capítulo 06 | emaranhado na rotina

Seonghwa disparou pelo campus, tentando chegar ao carro o mais rápido possível.

Ele não sabia ao certo o que tinha dado errado — ou se algo tinha dado certo, de fato. O plano parecia simples: ele deixaria Seoyun na escola de manhã, depois seguiria para a faculdade e passaria o dia na biblioteca, cuidando das novas tarefas do estágio. Mas, entre uma coisa e outra, perdeu a hora e agora estava atrasado para buscá-la.

Sua mente conjurava os piores cenários possíveis enquanto ele tentava compensar o atraso com a pressa, o que não deu certo e só o deixou mais ansioso para chegar até ela o quanto antes. Não era sua intenção esquecer que tinha que buscar Seoyun na escola, mas ele ficou preso no emaranhado de suas obrigações enquanto tentava entender a plataforma online da emissora que ele nunca tinha usado e ninguém se preocupou em ensiná-lo porque seu estágio era, inicialmente, de modalidade presencial. Não ajudava que eles não tiveram tempo de criar uma rotina antes das aulas começarem para ela e Seonghwa não estava acostumado a ter hora determinada para parar de trabalhar. Assim, ele entrou no carro e acelerou o máximo que podia sem acabar preso e foi em direção à escola de Seoyun.

Enquanto dirigia, ele se lembrava da forma como Seoyun confessou, cheia de incerteza e hesitação, como nunca tinha ido à escola porque o pai não permitiu, mesmo que Chaewon tenha brigado por isso várias e várias vezes. Seonghwa só podia imaginar o que essas brigas custaram a sua irmã.

Ele estacionou na frente do prédio escolar em tempo recorde, o alívio palpável ao sair do carro por finalmente estar ali, e disparou pela entrada até a recepção, onde uma moça trabalhava com uma expressão desinteressada.

A mulher olhou para ele quando os passos apressados soaram.

— Pois não? — perguntou com a voz monótona.

Seonghwa ainda tentava recuperar o fôlego, mas se obrigou a responder mesmo assim.

— Eu vim buscar Seoyun. Park Seoyun.

A mulher pediu pelos documentos dele e pesquisou alguma coisa no computador antes de voltar sua atenção para ele mais uma vez.

— Sala 4B. É só seguir o corredor e subir dois lances de escada. A sala dela é a última do corredor.

Seonghwa agradeceu e se apressou a seguir as direções indicadas.

A sala colorida com tons pastéis de azul, verde e amarelo e cheia de desenhos e dobraduras parecia tão alegre quanto Seoyun parecia triste sentada sozinha em uma das mesas abraçando os próprios braços com um olhar pesado e Seonghwa se sentiu tentado a se jogar escada abaixo por fazer sua sobrinha se sentir desse jeito. No lado oposto às mesas infantis enfileiradas, a professora estava sentada escrevendo e se virou para olhar para ele quando ele bateu na porta.

Imediatamente, Seoyun seguiu o olhar e sua expressão se iluminou um pouco ao ver o tio.

— Park Seonghwa? Responsável por Seoyun? — ele assentiu e a professora suspirou. — Vai buscar suas coisas, querida.

Seoyun obedeceu sem dizer nada, indo até o fundo da sala onde os armários com os materiais estavam e a professora se levantou da mesa para encontrá-lo na porta, oferecendo a mão quando estava próxima o suficiente para isso.

— Eu sou Kim Taeyeon, a professora responsável pela turma dela — se apresentou rapidamente. — Não se preocupe, a direção conversou comigo sobre toda a situação e eu entendo que vocês estão se adaptando a tudo que aconteceu. Caso precise de alguma ajuda, pode entrar em contato. Ninguém merece passar por nada do que ela passou, principalmente uma criança.

Seonghwa não era capaz de colocar em palavras quão aliviado ficou ao perceber que Seoyun estava aos cuidados de uma pessoa que parecia se importar.

— Me parece que você já sabe disso, mas tente ser mais cuidadoso com o horário daqui para frente, tudo bem? — pediu ela. — Não estou tentando te repreender, eu juro — abanou as mãos e Seonghwa assentiu em entendimento —, é só que ela pareceu um pouco mais viva quando viu você do que no dia inteiro que esteve com outras crianças. Eu acho que você está no caminho certo.

Ele não teve tempo de responder, Taeyeon mal terminou de falar quando Seoyun apareceu abraçando a mochila contra o peito e Seonghwa estendeu uma das mãos para ela, que aceitou sem precisar pensar.

— Obrigado pelas palavras, eu vou tomar cuidado de hoje em diante.

Taeyeon apoiou o ombro no batente da porta com um sorriso reconfortante.

— Não foi nada. Voltem com cuidado.

Os dois acenaram para a professora e Seonghwa pegou a mochila de Seoyun antes de descer pela mesma escada que subiu para chegar até ali. Ele agradeceu a recepcionista mais uma vez antes de finalmente deixar a escola para trás, o sol se pondo enquanto ele colocava Seoyun no banco de trás.

— Desculpa pela demora, Yun. Eu me enrolei no estágio e me atrasei. Sinto muito mesmo — pediu, abaixando na frente dela com um joelho apoiado no chão

— Não tem problema, tio. Pelo menos você veio.

E o simples pensamento de que talvez em algum momento alguém não teria ido, fazia o coração de Seonghwa se quebrar em mil pedaços mais uma vez.


☆彡


O sol já estava no processo de se despedir do dia, banhando o parque em uma luz dourada e suave. O ar fresco da tarde carregava o perfume da grama recém-cortada, misturado com o aroma doce das poucas flores que desabrocharam. O canto dos pássaros se misturava ao riso das crianças e à conversa dos adultos.

Seonghwa guiava Seoyun pelo parque, observando as pessoas enquanto caminhavam. Ele observou o casal de idosos no banco, a família ao redor do carrinho de sorvete e o grupo de amigos na grama. Todos imersos em suas próprias vidas, mas admirando o mesmo pôr do sol.

Pessoas passavam por eles se exercitando ou passeando com seus cachorros. Seoyun observava os animais com curiosidade, enquanto o vento fresco acariciava a pele de ambos. O cheiro de pipoca quente de uma barraquinha próxima despertou o apetite de Seonghwa, que se deu conta de que fazia horas desde a última vez que comeu.

Seonghwa pensou em perguntar se Seoyun queria pipoca. Mas o olhar dela dizia o bastante. Ele sabia que, se oferecesse, ela negaria. Mais um resquício do abuso do pai, provavelmente.

Ela se deixou guiar pelo cheiro até a barraquinha, onde um senhor na casa dos 50 anos os recebeu com um sorriso simpático.

— Boa tarde! — cumprimentou ele.

— Boa tarde! Me vê dois pacotes de pipoca para comer aqui e um para levar, por favor.

O vendedor assentiu.

— Pode deixar.

O pipoqueiro começou a preparar os pacotes e Seonghwa percebeu como Seoyun parecia cansada, bocejando levemente, provavelmente pelos eventos do dia e a nova rotina que ela levaria um tempo para se acostumar. Com um sorriso pequeno no rosto, ele a pegou no colo, que prontamente deitou a cabeça no ombro dele, esperando.

Seonghwa se lembrou dos pais e de como, mesmo quando o tratavam como filho, nunca fizeram nada assim por ele. Nem por Chaewon. Ele se lembrava de passear por aquele mesmo parque com Hongjoong às vezes e observar pais e filhos rindo juntos, brincando entre as árvores, e sentir a inveja crepitando em seu peito contra sua vontade porque mesmo quando seus pais o toleravam, eles nunca fizeram nada daquilo e no fundo ele sabia que nunca fariam.

Ele sabia que, para Chaewon, era ainda pior. Como herdeiro da empresa, ele ao menos tinha uma utilidade para os pais. Chaewon, mesmo sendo a filha mais velha, nunca teve isso. Eles tinham mentalidade antiquada mesmo quando eram novos e Seonghwa sempre soube que aquilo se viraria contra ele cedo ou tarde. Chaewon criou uma parede entre eles desde muito nova ao perceber que tinha sido rejeitada em favor do irmão mais novo.

Aquela era uma relação quebrada que nenhum deles teve oportunidade de concertar.

Seonghwa levou a mão até os fios negros da sobrinha, alinhando-os enquanto fazia carinho na cabeça dela, deixando que a respiração dela o acalmasse e afastasse as memórias ruins. O último pedaço de sua irmã. O mundo dela e aquela por quem ela viveu e morreu.

Ele afundou o nariz na roupa dela, decidindo que faria diferente. Que cuidaria dela, a protegeria e apoiaria em qualquer situação. Faria por ela tudo que pudesse e o que não pudesse porque depois de tanto sofrimento, ela merecia a chance de ser feliz e amada.


☆彡


Os músculos doloridos eram mais que bem-vindos enquanto San deixava o ginásio para trás, repassando mentalmente os golpes no caminho que já estava acostumado. Ele passou pelas pessoas sem prestar atenção em ninguém, o que provavelmente foi um erro porque quando percebeu estava sendo praticamente arrastado pelo resto do corredor até o lado de fora. Ele fechou os olhos com força ao reconhecer os fios pretos e loiros, característica marcante de Jung Wooyoung e, por acaso, seu melhor amigo.

— Você sabe que não precisa me sequestrar, não sabe? — falou, aceitando seu destino e se deixando ser puxado.

— Se eu quiser ver o meu melhor amigo, preciso sim. E não sou só eu.

Wooyoung mal terminou de falar quando San olhou ao redor e viu os outros dois amigos esperando por eles.

— Claro que vocês dois foram cúmplices — afirmou, revirando os olhos.

Yeosang cruzou os braços com uma sobrancelha arqueada.

— Isso quer dizer que se a gente te chamasse 'pra sair hoje, você diria sim? — O protesto morreu antes mesmo que San pudesse começar a falar. — Pois bem. Situações desesperadas pedem medidas desesperadas.

— Você precisa relaxar, cara — disse Mingi, se aproximando e massageando a nuca dele. — Faz duas semanas que a gente só te vê como vulto no campus.

San queria discutir e dizer que eles estavam errados, mas ele sabia que não estava sendo exatamente o amigo mais presente e nem descansando de fato. Metade do tempo ele estava ocupado e na outra metade estava atrasado para algum compromisso. Ele sabia que se ele dissesse que realmente estava cansado ou que tinha algo para fazer, os amigos o deixariam por isso mesmo, mas ele não conseguia. Ele sentia falta deles também.

— Tudo bem. Aonde vamos?

Wooyoung e Mingi comemoraram com um high five enquanto Yeosang lançou um sorriso na direção dele.

Eles o levaram até uma cafeteria dentro do próprio campus e o cheiro inebriante do café recém-passado invadiu suas narinas. A luz acolhedora do fim de tarde iluminava o ambiente enquanto eles avançavam até uma mesa em uma mais afastada, seguidos pela conversa baixa e pelo barulho das xícaras tilintando.

A decoração rústica, com móveis de madeira e tijolos expostos, dava charme ao lugar. Plantas penduradas adicionavam um toque acolhedor. Clientes se sentavam em mesas confortáveis, conversando em tom baixo e aproveitando o ambiente tranquilo da cafeteria.

Mingi e Yeosang foram até o balcão fazer os pedidos enquanto San e Wooyoung iam até a mesa que eles escolheram.

A cafeteria estava cheia, mas os pedidos não demoraram, acostumados com o movimento do final de tarde quando a maioria dos estudantes estavam saindo de suas respectivas aulas e Yeosang e Mingi não demoraram para se juntar a eles com os pedidos.

Apesar de estar com saudade dos amigos, San não conseguiu manter a atenção focada neles, se lembrando da menina e do tio de dias atrás. Ele não teve notícias desde então e não sabia se era um sinal bom ou ruim e ninguém sabia o que aconteceu depois disso.

Um memorial foi construído para Chaewon porque ela trabalhava lá, mas não era próxima de ninguém, sempre evitando o máximo de contato, tanto que ninguém desconfiava do que ele passava em casa e poucos sequer sabiam que ela tinha uma filha. Mas por algum motivo, San não conseguia esquecer da garota. Não conseguia parar de torcer para que ela estivesse em uma situação melhor, que as coisas estivessem dando certo.

Yeosang então jogou uma pergunta para ele.

— Vi, uma pena — respondeu e os outros três o encararam como se ele tivesse crescido uma segunda cabeça.

— Acho que você se perdeu na conversa — Mingi comentou, rindo. — Yeosang falou sobre Yeonjun ter conseguido uma proposta de emprego. Qual parte da notícia faz você pensar que é uma pena?

— San? — Wooyoung arqueou a sobrancelha e San fechou os olhos com força ao perceber que entregou que não estava tão presente assim na conversa. — Desembucha.

Sem escolha depois de ter sido pego, San despejou a situação, contando desde o começo até sua incessante curiosidade e preocupação com uma menina que ele mal conheceu.

— É entendível você pensar em uma paciente sua, San. É uma criança que estava em situação de vulnerabilidade e todos nós sabemos que você quer ser pediatra exatamente porque se preocupa com crianças — disse Yeosang quando ele terminou de explicar porque estava tão aéreo. — Ninguém pode te culpar por isso.

— É, cara, se ela não te pediu ajuda quando o tio foi buscar e não voltou desde então, provavelmente as coisas estão melhores — Mingi concordou, dando um gole no próprio café.

— Mas e se não estiverem?

Wooyoung cruzou as pernas e comeu um pedaço de torta que ele comprou junto com a bebida.

— Você não tem como saber e não dá 'pra você perder o sono com cada paciente que você atende. Nós queremos que você tenha uma carreira longa, San, mas sem perder a sanidade no caminho. E é isso que vai acontecer se você não seguir em frente dos pacientes em situações que não dependem de você.

San concordava com eles, esse foi um dos primeiros conselhos que Moonbyul deu a ele quando começou a ensiná-lo, mas ele sabia que era algo fácil de se fazer só na teoria.

— Eu vou tentar — prometeu.

— Já é um começo — Yeosang falou. — Então, e aquela menina que você 'tava conhecendo, Mingi?

Com a mudança de tópico, San se esforçou para manter a atenção na conversa, finalmente conseguindo relaxar um pouco desde o dia que perdeu a luta decisiva.


☆彡


A música tocava suavemente pela cozinha enquanto Seonghwa dançava, cortando vegetais e mantendo o olhar atento à carne no fogo. Seoyun estava sentada na sala, concentrada em montar um quebra-cabeça, com um biquinho fofo nos lábios. Ele terminou de cortar o que precisava quando batidas soaram na porta.

Seoyun se preparou para se levantar e abrir, mas Seonghwa foi mais rápido porque ele sabia que nem Hongjoong nem Yunho batiam na porta para entrar, e ele não queria que ela fosse pega de surpresa por alguém que ele não conhecia. Ao abrir a porta, ele foi recebido pelo sorriso fofo de Jongho que se jogou em cima dele, surpreendendo-o.

O grupo sabia que, apesar de ser afetuoso nos momentos certos, Jongho não costumava gostar de proximidade e seus gestos de carinho sempre pegavam os amigos de surpresa.

— Desculpa a demora, hyung, era 'pra eu ter voltado antes.

Seonghwa retornou o abraço.

— Fica tranquilo, você já voltou bem antes do esperado por mim. Não precisava.

Jongho revirou os olhos e se afastou, desfazendo o abraço.

— A gente já teve essa conversa, hyung. Cadê ela?

Seonghwa sorriu e deu espaço para Jongho entrar, revelando Seoyun, que estava concentrada no quebra-cabeça.

— Estrelinha, esse é Jongho e Jongho, essa é Seoyun.

— Oi — disse ela, olhando para a mesa.

— Oi, anjinho. Bom finalmente te conhecer, os hyungs não paravam de falar de você.

— Você conhece o tio Yunho e o tio Joong? — perguntou ela, curiosa.

— Conheço, eles são meus amigos também.

Seonghwa sorriu, percebendo que ela se soltou mais rápido com Jongho do que quando conheceu os outros dois. Ele queria acreditar que isso era um sinal de melhora.

— Venham 'pra cozinha, vocês dois, o jantar ' quase pronto.

Jongho e Seoyun o seguiram e sentaram lado a lado à mesa enquanto ele voltava a cozinhar.

— Você gosta de quebra-cabeças, moço?

— Gosto, anjinho.

— Quer montar comigo? O tio Hwa que me deu.

O sorriso que Jongho exibiu provavelmente era um espelho do sorriso do próprio Seonghwa, que assistia a cena de longe, sem querer atrapalhar a interação.

— Quero.

E assim a noite avançou. Seoyun e Jongho montaram um quebra-cabeça até o jantar ficar pronto e, depois de jantar, os três se juntaram na mesa de centro para começar um segundo quebra-cabeça.

Quando Jongho foi embora, Seoyun ainda passou um bom tempo falando do "tio novo" e Seonghwa mal conseguiu segurar a risada ao imaginar a cena de Hongjoong e Yunho descobrindo que ela aparentemente tinha um tio favorito e não era nenhum deles.

───── continua...

Notas da autora

Hey, hey, estrelinhas.

Olha o San aí, finalmente encontramos o resto da  galera.

Ainda não estão todos juntos, mas estão todos presentes. 

Com quem vocês acham que a Yun vai se dar melhor e quem vocês estão mais ansiosos pra ver com ela? Eu não vou falar nada porque já sei pra onde isso aqui vai, mas eu posso falar que eu adoro a forma como todos eles se juntam.

Por enquanto é isso, meus amores.

Se cuidem, bebam água e até a semana que vem ❤️❤️❤️.

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