele cômodo esquisito não lhe parecia mais tão assustador. Por outro lado, sua própria mãe não era mais a mulher que dizia amá-la. Porque ela talvez nunca tenha sido.

E o desenrolar daquele bolo de lã traria em breve respostas que a menina não esperava. A dúvida que pairava sobre sua cabeça era: e se isso estivesse relacionado aos crimes na última semana? Não poderia ser uma simples coincidência que justamente quando colocou os pés na cidade, seus novos amigos começaram a morrer. Talvez Billy e Jullie fossem a causa disso. Talvez fossem a peça que faltava.

Segunda casa da rua Orxwell, 14:47 da tarde — Cinco horas e alguns minutos para o baile.

Millye tentou acalmar sua respiração antes de tocar à porta da casa. Seus dedos circundaram os óculos em seu rosto, e finalmente ela tentou agradar o futuro anfitrião com um sorriso nos lábios.

— O que faz aqui? — Jaremy abriu a porta com cautela ao ouvir as batidas.

— Eu sei que não deveria. Mas não quero ser para sempre a garota que você viu naquela manhã, debaixo da chuva. — Millye suspirou, guardando suas mãos no bolso do casaco.

— Que tipo de garota você deveria ser? — ele apoiou o braço sobre a porta.

— Alguma que aceita não estar sempre certa. — a menina levou seu olhar até o chão. — Jaremy, eu não acho que tempo seja uma coisa que temos agora. Então... você quer ir ao baile comigo? — Millye colocou à sua frente um pequeno girassol.

— Millye, eu não posso fazer isso. — o rapaz fechou seus olhos, levando a mão direita até a cabeça.

— Por que não? Nós podemos, Jaremy. Ainda estamos vivos, por que não aproveitar ao máximo nessa festa idiota? — Millye sorriu, esperando que o menino percebesse que seu carinho era sincero.

— Millye, eu fiz aquilo. — Jaremy abriu os olhos, encerrando a fala da menina imediatamente. — Fui... fui eu.

— Do que está falando? — Millye não teve tempo de desmanchar seu sorriso antes que ele a atingisse com tais palavras, e deixou que a partida de seu ânimo fizesse isso por ela.

— Eu estava na fábrica, Millye. Eu fechei a porta. Eu liguei as máquinas para atraí-los e... e... eu deixei que vocês corressem perigo. — em um instante, ele havia deixado que a menina soubesse a verdade.

— O quê? Jaremy, você... como... não. Você não fez isso. — um riso atrapalhado tropeçou sobre suas palavras. — Você não faria isso.

— Mas eu fiz. Merda! Eu fiz. — o garoto escorou sua cabeça sobre a parede. — Ele estava na minha cola, Millye. E eu sei que se você soubesse de metade das coisas que eu fiz nesta semana nunca me daria uma segunda chance. Eu sou a droga do monstro. — Jaremy deixou que ela o julgasse por si só por um momento.

— Por... por quê? — Millye tentou segurar as lágrimas, mesmo que a tarefa fosse quase impossível.

— Porque eu queria escapar desse pesadelo. Eu não tinha escolha! Ele disse que ninguém mais iria se machucar se eu ajudasse-o a tirar você, Josh e Melissa do jogo. — o rapaz tentou explicar.

— Então nos trancou em uma sala da qual poderíamos nunca ter escapado com vida? — Millye interveio.

— Não! Ele prometeu que ninguém morreria. Disse... disse que Jenny seria a última peça a cair. E então eu fiz. Fiz porque estava com medo. Fiz porque sou a porra de um covarde. — Jaremy abaixou a cabeça, enquanto os dedos de sua mão tremiam.

— E você concordou em matá-la? Você... Jaremy, eu não consigo acreditar. — Millye retirou seus óculos do rosto, levando a manga do casaco até os olhos.

— Millye, eu juro por tudo de mais sagrado nessa vida que não queria ter feito isso. Quando eu percebi, já estava perdido. — disse ele.

— Me diga quando aconteceu. — ela evitou encará-lo, voltando seus olhos para a rua úmida atrás deles.

— Na noite depois que o corpo da Maryan foi colocado naquele lago. Eu juro! Eu não tinha nada a ver com esse babaca até... até aquela noite. — Jaremy engoliu em seco. — Você se lembra daquela manhã na cafeteria, quando resolvemos enterrar aquele aviso estranho e eu disse que daria um jeito de me livrar da faca com sangue? Esse foi o primeiro passo dele, Millye. Ele sabia! Ele me viu segurando aquela faca na floresta, e então... então eu já era a merda da peça dele sem mesmo perceber! Sabe no ano passado, quando você disse que tinha a sensação de estar sendo observada durante aquela noite? Eu tive essa sensação desde que essas merdas voltaram a acontecer! E agora eu sei que estava certo. — o menino respirou fundo, assustado. — E a culpa é dessa droga de jogo!

— Não! A culpa é sua. — Millye voltou a encará-lo. — Quer saber de uma coisa? Eu nunca deveria ter vindo aqui. Boa sorte sobrevivendo no pesadelo que você mesmo escolheu criar. — ela jogou a pequena flor no chão e deu as costas a ele.

As pétalas amareladas desfizeram-se sobre o chão da mesma forma que o resto da confiança de Millye em Jaremy naquele instante. Seu coração torcia para que pudesse enxergar mais um pouquinho de amor naquela pessoa, mas já havia ficado claro a resposta. Sua garganta ardia como se uma flecha a tivesse atingido, mas ela foi obrigada a deixar o lugar. E esperava nunca mais voltar a vê-lo.

A noite se aproximava. E para o restante do grupo que ainda precisaria conviver naquele inferno por mais algumas horas, o relógio não girava de forma alguma. A cidade estava silenciosa naquele horário do dia. Jesse não havia respondido às mensagens de Sam durante a manhã porque ainda não sabia se a coisa certa a se fazer era comparecer ao evento. Mas ela não podia deixar que seus amigos o fizessem sozinhos, então resolveu que enfrentar o pesadelo acordada seria muito mais fácil.

Apesar de inquietas e torturante, as últimas horas do dia não prolongaram-se muito. Pelo contrário, o anoitecer chegou rápido como as gotas de chuva que costumavam cair na maioria dos dias. Faltava agora alguns minutos para o início daquele possível evento sangrento, e aqueles jovens dirigiam-se à escola, local do encontro final, com a mais pura adrenalina correndo por suas veias.

Rainwood High Shool, 20:00 horas da noite — Hora do grande baile.

Por incrível que pareça, o prédio rodeado por jovens eufóricos e aquelas luzes brilhantes não assustavam Jesse tanto assim. Ela erguera a parte inferior do vestido ao subir os demorados degraus que a levariam até o local da festa. E apesar do dourado e do rosa lhe atingirem os olhos por inteiro do lado de fora, também era visível a luz azul e vermelha das viaturas. Moose cumprimentou a garota ao enxergá-la atravessar a porta principal, o que não era tão diferente das outras possíveis cenas de crime em que os dois se encontraram.

— Você está incrível. — a voz adocicada do ruivo lhe fez sentir um arrepio, ao enxergá-lo parado à sua frente.

— Você também, Sam. Como sempre. — Jesse levou seus olhos de cima abaixo sobre o terno escuro que o menino vestia e a pequena gravata borboleta de cor lilás.

— Quer ter a honra de fingir que essa é uma noite normal? Digo, como dois adolescentes normais em um último ano normal. — o rapaz estendeu a palma da mão, dando espaço para que a garota aproximasse a sua.

Jesse não precisou dizer uma palavra. O brilho em seus olhos entregava de uma vez que a resposta seria "sim". Sempre "sim". A menina entrelaçou seus dedos e deixou que o jovem guiasse-a até o centro do salão. Era estranhamente bonito, entretanto mórbido, a forma com que aquelas pessoas dançantes ao redor do casal permitiam que Jesse se sentisse segura de novo. As luzes fracas no ambiente azulado oscilavam devagar, como se seguissem cada paço que a garota desse, fossem eles ao encontro do corpo de Sam ou afastando-se dele.

Jesse avistou os amigos no mesmo espaço poucos segundos depois. Millye estava deslumbrante com o vestido de cor azul, e Melissa carregava um sorriso encantador em seu rosto. Quanto ao Josh, ele continuava sendo o Josh. Mas estava feliz. E por um momento, sob uma melodia pouco agitada, sentindo o calor corporal das pessoas ao seu redor, a pequena Greene se sentiu como Sam a descreveu. Se sentiu como deveria se sentir, apenas. Normal. Porque naquele momento, eram apenas jovens de dezessete anos em um baile do colegial, compartilhando do mais intenso e puro abraço da juventude.

Não que as coisas fossem continuar assim até o fim da noite, pois certamente não iriam. Pouco a pouco aquela sensação homogênea de medo e desconforto retornava aos corações de cada um deles. Millye, a primeira a deixar para trás a canção alegre, sentiu um rápido revirar estomacal. As coisas pareciam girar simultaneamente ao seu redor, e seus óculos a faziam ter uma dor estonteante na cabeça.

Ela abandonou a multidão em passos acelerados, dirigindo-se ao banheiro imediatamente. O barulho abafado da música e dos sussurros contínuos tornava ainda mais difícil o caminho até lá. Ao vê-la indo em direção ao corredor, Josh perseguiu o rastro azulado do vestido que a menina deixara para trás.

Millye debruçou-se sobre a pia do banheiro assim que alcançou a estrutura. Ela arrancou de uma vez o colar que usava, e deixou de lado seu par de óculos. Enquanto encarava o próprio reflexo no espelho, sentiu um rápido repúdio. Sentiu como se não estivesse realmente ali. E, de alguma forma, ela estava? Talvez aquela festividade em um mundo faz de conta não passasse disso: um faz de conta. Seus ombros pareciam carregar um peso naquela noite.

— Você tá chorando? — a figura de Joshua invadiu o banheiro com cuidado, aproximando-se devagar da garota.

— Você não deveria estar aqui. — Millye escondeu depressa seu rosto pálido e os olhos que lacrimejavam, virando-se para o rapaz.

— Ah, é. Esse é o banheiro feminino. Eu saquei. — Josh tossiu, olhando para os lados em seguida e checando se havia mais alguém lá.

— Não é isso. É que... você realmente não devia estar aqui. — a garota encarou o chão, evitando olhar nos olhos dele.

— Por que não? Você não parece bem. — Josh sentou-se sobre a estrutura da pia, ao lado dela.

— Você sabe de quem é a culpa. — ela respirou fundo. — Josh, o Jaremy disse que foi ele. Ele estava na fábrica na outra tarde.

— Do que está falando? Ele... ele nos deixou lá? — Josh espantou-se.

— Exato. Mas ele falou que foi obrigado, de alguma forma. Parece que o mascarado havia lhe prometido segurança e a todos nós também. — Millye explicou.

— Mas a Jenny morreu naquele dia. Que tipo de acordo é esse? — perguntou o garoto.

— Ele disse que ela deveria ser a última peça, ou algo assim. Se Jaremy cumprisse a promessa, ele nos deixaria em paz. — ela respondeu.

— E acredita nisso, Millye? — Josh encarou ela.

— Eu... eu não sei. Foi a coisa mais absurda que já ouvi vindo dele. Mas e se ele estiver falando a verdade, Josh? Eu não consigo parar de pensar nisso. Porque talvez ele só estivesse tentando fazer o certo. — exclamou Millye.

— É. Eu sei. Porque ele também faz parte dessa droga de jogo. Talvez esteja certa. Mas só saberemos ao fim da noite. — ele colocou suas mãos no bolso. — Não é sua culpa de qualquer forma, Millye. Jaremy fez a escolha dele.

— E se eu não tiver tempo o suficiente para pedir desculpa quando isso chegar ao fim? Eu... estou com medo. — a garota juntou suas mãos perto do peito.

— Todos estamos sem tempo. Mas você não pode fazer nada agora. Tudo o que eu e você podemos fazer é voltar para aquele salão e esperar. E assim, talvez, você tenha a chance de pedir perdão a ele, ou... qualquer coisa. O que acha? — Josh estendeu sua mão, esperando que ela respondesse ao pedido.

— Está me chamando para dançar, Evans? — Millye sorriu, voltando a encaixar seus óculos no rosto.

— Como quiser. — ele segurou os dedos da garota e começou a caminhar em direção à saída do banheiro.

Possíveis erros poderiam ser facilmente cometidos naquela noite. Mas como Josh disse, não havia nada que pudessem fazer por enquanto a não ser esperar pelo desfecho final. Os dois retornaram à multidão que se divertia com a música alta e algumas bebidas pelo chão. Apesar do ambiente alegre e eufórico, havia uma atmosfera inteiramente sombria que circulava a escola naquela noite. Os oficiais do lado de fora sabiam disso. Era só questão de tempo até que algo acontecesse.

Não tão longe daquele local barulhento, os corredores dos outros blocos da Rainwood High continuavam em silêncio. O simples e superficial carregar do vento balançou os enfeites nas paredes, esquecidos ali porque nenhum jovem atreveria-se a andar sozinho pela escola durante a festa.

Sobre os azulejos esbranquiçados, um par de sapatos escuros caminhou até o final do corredor. O Fitzgerald colocou sua mão sobre a parede próxima à entrada do salão, e pôde ter visão da animação que compartilhavam aqueles alunos. Não levou tanto tempo para identificar Millye Campbell no meio dos amigos, e logo sentiu um pequeno alívio. Ela estava ali, e estava bem.

— Eu vou fazer dar certo, Millye. — Jaremy disse em voz baixa, enquanto apreciava cada detalhe da vestimenta que a garota usava. — Prometo uma última dança.

Ele se distanciou novamente, deixando para trás as luzes lilás que se moviam sobre o salão. O menino se aproximou do banheiro masculino do bloco leste da escola, onde havia combinado de encontrar aquela criatura. Jaremy fez um trato, e esta era a hora de ficar frente à frente àquele ser sombrio. Talvez ele fosse descobrir quem estava por baixo da máscara, e talvez apenas recebesse a ordem de nunca tocar naquela história novamente. Qualquer uma das opções para ele estava de bom tamanho, desde que seus amigos ficassem a salvo.

Ao adentrar pela porta da frente, o garoto enxergou um sujeito parado perto da parede. Suas vestes inteiramente escuras cobriam o corpo, e a fraca iluminação deixava-o quase que invisível em meio ao breu no canto da parede.

— Por que me chamou aqui? Eu cumpri o trato. Não cumpri? Disse que isso acabaria esta noite. — Jaremy apanhou o celular. — Já são 20:47 da noite. O que mais quer que eu faça?

Em passos curtos, o mascarado chegou mais perto do menino. Sua respiração debaixo da máscara fazia o coração de Jaremy palpitar. Encarando-o com olhos negros, ele utilizou de algum dispositivo para reformular sua voz e torná-la irreconhecível.

— Você é tão ingênuo. Não achou que fosse mais esperto que seus amigos, achou? Talvez se tivesse jogado como eles, estivesse junto deles. — o mascarado inclinou sua cabeça, escondendo uma das mãos debaixo da roupa.

— Bobagem. Eu quero que me deixe ir de uma vez. Você prometeu que eu estaria livre. — disse Jaremy, começando a parecer nervoso.

— Sim, eu disse. Mas você se lembra do combinado? Eu disse que te deixaria ir se não contasse a ninguém sobre isso. — ele inclinou a máscara para o lado esquerdo, observando o garoto vagarosamente. — Você não fez isso, Jaremy.

— Como... como sabe? Por favor, eu fiz tudo o que pediu! —  respondeu ele.

— Você contou tudo à Millye Campbell hoje à tarde, na frente da sua própria casa. Não achou que eu não fosse descobrir, né? — uma gargalhada ecoou sobre os ouvidos de Jaremy.

— Me... me desculpa. Eu juro que ninguém mais vai descobrir! Por favor, eu... eu só quero voltar a ser o que era antes. — Jaremy abaixou-se à frente do mascarado, implorando para que ele tivesse a legítima piedade.

— É tarde demais para que as coisas voltem a ser como antes. — ele respondeu.

E em uma sacada rápida, a criatura debaixo das vestes retirou um objeto pontudo de trás de suas costas. O menino no chão não teve a chance de um reflexo precoce, e pouco entendeu quando sentiu a lâmina atravessar sua garganta. Jaremy levou suas mãos sobre o pescoço o mais rápido que pôde. Sua única opção era tentar conter o sangue para que não acabasse morrendo tão rápido.

— NÃO, NÃO, NÃO! — as palavras repetidas quase conseguiram formar-se entre os lábios de Jaremy, mas o sangue atrapalhou qualquer que fosse sua intenção.

Apreciando a cena como se fosse uma programação de entretenimento, o mascarado deu a volta sobre a área coberta pelo sangue, posicionando-se atrás do rapaz. Ele agarrou sua cabeça e começou a empurrar suas costas com o pé esquerdo. A força que ele exercia sobre o corpo fraco do adolescente era tão feroz que Jaremy mal conseguia gritar. A dor lhe engoliu por completo.

O mascarado continuou a empurrar seu peitoral contra o chão do banheiro enquanto tentava fazer com que seu pescoço se separasse do restante do corpo por conta do profundo corte. Neste instante o garoto não sentia mais nada além de agonia e contorção. Sua cabeça parecia querer explodir, e suas mãos tremiam relutantemente.

O mais esquisito nisso tudo é dizer que a menos de vinte metros de onde aquele jovem estava sendo assassinado, um grupo de outros alunos divertia-se com seus corações pulsando de forma enérgica. A melodia que lhes cabia naquele instante era Tongue Tied, do Grouplove, que lembrava Jesse da ótima sensação de estar viva. Millye e os outros sorriam e dançavam com alegria e sem se preocupar com nada. Ninguém o ouviria gritar. Ninguém tentaria ajudar. Ninguém poderia salvá-lo.

Aquele pesadelo torturante chegou ao fim quando o rapaz de dezessete anos parou de sentir cada parte de seu corpo. O sangue ao seu redor revelava o quão horrível haviam sido seus últimos minutos de vida. Seu pescoço foi dilacerado por completo, mas a pele envolvente à cabeça manteve sua garganta grudada ao restante do corpo. O mascarado deixou o banheiro normalmente após largar o cadáver no chão.

Ginásio da Rainwood High School, 21:03 da noite.

Jesse colocara seus pés no chão em batidas leves apesar da infame sensação calórica que sentia ao percorrer o espaço entre a multidão. Os frames da canção ao fundo sincronizavam-se perfeitamente à frequência com que ela sentia seu peito palpitar.

Tudo ficou estranhamente perfeito durante alguns minutos. O sorriso do ruivo percorrendo seus ombros lhe lembrava da noite em que eles estiveram juntos no lago. Mas sem o corpo de Maryan, é claro. Jesse sabia exatamente o que queria em sua vida: ser uma heroína. Ela faria isso por si mesma e pelos que amava, e não pararia de lutar até que todas as sombras que cercavam seu corpo fossem embora. Exatamente como a de Seth foi depois da última vez em que a viu, enquanto sua mãe estava hospitalizada.

Entretanto, por mais lindo que fosse para Sam enxergar o brilho eufórico nos olhos da garota que ele amava, ele percebeu que Jesse havia parado. Ela sentiu aquelas sombras rodearem seu corpo outra vez, e o motivo era a garota de cabelos loiros à sua frente. Melissa Morris.

Ela havia visto algo na tela do celular, e sua reação não poderia ter sido melhor explicada senão por uma palavra: espanto. E como um efeito dominó, Josh e Millye instantaneamente também perceberam que havia algo errado com ela.

As pernas de Morris gostariam de desabar no instante em que ela reconheceu o vídeo em seu smartphone. A garota afastou-se da multidão em passos curtos, deixando que suas costas atingissem a parede.

A voz de Jesse, a primeira a agarrar o corpo de Melissa, lhe alcançou como um alerta. Isso porque a loira havia se perdido em sua própria cabeça por alguns milésimos. Logo, os outros três haviam se aproximado também e ela pôde compartilhar o conteúdo que a fez sentir borboletas no estômago.

— Esse... esse é o meu pai. Ele sabe onde o meu pai está. — Melissa levou as duas mãos até a boca ao segurar o celular.

O torpedo enviado à jovem mostrava Arthur Morris, seu pai, caminhando até a porta do seu quarto no hotel Sillyver, onde havia passado os últimos três dias, período em que esteve na cidade para encontrar Melissa. Seria apenas uma captura simples e nada suspeita se os quatro não esperassem até o final da gravação. Aos cinco segundos de vídeo, uma máscara negra sobre o rosto de alguém revela estar observando Arthur de longe, e conforme os segundos se passam, esta pessoa se aproxima mais dele.

— O que... o que é que vamos fazer, Jesse? — Melissa voltou seus olhos para a garota que deveria ter o controle. Ela parecia desesperada. — Ele é o meu pai. Ele... ele é o único que não pode chegar perto disso. EU NÃO POSSO DEIXÁ-LO MORRER!

Conforme sua respiração ofegante aumentava instantaneamente, ela percebeu que os amigos também não tinham uma resposta. Estava acontecendo. Era agora. O jogo final estava prestes a colocar qualquer peça em perigo e os únicos que poderiam fazer algo a respeito não tinham ideia de como agir.

— O hotel não fica longe daqui. Eu vou até lá antes que algo aconteça. O restante fica aqui, porque acho que o pai da Melissa não é o único que corre perigo esta noite. — Josh exclamou, confiante.

— Então eu vou com você. — Millye o encarou com determinação, revelando que ele não tinha como negar.

— Ficaram doidos? Se forem até lá, não sabemos o que pode acontecer. — disse Jesse.

— Mas se não formos, já sabemos quem é a próxima vítima. — Josh suspirou e logo em seguida segurou na mão de Millye. — Nós vamos voltar logo e se possível tirar seu pai da linha de perigo, Melissa.

Os dois saíram correndo em meio à multidão de pessoas amontoadas, deixando para trás os outros três. Jesse continuava incrédula com o aviso quase que previsível. Ao contrário dela e Melissa, que mordia seus lábios violentamente, Sam tentava manter a postura mais calma e tranquila enquanto a situação piorava gradativamente. Porque alguém precisava manter a calma.

— Eu acho que tenho algo a dizer. — Melissa murmurou, aproximando-se dos outros dois.

— O quê? O que foi? Não precisa se preocupar, Melissa. Estamos em vantagem. Tudo vai ficar bem. — Jesse segurou os braços da amiga, fixando seus olhos no semblante desesperado que a loira carregava.

— Nã... não é sobre isso. É sobre o assassino. Durante à tarde, meu pai me fez pensar sobre o que a minha... — quando pretendia deixar que aquelas palavras escapassem, sua visão escureceu imediatamente.

Um apagão tomou conta do salão principal, acabando com a canção que motivava os suspiros e a dança dos adolescentes. Mas conforme os segundos se passaram, o desconforto e a preocupação começaram a ser um incômodo. Havia um silêncio mórbido que prevalecia entre eles, e ninguém sabia ao certo o porquê da escuridão ter tomado conta tão repentinamente.

— O que... o que aconteceu? — Jesse tentou ligar a luz do próprio celular, ao perceber que outras pessoas fizeram o mesmo.

E foi exatamente no momento em que iluminou o caminho que ela percebeu a expressão aterrorizada na face de Sam. O garoto tremia seus lábios, e apontou para o vestido de Jesse imediatamente, dizendo que havia algo nele. Quando a menina virou seus olhos, enxergou a mistura do tecido amarelo com algumas gotas avermelhadas. Era sangue.

[Música: Survivor - 2WEI, Edda Hayes]

Não demorou muito pra que a garota levasse seus olhos até o teto, mesmo que estivesse escuro. Entretanto, assim que o fez, as luzes do salão acenderam-se novamente e a energia voltou. E Jesse pôde reconhecer o que tinha lá em cima.

Aquela visão distorcida e apurada pelos jovens que tentavam entender o que aconteceu tornava a situação ainda mais difícil. Havia um cadáver pendurado por cordas no centro do salão, exatamente em cima de onde Jesse e Sam estavam. Jaremy Fitzgerald era a vítima.

Em menos de dez segundos aquele ginásio se tornou um ambiente de medo, insegurança e terror. As pessoas corriam desesperadas para todos os lados, procurando pela saída mais próxima. Os estudantes se atrapalhavam cada vez mais, e era quase impossível chegar à porta de saída.

Enquanto Sam segurava firme a mão de Jesse, parados no meio da confusão, Millye e Josh haviam quase chegado à saída quando tudo aconteceu. A garota de óculos sentiu uma dor horrenda ao reconhecer o rosto do rapaz que estava preso às cordas. Era o garoto que ela amou um dia, e aquele a quem pretendia pedir perdão em breve.

Ela desabou no meio da fuga desesperada dos outros adolescentes, e de repente sua cabeça começava a girar mais uma vez. Tudo ficou estranho, e os gritos de desespero ao seu redor não passavam de ruídos quase inexistentes. Entre eles, a voz ofegante de Josh, próxima ao seu ouvido. O garoto tentou levantá-la do chão o mais rápido possível para que pudessem sair de lá.

— MILLYE! NÓS TEMOS QUE IR AGORA! — Josh continuou gritando, esperançoso com a hipótese de que ela pudesse segurar sua mão e sair daquele lugar de uma vez.

Quanto aos outros dois, Sam tentou guiar a menina até a porta de saída, mas percebeu que ela havia parado segundos após. Ele se virou e enxergou o espanto em seus olhos. Jesse sabia que havia algo errado. No meio de todo aquele tumulto, alguém havia desaparecido: Melissa. A jovem olhou para todos os lados em rapidez, e nada avistou além de gritos e murmúrios. Nada da Melissa.

— Não podemos deixar ela aqui. SAM, NÓS TEMOS QUE ENCONTRÁ-LA! — Jesse o encarou com determinação.

— Como? Não sabemos o que fazer, Jesse! Talvez ela tenha seguido o restante e já esteja lá fora. Os policiais podem nos ajudar. — insistiu o ruivo.

— Não. Eu... eu acho que temos a resposta. — Jesse reveleu o torpedo que havia recebido naquele mesmo instante.

A mensagem foi enviada no momento certo, como se aquele monstro os estivesse observando agora. O conteúdo dizia: "Encontraram o Jaremy. Agora me encontrem se quiserem ver aquele rosto com vida." E Jesse rapidamente entendeu que se tratava de Melissa.

— O que fazemos então? — perguntou Sam, preocupado.

E Jesse tinha a resposta, por mais nervosa que estivesse. Ela sabia exatamente que o caminho que trilharam através daquele tabuleiro não acabaria em um final feliz. Mas poderia. E se o destino daqueles seis jovens, agora cinco, fosse enfrentar seus demônios frente à frente, então era isso que ela iria fazer. Com tamanha incerteza e uma enorme e sombria onda de medo agarrando-a naquele instante, Jesse Greene virou-se para o rapaz e o respondeu.

— Ele disse que estaria aqui. Já sabíamos que esse era o final. Então... — ela respirou fundo, olhando diretamente nos olhos de Sam. — esta noite nós mudamos o jogo.

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