Temporada 1 - Capítulo 6| "A peça que falta"

Rainwood, 28 de outubro, 14:30 da tarde.

Quase congelei com o frio que fazia quando coloquei os pés no chão. O ônibus partiu logo depois e eu percebi que estava sozinha. O pior é que aquele lugar não era nem um pouco convidativo, como foi descrito.

A rua era iluminada pelo sol naquela tarde, mas isso não tornava a estética do local menos sombria. Era estranho estar tão longe de casa, talvez fosse por isso que esse lugar não parecia minimamente agradável quando cheguei. O período letivo pra mim foi um pouco corrido em Gravewood, em questão do novo trabalho. Mas eu precisava daquele emprego, então já sabia que teria de fazer qualquer coisa para conseguir aquela matéria sobre a investigação. Peguei o ônibus há poucas horas e ele acabara de me deixar no meu próximo destino: a cidade do assassinato sem resposta. Rainwood.

Aquele cachecol começou a me incomodar assim que desci do veículo. Então deixei de lado a atenção aos carros na rua pra que pudesse tirar o tecido de lã do meu pescoço. Péssima ideia.

— SAI DA FRENTE! — ouvi o motorista gritar, apressado.

Inferno! Poderia estar morta agora. Senti meu coração disparar por um momento e depois me agarrei ao cordão da calçada, retomando o equilíbrio.

— Você... você tá bem? — senti uma mão pesada pousar sobre meu ombro, me ajudando a ficar em pé antes que eu desabasse. Aquela voz não me parecia estranha, apesar de eu não conhecer absolutamente ninguém daquela cidade.

— Não foi nada demais. Não perca seu tempo. — tentei parecer amigável e então dispensei a mão que ele havia estendido. — Foi só um susto. Me chamo Jesse, a propósito. — notei que ele parecia confuso, então toquei sua mão e o cumprimentei rapidamente.

— Meu nome é Seth. — ele retribuiu o sorriso e o aperto de mão. — Você é nova aqui. Não é? É fácil decorar os rostos que eu vejo todo dia, e você não é um deles.

— Eu cheguei hoje. Pra falar a verdade, o meu ônibus acabou de partir. — ajeitei o cabelo, levando uma mecha até a parte traseira da orelha.

— Legal. Seja bem-vinda, Jesse. Então... você vai estudar na Rainwood High? — ele perguntou, curioso.

— É, mas isso é consequência do meu trabalho. — cruzei os braços. — Eu sou jornalista, ou... quase uma. Estou aqui por conta de uma nova matéria e pretendo ficar por um tempo. Bom, pelo menos até conseguir o que quero. Devo retornar a Gravewood no início do ano que vem. Foi difícil, mas eu fui liberada pra concluir o ano aqui em Rainwood. — expliquei. — E você... parece ter saído de um casamento. — sorri, ao perceber a roupa formal que ele vestia.

— Ah, uma "quase jornalista". Isso é legal. — ele fez uma pausa. — É... era um enterro, na verdade. Da minha irmã. — sua resposta foi suficiente pra me deixar ainda mais constrangida.

— Meu Deus. Eu... eu sinto muito por isso. — então ele deveria ser o parente mais próximo do qual ouvi falar. — Espera... você é Seth Hastings? — perguntei.

— O próprio. — o rapaz respirou fundo, com as mãos atrás das costas.

— Bem, não é a melhor hora pra um encontro à primeira vista, mas é bom te ver. É estranho que eu esteja aqui por conta da sua irmã, mas... eu sinto muito. De verdade. Estou torcendo pra que tudo dê certo com a investigação. — não tinha como aquela conversa ficar mais fúnebre.

— Não se preocupa. Então... eu preciso ir até o hospital agora. Um amigo precisa de mim. Nos falamos depois? — ele esticou a mão com o celular, sorrindo.

Fiquei paralisada por um tempo, sem entender o que ele queria. Seus olhos haviam me deixado distraída. Era isso, ou aquela viagem me deixou cansada o suficiente pra que eu demorasse a raciocinar.

— Toma. Se quiser me passar o seu número, é claro. — ele riu, se afastando.

— Ah, sim. É claro que eu quero. — puxei o aparelho da mão dele e disquei rapidamente sobre a tela. Antes de devolvê-lo, percebi uma foto de Maryan no seu papel de parede. Pelo menos agora eu sabia que ele era de fato irmão dela. Não estava mentindo.

— Pronto. Até mais, Jesse. — ele se despediu com entusiasmo. O jeito com que seus olhos pareciam ter adquirido um brilho depois daquela conversa me fez sentir algo estranho. Talvez fosse o desejo de não confiar no primeiro garoto que encontrei naquela cidadezinha.

— Até mais. — respondi em voz baixa, depois que ele já tinha ido embora.

Voltei a caminhar pela calçada. Fosse coincidência ou consequência da estranha atmosfera local, a primeira pessoa com quem esbarrei era o irmão da garota morta. As coisas não poderiam ter começado melhor.

Delegacia de Rainwood, 15:30 da tarde.

Meu trabalho teria início, afinal. Eu havia passado na escola pra confirmar a matrícula e o término do ano letivo, e agora finalmente precisava descobrir o que estava de fato acontecendo naquela cidade. Não que me apegar ao papel de Nancy Drew fosse algo do meu dia a dia, mas a ansiedade pela minha primeira participação em uma situação dessas não me deixava em paz.

— Você é a Katy? — perguntei, ao me aproximar da mulher que falava no telefone.

— Eu acho que sim. — a mulher parecia estressada. — Pode me dar um minuto? Estou ocupada. — Katy se afastou enquanto seguia falando no telefone. — É o que estou dizendo, Lamark! O xerife Mayson disse que estaria de volta em poucos minutos, e até agora nada. E... o quê? Não! É claro... claro que não. Olha, deixa isso comigo. Vou terminar o trabalho e preciso que esteja nessa delegacia o mais breve possível. — ela desligou o telefonema, enfurecida.

Me aproximei ao perceber a tensão em seus ombros. Não devia haver muitas outras investigações naquela cidade acontecendo mutuamente, então presumi que ela estivesse falando sobre Maryan.

— Me desculpe interromper, mas... era sobre a garota assassinada? — questionei, largando minha mochila na cadeira ao lado.

— Na verdade, não. Outra garota desapareceu ontem à tarde, mas as buscas foram iniciadas na manhã de hoje. O xerife foi até o local averiguar o perímetro e estamos tendo problemas. Porque ele ainda não voltou. — Katy suspirou ao terminar. Acho que percebeu que não deveria ter explicado tanto para uma completa estranha. — Quem é você mesmo?

— Jesse Greene. Eu vim até aqui pra saber sobre o caso de Maryan. Na verdade, eu... — tirei um papel do bolso de trás. — eu gostaria de saber mais sobre o que está acontecendo. Acha que poderia me ajudar, Katy?

Ela me encarou por alguns instantes. A típica expressão de quem não gosta de adolescentes metidos a detetive procurando pistas onde não devem. Achei que fosse ser expulsa naquele exato momento, mas a sorte estava ao meu favor.

— Está dizendo que é jornalista? — Katy cerrou seus olhos, saindo de trás da mesa e caminhando até mim.

— É... quase isso. — respondi, envergonhada.

— É seu dia de sorte. Vou até aquela floresta checar se Mayson ainda está lá, e você pode vir comigo. — a policial agarrou meu braço, começando a caminhar até a porta.

Que loucura. O dia seria mais divertido do que eu imaginei. Entramos na viatura e levou menos de quinze minutos até que chegássemos na temida floresta. No caminho, Katy me contou o que estava acontecendo. Três adolescentes alegaram ter entrado lá no dia anterior por motivos ainda não desvendados. Deixaram uma amiga para trás. Jenny Hopps era o nome dela. Katy disse que quem fez a ligação não contou muito, mas parece que foram perseguidos por alguém. Então agora eu já tinha um assassinato em mãos, um desaparecimento e outros quatro jovens para entrevistar. E algo me dizia que tudo isso se interligaria de forma bizarra nos próximos dias.

Antes que chegássemos no lugar, Seth me enviou uma mensagem. Eu não sei por quê, mas receber aquilo me tirou um sorriso espontâneo. Ele disse que estava tudo bem com o amigo no hospital, e perguntou se eu aceitava tomar um café outro dia. Pelo menos para o Seth as coisas começariam a dar certo.

Katy desceu do carro e começou a caminhar em meio às árvores. Eu a segui, mesmo com medo. E posso garantir que aquele não era nem de longe um dos lugares mais agradáveis da cidade. A neblina constante parecia ser proposital, levando em conta que aquela parede de ar tomava cada centímetro do terreno.

— Fique atrás de mim. Não ficaria surpresa se encontrássemos um corpo aqui. — Katy exclamou, enquanto segurava a arma em uma mão e a lanterna na outra.

Ajeitei minha mochila sobre o ombro esquerdo e continuamos caminhando. Nossos corpos ultrapassavam a névoa pesada pouco a pouco, me deixando cada vez mais incerta do que fazíamos ali. Talvez começar por uma possível cena do crime fosse algo precipitado.

— Então... o que exatamente estamos procurando aqui? Você disse que a garota desapareceu. Eu não acho que esteja aqui ainda. — perguntei, olhando para os lados.

A floresta parecia muito com um ser vivo tentando nos engolir a cada passo. Tentava me certificar de que não havia ninguém nos seguindo enquanto esperava a resposta da policial.

— Sabe, Jesse... na maioria dos casos de desaparecimento a garota está na casa do namorado. Mas Jenny não tinha um namorado, o que é uma pena. — Katy suspirou. — Enfim. Na verdade, eu pouco me lembrava de Jenny quando entrei aqui. Precisamos encontrar o xerife Mayson, antes que um desaparecimento se torne dois. E se forem dois desaparecimentos, é questão de tempo até que aquele cadáver se torne três. — Katy me observou com seriedade, apesar de ela não ter dito nada que eu já não soubesse.

— Certo, eu entendi. Provavelmente Mayson já deve ter retornado à delegacia, Katy, e estamos aqui perdendo... — meu celular tocou. — Droga.

Levei o aparelho até o ouvido. Era a minha mãe. Sua voz estava baixa, e eu tampouco conseguia ouvi-la. Acho que o sinal devia estar fraco.

— Mãe? Consegue me ouvir? — levei a mão até o outro ouvido, tentando tampá-lo. — Mãe? Eu não... mãe! — a chamada caiu.

Voltei a olhar para a Katy depois de guardar o celular. Ela estava parada, concentrada em alguma coisa. Parecia estar tentando ouvir algo.

— Você enxergou alguma coisa? — perguntei, me aproximando dela.

— Silêncio. — ela esticou a mão, impedindo minha passagem. — Consegue ouvir isto? É a água. Ouvi dizer que a água sempre leva até o caminho certo.

— O quê? — disse, confusa. — Não estamos em um filme, Ka... — mais uma vez, ela voltou a me interromper.

— Você quer ser a policial? — Katy revirou os olhos.

— Continue, então. — suspirei, voltando a segui-la.

Caminhamos mais um bom tempo até que chegássemos próximo de um pequeno riacho que dividia o lugar. Havia um pouco de sangue ao nosso lado, mas estava seco. Seja lá de quem fosse, devia estar bem longe agora.

— Olha, Katy... eu entendo que esteja preocupada. Mas acho que o xerife Mayson não está mais... — quando pretendia terminar a frase, senti um enorme peso sobre meus ombros. — Katy?

Estranhei o fato de haver um líquido viscoso sobre o uniforme dela. Era sangue. Katy me encarou com pavor, virando seus olhos para cima no mesmo momento. Acho que ela percebeu de onde vinha a substância antes que eu pudesse.

Não conseguia acreditar naquilo. O grito dela tomou conta de meus ouvidos, enquanto eu me afastava rápido. Por pouco não acabo caindo naquela água poluída. A respiração acelerada da oficial me apavorou, e foi quando eu finalmente enxerguei o que lhe fazia ter tanto medo.

Havia algo pendurado na árvore próxima a ela. Era um corpo. Seus braços e pernas haviam sido amarrados de forma que ele ficasse preso sobre os galhos. Seu uniforme tinha sido rasgado, e em suas costas, uma pequena frase escrita sobre a sua pele: "Me encontre".

Aquilo era realmente verdade? Eu não podia acreditar. Era impossível que a situação fosse começar a piorar no momento em que cheguei naquela cidade amaldiçoada. Mas eu não podia evitar o óbvio: tínhamos mais um corpo em mãos agora, e ele provavelmente era do xerife Mayson.

— Que... merda! — Katy estava fora de si. — Corra, Jesse. Corra! — a policial deixou o lugar às pressas, juntando sua arma e iniciando uma corrida desesperada.

— Correr? Mas e quanto ao... — demorei para sair do lugar.

— EU SOU A POLICIAL E ESTOU MANDANDO VOCÊ CORRER! — ela não iria voltar lá de jeito algum, e nem precisava.

Continuamos correndo até que encontrássemos a viatura. Katy apanhou o rádio rapidamente, trancando a porta do lado dela. Eu adentrei o banco do carona o mais rápido possível, enquanto ainda temia que alguém estivesse nos observando no meio daquela névoa toda.

— ENCONTRAMOS OUTRO CORPO! REPITO: ENCONTRAMOS OUTRO CORPO! — Katy avisou aos outros oficiais, no rádio. — ESTAMOS VOLTANDO PARA A DELEGACIA!

E foi assim que eu percebi que já estava mais inserida naquele caso do que imaginava. Aquela policial ansiosa me fez ter certeza de que não seria tão fácil assim encontrar as próximas informações de que precisava. Mas querendo ou não, eu não iria embora.

No restante da tarde, voltei até a escola para levar algumas coisas até meu novo armário. E percebi que um garoto chamado Joshua era o melhor amigo da vítima. Sinto muito que ele esteja sozinho agora.

Em alguma casa da rua Sayfield, quase 19:00 horas da noite.

Aquele dia cansativo finalmente chegou ao fim. Depois de alguns goles de café enquanto eu apreciava o restinho do entardecer na minha nova e pequena casa, percebi que Rainwood não parecia tão ruim assim. Mas sempre dizem que as coisas pioram após o anoitecer, então eu decidi esperar até tomar essa conclusão de vez.

Minha mãe havia me ligado e eu finalmente consegui ter contato com ela. Lhe poupei dos detalhes sangrentos. Sentia sua falta mesmo tendo a deixado há menos de um dia. Madison Greene sempre me disse que Rainwood não era uma boa ideia, mas eu precisava ver com os meus próprios olhos.

— Certo, mãe. Nos falamos depois. — sorri, abanando para ela através da tela. — Eu sei, é claro que eu sei, mãe. Também amo você. — fechei a superfície do notebook, empurrando-o para o lado e podendo esticar meu corpo sobre a cama.

Por uma última vez, chequei o telefone. Nenhuma nova mensagem do Seth, e nem de ninguém, com exceção de uma promoção de pacote de internet. Me sentia aliviada por ter sobrevivido ao primeiro dia naquela cidade, mas não conseguia relaxar. Foi quando a campainha tocou.

— Quem pode ser a essa hora? — murmurei, em voz baixa.

Calcei um par de meias e desci as escadas em seguida. Estava escuro, e eu pouco conseguia enxergar a sala ou a cozinha. Felizmente, tinha a certeza de ter trancado a porta. Não havia nenhum assassino em série dentro de casa. Continuei caminhando até chegar na porta. Não havia ninguém do lado de fora, mas eu ouvi a campainha, então sabia que teria alguma coisa lá.

Como imaginei. Havia uma caixa deixada do lado externo, com um pequeno bilhete em cima. Senti meu coração bater mais rápido, estranhamente. Segurei a caixa com as mãos e logo percebi que não estava vazia. E então eu parecia ter sido atingida por um caminhão de lixo. Aquele cheiro era horrível. A caixa estava repleta de sangue, e havia de fato um pedaço de carne dentro dela. Quem faria algo daquele tipo? Era repugnante. No bilhete, a mensagem confirmava que algum perseguidor havia me incluído de vez na sua lista.

"— Bem-vinda ao jogo, novata. Caso não saiba, você faz parte dele agora. Imagine-se em um tabuleiro, Jesse. É como um jogo de xadrez, não acha divertido? A diferença é que a cada peça que você move, alguém pode morrer. Ou ser salvo. Está em suas mãos. Aproveite, pois as peças ao seu redor vão começar a cair logo, logo. Nos vemos em breve."

- Um velho amigo

Era inimaginável como as coisas tinham perdido o rumo de maneira grotesca. Eu nunca poderia imaginar que a própria morte bateria à minha porta na primeira noite naquela cidade. Foi quando decidi olhar para o pedaço de carne na caixa. E percebi que a carne, na verdade, era um coração humano. Levando em conta o que eu sabia até agora, só havia uma explicação que fazia sentido ali: ele era do xerife Mayson.

E a cada segundo que se passava, mais eu desejava nunca ter colocado os pés naquele lugar. Mas segundo o autor do bilhete, agora eu fazia parte do jogo. E isso comprovava de uma vez por todas a minha teoria: Rainwood é uma cidade muito atraente, até o sol se pôr.

Até o sol se pôr.

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