Temporada 1 - Capítulo 2| "O dia mais macabro"
Rainwood High School, manhã de 26 de outubro.
Rainwood acordou ensolarada desta vez. Era estranho, já que quase todo dia a chuva toma conta das ruas. Eu entrei pelo corredor principal da escola. Como sempre, já havia percebido o olhar desprezível de algumas garotas. Por quê? Bem, deve existir uma razão pra que o ensino médio faça os estudantes odiarem tanto uns aos outros a ponto de não quererem conhecê-los, mas eu não sou aquele tipo de maluco que veste capuz o tempo todo e escreve ameaças na porta do banheiro. Ainda não. Sou só um garoto de dezesseis anos que não curte muito o estilo das pessoas aqui. Espero que se ferrem, na verdade. Prossegui andando até perto da minha sala, quando percebi que Maryan não havia vindo pra aula. Sua carteira estava vazia.
— Estranho. Ela nunca falta um dia sequer. — olhei para os outros corredores, podendo avistar Zoe escorada na parede próxima à escada. Não era uma das melhores opções perguntar algo a ela, mas eu sabia que ela estaria por dentro se algo tivesse acontecido. — Zoe! Viu a Maryan por aqui?
— Evans, Evans. Faça o favor de não dirigir a palavra a mim quando se perguntar se isso é uma boa ideia da próxima vez. — Zoe suspirou, voltando a olhar para o celular. — Mas não. Eu não vi a esquizofrênica da sua amiguinha.
— Merda. Qual é o seu problema? — revirei os olhos e a deixei falando sozinha.
A aula por fim começou. Todas as cadeiras foram devidamente preenchidas, com exceção, é claro, da de Maryan. Algo havia acontecido, eu podia sentir que precisava ligar pra ela ou algo do tipo. Mas não me importei no começo. As coisas iam bem, entediantes, mas bem, até a srta. Meyers interromper-nos com seus berros.
— JENNY, SOLTE O CELULAR! ESTAMOS NO MEIO DA AULA! — eu sabia que algum dia aquela mulher iria rasgar a garganta se continuasse falando alto assim.
— Nem pensar, srta. Meyers! — refutou Jenny. — Tem uns babados rolando na internet nesse momento. E eu não estou dramatizando. É que realmente... aconteceu alguma coisa em Rainwood nessa manhã. — Jenny voltou a ler a notícia. — Isso é... nojento! Nojento e bizarro!
A reação da garota assustou o resto da turma. Jenny era o típico caso da menina mimada que segura suas seguidoras na coleira. Com "suas seguidoras", eu quero dizer Claire e Suzen. A garota que tinha mais classe na escola, perambulando por aí com sua saia xadrez e sua boina, e a menina que chamava atenção por conta dos estilos escandalosos e suas tranças coloridas, respectivamente. As três imaginavam ser as donas da escola. Mas, enfim, algo assustou Jenny naquele momento, e normalmente as pessoas é que se assustavam com ela. Então comecei a me preocupar com que merda ela tinha visto.
— AI, MEU DEUS! — gritou Suzen, ao se levantar rapidamente enquanto segurava o celular. A menina logo se aproximou de Jenny, e as duas agarraram o braço uma da outra.
— É... impossível! Isso não pode estar acontecendo. Deve haver alguma explicação lógica pra que essas notícias falsas tenham ido parar na internet. — disse Millye. E foi quando eu me assustei pra valer.
Millye era a nerd da turma. Eu odeio usar esse apelido genérico mas não tinha outra forma de descrevê-la. Ela nunca se apavoraria por promoções de vestidos na loja da cidade, ou seguidores no Twitter. Algo de ruim havia acontecido. A essa altura a turma toda estava checando seus celulares, e eu deveria checar também. Ouvi o som da mensagem. Só precisava criar coragem para abrir o torpedo.
— Santo Deus... sem chance. — sussurrei para mim mesmo. — Não pode ser.
Senti uma ânsia imensa me corroendo por dentro. Aquela notícia era sobre Maryan, a garota mais doce que eu já conheci. Foi como se ela tivesse sido puxada para longe de mim, e eu tivesse deixado ela ir. Por alguns segundos, o silêncio pairou pela sala de aula, até que a srta. Meyers teve a coragem de perguntar de uma vez por todas o que estava acontecendo.
— LARGUEM OS CELULARES AGORA! — gritou a mulher, apreensiva. — Mas quero que me digam o que está acontecendo. — ela voltou atrás.
Todos continuaram quietos. Ninguém queria comentar, porque ninguém sabia o que comentar. Foi quando Suzen ergueu seus olhos, explicando por fim.
— Professora, é... é a Maryan. Maryan Hastings está morta. — a garota levou a mão até a boca em seguida, parecendo que dramatizava uma cena de um musical renascentista.
— O que está dizendo, Suzen? — questionou a professora, paralisada. — Maryan Hastings está morta? — Meyers largou sua xícara de café no chão, ao sentir o choque da notícia se aproximar.
— Aqui diz que ela foi assassinada ontem à noite. O site não fala muita coisa, mas o corpo foi encontrado no quintal hoje cedo. Os pais não estavam em casa e o irmão também não. — exclamou Claire, a última do trio inseparável. Ela se sentou em cima da mesa de Jenny e começou a mexer na boina, nervosa.
— Seth também não veio à escola hoje. Acham que ele já ficou sabendo da notícia? — sugeri aos que estavam perto de mim.
— Ele é a droga do irmão dela. — Millye virou-se para mim. — Se ainda não soube disso, vai se culpar pelo resto da vida por não ter feito algo a respeito.
Todos por um segundo ficaram se olhando sem resposta. Maryan não era uma garota tão respeitada por eles, mas ela era uma das alunas daquela sala de aula. Estava lá todos os dias, na mesma carteira. E agora não estaria mais. Pode parecer besteira, mas de alguma forma, todos sentimos a morte quando ela chega. Acho que já ouvi isso em algum lugar.
Corredor principal da escola, durante o intervalo.
Levei os fones até meu ouvido. Por um tempo pude me distanciar daquele pesadelo sem fim. A manhã toda tudo o que eu ouvi foi o nome da Maryan sendo repetido diversas vezes, pra lá e pra cá. Os policiais foram até a escola e nos encheram de perguntas. Agora, finalmente a doce melodia parecia tomar os meus ouvidos. Fechei os olhos enquanto escorava a cabeça na parede.
— Como você se sente? — uma voz feminina tirou a minha breve e improvisada paz. — Desculpa, eu não queria incomodar.
— Não! Imagina, não tem problema. — sorri, ao retirar os fones e encará-la. Era a Millye. — Ah, eu acho que estou bem. Tirando... você sabe. E você?
— Indo. — forçou um sorriso. — Eu não era muito próxima dela, mas... é estranho.
— Pois é. A gente nunca sabe quando uma coisa dessas vai acontecer... — respondi, suspirando.
— Quer ir até o canteiro? Jenny e o pessoal estão lá. Não quero que fique sozinho agora, Josh. — Millye disse, estendendo a mão.
— Claro. — sorri. Por mais que eu precisasse de um tempo, não me sentiria menos mal ficando sentado naquele corredor gelado.
Caminhamos até o lado de fora e eu logo pude avistar as garotas perto de uma árvore. Zoe cruzava seus braços enquanto murmurava algo. Jenny, Suzen e Claire estavam aos berros.
— Seth deve estar abalado. — disse Claire. — Isso se ele já souber da notícia, é claro.
— Me sinto culpada... por algo. — exclamou Suzen. — Maryan nunca foi tão próxima a mim, e agora não vai ser mesmo. Mas eu gostava das roupas que ela vestia. — ela deu de ombros.
— Ela era uma boa pessoa. — Millye respondeu, aflita.
Fiquei em silêncio. O clima parecia pesado. Observei as pessoas ao redor se movimentando como se fosse a única coisa que pudessem fazer. Haviam interrompido a aula e agora os alunos tinham dois períodos para ficar vagando pela escola. Decidi que era hora de ligar para o Seth.
— Alô? — pude enfim ouvir a voz dele e aquilo me aliviou de alguma forma. Ótimo, pelo menos não seriam dois Hastings mortos naquela manhã.
— Hey, Seth, onde você está? Por que não veio para a escola? — perguntei.
— Ah, depois do treino de ontem à noite, eu acabei dormindo na casa do Jaremy. Meu despertador não tocou, mas pelo jeito já são... droga. Três e meia? Ainda dá tempo de pegar o último período de biologia, eu acho. Enfim, por que me ligou? — pude ouvi-lo pegando algo perto do celular. Provavelmente suas roupas.
— Ah, certo. Eu só liguei pra dizer que... que sinto muito, Seth. Não imagino como esteja se sentindo. — suspirei.
— Espera. O quê? Como assim? Do que está falando, Joshua? — Seth parecia nervoso.
— O quê? Você... você não sabe? — Me assustei. Preferi acreditar, em um primeiro momento, que de fato ele estivesse sendo gentil em não demonstrar o luto. Mas agora percebia que era eu quem devia dar a notícia.
— Josh, fala de uma vez! Você tá me assustando! — ele disse.
— Droga, Seth. Eu não sei nem como dizer isso. É... é... a... — as palavras não queriam sair da minha boca. — Maryan está morta. Ela foi assassinada ontem à noite. — afirmei de uma vez por todas.
— O QUÊ? PARA DE BRINCAR COM ISSO, CARA! — seu tom de voz havia mudado. Seth não estava entendendo, mas ele precisaria.
— Eu não... não estou brincando. Você pode procurar no site de notícias local e... enfim. Eu não queria precisar te avisar sobre isso, Seth. Me desculpa. — tentei evitar que aquilo ficasse pior.
Logo, ouvi um barulho estranho do outro lado da linha. Seth devia ter largado o celular no chão, aterrorizado com a notícia. Podia ouvi-lo se afastando.
— Seth? Seth? Ainda está aí? — perguntei.
Ainda engolindo o choro, ouço Seth caminhar provavelmente até o quarto de Jaremy. Seus passos revelavam a distância.
— Jaremy... Maryan está morta. Ela foi assassinada. — consegui perceber a conversa dos dois por um curto momento.
— O quê? A Maryan? Mas... Seth... — Jaremy respondeu. Ele parecia desolado.
— Eu vou descobrir quem fez isso. Eu vou descobrir. — Seth estava estranho e eu nunca o ouvi falando daquele jeito.
Desliguei a chamada depois daquilo e voltei a olhar para as garotas. Respirei fundo, e então guardei o celular.
— Eu só não entendo quem poderia fazer isso. Parece tão bizarro e espontâneo, como se os motivos fossem os mais absurdos possíveis. — disse, enquanto observava as pessoas ao nosso redor.
— Eu continuo achando isso esquisito. Algo tão horrível assim não acontecia há um bom tempo. Por que agora? — respondeu Claire.
— Acordem. — Zoe se intrometeu. — Essa é a droga da vida. Poderia ter sido qualquer uma de vocês, se ainda não perceberam.
— Por que precisa ser tão insensível, Zoe? — questionou Suzen, apoiando seus braços na cintura.
— Ela é uma idiota. — Millye murmurou.
Zoe encarou Millye, preparando-se para caminhar até ela, quando algo aconteceu. Nós seis ficamos parados, sem saber o que fazer. O barulho de nossos celulares tomou conta do local. Recebemos uma mensagem, todos ao mesmo tempo.
— Ah meu Deus. Não me diga que mais alguém morreu. — disse Suzen, apavorada.
Nos olhamos preocupados depois de ver a mensagem. Era algo assustador, e confesso que nenhum de nós estava preparado para ler aquilo. Pelo menos, não depois do que acabara de acontecer com Maryan. A parte boa era que, na verdade, não era a notícia de que mais alguém morreu. A parte ruim era que agora tínhamos a certeza de que isso iria acontecer.
— O quê? Quem foi o lunático que enviou isso? — falou Zoe, raivosamente, enquanto nos encarava.
— Pessoal, e se... e se isso for real? Eu não gosto de acreditar nesse tipo de coisa mas não podemos evitar o que acabou de acontecer. Maryan foi assassinada e esse torpedo não... não parece brincadeira. — Suzen afastou os olhos da tela do celular, assustada.
— E se... — engoli em seco, depois de olhar ao meu redor mais uma vez. — e se estivermos sendo observados agora?
Por um instante, nada mais fazia sentido. Estávamos de fato entrando em um jogo mortal. Bem, isso se aquela mensagem fosse de fato verdadeira. Mas nós tínhamos as peças: Maryan estava morta. Alguém sabia que estávamos juntos naquele momento. Não tinha como ser mentira. Mas quem fez aquilo? Havia tantas pessoas ao nosso redor, poderia ser qualquer um, em qualquer lugar. Inclusive um de nós. Por uma última vez, voltei meus olhos ao telefone, relendo a mensagem.
"— A esquisita acabou de ser eliminada do jogo. Um de vocês será o próximo. Seria estranho pedir um palpite?"
- Um velho amigo
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