Temporada 2 - Capítulo 10| "O baile da morte" • Parte 2
Há exatos seis dias alguém em Rainwood resolveu usufruir da mesma máscara utilizada por Seth Hastings e Jacob Woods. E assim, trouxe à tona um pesadelo do qual aqueles estudantes imaginaram ter escapado. Errados estavam, e descobriram da pior maneira. Seis dias desde que Millye deixou de lado o último ano escolar e o início de um romance. Seis dias desde que Sam percebeu que aquele lugar não era seguro. E seis dias desde que Jesse deixou de se apegar aos pequenos detalhes de que gostava, como o cheiro petricor à noite ou pequenos girassóis. Ela sentia saudade de casa. E de sua mãe também.
O que significa, de fato, enfrentar os seus demônios? Talvez tenha a ver com a coragem de confrontar uma máscara assustadora. Talvez se refira à esperança de continuar lutando por uma história em que as pessoas que você ama não morram todos os dias. Ou talvez seja apenas sobre não desistir.
Restavam inúmeras dúvidas a cada um daqueles adolescentes. Como o que a mãe de Melissa tinha a ver com os crimes na cidade, e quem era Billy. Quanto à Jesse, questionava-se o porquê de sua mãe ter sido atacada se não fazia parte daquele jogo. O único desejo dela era que suas perguntas fossem respondidas nesta noite. E independente do significado de tal expressão, era hora de enfrentar seus demônios.
Rainwood High School, 21:46 da noite.
A voz de Moose tranquilizava aqueles que haviam deixado a escola ao soar das sirenes. Uma multidão de jovens provocava murmúrios estonteantes à porta do prédio. A equipe de policiais trabalhava para auxiliar os jovens que haviam se machucado durante a fuga, e ainda tentavam mantê-los longe de adentrar o ginásio outra vez. O corpo de Jaremy continuava lá.
Mas Moose nunca chegou perto de imaginar que Jesse e outras duas pessoas continuavam do lado de dentro da escola. Apesar de dar falta do rosto da jovem Greene entre os estudantes, o xerife imaginou que tudo estivesse bem. Pelo contrário, Sam e Jesse caminhavam neste exato instante pelos corredores escuros e debaixo daquela luz avermelhada que piscava sem parar. Enquanto isso, Melissa estava sozinha.
— Onde eu estou? — ela sussurrou a si mesma, ao perceber que havia certa penumbra ao redor de seus olhos.
— Onde deveria estar. — em resposta à sua pergunta, uma voz grosseira invadiu o ambiente.
Ele caminhou até a cabine do banheiro onde a jovem estava acorrentada, no chão, e dobrou seus joelhos. Com a máscara cobrindo sua verdadeira identidade, o assassino pôs sua mão esquerda sobre a pele macia da menina. A respiração dele a incomodava, mas ela não estava em uma posição que pudesse mudar isso.
— Eu não sei quem diabos você é. Mas eu sei de uma coisa, "mascarado". — ela enfatizou a última palavra, revelando em seus lábios sua indiferença quanto à postura amedrontadora que ele procurava impor. — Você é fraco. Tão fraco que precisa usar um pedaço de plástico no rosto.
Melissa esboçou um sorriso ao dizer isso. Ela tentou mexer seus braços, mas as correntes no chão a impediram. E então, vagarosamente, ele resolveu demonstrar seu descontentamento com a atitude da garota. Levou sua mão até o pescoço dela e o agarrou com força, apertando-o com seus dedos pesados.
— Não tente fazer nada. — o mascarado afastou seu corpo do dela. — Vai ficar aqui o tempo que precisar. Mas se quiser tanto, eu não me incomodaria em acabar com esse rostinho de uma vez. — ele pôs-se a acariciar sua bochecha com a lâmina do canivete que segurava.
Ela tentou respirar de forma lenta, entre seus murmúrios de nervosismo. E enquanto ainda fixava os olhos na máscara preta, percebeu que ele havia agarrado um objeto. Era um pequeno tabuleiro escuro, contando com peças brancas e negras. Ao colocá-lo à frente da menina, ela logo entendeu do que se tratava.
— Enxerga isso? — ele apontou para as cinco peças brancas restantes de um lado. — Não vai demorar muito pra que restem apenas quatro. Basta você jogar, e vai garantir que não seja você.
O que ela não conseguiu entender, era o porquê de haver mais do que apenas uma peça negra do outro lado. Então não havia apenas uma pessoa tentando derrubar as cinco peças brancas.
Depois de alguns segundos agonizantes, Melissa ouviu seus passos indo embora. Aquele monstro deixou a jovem sozinha naquele lugar, onde ninguém poderia encontrá-la por conta da mordaça que a impedia de gritar.
Corredor do bloco leste, 21:57 da noite.
Jesse tentava manter a calma enquanto caminhava vagarosamente. Ela cortara as abas do vestido que havia usado na festa para facilitar sua fuga, caso fosse preciso. Ao seu lado, na verdade pouco atrás, seu par lhe seguia fielmente através dos corredores que alternavam entre a escuridão noturna e a iluminação vermelha dos alarmes.
— Sabe que pode me esperar do lado de fora se quiser, né? — Jesse sussurrou, ao se virar e perceber o nervosismo de Sam.
— Ficou doida? Eu nunca faria isso. Vamos juntos até o final. — ele assentiu com a cabeça.
— Faz alguma ideia de onde ela possa estar? Ele disse que devíamos encontrá-la, e o corpo de Jaremy apareceu no salão. Então não acho que esteja fora da escola. — exclamou Jesse, continuando a prestar atenção no caminho.
— Eu... eu não sei. Existem dois andares na escola, sem contar o subsolo. Cada um deles tem mais ou menos oito salas e dois banheiros. E os corredores são todos iguais. É... um tiro no escuro, Jesse. — Sam respondeu.
— Não importa. Vamos encontrá-la de qualquer forma, só precisamos prestar atenção. Se ela não estiver desacordada, vai tentar escapar. — disse a garota.
— Como sabe? Ela deve estar com medo. — disse o rapaz, enquanto olhava para os enfeites do baile deixados no chão.
— Eu... eu não a conheci muito bem, mas Millye me contou o que aconteceu na fábrica de brinquedos. E Melissa estava lá também. Ela é forte, Sam. Eu sei que é. — Jesse respirou fundo, e então entrou no corredor à direita, depois de ter avistado a primeira bifurcação. — O refeitório fica para lá.
— Acha que há alguma coisa lá? — Sam parou de andar e observou atentamente a porta entreaberta da cantina e a penumbra sem fim que tomava o lugar. O eco causado pelo vento que levava as fitas rosadas do chão lhe causou medo.
— Não. É melhor irmos para outro lugar. — respondeu Jesse, ao sentir um calafrio lhe alcançar.
E então os dois jovens voltaram a andar à procura de Melissa. No lado de fora, os adolescentes continuavam a propagar o barulho inquietante das especulações. Sam e Jesse podiam ouvir o barulho das sirenes, e sabiam que em pouco tempo o xerife decidiria adentrar o lugar para retirar o corpo, isso se não pensasse em checar se havia alguém lá ainda. Além disso, ainda precisavam torcer para que Josh e Millye não voltassem para aquele inferno, porque certamente seriam cinco pessoas correndo risco de morte.
Hotel Sillyver, 22:19 da noite.
O garoto se aproximou da entrada principal da construção esguia que era iluminada no meio da escuridão na rua. O único lugar que chamava atenção com as luzes amareladas. Millye sentia suas pernas doerem desde que deixaram a escola às pressas, e a imagem daquele corpo no chão não saía da sua cabeça. Apesar do quão rápido seu coração batia naquele instante, ela sabia que precisava ficar calma pra que pudesse raciocinar melhor.
Desde que deixaram o colégio, na verdade, a garota não dissera sequer uma palavra sobre aquele cadáver. E Joshua não pensou em pedir que fizesse isso, porque o luto tem suas próprias fazes e pedir que ela dissesse algo seria como violar seu próprio tempo. Então os dois seguiram o caminho em silêncio absoluto.
— Acha que ele ainda está aqui? — perguntou Josh, aproximando-se do silencioso vazio da recepção.
— Eu não sei. Talvez alguém possa nos ajudar. O nome dele era Arthur, certo? Então... — Millye se assustou ao sentir a chegada de alguém.
— O que procuram aqui? — disse um rapaz de meia idade, com uma voz grosseira e um semblante não tão amigável.
— Uau. — Josh se espantou. — Quando foi que Freddie Krueger chegou aqui? — o garoto zombou da ferida caricata que o senhor tinha no rosto, sussurrando à menina.
— Cala a boca, Evans. — Millye colocou-se à frente do jovem, retirando seus óculos e tentando parecer o menos nervosa possível. — Será que poderia nos ajudar a encontrar alguém?
— Alguém? Esse hotel não recebe muitas visitas há um bom tempo. Mas se me disserem o nome, eu... — o recepcionista respirou fundo, caminhando até o lado de trás da bancada.
— Arthur! Arthur Morris. — Millye pulou na frente, debruçando-se sobre a estrutura em seguida.
Enquanto a adolescente esperava que o funcionário procurasse por aquele nome, mesmo que possivelmente fosse o único a se hospedar naquele lugar, Josh se afastou da recepção e caminhou até o lado de dentro do local.
O vento fraco que balançava a sua gravata lhe deixou um pouco inseguro. As portas dos quartos ao redor do canteiro estavam todas fechadas, entretanto, algumas das janelas possibilitavam que ele avistasse a luz de dentro acesa, o que indicava que haviam pessoas lá. Então, se perguntava: por que foi que o homem com semblante suspeito disse que não haviam muitos visitantes?
— JOSHUA! — Millye lhe alcançou com suas mãos em fúria, acabando com o momento tenso em que o garoto se encontrava.
— Está tentando me matar? — o garoto virou seu corpo, ainda em choque com o grito da menina.
— Me desculpa. Precisamos voltar para a escola agora. Acho... acho que eu descobri algo. — Millye engoliu em seco.
— Descobriu o quê? Onde está o Arthur? Ele... ele está no hotel? — perguntou ele, confuso.
— Não. O recepcionista disse que o quarto foi abandonado há alguns minutos. E... eu descobri outra coisa. Será que podemos ir agora? — ela agarrou o casaco de Josh. — A propósito, o que estava fazendo? — Millye observou em um relance a calmaria arrepiante do lugar.
— Na... nada. Acho que o nosso Hotel Overlook aqui já foi assustador o bastante. — sorriu. — Vamos embora logo.
Josh seguiu a garota de óculos até a porta de saída, precisando ultrapassar o homem ranzinza na portaria outra vez. Ele pouco lhes encarou, e deixou que os dois jovens dessem o fora dali de uma vez.
Rainwood High School, 22:38 da noite.
Melissa continuava tentando respirar por mais difícil que fosse. O tecido molhado que o mascarado havia posto em sua boca já estava lhe causando náuseas. Ela sentia ainda as correntes ásperas agarrando seus pulsos como dentes pontudos.
— Eu preciso... pensar em algo. — a jovem respirava de forma ofegante. — Anda, Melissa, anda!
Repetia a si mesma. Melissa sempre foi uma criança com uma mente fértil. Em suas mãos, um pedaço de corda poderia virar um nó programado para nunca se abrir, e uma corrente envelhecida poderia se tornar a chave pra que ela escapasse de uma situação assim.
A loira tentou levar sua mão esquerda até a abertura debaixo da porta da cabine, podendo agarrar-se à estrutura e esticar seus braços. Assim, conseguiu arrancar parte do vestido rosado que usava com os dentes. Ela utilizou o pequeno pedaço de tecido para criar um espaço entre as correntes em seu pulso. Em seguida, Melissa fez a coisa mais repugnante que imaginou ter de fazer para salvar a própria vida.
— Eu não tenho outra escolha. — ela respirou fundo primeiramente e logo depois tampou suas narinas.
A adolescente deu um jeito de descobrir a privada atrás dela e banhar naquela água supostamente limpa o braço no qual havia colocado o pedaço de vestido. Depois de molhado, ela pôde envolver a parte metálica com o tecido e tornar a passagem de seu pulso mais simplória. Não levou mais de quarenta segundos até que, com um pouco de esforço, ela conseguisse se livrar das correntes e ter suas mãos livres outra vez.
— ISSO! ISSO! ISSO! — por um momento Melissa teve a chance de esquecer que havia um matador caminhando por aqueles corredores. — Agora só preciso sair daqui, encontrar meus amigos e deixar esse pesadelo de uma vez por todas.
A garota deixou as correntes sobre o chão gélido e caminhou na direção do espelho. Ela retirou a parte inferior da vestimenta, por mais doloroso que fosse rasgar aqueles detalhes caros. E então, estava pronta. Era hora de mudar o jogo.
— Você continua bonita como... como uma rainha, Melissa Morris. — repetiu a si mesma antes de deixar aquele lugar.
Corredor do bloco norte da escola, 22:45 da noite.
— Sam, são quase 23:00 horas. Já andamos por mais de metade da escola inteira e não encontramos a Melissa ou aquele psicopata. — disse Jesse, continuando a prestar atenção na luz do celular, que a guiava. — Acha que devemos continuar tentando? Talvez... talvez devessemos voltar e pedir ajuda.
Quando Jesse carregou seus olhos até o lado oposto do corredor, percebeu que estava sozinha. Sam não havia respondido-a da última vez porque não estava mais ali há alguns minutos, e ela nem mesmo percebeu. E então, assim que deu falta daqueles cabelos avermelhados, voltou a se sentir vulnerável.
— Sa... Sam? Está aí? — ela gaguejou.
O rangido de uma das portas próximas àquele corredor a fez sentir um leve arrepio. Neste momento a luz do seu celular desligou, e Jesse teve a clara visão do que lhe parecia ser um abismo profundo de incerteza. E logo após o incerto e tenebroso, ela enxergou pequenas gotas avermelhadas sobre o chão. Pareciam estar frescas ainda, o que indicava que pertenciam a alguém que passou por aquele lugar há pouco.
E somente duas pessoas se encaixavam nesta hipótese: o garoto que lhe acompanhava ou a menina que foi sequestrada. Então Jesse tentou acalmar seus ânimos antes de tomar qualquer decisão. Ela arrastou a palma da mão sobre o azulejo sujo de sangue e imediatamente encontrou uma barra de ferro. E por mais improvável que lhe parecesse, Sam poderia ter usado-a contra o mascarado. Mas se isso realmente aconteceu, então por que ela não o ouviu gritar?
Cada vez mais Jesse respirava aquele ar gélido do vago corredor escurecido sentindo a agonia ultrapassar seu pulmão também. Não havia nada do lado direito, nada do lado esquerdo. Ela estava absoluta e definitivamente sozinha. E se tentasse gritar, a propósito, talvez atraísse aquela criatura medonha.
O que se pode dizer sobre a situação em que Jesse se encontrava naquele instante é que não foi preciso um grito sequer. A criatura já havia a encontrado.
Vagarosamente a adolescente tentou reverter os passos que deu conforme o nervosismo permitia que ela se mexesse. Mas cada passo parecia levá-la para mais próximo daquele monstro. Foi quando Jesse apanhou a barra metálica que estava no chão e a apontou para o mascarado.
— FICA LONGE DE MIM! — gritou com todas as suas forças.
Ele não disse nada. Diferente das vezes em que utilizou sua voz modificada para ameaçar a jovem, agora ele permanecera em silêncio enquanto se aproximava devagar. Cada vez que cravava a sola do sapato sobre o chão era um segundo a menos que Jesse teria para sair correndo de lá.
— Onde... onde eles estão? — ela questionou, ainda apontando o objeto pontiagudo para ele. — Me diga onde os meus amigos estão!
Ela já imaginava que não obteria uma resposta e que tampouco conseguiria proteger o próprio corpo com aquela barra de ferro. Mas Jesse continuou encarando-o.
— Você está sozinha. Ninguém vem te salvar agora. Percebe isso? — ele sussurrou, segurando uma faca afiada na mão esquerda.
Com suas mãos tremendo e seu coração palpitando como uma bomba, a garota não conseguiu deixar que as mais simples palavras saíssem de seus lábios. Então ela afirmou a si mesma que entendia o significado de enfrentar seus demônios. E ele estava exatamente à sua frente. Seu demônio estava olhando para ela, bastava encará-lo!
— Eu consigo salvar a mim mesma. — respondeu, entre suspiros.
Jesse aproximou seus pés em rapidez, chegando ao ponto mais próximo do mascarado sem precisar tocá-lo. E então, enquanto ele imaginou ter o controle da situação, a garota atingiu sua cabeça com a barra de ferro. O corpo envolvido pelas vestes escuras atingiu o chão em alguns segundos. E aquela menina, inacreditada com o que acabara de fazer, voltou a respirar de forma mais calma.
E enquanto o assassino começava a tentar enrijecer seus braços outra vez, Jesse percebeu a chegada de uma figura conhecida. O garoto alcançou sua mão com desespero e trouxe seus olhos mais próximos ao dela, respirando ofegante.
— JESSE! — Sam encarou a criatura nocauteada no chão, e em seguida voltou a olhar para a menina. — TEMOS QUE IR AGORA! TEMOS QUE IR!
— Ficou maluco? — Jesse franziu a sobrancelha. — Eu quero saber quem está debaixo da máscara. Essa pode ser a nossa única chance!
— Não, Jesse. Você não tá entendendo. Ele... ele tem uma arma. — o ruivo apontou para o revólver na mão direita do mascarado, detalhe que Greene não havia percebido. — Um de nós vai morrer se ficarmos aqui.
— Sam, ele... ele... — Jesse tentou dizer, mas não fez isso rápido o suficiente.
Quando ela percebeu que o assassino não estava mais no chão já era tarde. Sam sentiu seus cabelos sendo agarrados por ele e no mesmo momento seu corpo fora jogado no chão. A garota estava incrédula, estática e sem ter como ajudar. A barra de ferro que Jesse usara para se defender estava longe.
E então, colocando seu peso sobre o corpo do garoto, o mascarado começou a perfurá-lo com aquele canivete. Seu braço se tornou uma poça de sangue em instantes. A jovem, observando a cena, podia escutar os murmúrios dolorosos que saíam dos lábios do Colleman.
Ela não tinha o que fazer, não havia nada que pudesse ajudá-la. O menino que Jesse Greene amava estava sendo torturado à sua frente e ela não conseguia fazer absolutamente nada. Até que de repente, suas mãos tocaram um objeto que poderia tirar o ruivo das mãos daquele monstro.
— VOCÊ NÃO VAI MACHUCÁ-LO! — Jesse atingiu o homem das vestes negras com um artefato metálico e pesado. Ela havia agarrado o extintor que estava na parede.
Sam teve tempo de se levantar e escapar ligeiramente das mãos do assassino. Ele correu até perto de Jesse e ela pôde ter a certeza de que estava tudo bem com ele. Sam estava a salvo. Mas antes que pudessem trocar sequer uma palavra, os dois ouviram o barulho da luva espessa e escura juntando-se ao gatilho do revólver.
O adolescente não viu outra escolha a não ser empurrar seu pé contra a porta mais próxima, estreita e que provavelmente levaria ao andar de baixo, pra que pudessem escapar da linha de morte. Jesse sentiu sua mão sendo puxada por Sam enquanto ainda encarava, paralisada, o cano da arma que apontava para ela.
Sam colocou seu corpo sobre a estrutura depois que ultrapassaram a passagem, certificando-se de que estava fechada. Sua respiração parecia descontrolada. Ninguém havia sido atingido e nem identificado o barulho do tiro. Talvez o assassino estivesse poupando o barulho estrondoso que o disparo faria. Mas ele ainda estava empurrando a porta do outro lado.
— Corre, Jesse! Corre! — Sam tentou exclamar em voz baixa, enquanto jogava seus ombros sobre a porta.
Depois que a garota se distanciou, o adolescente afastou-se da porta e desceu as escadas à frente. Para Sam, soava um tanto improvável que aquela fechadura pesada fosse se quebrar com a força de um só homem ou mulher. Mas ela foi.
O garoto interceptou o som da fechadura sendo arrebentada quando conseguiu encontrar a garota no corredor de baixo.
— Ele entrou. Temos que continuar andando! — Sam colocou sua mão sobre o ombro de Jesse.
— Estamos no subsolo, Sam. Eu acho que aquela era a única passagem que ligava esse andar ao de cima. — Jesse disse, olhando para o final do corredor estreito em que estavam e a penumbra que o cobria.
— Pra onde vamos? — Sam continuou a checar o lado de trás.
— Por aqui. — apontou. — Só há dois caminhos e um deles parece levar para um beco sem saída. Então essa é a nossa única chance. — Jesse começou a caminhar na direção de uma porta metálica.
Infelizmente, ao adentrarem o lugar ela percebeu que era apenas outro beco sem saída. Uma sala escura e sem janelas ou portas, apenas continha algum tipo de gerador antigo que fora desligado provavelmente no início da noite pela pessoa debaixo da máscara.
— Não... não há outro caminho. — disse Jesse, quase que em prantos. — O que fazemos, Sam?
Não havia escapatória. Voltar por onde vieram seria entregar-se de uma vez àquela criatura, mas ficar ali também não ajudaria em nada. Entretanto, Sam já sabia disso. Ele respirou fundo por um instante e então dobrou seus joelhos, derramando seu corpo sobre a parede atrás de si.
— Será que podemos esperar um pouco? — perguntou, enquanto pressionava seu braço.
— Ele está se aproximando, Sam. Temos que encontrar um jeito! — exclamou a garota, andando de um lado para o outro.
— Jesse. — a voz do rapaz acalmou-a de imediato. — Não podemos fazer nada.
— Está dizendo que vamos... morrer aqui? — Jesse questionou ao sentar-se ao lado dele, vagarosamente.
— Eu... eu não sei. — ele suspirou. — Droga. Foi uma noite louca, né? — Sam esboçou um sorriso em seu rosto, encarando os detalhes amassados no vestido da menina.
— Foi. Não acha estranho que isso seja verdade? — Jesse olhou para ele. — Digo, éramos apenas crianças há uma semana. Adolescentes loucos para que o ensino médio acabasse, no máximo.
— É. E agora só gostaríamos de poder voltar... — o menino colocou seus dedos sobre os dedos de Jesse, aproximando sua cabeça do ombro dela.
— Sam... o que acha que seria a primeira coisa a fazer se sairmos por aquela porta ao amanhecer? — ela perguntou.
— Eu não sei. Talvez segurar a mão de uma garota e a pedir em namoro. — o ruivo respondeu com palavras certeiras.
— O quê? — Jesse afastou sua mão e virou seus olhos para ele.
— Talvez... talvez não estejamos aqui quando isso acontecer. Sabe? A porta de saída, o amanhecer. Então... — Sam ergueu seu rosto, ficando de frente para a menina. — Jesse Greene, aceita namorar comigo?
Sua voz percorreu o peito de Jesse convenientemente na hora certa, da mesma forma como seus cabelos eram levemente empurrados por uma passagem de ar quase inexistente. O garoto à sua frente prometeu que a manteria segura até o fim daquele horrível pesadelo, não importa como, e o fez.
Foi quando ela entendeu que aquilo era realmente verdade. Alguém seria capaz de amá-la novamente, mesmo que o medo a controlasse desde o ano passado. E ela seria capaz de confiar em alguém outra vez, mesmo que a insegurança a controlasse desde o ano passado. A resposta não poderia ser outra.
— Sim, Sam Colleman. Eu aceito. — seus olhos fúlgidos lhe conduziram até os lábios dele.
E por um minúsculo momento, esqueceram que havia uma materialização maligna lhes perseguindo do lado de fora. Aquele pequeno intervalo entre um susto e outro logo se encerrou, com as batidas desespedadas na porta atrás deles. Havia alguém tentando entrar.
— É... é ele, Sam. O que fazemos agora? — Jesse saiu do chão em um pulo, e logo colocou suas mãos sobre a porta.
— Espera. Eu tô vendo alguma coisa. — Sam apontou seus olhos para o que parecia ser uma passagem no teto.
— O quê? — Jesse seguiu seu olhar. — Meu Deus. Deve ser um dos dutos de ventilação. Há espaço suficiente se seguirmos um de cada vez. Mas onde acha que isso vai dar? — a garota apanhou uma estrutura qualquer e a levou até o centro da sala, pra que pudesse usar como escada.
— Eu não faço ideia, Jesse. Mas qualquer lugar é melhor do que aqui! — o garoto se aproximou, ajudando-a a retirar a cobertura da passagem.
— Eu não sei se temos muito tempo. Quem vai primeiro? — Jesse o encarou, com medo.
— Com toda certeza você. Anda, eu te ajudo a alcançar a borda. — Sam levantou o corpo da menina até que ela conseguisse pôr suas mãos na parte interna do túnel.
Quando Jesse colocou seu corpo por inteiro do lado de dentro, percebeu o quão minúscula aquela passagem era. A sensação era de falta de ar misturada com a probabilidade de que talvez não conseguissem escapar a tempo. E quando ela olhou para baixo outra vez, enxergou que Sam havia se afastado.
— O que está fazendo? Anda! Temos que entrar logo. — Jesse esticou sua mão.
— Não. Não dessa vez. — aquele sorriso ingênuo outra vez se formou em seu rosto, e Sam segurou firme nas duas mãos da garota por um segundo.
— De que droga está falando, Sam? — exclamou Jesse, assustada.
— Aquela porta vai ser quebrada em alguns segundos. Se entrarmos nesse túnel agora ele definitivamente vai nos alcançar. — o ruivo abaixou a cabeça. — Promete que vamos nos ver quando deixarmos a escola pela manhã?
— SAM! VOCÊ NÃO VAI FAZER ISSO! — a garota ergueu seu tom de voz. — É loucura enfrentá-lo sem nada em mãos.
— Eu posso dar um jeito. — respondeu. — Pelo menos vou ganhar um pouco de tempo.
— Você não pode, Sam! — ela falou, quase em prantos. — Jenny disse isso da última vez e agora está morta.
— Eu não vou acabar como ela. Prometo que vou te encontrar do outro lado, Jesse. — Sam observou a beleza de seus traços faciais talvez por uma última vez. — Eu já disse que está linda hoje?
Jesse continuava tentando alertá-lo sobre sua ideia improvisada, mas de nada adiantou. Sam se afastou da passagem pouco a pouco, e então a garota enxergou a cobertura do duto de ventilação sendo posta em seu lugar novamente. Tudo ficou escuro. Segundos depois, Jesse reconheceu o barulho do mascarado adentrando a sala.
Mas não havia nada que ela pudesse fazer. Então carregou sua mágoa e em contrapartida o resto de esperança que tinha em si, e começou a se arrastar através do túnel. Quanto mais longe chegava, mais inexistente os barulhos se tornavam.
Seu peito ardia como as chamas de um incêndio recém iniciado. A adolescente não conseguia parar de pensar no que tinha acabado de fazer. Talvez ela tivesse tempo para ajudá-lo. Talvez eles pudessem ter ido embora antes. Talvez... talvez. Mas era tarde demais para pensar em qualquer coisa.
O caminho começou a ficar mais estreito quando Jesse precisou ultrapassar uma passagem inclinada, o que provavelmente lhe faria chegar ao andar de cima através dos dutos. Seu corpo não tinha mais tanto lugar para ocupar, sua respiração estava cansada e ela não sabia como se acalmar outra vez.
Felizmente, não demorou muito até que ela conseguisse empurrar uma das grades que compunham a parede metálica e jogar seu corpo para trás. A garota jogou seus braços contra o chão tentando proteger o rosto, mas acabou se machucando mesmo assim.
Quando levantou, percebeu que estava sozinha novamente. Jesse tardou a reconhecer que lugar era aquele por conta da escuridão propagada pela falta de energia no prédio. Ela arrastou suas mãos pelo chão até que encontrasse a maçaneta de uma porta. Com cuidado, a abriu.
O ranger da estrutura amadeirada parecia dez mil vezes mais alto. Para a sua alegria, não havia nada do outro lado além do vazio e silencioso corredor do bloco leste. Ou oeste. Ela não fazia ideia.
Rodeada pelo desespero e a amargura de ter feito o que foi preciso, Jesse escorou sua cabeça sobre a parede e fechou os olhos. O que faria, afinal? Não conseguia continuar sozinha. Talvez fosse hora de tentar encontrar a saída mais próxima e chamar a polícia, mesmo que fazendo isso ela estivesse indo contra as regras do jogo. Talvez fosse hora de deixar seus dois amigos para trás.
Não. Jesse Greene não iria desistir de tentar mesmo que não tivesse mais forças. Melissa e Sam nunca deveriam ter ultrapassado os limites da cidade, mas já que o fizeram, era obrigação dela mantê-los seguros porque não mereciam estar neste pesadelo. E então, Jesse teve o sinal de que precisava.
— Você ainda está viva. — aquela voz se aproximou como a calmaria depois de uma tempestade.
— Me... Melissa? — Jesse não imaginava que a veria em segurança outra vez, então seus olhos se encharcaram quando a viu.
Melissa correu ao encontro da garota de vestido amarelo e lhe abraçou como se seus braços fossem o lugar mais seguro. E de fato eram. O contato corporal repentino nunca foi tão agradável.
— Não consigo acreditar que está aqui. Como escapou? — Jesse afastou seus corpos por um instante.
— Foi uma longa noite, Jesse. Eu abri os olhos enquanto estava sendo... arrastada. Ele me colocou em uma das cabines do banheiro no segundo andar e minha cabeça não para de girar desde então. — Melissa levou seus cabelos até a parte traseira da orelha. — Consegui me soltar das correntes e passei o restante da noite procurando por vocês.
— Você viu quem ele era? Ele disse alguma coisa? — perguntou Jesse, eufórica.
— Não. Aquela máscara cobriu seu rosto o tempo inteiro, e as únicas vezes que disse algo foi através de um aparelho idiota. — a loira respondeu. — Onde estão os outros?
— Millye e Josh não voltaram e o Sam... ele... — Jesse soluçou. — eu não sei onde ele está. Acho que o deixei pra morrer, Melissa.
— O... o quê? Minha nossa. Não diga isso! — ela voltou a acolher a garota em seus braços. — O que foi que aconteceu?
— Estávamos no subsolo e ele disse que ficaria para trás. Mas... o mascarado o encontrou. — Jesse levou as mãos até o rosto.
— Sam é forte. Não é? Ele vai nos encontrar em breve. — respondeu. — Tem ideia do que precisamos fazer agora?
— Eu não tenho mais certeza de nada. A pessoa por trás da máscara deixou claro que nos encontraríamos outra vez. O jogo deve se encerrar hoje. — exclamou Jesse.
— Sabe... quando as luzes se apagaram no salão, eu estava tentando dizer algo. Eu não tenho certeza, mas acho que uma pessoa muito próxima a mim pode ter algo a ver com isso. — disse Melissa.
— Quem é? — Jesse olhou fixamente para os lábios nervosos de Melissa, que poderiam revelar a qualquer instante a chave daquele devaneio.
— Minha mãe. Ela tem agido estranho desde que colocamos os pés aqui e agora, mais do que nunca, eu tenho a certeza de que ela não é quem dizia ser, Jesse. Acho... acho que os assassinatos estão ligados a ela e outra pessoa. — explicou ela.
— Se for verdade, então isso explica o porquê de você ter sido colocada no meio disso tudo. Ah meu Deus... — Jesse encarou o chão por um segundo. — Melissa, talvez você seja a peça principal desta vez.
— É por isso que os assassinatos começaram quando eu cheguei na cidade? — disparou ela.
— Não... não é como se fosse sua culpa. Já aconteceu antes. Mas se estiver certa, há algum motivo pra que você esteja sendo perseguida também. — explicou a Greene.
— E como vamos acabar com isso? — perguntou Melissa.
— Eu acho que temos a resposta. — Jesse encarou a tela iluminada de seu telefone. Havia uma nova mensagem.
"— Me encontre no terraço. Última rodada."
- Um velho amigo
Jesse reveleu o conteúdo da mensagem à amiga, que não teve outra escolha a não ser concordar com a ideia. As duas, sem esperar muito, deram as mãos e começaram a caminhar na direção da escadaria que as levaria até lá.
Lado externo da Rainwood High, 23:34 da noite.
Rodeada pela sua ambição e a ideia de que havia algo errado, Millye retornou à escola ao lado de Josh no final da noite. Apesar de já ter se passado mais de uma hora, o tumulto do lado de fora era enorme. Os alunos continuavam esperando que a investigação acabasse. A equipe policial havia adentrado o lugar há pouco e o corpo de Jaremy continuava no mesmo lugar.
— Xerife Moose! O que está acontecendo? — questionou Josh, ao se aproximar do homem.
— Todas as possíveis saídas foram lacradas, Evans. Se quem fez isso continua lá dentro, vamos pegá-lo. — respondeu com exatidão, levando sua mão até a cintura.
— Espera. E quanto aos nossos amigos? Onde... onde eles estão? — Millye disse, confusa.
— Jesse e os outros não estão aqui fora? — Moose jogou seu olhar sobre as mais de quarenta cabeças espalhadas pela rua. — Têm certeza de que não os viram?
— Nós... não sabemos. Acabamos de voltar. — explicou Josh.
— Não se preocupem. Há uma equipe no salão agora e vou pedir que chequem o restante da escola. Traremos seus amigos de volta. — exclamou Moose.
— Está brincando comigo, né? Essa já é a terceira vez que diz isso essa semana, xerife. Eu sinto muito, mas não acho que consiga tirar nossos amigos de lá. Eu quero ajudar. — Josh cruzou seus braços.
— Escuta, garoto. Eu sei que errei em diversos aspectos desde que entrei naquela delegacia no início da semana. Mas esse é o meu trabalho. E acredito que levá-los comigo para dentro desse inferno não vai ajudar. — ele suspirou. — Se seus amigos não saírem em segurança desse prédio até o amanhecer, eu me demito.
O rapaz uniformizado seguiu o outro oficial até o lado de dentro, trancando a entrada principal em seguida. Estava disposto a fazer o que fosse preciso para provar que estava do lado daquelas crianças. Millye e Josh continuaram encarando um ao outro pelos próximos cinco segundos.
— Tem alguma dúvida de que vamos ter que entrar lá também? — o menino perguntou, ajeitando brevemente a gravata borboleta.
— Nenhuma, Evans. Nenhuma. — Millye flexionou seus óculos por um instante.
— Vem comigo. — Josh começou a caminhar no meio da multidão.
Os dois jovens seguiram contornando o prédio até que alcançassem os fundos do colégio. E como o menino havia presumido, havia uma passagem lá. Seja lá qual dos oficiais decidiu afirmar que todas as entradas foram fechadas, estava errado. Millye e Josh esgueiraram-se para o lado de dentro sem chamar a atenção dos demais estudantes.
— Eu não faço a mínima ideia de onde eles estejam. Você acha que... — Josh percebeu que Millye focava sua atenção em outra coisa. — Millye?
Do lado esquerdo, o corredor principal permitia que Millye enxergasse o salão principal, onde a equipe médica e alguns policiais estavam. Era escuro, mas ela podia ver o corpo do garoto no chão. Seus braços abertos e o rosto irreconhecível.
— Vão cuidar dele, Millye. — Josh pousou sua mão sobre o ombro dela.
— É, eu... eu sei que vão. — a garota levou o dedo indicador até suas pálpebras, limpando um resquício de lágrima. — Vamos continuar.
Os dois voltaram a andar em constante alerta em relação àquela criatura mascarada ou qualquer um de seus amigos. A certo ponto, Millye resolveu verificar o celular.
— É quase meia noite, Joshua. — ela murmurou, caminhando em passos curtos.
— E o que há? Não estamos em Salém. — ele sorriu.
— Cala a boca. Ele disse que o jogo deveria se encerrar hoje, então... o final desse dia deve significar que o tempo se esgotou. Não acha? — exclamou.
— Você tem toda a razão. E eu acho que acabamos de descobrir o paradeiro de alguém. — o menino fixou seus olhos no chão.
— O quê? — Millye percebeu o mesmo em seguida. — Ah... ah meu Deus. — ela reconheceu o rastro no chão. Eram marcas de sangue que levavam a algum lugar sobre as escadas.
— As manchas estão indo para cima. Então alguém passou por aqui e não faz muito tempo. — Josh apontou a lanterna do celular.
— Quais as chances de ser um de nossos amigos? — perguntou a menina.
— Setenta e cinco por cento, eu acho?! Não importa. Se o mascarado estiver lá, significa que há alguém com ele. Vamos, Millye, nosso tempo está acabando! — Josh começou a correr sobre os degraus.
— Melissa! — sussurrou Millye, repetindo em seguida o nome dos outros dois na esperança de que a ouvissem no meio da penumbra.
Terraço da escola, 23:47 da noite.
As estrelas nunca brilharam tão forte em Rainwood como naquela noite. Ao passar pela porta que levava à area externa, Jesse observou atentamente o imenso azul escuro do céu sobre ela e Melissa. Era assustador. Suas mãos derramavam ainda o restante do sangue impregnado sobre sua roupa.
— Onde... onde ele está? — perguntou Melissa sob constante euforia, enquanto revirava seus olhos rapidamente de um canto ao outro.
— O que é aquilo? — Jesse disse, confusa, ao enxergar alguém preso a uma cadeira no centro do local. Sua cabeça estava vendada.
— É a nossa última surpresa. — aquele sussurro grosseiro voltou a atormentá-las quando se revelou perto ao parapeito do prédio.
— O que está pensando em fazer? — perguntou Jesse, encarando-o ainda de mãos dadas com Melissa. — Nos diga! NOS DIGA QUAL É O SEU PLANO!
— Se eu lhes contasse ele nunca daria certo. Não acha? — ele gargalhou. — Mas eu posso dizer que é sobre algo maior.
— Algo maior? Você matou pessoas por diversão, seu psicopata! — exclamou Melissa, tropeçando sobre seus passos fracos.
— Não exatamente. Talvez você nunca vá entender, Melissa. Mas eu esperei por isso por um longo tempo. — respondeu.
— De que droga está falando? Você é louco. — a garota juntou seus dedos, tremendo.
— E não fazemos todos parte de uma loucura? Jacob Woods, Seth Hastings... eu não acho que estejamos muito longe de nos juntarmos a ele. — o mascarado colocou seus dedos robustos sobre a arma que carregava.
Durante os torturantes segundos em que Melissa e Jesse precisavam manter-se atentas ao assassino, a porta que separava o terraço dos corredores da escola foi escancarada. Josh adentrou o lugar com seu dedo indicador apontado para o mascarado, e Millye segurava seus braços com um pouco de receio.
— Esse é o fim da linha. — exclamou o garoto, quase sem fôlego.
— Josh! — gritou Jesse, ao perceber que ele e Millye continuavam vivos. — O que estão fazendo aqui?
— Acho que sabemos quem está debaixo da máscara. — respondeu Millye, com exatidão em suas palavras. — É melhor largar essa arma e se afastar.
— Vejam só quem decidiu se juntar à festa! — ele caminhou até perto da cadeira no centro, ainda segurando o gatilho da arma.
— Os policiais estão chegando. Se não soltar o revólver agora... — Josh tentou dizer, mas foi interrompido.
— O que vai acontecer, Evans? — o monstro sem face apoiou suas mãos sobre os ombros da pessoa amarrada. — Vai tentar salvar seus amigos sozinho? Talvez... do jeito que salvou aquela mulher, quando era pequeno?
O triste e doloroso silêncio indicava a verdade em sua fala. Joshua não sabia como ou por quê, mas a pessoa por baixo daquela máscara negra sabia sobre o que aconteceu quando ele era apenas uma criança. E seu pesadelo enterrado nunca lhe pareceu tão vívido outra vez.
— Como... como sabe sobre a minha mãe? — o menino juntou suas pálpebras em um movimento rápido, impedindo que sua aflição inacabada lhe fizesse demonstrar fraqueza.
— Eu sei de tudo. Eu conheço a todos. Como acha que eu fiz com que viessem até esse lugar hoje à noite? — disse ele. — Tudo isso aconteceu porque eu sabia exatamente quais seriam seus próximos passos. E sabia o que viria depois. E depois, e depois.
Interrompendo a rachadura repentina no coração de Josh, Millye colocou seu corpo à frente do dele e encarou o assassino sozinha. Ela olhou direto em seus olhos, aqueles cobertos por um tecido escuro, e proclamou o que precisava ser feito.
— Não importa mais. Você não é mais o monstro dos nossos pesadelos. Porque por baixo dessa máscara velha, você não é nada! — ela exclamou, com seus punhos cerrados.
— É o que vamos ver. — ele aproximou seu rosto da face da menina, deixando que ouvisse sua respiração acelerada.
Então o mascarado se afastou da adolescente e levou suas mãos até o tecido que cobria o rosto do refém. Com calmaria, apoiou seus polegares sobre as bordas e revelou quem era a vítima.
De acordo com o que Melissa havia dito à Jesse, o caso tinha uma solução. Mas no instante em que aquele pedaço de pano foi retirado, tudo caiu por terra. Principalmente para Melissa. Sua mãe não era a pessoa por trás da máscara e muito menos a responsável pelos crimes. Não poderia ser, uma vez que era Jullie Morris a pessoa presa à cadeira.
— Mã... mãe? — exclamou ela, entre suspiros.
— Isso... isso não pode ser verdade. Melissa, você disse que... — Jesse não sabia quais palavras usar. Tudo lhe deixava confusa.
— Se minha mãe não é a pessoa debaixo da máscara, então... — as lágrimas acomodaram-se sobre seus cílios.
Melissa Morris nunca sentiu tanto medo como naquele momento. Suas mãos alcançavam as estrelas do terraço, mas quando a máscara se desprendeu da face do mascarado, a garota atingiu o chão. A revelação não entregou à Jesse a certeza de que precisava, e muito menos a Josh e Millye a solução para aquele mistério. Na verdade, ao cair da máscara aqueles jovens ficaram ainda mais confusos. Ao cair da máscara, Arthur Morris se revelou sendo o assassino.
— Isso não é possível. — seus passos aligeirados fizeram Melissa se afastar rapidamente.
A garota ao seu lado apoiou seus dedos sobre o braço dela, sem soltá-la. Jesse franziu suas sobrancelhas ao entender que aquele homem era de fato o responsável pela morte de seus amigos. Ela não queria acreditar. E como poderia? Qual seria a ligação entre ele e Seth Hastings, ou Jacob Woods? Não fazia o menor sentido Arthur Morris estar no tabuleiro naquele momento. Mas ele estava, e isso já dizia por si só que algumas coisas precisavam de explicação.
— Eu não consigo entender como pôde fazer isso com sua própria filha. — Millye sussurrou, do outro lado.
— Algumas coisas não precisam de respostas, srta. Campbell. — Arthur caminhou sobre o concreto gélido enquanto segurava firme o revólver.
— Pai, você... você disse que era a única pessoa em quem eu poderia confiar. Como? — Melissa deixou que suas lágrimas de angústia caíssem sobre o vestido.
— É uma longa história, querida. Ela começa há dezoito anos atrás, nessa mesma cidadezinha. — exclamou ele.
— O massacre na Rainwood High ocorreu há dezoito anos. — disse Jesse, fixando seus olhos na figura esguia.
— Exato. Mas essa é uma história para outra ocasião. Como eu dizia, Jesse, você deve saber que se tornou uma das peças principais por algum motivo. Porque isso tem muito a ver com você. — respondeu Arthur.
— Do que está falando? — ela rebateu.
— Há uma pessoa por trás desse tabuleiro. Talvez... haja mais de uma. Eu não sei. Mas essa pessoa me fez estar aqui hoje, e pediu que eu te encontrasse. — ele se aproximou mais das duas meninas. — Essa pessoa iniciou este jogo.
— Quem é? Por favor, me diga! — insistiu Jesse.
— Você não deve saber agora. A questão é que... eu tenho um dever a cumprir aqui. — Arthur revirou seus olhos na direção de todos ali presentes. — Mas primeiro, vou contar como aconteceu.
— Vai me dizer como se tornou um assassino em série? — Melissa perguntou.
— A verdade é que eu sempre fui um, Melissa. Aquela noite, a noite em que Billy adentrou a nossa casa, ela... ela não passa de uma mentira. Podemos dizer que eu era o verdadeiro monstro. Se assim preferir. — ele gargalhou.
— Eu não consigo entender. Se foi você este tempo todo, então... como eu não percebi? — exclamou, apavorada.
— Porque você é burra, Melissa! Tão burra quanto a sua mãe. Se tivesse o mínimo de noção teria percebido que eu estava mentindo. Não acreditou mesmo naquela história, né? Como você teria provocado o incêndio se era apenas um bebê? Você sabe que eu deixei a cidade há dezoito anos, Melissa. Você não tinha seis anos de idade. Havia acabado de nascer. — explicou.
— Não, não, não! Como espera que eu entenda que meu próprio pai é... um monstro? — a garota continuou a deixar que suas lágrimas despencassem.
— Porque na verdade... — ele respirou fundo, chegando bem perto de seu rosto. — eu não sou seu pai.
— Você o quê? — Melissa entrou em constante impacto.
— Aquele desgraçado do Billy era. Mas não devia. Sua mãe e eu... nós éramos felizes. Éramos muito felizes. Então ele chegou e a tomou de mim. Não foi, Jullie? — Arthur moveu seu rosto em direção à mulher por um segundo. — Então eu fui embora. Mas precisava voltar.
— E quanto a mim? — questionou Melissa.
— Você nasceu enquanto eles brincavam de ser uma família feliz. E aí eu voltei. Voltei porque não aceitaria que Jullie fosse feliz com outro homem. — respondeu. — E, Jesse, lembra da pessoa sobre a qual falei? Foi ela quem me fez ter coragem para fazer isso. Então... eu voltei àquela casa durante a noite e lá estava o Billy.
— Como o incêndio aconteceu? — Melissa perguntou.
— Eu não sei. Nenhum de nós sabe. Não é muito importante, mas é a única pergunta sem resposta sobre a noite do apagão. Mas Billy acabou morrendo quando as chamas começaram, e então... eu fui levado como culpado. — disse Arthur. — E sua mãe precisou cuidar de você sozinha.
— Foi por isso que ela ficou tão incomodada quando você retornou. Porque não era quem dizia ser. — a loira exclamou, entre suspiros.
— É claro que sim. Sua mãe não era louca, mas ela não podia fazer nada. Sabe por quê? Porque ela é fraca. Assim como você. — Arthur agarrou Melissa pelo pescoço.
— Eu... eu achei... achei que me amasse. — exclamou a garota, tentando respirar debaixo de seus dedos pesados.
— E como eu poderia amar alguém que não me pertence? — respondeu o homem.
— FICA LONGE DELA! — gritou Jesse, interrompendo-o. — Você não passa de um covarde, Arthur.
— Sério, Greene? — Arthur virou-se para ela. — Você é tão teimosa quanto sua mãe.
— Como conhece a minha mãe? — perguntou ela, assustada.
— Eu não posso dizer. Não estou aqui para dar respostas, Jesse. Eu sou apenas a peça na linha de frente do jogo. Quando me encontraram, pediram que fizesse parte disso. E eu aceitei. Tinha raiva e angústia dentro de mim, e acho que sempre gostei da carnificina. — ele sorriu.
— Você não passa de um bode expiatório, Arthur. — falou Josh, encarando-o.
— Talvez, Joshua. Talvez isso seja verdade. Mas não importa mais. Sabe por quê? Porque não haverá ninguém aqui para me incriminar quando isso acabar. — ele recolheu a arma de seu bolso outra vez. — Meu dever era garantir que não restasse ninguém vivo. E é isso que vou fazer.
O homem puxou o gatilho e apontou a arma para a mulher na cadeira, sua primeira vítima. Arthur acabara de dizer que aceitou participar do jogo porque queria encontrar Jullie outra vez. Mas agora, ela não passava de mais uma pessoa pela qual ele não conseguia sentir remorso. Matá-la primeiro seria mais difícil, e é isso que ele queria. Porque no seu ponto de vista, estaria enfrentando seua demônios, mesmo que ele mesmo fosse um.
— Não ainda. — murmurou uma voz com sonoridade adoecida, ao invadir o ambiente.
Na porta de entrada, um garoto de dezessete anos se apoiava sobre a parede. Suas pernas pareciam cansadas, as roupas rasgadas e hematomas sobre o corpo. No rosto, um milhão de cortes que por pouco não atingiram seus olhos. Sam Colleman ainda tinha forças para se manter em pé. Forças que lhe fizeram atravessar os corredores escuros e vazios da escola e encontrar o ponto final daquele jogo antes que fosse tarde.
— SAM! — gritou Jesse, apavorada. Parte dela se apedrejava por ter deixado que o garoto se machucasse. Quanto à outra, agradecia porque ele estava vivo.
— Santo Deus. — Arthur bufou. — Devia ter te matado quando tive a chance.
Os olhos de Jesse pararam de brilhar ao ouvir aquelas palavras. Porque segundo o que prometeu, aquele homem estava ali para não deixar rastros. E se Sam devia ter morrido há algumas horas, então ele seria o primeiro desta vez. Arthur começou a caminhar na direção do ruivo enquanto lhe encarava. Em uma mão ele carregava o revólver e na outra, apontada ao adolescente, uma faca de tamanho médio.
Tudo aconteceu tão rápido que nenhum dos quatro jovens teve tempo de ter outra reação a não ser gritar. Com exceção de um deles, na verdade. Josh Evans soltou sua mão da de Millye e correu na direção do homem de vestes escuras sem pensar duas vezes. Não alcançando o ruivo a tempo, Arthur foi obrigado a virar seu corpo em um rápido reflexo quando sentiu a aproximação de Evans. E de imediato, a dor que Colleman deveria sentir foi transmitida ao seu amigo.
— JOSH, NÃO! — Millye jogou seu corpo ao chão no mesmo momento, tentando agarrar o jovem com as mãos.
Outra vez, há de se dizer: tudo aconteceu muito rápido. O que se pode afirmar com certeza é que os planos de Arthur não deram certo. Ainda em transe sob o efeito do pavor, Jesse se aproximou ligeiro do tumulto e apanhou o revólver das mãos de Arthur antes que ele pudesse tomar outra atitude. Quanto à Melissa, teve tempo de desamarrar os braços de sua mãe e retirar o tecido espesso de sua boca, livrando-a.
— Acabou, Arthur. — Jesse apontou a arma em sua direção enquanto todos os outros tentavam entender o que havia acontecido.
— Ainda não. — com rapidez, o homem agarrou o rapaz ao seu lado e levou a lâmina da faca até seu pescoço. — Quer que o seu príncipe encantado seja o sacrifício da noite? Porque eu ainda posso levá-lo comigo.
— Por favor, deixe-o em paz. — insistiu. — Sam não devia estar aqui. Seja lá do que se trata esse jogo, ele... ele não faz parte disso!
— Pequena Jesse, você é exatamente como a descreveram. — Arthur sorriu, levando seu pé dianteiro mais próximo da beirada do prédio. — Ninguém está fora desse jogo, Jesse. Eu realmente gostaria de explicar cada peça desse quebra-cabeça, porque o seu medo me instiga. Mas eu não posso. Só deve saber que uma vez que você entra no tabuleiro, não tem mais como sair. — o homem suspirou.
— Je... Jesse, não. — Sam implorou, entre suspiros. Mas debaixo de sua expressão desesperada, o garoto mexeu os lábios em imediato, afirmando: "atire".
Aquele momento de angústia e incerteza foi tão torturante para Jesse que pareceu durar horas, quando na verdade, tampouco haviam se passado quarentena segundos. Em quarenta segundos, o jogo teria mudado. Em quarenta segundos, Sam Colleman teria morrido nas mãos daquele assassino.
Mas ele não morreu. Em quarenta segundos, a garota com a arma em sua mão esperou o momento certo para levar o dedo até o gatilho. O ruivo empurrou os braços de Arthur milésimos antes, afastando-se do caminho da bala. E então, fim de jogo. O corpo de Arthur Morris caiu no chão, formando uma enorme poça de sangue ao redor. A última peça que precisava cair, havia caído.
Melissa agarrou o corpo de sua mãe com força, reafirmando o fato de que entendia o motivo de sua loucura repentina. Arthur sempre foi seu monstro particular, e agora estava morto. Millye continuava pressionando o sangramento de Josh enquanto os policiais não chegavam. E Jesse pôde, por fim, sentir os braços de Sam lhe tocando outra vez. A jovem deixou que o revólver escapasse de seus dedos e caísse no chão, não dando importância para tal.
— Acabou, Jesse. Você o matou. Ele... ele está morto. — o garoto repetiu incansáveis vezes enquanto mantinha seus olhos fechados, segurando o corpo dela com força. — Moose deve estar nos procurando. — Sam se afastou dela, caminhando até a porta de saída.
Depois de uma duradoura tempestade, se aproximara a sensação de calmaria outra vez. Ainda assim, existia a hipótese de que os ares da escuridão não tivessem deixado-os em paz ainda. A calmaria fora uma farsa e de trás dela surgira algo inesperado.
Millye Campbell, em prece para que o garoto em seus braços conseguisse aguentar até a chegada das autoridades, foi a única a perceber a figura tenebrosa tomando forma outra vez. Seus lábios exalavam o sangue viscoso de suas veias. Apesar do enorme estrago em seu corpo, Arthur continuava vivo. Sem fazer barulho, agarrou o revólver próximo aos seus pés e o apontou diretamente para a peça principal: Jesse Greene.
— Não pode escapar das garras dos seus demônios, Jesse. — murmurou, encarando-a.
Sem identificar aquela frase a tempo, a adolescente não teve como se retirar da linha de fogo antes que fosse alcançada pela bala. Aquele foi o último feito de Arthur Morris naqula noite. Diz-se isso porque, logo depois de ter efetuado o disparo, seu corpo foi agarrado por um par de mãos gélidas e pálidas.
— Você está morto. — exclamou Melissa, deixando-o assistir a maré de chamas que se formava em seus olhos.
Sem pensar duas vezes, nem mesmo uma, a loira empurrou o peito do homem com toda a sua força. Então o corpo de Arthur caiu em queda livre daquele terraço. Mais de trinta metros de altura percorridos em instantes. Foi um choque aos que permaneciam na frente da escola o fato de terem enxergado o corpo daquele psicopata sendo estraçalhado pelo asfalto.
Depois de tomar suas mãos de volta ao peito, Melissa entrou em constante desespero, devido ao fato de ter acabado de matar seu susposto pai. Que diferença isso faria, afinal? Se não fosse ele, seria ela.
— Melissa! Melissa! — Jullie lhe agarrou em rapidez, afastando-a do parapeito. — Está tudo bem. Está tudo bem. Está tudo bem! — continuou reafirmando.
O jogo acabou de uma vez por todas. As pessoas naquele terraço não corriam mais perigo porque o culpado pelos crimes estava finalmente morto. Entretanto, não foi só Arthur que caiu sob as radiantes estrelas naquela noite escura. Seu disparo foi efetuado com êxito antes de ser empurrado, e alguém havia sido atingido.
Os óculos acabaram por serem jogados longe de seu rosto quando Millye sentiu o chão lhe tocar. A dor era imensa e inacabável. A bala atravessou seu corpo. Mas se sentia ainda um tanto feliz por ter a certeza de que salvou a vida de Jesse Greene. Se não o fizesse, muito provavelmente seria ela em seu lugar agora.
— Millye... não, Millye. MILLYE! — Jesse começou a exalar gritos de pavor no mesmo momento. — POR FAVOR, ALGUÉM AJUDA!
Os policiais encontraram o local onde os adolescentes estavam ao ouvirem o disparo do segundo tiro, o que lhes revelou a direção correta. Moose se assustou ao enxergar dois jovens caídos, tendo um deles sido baleado e o outro esfaqueado, além da euforia torturante nos rostos dos demais.
[Música: To Build a Home - The Cinematic Orchestra]
Felizmente não levou muito tempo até que conseguissem descer as escadas e alcançar a porta de saída. Assim como Sam prometeu à Jesse, ambos escaparam antes do amanhecer. A única condição era que o rapaz não pôde segurar sua mão porque estavam ocupadas com o possível cadáver de Millye Campbell.
A multidão que aguardava uma resposta das autoridades teve uma surpresa ao perceber o grupo de jovens atravessando a porta principal da escola. Jesse ajudou Josh a colocar os pés no chão pouco a pouco. Ao lado dos dois, Jullie abraçava a filha com a garantia de que nada mais fosse feri-la. E por fim, a possível última vítima era carregada pelo ruivo, com seu vestido azul ensanguentado.
Lado externo da Rainwood High School, 01:43 da manhã.
A maré de alunos que especulavam sobre o acontecido dissociou-se com o passar dos minutos. Logo, restara apenas o lilás da mistura luminosa das viaturas. Os policiais haviam finalmente retirado os corpos do lugar. Agora a rua se encontrava quase que vazia por completo, com exceção de três ou menos automóveis e o sombrio arrastar do vento noturno.
Millye Campbell foi levada para o hospital com pressa, sem a certeza de que tinha sobrevivido àquele disparo. Seu sangue ainda corria quando os paramédicos a encontraram. Ao seu lado, Josh Evans continuou segurando sua mão até que chegassem no destino. Ele não a deixou por sequer um segundo, mesmo que o ferimento lhe causasse extrema tontura e fraqueza. Porque desde o início da noite teve a certeza de que com Millye gostaria de dividir seus últimos segundos. E assim o fez.
Outra vez sentada na traseira da ambulânica, Jesse escorava sua cabeça sobre a maciez improvisada do tecido que a cobria. Ela sabia que podia respirar fundo agora. Aquele pesadelo chegou ao fim novamente, ou pelo menos parte dele, mas isso já era o suficiente. Com cautela, a garota apanhou seu celular e digitou, sob o movimento trêmulo de seus dedos, uma mensagem para sua mãe.
"— Espero que esteja bem. Vou levá-la para casa em breve, mãe. E então seremos só eu e você outra vez. Vou te contar tudo o que for preciso. Preciso de você aqui."
— Como se sente? — Sam pousou seu braço sobre os ombros da jovem cuidadosamente. — Salvou a minha vida hoje.
— Você também, Sam. Mais de uma vez. — respondeu Jesse. — Eu não sei, acho que estou exatamente onde deveria estar.
Um breve sorriso tomou forma em seu rosto. Jesse aproximou-se do garoto, grudando de uma vez seus lábios um no outro. Talvez aquele não tenha sido o baile mais feliz de sua vida. E talvez aquilo tudo não tenha lhe entregue as respostas de que precisava. Mas no fim da noite, Jesse Greene sabia que estava exatamente onde sempre quis: entre os braços da pessoa que amava.
— Acha que estão felizes? — perguntou Jullie, segurando firme na mão de Melissa, enquanto observava o casal.
— Sim. E fico feliz por eles. — a loira sorriu.
— Não queria que fosse assim. Uma filha não devia ter que tirar a vida do próprio pai. — suspirou.
— Ele não era o meu pai. Era um impostor. Talvez tenha lhe feito acreditar que era, mas não era. — respondeu a menina, fixando seus olhos no azul escuro úmido do ar.
— Sinto muito por isso, Melissa. Toda aquela história, você... você poderia estar morta agora. — Jullie sentiu um calafrio ao pensar em tal hipótese.
— Poderíamos todos, mãe. Você só teve medo. E tudo bem sentir medo. — a garota apoiou sua cabeça sobre o peito da mulher, respirando fundo. — Porque uma hora ele vai embora. Não é?
E assim, aguardando que as autoridades permitissem que aqueles sobreviventes tivessem uma noite de sono, se encerrou o que Arthur Morris resolveu chamar de jogo. No fim da história os jovens descobriram que não era necessário uma única peça em pé para encerrar o ciclo, e sim que a peça no chão fosse a correta.
Isso não significava que todos aqueles estudantes morreram em vão. Eles lutaram, se sacrificaram para que esse sangrento e doentio jogo de tabuleiro chegasse ao fim mais cedo. E é evidente que conseguiram.
Mas para Jesse, aquele não era o fim. Sua vida estava destinada a se tornar um campo de batalha outra vez e ela sabia que não demoraria muito tempo. Se não fosse por conta de um assassino em série, outra criatura ou situação assustadora seria. Mas naquele instante não havia nada que pudesse fazer, a não ser esperar. Esperar que o destino lhe poupasse por mais alguns dias ou horas.
Quanto a Josh Evans, ele não tirava da cabeça que havia um detalhe em aberto em relação àquela noite. Quando Arthur foi filmado no hotel, havia alguém lhe observando. Seria fácil manipular uma câmera para provar que ele era inocente, mas não foi isso que aconteceu. E o garoto tinha certeza pelo fato de que alguém vestindo aquela máscara aparecera no final do vídeo. Então, Josh não poderia deixar de se questionar: acabou mesmo?
Pesadelo encerrado ou não, Rainwood continuaria sendo a cidade dos dias chuvosos e deprimentes por um longo tempo. E enquanto permanecessem lá, estavam de acordo que o que lhes aguardava no dia seguinte não era seguro. Seu futuro era incerto.
Talvez um mistério arrepiante, como a silhueta humana na floresta, que observava Sam e Jesse juntos na ambulância naquela madrugada e que capturou uma fotografia dos dois sem que percebessem o barulho da câmera. Talvez outro massacre propagado por algum psicopata que venerava o assassino da cidade. E por uma expectativa menos pessimista, talvez agora os estudantes da Rainwood High tivessem paz e aqueles que se foram também. Ou talvez, nunca deixassem de ser apenas peões, cavalos, reis e rainhas de um tabuleiro que estava prestes a pegar fogo.
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