02

Winter's pov:

Nos dias que se seguem, faço de tudo para me situar na cidade, incluindo me matricular no cursinho intensivo para o vestibular. Enquanto minhas aulas não começam, passo a maior parte do tempo no café, onde minha maior distração são as novas alunas da faculdade, que sempre caem nas garras da minha melhor amiga.

Ningning é a parte engraçada da minha vida, a responsável por colocar um sorriso no rosto de todos aqui, inclusive dos seus pais, que não escondem o quanto a acham incrível. Ela realmente é muito sociável e sabe disso, tanto que nunca a vi sozinha por muito tempo. Um dos seus principais objetivos de vida é arrumar uma namorada linda e bem sucedida, na verdade duas, uma para ela e uma para mim. Sempre que posso tento convencê-la a desistir dessa ideia, mas ela é insistente.

Eu nunca acreditei muito em amor à primeira vista ou em romances avassaladores que te fazem perder a cabeça. Mas me peguei questionando isso depois do meu encontro inusitado na estação de trem uma semana atrás. E por essa razão naquele dia tive medo de ter perdido uma experiência única em potencial. Mas o pior de tudo foi que eu não consegui fazer nada para mudar isso.

Nós somos cindo no café: eu e Ningning somos as baristas. Preparamos os pedidos, servimos as mesas e ganhamos algumas gorjetas. O Sr. e a Sra. Ning são os gerentes e também cuidam de todas as questões administrativas do estabelecimento. E, por último, Park Sunghoon, que fica responsável pelo caixa.

O café é agradável e temos um público fiel. Ao entrar, você se depara com uma área na qual foi montada uma cafeteria com bancadas e bancos de bar. Nessas bancadas, há palavras-cruzadas que mudam todos os dias e, enquanto toma sua bebida, você as resolve e aproveita o clima agradável.

À esquerda, há uma escada que leva ao piso superior. Ali, você encontra uma iluminação baixa e dezenas de mesas espalhadas onde as pessoas podem se acomodar para estudar. Como o café fica próximo da Seoul National University e natural que muitos alunos venham passar um tempo aqui.

Eu amo a atmosfera agradável que esse café proporciona.

Na terça-feira, enquanto Ningning prepara o pedido de um cliente, me mantenho firme na decisão de parecer invisível. Sunghoon ligou avisando que chegaria tarde por conta de um imprevisto, o que significa que estou responsável pelo caixa e Ningning está completamente sozinha atendendo os clientes.

Por sorte o movimento está tranquilo.

Eu já estou novamente perdida em meus devaneios quando Ningning se aproxima.

— Deus ouviu minhas preces... — Ela diz, se debruçando no balcão.

Sorrio, me preparando mentalmente para o que está por vir.

— E o que você pediu para Deus, Ningning? Uma mulher rica que se apaixone por você imediatamente e te peça em casamento? Ou um assassino frio e calculista que faça o favor de matar aquele seu detestável professor da faculdade? — Pergunto rindo da facilidade que ela tem de mudar de humor. — Confesso que prefiro a segunda opção, caso queira a minha opinião — acrescento.

— Vou ter que te desapontar — ela responde. — Hoje fui presenteada com algo que vai me dar ânimo para aguentar minhas aulas da tarde. Você precisa ver as duas que acabaram de subir as escadas. — Ela aponta para uma mesa no piso superior sem nenhuma intenção de ser discreta. — Nunca vi mulheres como aquelas por aqui antes.

O exagero dela chama a atenção de um cliente que está no caixa, ele olha para ela e, em seguida, para a mesa em questão e faz um movimento com a cabeça indicando sua desaprovação. Ningning continua a falar sem a menor preocupação com quem ouve.

— Elas são tão bonitas que fazem as universitárias parecerem crianças bobas, acho que nem são da cidade, talvez quem sabe nem sejam desse país.

Dou uma risada baixa diante do seu exagero.

— Fala sério, Ningning.

— Acredite em mim, Winter, essas são diferentes — ela afirma com uma convicção que me assusta. — Eu ficaria com elas aqui mesmo, sem questionar.

— Ningning! — repreendo-a, sentindo meu rosto esquentar, impressionada com o fato de ela nem ligar para a cara do homem que a olha.

— Você pode receber aqui, mocinha? — Ele diz irritado enquanto balança a cabeça, inconformado com a atitude da minha melhor amiga.

Dez minutos depois, ela volta para o balcão após levar o pedido da mesa das novas clientes.

— Além de lindas, são extremamente educadas! — Ningning enfatiza isso de uma maneira que começa a me deixar interessada.

Enquanto ela foca em preparar o pedido de outro cliente, eu volto a me dedicar ao meu trabalho no caixa. O tempo passa rápido e mal tenho oportunidade de olhar em torno do salão, estou tão entretida auxiliando Ningning que não noto quando a próxima cliente se aproxima.

— Por favor, alguém pode me atender? — Uma voz feminina me chama a atenção enquanto estou finalizando um café mocha.

— Desculpe, estamos sem um funcionário hoje e temos que nos desdobrar para cobri-lo — explico enquanto coloco o pedido no balcão e volto para o caixa, porém, quando levanto os olhos para a pessoa que está parada à minha frente, compreendo o motivo que fez Ningning ficar do jeito que ficou. E, dessa vez, não há exageros no que ela disse.

A mulher que fala comigo tem todas as qualidades exigidas para estar na capa de uma revista de moda, ou nas passarelas usando roupas caras, mas eu acho que ela se encaixa melhor em um daqueles grupos da indústria musical.

A última vez que a vi foi na saída do estação de trem. Bem, até agora.

Ela me encara por alguns segundos com seus olhos tão castanhos que tenho a impressão de que eles brilham, reluzentes, vibrantes, intensos. Ela me observa por um instante e tenho a sensação de que está prestes a falar algo, como se tentasse lembrar-se de onde me conhece. Com certeza isso não vai acontecer, dado o tempo que passou desde que nos vimos.

— Tudo bem, eu posso entender — ela diz e sorri de forma gentil. — Mas é que tenho um compromisso em alguns minutos, então se você puder...

— Claro, por favor, me desculpe. — Estico minha mão para receber a comanda e baixo o olhar sentindo meu rosto esquentar. — São 11 mil Wons — falo sem olhar para ninguém em especial.

Ela me entrega o cartão rapidamente, e da mesma forma eu tento agilizar a transação, evitando olhar para ela, porque mais uma vez estou me sentindo muito pequena.

— Qual o seu nome? — Ouço ela perguntar.

Quando nossos olhos voltam a se encontrar sou presenteada com o mais modesto lampejo de um sorriso e meu cérebro quase entra em curto-circuito.

— Me chamo Minjeong. — Respondo.

Ela assente uma vez e sorri.

— Prazer em conhecê-la, Minjeong. Você pode me chamar de Jimin.

Não respondo, porque estou tentando assimilar o que está acontecendo aqui.
Ela para de sorrir ao ver minha expressão.

— Ah, desculpa. É que eu me lembrei de você e achei que seria interessante me apresentar — diz, sua voz é tão firme.

Olho para ela, surpresa.

— Está tudo bem. Eu... só fiquei surpresa por você ter se lembrado disso.

— E porque eu não lembraria quando isso me pareceu tão inevitável?

Ela sorri de novo e, mais uma vez, noto como o clima parece mudar quando estou na sua presença. Vejo sua boca se abrir e abro a minha ao mesmo tempo. Então fecho rapidamente, querendo ouvir sua voz mais do que a minha.

— E então, será que você vai aceitar o meu convite algum dia? — Ela pergunta.

— Hã?

Ela sorri.

— Meu convite para visitar a livraria, será que você vai aceitá-lo algum dia?

— Ah — respondo, olhando para ela e tentando me convencer de que só está sendo simpática. — Talvez quando eu estiver livre faça isso. Mas não posso garantir nada, ok?

Jimin ergue uma sobrancelha, parecendo interessada.

— Ah, é? Então vou precisar vir mais vezes a esse café. — Ela se aproxima e pega seu cartão antes que eu possa reagir. Um sorriso estampa seu rosto enquanto o guarda no bolso da sua jaqueta.

Respiro fundo, sentindo meu coração acelerar no peito. Estou gostando desse atrevimento dela, mas também estou com raiva de mim mesma por estar gostando disso. Preciso lembrar a mim mesma que não posso me deixar levar assim.

Ela passa a mão pelo cabelo e desvia o olhar, conferindo as horas no relógio em seu pulso.

— Preciso ir. Ou vou me atrasar para meu compromisso — diz, se afastando. — Mas vou estar pela livraria hoje a tarde, sabe? — Ela pisca para mim e sorri.

Sinto meu rosto esquentar enquanto observo ela se encaminhar até onde sua amiga a aguarda.

Tento não me deixar impressionar com sua imponente presença, mas é impossível, porque ela caminha para fora do café e tenho a sensação de que o lugar se torna ainda melhor com a sua presença. Porém, antes de sair, a outra mulher que está ao seu lado fala algo, ela se vira para ouvir a amiga, sua mão joga algumas mechas de seu cabelo castanho para trás enquanto ela sorri e sem que eu perceba me pego sorrindo também.

— Minjeong, você viu? — Ningning se materializa ao meu lado, trazendo-me de volta à realidade. — E agora me diz: eu estava ou não estava falando a verdade?

Recomponho-me o mais rápido que consigo, afinal de contas são apenas mulheres bonitas e nada mais.

— Nem reparei, Ningning, estou muito ocupada — minto descaradamente.

Ningning sai e volto para o meu trabalho fingindo que realmente não tinha prestado atenção, como se fosse possível.

\[...]

O dia passa rapidamente. Apesar do movimento baixo de início de semana, meu bom humor me deixa leve, isso sem contar a euforia que sinto ao pensar na próxima semana. Estou no estacionamento enquanto sorrio me lembrando das bobagens ditas por Ningning quando ela se aproxima com uma sobrancelha arqueada e as mãos no quadril.

— Do que você está rindo, Winter?

— Eu estava rindo de você — falo ainda sorrindo. — Exagerada como sempre, me lembrei daquelas mulheres que vieram aqui mais cedo. Aquelas que você falou que eram de outro país — completo.

— Vai ver que são mesmo estrangeiras — Ela diz, dando de ombros. — Justifica o fato de que duas mulheres lindas como aquelas tenham vindo aqui.

Reviro os olhos, mas estou sorrindo.

— Bom, vou indo nessa, então.

— Não quer mesmo que eu te dê uma carona até em casa? — Ela pergunta, apontando para o seu carro.

Balanço a cabeça.

— Não precisa. Pretendo passar em um lugar no caminho e não quero que você se atrase para sua aula.

Depois que nos despedimos, caminho pelo centro animado de Seul até chegar em Apgujeong. Não demora para que eu aviste a placa colocada em um grande edifício de pé direito alto, nela há escrito em letras vermelhas grandes o nome Silent BookShop. Aproximo-me para ver o interior do lugar — decidindo se estou mesmo disposta a fazer isso — e duas mulheres saem pela porta.

— Eu estou sempre vindo aqui. Não consigo evitar! — Diz uma mulher, na casa dos 30 anos, animada.

Sorrindo, a outra mulher responde:

— E aposto que não faz isso apenas pelos livros, já viu como a dona é bonita?

Sem aguentar mais a minha curiosidade, decido entrar. A livraria é organizada de um modo minimalista. De um lado, você se depara com uma área na qual estão dispostas mesas e poltronas onde as pessoas podem se acomodar para ler. E, tirando as portas duplas que dão acesso aos escritórios, o resto do ambiente está tomado por dezenas de livros. As estantes quase chegam ao teto, e há escadas para permitir que você alcance o livro que nem sabe que quer.

Há também uma iluminação aconchegante que combina perfeitamente com a arquitetura do lugar. E o único som que se ouve é de pessoas caminhando por ali em busca do próximo livro.

Começo a andar por entre as estantes, a procura de nada em específico quando avisto a mulher que estava com Jimin conversando com um funcionário. Ela é bem bonita, com cabelos escuros, um olhar gentil e um sorriso largo e amigável, tem a postura de uma mulher educada, mas é nitidamente a dona da livraria, posso ver pelas roupas que ela usa e a maneira como fala.

— Minha nossa... Não me diga que você finalmente resolveu aparecer? — Desvio o olhar e vejo Jimin se aproximando de mim, e tudo que posso fazer é encará-la. Ela se apoia em uma estante, de frente para mim e sorri.

De repente me sinto intimidada por uma estranha e vibrante timidez, e passo os dedos na minha orelha esquerda.

— Você falou tanto desse lugar que eu precisava conferir — Digo, tentando manter a firmeza na minha voz.

Sinto-me ridícula por estar nervosa, afinal de contas ela é apenas uma mulher, tudo bem que é uma mulher mais velha e linda, mas mesmo que eu tente, é impossível agir naturalmente na presença dela.

Jimin sorri e cruza os braços.

— Bom, já que estamos aqui... Você precisa de alguma recomendação?

— Eu acho que já esclarecemos isso da última vez, lembra? — Digo, tentando provar que suas ações e sua presença não têm efeito algum em mim. — Afinal, foi a breve conversa sobre o artbook que me trouxe até aqui.

Ela ri. Gosto da risada dela. Odeio gostar da risada dela.

— Está bem, Minjeong — ela diz, olhando para mim. — Permita-me te ajudar com essa questão.

Jimin me leva até a área dedicada a conteúdos de arte gráfica, conversando naturalmente sobre o tema. Fico em silêncio enquanto observo seus lábios formarem as palavras, e a curiosidade abala todo o meu ser. Quero saber mais. Mais sobre esse seu interesse pelo assunto. Mais sobre essa sua natureza amistosa. Quero saber mais sobre essa estranha que está despertando tanto o meu interesse.

— Você parece mesmo uma pessoa bem interessada por esse tema — comento enquanto ela me entrega um exemplar do Artbook Seoul.

— Tem alguma coisa na forma como os vários tipos de arte contam histórias que me fascina. A gente sabe o que está olhando, mas nem sempre entendemos todo o contexto por trás da imagem. Gosto de pensar que isso torna tudo ainda mais interessante.

— Estou começando a achar que você tem propriedade de fala. — Digo, sorrindo. Minha nossa... Quando foi a última vez que eu me senti tão despreocupada na presença de outra pessoa?

— Eu tenho conhecimento sobre o assunto. Então devo ter um pouco de propriedade sim. — Ela diz, passando a mão nos cabelos. — Falando sobre isso... Me conte qual é o seu real interesse no tema?

— Hum, não. Isso é tão previsível — digo.

Ela sorri.

— Como desejar. Vou descobrir sozinha, então. — Ela se inclina para a frente e começa a deslizar os dedos pelas lombadas dos livros. Seus movimentos são tão fluidos; é como se estivesse acostumada a fazer isso. — Sabe o que eu descobri ao longo dos anos? Dá pra conhecer bastante uma pessoa observando atentamente ela.

— Então acho que vou manter isso em mente quando você for ao café — Digo. Um sorriso brinca em seus lábios.

— Vamos lá, não se baseie apenas no que eu digo. Tenho certeza que o ambiente do café é bem interessante também.

Sinto a adrenalina percorrer meu corpo enquanto olho para ela. Estou gostando disso, mas também estou com raiva de mim mesma por estar gostando disso. Algumas garotas já tinham me deixado nervosa antes, mas elas não eram como Jimin. O mínimo sorriso e os gestos mais simples afetam meus sentidos de uma maneira intensa demais.

Limpo a garganta e desvio o olhar enquanto caminhamos até o caixa.

— Você vem mesmo todos os dias aqui? — Pergunto, tentando parecer indiferente as ações dela.

— Não, mas estou aproveitando enquanto ainda tenho alguns dias livres. — Ela diz. — Acho que você pode se considerar uma garota de sorte.

— Porque?

— Bom, vejamos. Talvez pelo fato de que assim você pode aproveitar minha companhia enquanto faz um passeio relaxante pelo mundo literário.

Jimin sorri e dá um pequeno empurrão no meu ombro.

Não acredito que estou mesmo me tornando uma dessas garotas que se deixa levar. Odeio tanto isso.

Depois que pago pelo livro, ela me acompanha até a porta, parecendo completamente confortável com a minha presença, quase como se nos conhecêssemos há muito tempo.

— Bom — Digo, quando paro na calçada. — Muito obrigada por deixar
que eu aproveitasse mais um pouco da sua ilustre companhia.

Eu meio que fico esperando ela sorrir, mas ela só fica parada, olhando para mim com esses olhos intensos.

— Aconteceu alguma coisa? — Pergunto, nervosa.

Ela balança a cabeça e segura suavemente meu queixo com a mão. Fico chocada com minha própria reação, com o fato de eu a deixar fazer isso. Ela observa meu rosto por alguns segundos enquanto meu coração acelera no peito.

— Você é uma graça — diz, segurando alguns fios do meu cabelo nos dedos e os soltando suavemente em meu rosto.

Quando ela se afasta, fico em silêncio, tentando assimilar os últimos segundos da minha vida. Como foi que isso aconteceu? Por que é que eu fiquei parada, deixando que ela fizesse isso?

— Bom, agora preciso voltar lá para dentro. — Ela diz. — Espero encontrar você mais vezes por aqui, Minjeong.

Jimin sorri antes de se virar e entrar na livraria. Eu fico parada ali, e olho na direção dela, sentindo um emaranhado de emoções.

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