capítulo 03 | a chegada do anjo
TW: crise de ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, violência doméstica
Seonghwa avançava pelo estacionamento, o coração acelerado. A cada passo, tentava afastar os pensamentos que o assombravam. Ao alcançar o balcão, notou suas mãos trêmulas. Os dedos mal conseguiam se firmar na madeira fria, como se o corpo todo estivesse prestes a desabar. A recepcionista, atenta, notou seus movimentos desordenados, e seu olhar se transformou em preocupação.
— Eu 'tô aqui por Park Chaewon.
A mulher o encarou por alguns segundos.
— Quem é você?
— P-park Seonghwa.
O semblante da recepcionista mudou imediatamente para um quase de pena quando ela olhou o registro pelo computador e a inquietação de Seonghwa piorou.
— Vou chamar o doutor Kim.
Um homem de feições delicadas e olhos profundos, mas com uma seriedade impressa no semblante, se aproximou não muitos minutos depois. O doutor Kim parecia transmitir uma calma calculada, com seus movimentos precisos e o cabelo castanho escuro cuidadosamente penteado, que refletia as luzes frias do hospital.
— Park Seonghwa? — perguntou e ele confirmou com a cabeça. — Eu sou o doutor Kim Jaejoong. Venha comigo, por favor, nós temos muito o que discutir.
Seonghwa não questionou. Apenas seguiu o doutor pelos corredores do hospital até um consultório privado, ignorando as pessoas ao redor enquanto avançavam. Jaejoong apontou para a cadeira na frente da mesa e os dois se sentaram.
— É um prazer te conhecer Seonghwa, só é uma pena porque eu não queria que fosse assim.
Seonghwa não podia dizer que sentia o mesmo, mas assentiu mesmo assim.
— Chaewon deu entrada ontem à noite. Fizemos tudo que podíamos para salvá-la, mas infelizmente ela não resistiu.
O mundo parou. Seonghwa não conseguia encontrar palavras; nem mesmo o som de sua respiração chegava a seus ouvidos. Tudo parecia distante, como se estivesse mergulhado em um abismo sem som.
Um calafrio subiu por sua espinha, e por um momento, ele não conseguia respirar. Seus dedos ficaram dormentes, e o mundo ao seu redor pareceu desacelerar. Ele abraçou o próprio corpo, tentando conter o tremor crescente que ameaçava derrubá-lo ali mesmo.
— Mas o que aconteceu? Como Chaewon... — ele engasgou, o gosto amargo da verdade cruel na língua — morreu?
Seonghwa tentou focar nas palavras, mas seus olhos acabaram notando o contraste entre a postura profissional do doutor e a suavidade de suas feições. O rosto calmo de Jaejoong, de pele pálida e traços quase serenos, parecia destoar do peso das notícias que trazia. Suas mãos, firmes, gesticulavam levemente enquanto explicava.
— Não sabemos exatamente o que levou a tanto, mas... — O doutor pausou, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras. — Parece que sua irmã estava envolvida em um relacionamento... complicado. — Seonghwa engoliu em seco. Ele sempre soube que Chaewon tinha seus segredos, mas nunca imaginou que fosse tão grave. — O marido dela chegou às últimas consequências e a atropelou de propósito. Ninguém além de Seoyun estava presente, então ninguém a ajudou. Seoyun foi quem chamou a ambulância.
Seoyun.
A relação com Chaewon sempre foi marcada por brigas e distanciamento. Mesmo assim, Seonghwa nunca desejou que algo assim acontecesse com ela.
Ele não sabia muito sobre a vida dela depois que cortou laços com os para morar com a tia depois que eles o expulsaram de casa, mas Siyeon contou a ele sobre o casamento, a gravidez e quando a criança nasceu. Ele sempre quis conhecer a sobrinha, porém Chaewon se manteve afastada dele e ele nunca teve a chance.
— E Seoyun? Quem vai cuidar dela? — foi o que ele escolheu verbalizar dos pensamentos que rondavam sua mente.
Jaejoong o encarou e Seonghwa sentiu que precisava se preparar para o que viria.
— Antes de morrer, Chaewon registrou em cartório que você, Seonghwa, ficaria com a tutela de Seoyun. Ela confiou a filha a você.
Seonghwa sentiu as palavras do doutor como um golpe físico, mas elas não fizeram sentido em sua cabeça. Tutela de Seoyun? Sua mente corria, tentando processar o que isso significava. De alguma forma, parecia que seu corpo entendeu primeiro que sua mente porque, de repente, os tremores em suas mãos aumentaram, o ar parecia escapar de seus pulmões como borboletas presas em um pote de vidro, e a sala ao redor dele ficou distante. Como ele iria cuidar de uma criança? Uma menina que nunca o viu na vida? Como?
A mão do doutor pousou suavemente em suas costas, oferecendo um conforto inesperado. Apesar da expressão séria, os olhos de Jaejoong revelavam uma gentileza contida, e o leve brilho no olhar reforçava a sensação de que ele sabia o peso daquele momento.
— Respira fundo, Seonghwa. Devagar.
Seonghwa foi seguindo as instruções até voltar a respirar com mais facilidade e conseguir pensar, ainda sentindo seu peito apertar.
— Desculpe — pediu, enquanto Jaejoong lhe entregava um copo de água.
— Não por isso, eu sei que é assustador.
Ele ainda sentia o pânico no fundo de sua mente, mas se obrigou a voltar ao controle, tomando um gole de água.
— E meus pais? — perguntou quase inaudível e Jaejoong pressionou os lábios.
— Nós tentamos entrar em contato com eles, mas não tivemos resposta. Parece que eles estão viajando — respondeu o doutor
Jaejoong prosseguiu com uma explicação que Seonghwa não conseguiu prestar atenção, escondendo as mãos trêmulas sob as coxas e sentindo seu coração ainda acelerado.
— Como ela 'tá? Ela... — hesitou, sem saber se queria saber a resposta — ela se machucou?
Jaejoong suspirou pesado.
— Ao que parece, Chaewon a empurrou para fora da rota do carro e Seoyun saiu majoritariamente ilesa, com exceção de alguns cortes superficiais por causa da forma que ela caiu, mas... — o doutor pausou —, eu acho que Juseok não era só um marido abusivo, se é que me entende.
Seonghwa desejou, com toda a força, que não tivesse compreendido as implicações do que o doutor dissera. Se pudesse voltar no tempo, ele teria feito qualquer coisa para estar lá, para proteger Seoyun e Chaewon do inferno em que viviam. Mas ele não estava. E agora o peso dessa culpa caía sobre ele, esmagando-o com a força de mil responsabilidades que ele nunca imaginou carregar.
— E onde ela 'tá? — perguntou, se obrigando a continuar focado.
— Ela está sob os cuidados da pediatria, mas não está com nenhum ferimento grave, só alguns arranhões que já foram tratados — Jaejoong respondeu e Seonghwa se permitiu respirar um pouco mais aliviado. — Você pode vê-la.
Seonghwa não fazia ideia de como reagir a isso.
— E-e quando ela pode ir embora?
— Hoje mesmo, assim que Moonbyul, a pediatra responsável por ela, assinar a alta.
Ele respirou fundo.
— Então vamos.
Seonghwa sentiu o medo e a dúvida tomarem conta de cada parte dele. Mas então, pensou em Seoyun, uma menina indefesa e sozinha, que precisava dele agora mais do que nunca. Suas mãos ainda tremiam, e o pânico continuava lá, no fundo de sua mente, mas ele soube que, por ela, enfrentaria qualquer coisa. Ele poderia se desfazer mais tarde. Agora, ele precisava ser forte.
☆彡
Seonghwa mal conseguia se concentrar em qualquer coisa além de manter o ar entrando e saindo dos pulmões. Jaejoong o guiava pelos corredores iluminados por uma luz fria, o som distante de passos e murmúrios de pacientes ao redor o faziam se sentir cada vez mais desconectado. Ele mal notava os arredores, desviando das pessoas automaticamente.
Ele sabia que o caminho não foi longo, mas pareceu durar uma vida inteira. Quando finalmente chegaram em frente à sala, Seonghwa notou as macas espalhadas, quase todas vazias, exceto por uma. Uma menina pequena estava sentada ao lado de um homem de jaleco branco, segurando sua mão com força, como se temesse soltar. Ao lado deles, uma mulher observava silenciosamente, sua postura rígida, mas seu olhar suave e compreensivo.
Seonghwa respirou fundo e acabou com o resto da distância, entrando na sala atrás de Jaejoong, atraindo a atenção das pessoas reunidas ali. Ele travou quando seus olhos encontraram o rosto de Seoyun. As feições dela eram uma réplica em miniatura das de Chaewon — o formato dos olhos, a curva suave do queixo, os cabelos finos e negros que caíam desordenadamente sobre a testa — e ele precisou lutar contra o pânico e ansiedade que queriam ascender de novo.
Seonghwa forçou um sorriso trêmulo, mesmo sentindo o nó apertar em sua garganta. Ele se abaixou para ficar na altura de Seoyun, tentando esconder o caos que fervilhava dentro de si. O ambiente ao redor desapareceu. Tudo o que ele conseguia ver era a pequena menina à sua frente e o peso da responsabilidade que agora recaía sobre ele.
— Oi, Seoyun — falou, obrigando as palavras a sair pela vão entre o nó e a garganta.
— É você? — perguntou ela, com a voz inocente ao descer da maca. — É você o anjo que a minha mamãe mandou?
Ao ouvir aquelas palavras, Seonghwa sentiu uma dor profunda, como se algo quebrasse dentro dele. Mesmo assim, forçou um sorriso e ofereceu a mão à menina. Ele não podia deixar que ela visse seu medo.
— Eu sou, estrelinha. Meu nome é Seonghwa e sua mãe... — sua voz falhou, mas ele se recuperou rápido —, sua mãe era minha irmã. Eu sou seu tio e você vai morar comigo agora, 'tá? Eu vou cuidar de você da melhor forma que eu puder.
— 'Tá bom — respondeu ela, enquanto aceitava a mão quando o ofereceu. — Eu posso me despedir?
— Claro que pode, estrelinha.
Seoyun se voltou calmamente para o homem que ainda estava sentado na maca.
— Obrigada por ficar comigo, San, o anjo da mamãe já veio me buscar. E obrigada, por ficar com a gente também, moça.
Seonghwa observou San enquanto ele acariciava os cabelos de Seoyun, os dedos longos e delicados contrastando com o leve tremor que entregava sua emoção. O rosto anguloso de San, emoldurado pelos fios escuros, parecia imperturbável à primeira vista, mas os olhos ligeiramente marejados, de um tom profundo de castanho, denunciavam a vulnerabilidade por trás da fachada calma.
Ele a olhava como se estivesse se despedindo de uma parte de si.
— De nada, pequena.
A mulher apenas sorriu.
Seoyun se afastou de San e se aproximou de Seonghwa, seus dedos delicados se fecharam em torno da mão dele, pequenos demais, frágeis demais.
— Vamos, tio Hwa?
Seonghwa olhou para San, que assentiu, confirmando que tudo já estava pronto.
— Vamos, estrelinha.
Enquanto caminhavam juntos em direção à saída, o peso de sua nova realidade se instalava sobre seus ombros. A luz do dia lá fora parecia estranhamente distante, quase ofuscante, uma nova vida os aguardava, mas ele ainda não sabia como encará-la.
☆彡
O caminho até o carro estava vazio e envolto em uma escuridão silenciosa, apenas a luz da lua iluminando o asfalto, criando sombras longas que pareciam se estender em direção ao desespero que Seonghwa sentia. Ele destrancou o carro, o clique ecoando no estacionamento vazio. Ele se agachou, pegando Seoyun com cuidado nos braços, sentindo o peso leve e frágil dela enquanto a colocava no banco de trás.
— Espera aqui um pouquinho, estrelinha, eu preciso fazer uma ligação e a gente já vai pra casa, 'tá bom?
Seoyun assentiu. Ele deixou a porta aberta, certificando-se de que ainda estava no campo de visão dela enquanto esperava a ligação chamar.
— Hwa? — a voz de Hongjoong soou confusa do outro lado da linha.
— Eu preciso de um favor.
Talvez fosse o tom de urgência, ou a forma como a voz de Seonghwa tremulava, mas sua resposta foi um simples:
— Qualquer coisa.
E Seonghwa sabia que suas palavras significavam exatamente isso, então ele pediu.
— Você tem algumas roupas das suas primas na sua casa, não tem? — Hongjoong confirmou com um um-hum. — Pode levar algumas no meu apartamento?
Hongjoong não perguntou nada, apenas concordou.
— Vou ficar esperando aqui.
Seonghwa agradeceu, mas ainda sentia o peso do que estava por vir. Com um último olhar para Seoyun, entrou no carro, tentando afastar o medo que surgia.
— Vamos embora, estrelinha.
☆彡
Hongjoong estava na sala, esperando pacientemente. Ele levantou as sobrancelhas ao ver Seonghwa com uma criança nos braços, mas não fez perguntas. Talvez soubesse que o amigo ainda não estava pronto para falar.
Vestindo uma camiseta casual de manga curta com um jeans escuro, Hongjoong emanava um ar despretensioso, mas os detalhes de sua jaqueta oversized e os tênis estilosos mostravam que ele se importava com a aparência como Seonghwa sabia que ele fazia.
— Seoyun, esse é meu melhor amigo: Hongjoong — disse, colocando ela no chão. — Hongjoong, essa é minha sobrinha, Seoyun.
Ele soube esconder bem a surpresa e sorriu enquanto abaixava para ficar à altura dela.
— Oi, Seoyun.
Seoyun olhou para Hongjoong com olhos hesitantes, uma mistura de curiosidade e medo estampada em seu rosto, antes de buscar segurança atrás das pernas de Seonghwa. Ele passou a mão pelos cabelos dela, num gesto automático, tentando tranquilizá-la e a si mesmo
— Você quer tomar um banho antes de descansar? — Seoyun concordou com a cabeça. — Vem comigo, então, meu bem.
Hongjoong tinha um rosto oval com maçãs do rosto proeminentes, seu cabelo loiro era estilizado em mechas soltas que caíam levemente sobre a testa, destacando seus olhos escuros que brilhavam com uma preocupação latente.
— Vou fazer alguma coisa para vocês comerem. Tem alguma coisa que você não goste de comer?
Seoyun negou com a cabeça e Seonghwa a guiou até o quarto. Cada passo parecia pesado, como se a responsabilidade estivesse se concretizando a cada movimento. Ele parou em frente ao banheiro pessoal, onde Hongjoong havia deixado as roupas que ela usaria.
— Consegue tomar banho sozinha, estrelinha?
— Consigo.
— Tudo bem. Você pode usar essas roupas aqui, 'tá?
Seoyun concordou com a cabeça e Seonghwa entregou uma toalha a ela.
— Pode me chamar se precisar de alguma coisa.
Seonghwa a deixou sozinha para que ela fizesse o que fosse necessário.
☆彡
No final da noite, Seoyun já estava dormindo. Seonghwa desabou. As lágrimas vieram fortes, nos braços de seu melhor amigo.
Os olhos de Hongjoong, sempre prontos para oferecer compreensão e apoio, brilhavam enquanto ele tentava confortar Seonghwa, mostrando que, apesar da dor, sempre haveria alguém ao seu lado
— Como que eu vou cuidar de uma criança, Joong? Minha irmã morreu porque eu não me dei ao trabalho de ficar por perto. Porque eu não garanti que ela estava feliz, que ela estava bem. E agora Seoyun 'tá traumatizada e sem mãe.
— A culpa não é sua, Seonghwa. Ela não te queria por perto e você fez o que ela queria. E você não 'tá sozinho — disse Hongjoong, enquanto as lágrimas dele manchavam o colarinho de sua camisa. — Eu vou ajudar, e os meninos também. Nós vamos dar um jeito porque é isso que nós fazemos quando as coisas estão difíceis. Nós damos um jeito.
Cansados e emocionalmente drenados, os dois amigos caíram no sofá, as lágrimas ainda frescas, enquanto a sala mergulhava em um silêncio pesado, quebrado apenas pelo som suave de suas respirações.
───── continua...
Notas da autora
Oioi, estrelinhas!!!
Mais um capítulo postado e esse ele pega pra mim. Eu já falei que eu amo a relação do Seonghwa e do Hongjoong? Porque eu amo muito.
Escrever esse capítulo foi bem doído porque é pesado, toca em alguns assuntos delicados e eu tava insegura de não abordar do jeito certo, mas acho que deu certo.
Espero que tenham gostado, meus amores.
Se cuidem, bebam água e até a semana que vem ❤️❤️❤️.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top