prólogo | corações em fuga

TW: abuso parental, lesões físicas, tentativa de assassinato, violência, violência doméstica


Seu corpo latejava a cada passo, como se cada órgão e membro pulsasse por conta própria. Mesmo assim, ela seguia em frente, movida por uma determinação cravada em um único objetivo: tirar sua filha daquela casa. Nada a deteria. Sabia que Juseok estava prestes a ultrapassar um limite além do qual não haveria mais volta, e ela não permitiria que isso acontecesse.

Chaewon apressava-se pelas escadas até o segundo andar da casa, com corredores grandes e vazios que pareciam absorver seus passos, até o quarto onde ela trancou Seoyun para mantê-la afastada do pai. Ela foi rápida, mas não o suficiente; os dedos de Juseok se cravaram em seu braço como garras, adicionando mais uma marca aos muitos hematomas que cobriam seu corpo.

— Aonde acha que vai? Acha que pode escapar de mim só porque quer? — perguntou, a voz quase sussurrada e banhada com desprezo enquanto a empurrava na direção da parede. — Acha que vai sair daqui antes de me dar um filho de verdade? Antes de me dar um herdeiro?

O corpo de Chaewon se retesou contra a parede em repulsa. Ela odiava a forma que Juseok tratava Seoyun, como ele a invalidava por não ser o filho homem que ele idealizou. Chaewon o odiava por inteiro, mas pela forma que ele tratava sua filha acima de tudo.

— Me larga! Eu não vou te dar um filho 'pra você fazer da vida dele um inferno igual faz com a nossa — respondeu ela, lágrimas se acumulando em seus olhos.

Embora soubesse o que a esperava quando teve coragem de respondê-lo, o tapa que recebeu ainda a pegou de surpresa, a desnorteando, especialmente quando ele a jogou com mais força contra a parede.

— Muito inocente da sua parte achar que a decisão é sua, puta.

Juseok começou a arrastá-la pelo corredor até o quarto deles, a duas portas de distância do quarto de Seoyun, e Chaewon lutava contra o enjoo para pensar em um plano para sair daquela situação de uma vez por todas.

Ela se debatia como um pássaro capturado em uma rede, e cada movimento provocava uma nova onda de dor em seus músculos tensos e doloridos, como se tivessem sido espremidos até o limite de sua resistência ao longo dos diversos abusos que vinham aumentando de frequência com a urgência de Juseok para ter outro filho. Um filho que Chaewon não queria. Já era difícil proteger apenas Seoyun de um pai abusivo; ela não achava que daria conta de proteger duas crianças e não pagaria para ver.

Juseok abriu a porta e a jogou no chão do quarto que eles dividiam com força. Ela se arrastou, centímetro a centímetro, tentando se afastar o máximo que conseguia, até ver o gancho da lareira encostado na porta do banheiro da suíte. Ele comprou a farsa e a olhou com uma expressão fingida de pena.

— Coitadinha, se esforçando tanto pra ficar longe de mim — falou, se abaixando ao lado dela enquanto ela continuava se arrastando. — Tsc, tanta força de vontade.

Seus dedos roçaram no metal frio do gancho, e ela o segurou com força, sentindo o peso da decisão. Chaewon girou os braços com dificuldade e o ferro encontrou a carne quando ela o acertou com toda a força que conseguiu reunir, derrubando-o imóvel no piso de mármore.

Sem esperar para ver se ele voltaria a se mover, Chaewon se ergueu com dificuldade, cada centímetro do corpo resistindo ao impulso de desmaiar, e disparou para fora do quarto, como se algo a perseguisse na escuridão.

Ela correu pelo corredor tanto quanto a adrenalina corria por seu sangue, forçando-se a ignorar a dor enquanto se aproximava do quarto de Seoyun para destrancar a porta usando a chave que carregava escondida em um colar sob a roupa.

Seoyun, encolhida na cama e abraçando as próprias pernas, olhou para ela quando Chaewon entrou no quarto às pressas.

— Mamãe! — chamou, saindo do colchão e abraçando a mãe, que respirou levemente aliviada ao confirmar que, apesar das ameaças, Juseok não conseguiu entrar no cômodo. — Mamãe, você 'tá sangrando!

Seoyun levou a mão até o canto da boca de Chaewon e mostrou o líquido vermelho que se acumulava no corte aberto, que ela sequer lembrava quando foi feito.

— Não é nada, meu amor, vai passar — mentiu, ajoelhando-se na frente da filha, tentando manter a calma mesmo quando a urgência e a necessidade de fugir martelavam como um sino em sua cabeça. — Filha, sabe aquela bolsa que a mamãe escondeu no seu guarda-roupa? — Seoyun assentiu. — Eu preciso que você vá buscar. Rápido.

A menina não questionou. Embora estivesse hesitante em deixar a mãe para trás, ela aprendeu cedo a fazer o que a progenitora dizia para se manter segura e foi até o guarda-roupa do outro lado quarto, dando as costas para Chaewon e permitindo que ela soltasse um suspiro trêmulo pela dor que continuava a se espalhar por seu corpo, limpando o sangue escorrendo do canto de sua boca com as costas da mão.

Por um instante, Chaewon se perguntou se realmente poderia escapar, se havia uma saída para as duas. As lembranças, porém, do olhar assombrado de Seoyun em cada um dos acessos de raiva de Juseok eram mais do que suficientes para convencê-la de que a tentativa valia a pena.

Quando Seoyun voltou, ela trouxe a mochila de emergências que Chaewon mantinha escondida para o dia que finalmente conseguisse tirar a filha da situação perigosa que as duas vinham vivendo. Ela se levantou, pegando a bolsa em uma das mãos e segurando a mão de Seoyun com a mão livre, sem forças para carregá-la no colo.

— A gente precisa ser rápidas, ' bom? Antes que ele nos alcance.

As duas saíram do quarto e dispararam escada abaixo o mais rápido que conseguiram, considerando os machucados de Chaewon e as pernas curtas de Seoyun. Ela não ousou conferir o estado de Juseok ou se ele ainda estava onde ela o deixou, temendo perder um tempo precioso de sua fuga.

A casa, vazia e silenciosa com exceção dos passos apressados delas, estava toda escura e Chaewon as guiou pelos cômodos apenas com a memória muscular de onde os móveis estavam até a porta da frente que dava para a garagem, precisando atravessar apenas o jardim antes de chegarem ao portão principal para finalmente estarem fora da propriedade.

Ao cruzar a pesada porta de madeira, o ar frio da noite invadiu seus pulmões, lavando cada resquício de medo como uma onda de liberdade inesperada. Seus sentidos estavam aguçados; a adrenalina era um fio tênue que a mantinha alerta. Foi esse alerta que captou o ronco do motor do carro. Chaewon se virou, apenas a tempo de empurrar Seoyun para fora da trajetória. Não teve a mesma sorte. Sentiu o impacto brutal do carro, e a dor espiralou por seu corpo, intensificando-se como brasas ardentes sob sua pele e reverberando em cada músculo já exausto, puxando-a de volta para a realidade brutal.

O mundo girou, enquanto ela se desmanchava como poeira na brisa gelada.


☆彡


Chaewon sentiu sua consciência oscilando todo o tempo que Seoyun passou no telefone, chamando uma ambulância do jeito que foi ensinada pela mãe ao longo dos anos para o caso de uma emergência como aquela. A chegada do resgate foi de pouco conforto, porque ela já sabia que suas chances eram mínimas, se não inexistentes.

O bip das máquinas era o pulso de sua batalha silenciosa, misturado aos sussurros desesperados dos paramédicos, ecoando distantes e irreais. Ela os conhecia; eram do hospital em que trabalhava, e, embora seu corpo todo doesse e a inconsciência tentasse reivindicá-la a todo custo, permitiu-se sentir minimamente aliviada com o peso da mão de Seoyun sobre a sua, uma âncora em meio à maré de dor que a puxava para o desconhecido, porque ela sabia que sua filha estava a salvo.

Juseok fugiu e não era justo, mas seu marido estar desaparecido era melhor do que ele estar perto de Seoyun.

Quando a ambulância começou a se mover, os olhares apreensivos ao seu redor confirmavam o que ela já suspeitava: seu tempo estava acabando. Ela olhou para Seoyun, esforçando-se para esboçar um sorriso.

— Filha — chamou, com a voz fraca, sentindo cada respiração raspar em seu peito. — Eu preciso que você seja forte, tudo bem?

Chaewon respirou fundo, mesmo que doesse, tentando se livrar do nó em sua garganta. Ela sempre sonhou em viver uma vida longa e feliz, mas ali estava ela se despedindo da filha de cinco anos em uma ambulância enquanto sentia sua vida escorrer entre seus dedos. Observou a mão de Seoyun entre as suas, tão pequena, a prova que ela tinha uma vida inteira pela frente.

Uma vida que Chaewon não estaria ao lado dela para testemunhar.

— Meu anjo — começou mais uma vez, lutando contra a ânsia de vômito e a dor que martelava em sua cabeça. — Sabe que eu te amo muito, não sabe?

Seoyun concordou com a cabeça, e Chaewon se esforçou para continuar falando, mas a criança foi mais rápida:

— Eu também te amo, mamãe.

Chaewon sentiu as lágrimas se acumulando em seus olhos enquanto a percepção de que ela não veria sua filha crescer se assentava em seu âmago. Não veria ela se apresentando na escola ou sua formatura. Não conheceria o primeiro namorado e não veria ela levar uma vida feliz. Ela sequer tinha garantia que sua filha viveria uma vida feliz depois que ela se fosse, embora tivesse tomado precauções para dar a ela as melhores chances.

— Escuta, meu amor — pediu, tentando mandar esses pensamentos para longe. — A mamãe talvez precise ir para outro lugar. Um lugar bem longe daqui.

Seoyun a olhou com uma confusão inocente, e Chaewon lutou para manter o sorriso no rosto, mesmo enquanto sentia seu coração se despedaçar.

— Mas você vai voltar, não vai? Você sempre volta.

A primeira lágrima escorreu pela lateral de seu rosto até a maca da ambulância.

— Não dessa vez, meu amor — confessou com pesar, ignorando as dores. — Mas você não vai ficar sozinha.

Seoyun franziu o cenho, o medo tomando conta de seus olhos.

— Eu não quero ficar com o papai.

Chaewon se esforçou para levar uma das mãos até os fios negros da filha, confortando-a como costumava fazer nas noites particularmente ruins.

— Você não vai, prometo. A mamãe deixou alguém 'pra cuidar de você. Um anjo, 'pra te proteger.

Chaewon fez o seu melhor para fingir animação, mas as dores estavam piorando com o balanço da ambulância, e ela sentia sua consciência se afastando aos poucos, obrigando-a a usar cada gota de força de vontade para se manter acordada.

— Ele vai cuidar de mim? — perguntou Seoyun inocentemente.

— Ele vai fazer o que puder, meu amor, mas eu preciso que você cuide dele também, ' bom? A mamãe não cuidou dele quando ele precisava de mim, então eu preciso que você faça isso no meu lugar. Pode fazer isso?

Seoyun se inclinou e, com um beijo suave na testa da mãe, murmurou:

— Posso, mamãe.

Chaewon puxou a filha para deitar na maca com ela, e nenhum dos paramédicos protestou, sabendo tão bem quanto ela que aqueles eram seus últimos minutos de consciência.

— Você tem que ser forte, meu bem. Eu vou cuidar de você onde quer que eu esteja — disse, deixando um beijo no cabelo da filha. — Mesmo que você não me veja, eu vou estar sempre cuidando de você.

Seus olhos pesavam como chumbo, lutando para permanecer abertos enquanto o mundo ao seu redor começava a girar em uma névoa confusa.

A respiração de Seoyun foi a última coisa que escutou antes de se perder na escuridão.

───── continua...


Notas da autora

Heeeeeeeeeeey, estrelinhas!!!!!! Como estão??

Eu tô muito, muito feliz mesmo de finalmente trazer essa fanfic de volta à vida depois de anos com ela parada. Eu tenho muito apego nessa história e nesses personagens e todo o processo de reescrita foi uma jornada de aprendizado muito grande.

Como eu já disse no capítulo de avisos, a fanfic tá toda escrita, ela tá prontinha e só esperando para vir à tona semanalmente. Como eu acho que ficou bem claro no prólogo (pelo menos eu espero kkkkkkkkkk) essa é uma história que tem um peso dramático maior e que vai tocar em pontos bem delicados, então se alguma coisa deixar vocês desconfortáveis ou se tiver alguma coisa que não está na lista de gatilhos e vocês acham que deveria estar, podem me mandar aqui nos comentários, no meu feed do wattpad ou pelo meu instagram (parkemmoya) que eu arrumo. Eu tentei considerar tudo quando fui fazer a lista de gatilhos, mas eu posso ter deixado alguma coisa passar, então conto com vocês.

A betagem do prólogo foi feita pela kymai do stellar universe e eu fico muito grata pelo cuidado e por tudo que foi apontado porque qualquer chance de melhorar é mais que bem vinda.

Não sei se alguém que acompanhou a primeira versão ainda está por aqui, mas, se tiver, agradeço a paciência e espero que gostem do que está vindo por aí. Comentários são sempre bem-vindos, eu adoro ler e interagir com vocês.

Então me digam: o que acham que vai ser daqui para frente? O que esperam da fanfic?

Eu vou fazer o meu melhor para manter as postagens semanais, mas no meio tempo fiquem à vontade para conhecer outros trabalhos meus aqui no meu perfil, a maioria das minhas fanfics são seongjoong, mas espero que gostem. 

Por enquanto  é isso, meus amores, começamos mais essa jornada. Espero contar com vocês até o final e até semana que vem ❤️❤️❤️❤️.

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