𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 1
- HATHAWAY -
Dois meses se passaram desde o dia em que acordei na cama de Vante.
Eu estava um pouco fora de mim na época, demorei um pouco pra me adaptar a nova vida e esquecer a vida passada.
A parte mais difícil foi a sede de sangue.
Park me explicou que vampiros novos costumam precisar de muito mais sangue no começo, então a maior consumidora de bolsas de sangue naquele lugar era eu.
Vante teve que colocar juízo na minha cabeça algumas vezes quando o batimento cardíaco de humanos do lado de fora faziam meu instinto acordar e eu dar uma de sanguessuga descontrolada.
Mas aqui estou eu, voltando da recepção do edifício que Vante mora, aonde fui pegar as correspondências - sem matar ninguém. - Quando voltei para o quarto Vante apenas estendeu a mão pra mim, lhe entreguei todas as cartas, ele as olhou uma por uma com aquela delicadeza predatória natural dele depois me estendeu uma das correspondências.
- Essa é sua.
Abri a carta e li o que estava dentro, era um comunicado do conselho avisando que eu fui aceita na academia e falando algumas regras importantes.
- Essa academia, vocês estudam lá também? - Ele assentiu com a cabeça.
- Jimin e eu estamos entrando no terceiro ano, você vai estudar no primeiro, junto com os outros seres, pelo menos por enquanto, depois estudará somente com vampiros.
Com o passar do tempo eles haviam me explicado o básico de como tudo funciona, os seres sobrenaturais tinham uma cidade aonde todos poderiam viver sem se esconder, ela era oculta dos olhos humanos.
Me peguei pensando algumas vezes nas pessoas que deixei pra trás, minhas lembranças eram turvas, como se eu estivesse enxergando tudo através de um plástico, mesmo assim eu ainda me lembrava dos rostos das poucas pessoas com quem eu me importava.
Uma de minhas colegas de faculdade e o meu parceiro de apartamento, o que será que estão pensando agora? Sobre meu sumiço... Será que ainda lembram de mim?
Os dois vampiros buscaram todos os meus pertences no apartamento em que eu vivia, não era muita coisa, mas o suficiente pra eu não ficar com frio durante o inverno que estava começando. Eles eram de poucas palavras, Park e Vante. Falavam apenas o necessário e respondiam com clareza todas as minhas perguntas, mas não chegamos a fazer amizade. Eles eram apenas os caras que me impediram de morrer e estavam esperando minha adaptação pra me largar sozinha cuidando de mim mesma.
Eu não também não era muito apegada neles, então não posso reclamar. A única coisa que poderiam me ser útil era para sexo, mas eu realmente não sei como sexo entre vampiros funciona, pretendo descobrir em breve.
- Quando nós vamos? - Perguntei dobrando a minha carta de admissão.
- Ao anoitecer. - Park respondeu. - Nossas aulas começam amanhã, você vai ter tempo para arrumar suas coisas lá e conhecer o pessoal.
Me levantei de onde eu estava sentada e coloquei a carta em cima da cômoda que Vante havia arranjado pra mim.
- Vou lá fora comprar algo pra comer e dar uma volta, que horas precisam que eu esteja aqui?
- Quatro da tarde, nós vamos recolher tudo e levar para a Shadow City. - Vante respondeu, antes que eu saísse Park me estendeu uma bolsa de sangue.
- Beba, pra não correr o risco de sentir sede na rua. - Peguei a bolsa e tomei tudo em alguns goles, Park acenou aprovando e Vante continuou me olhando como se pudesse ler minha mente.
Eu não duvidava.
Dei um aceno besta para eles e saí.
Os dois irmãos eram meio sombrios, mais sombrios do que o normal até para aquelas pessoas que acreditam na existência de vampiros e enfeitam a porta da casa com alho, as vezes me parecia que eles conseguiam se comunicar apenas de olhar um para o outro.
Bem sinistro.
Vante, o vampiro que me transformou, era o mais calado. Ele me observava a maior parte do tempo e confesso que isso me deixava bem desconfortável. Já Park... Era ele que me perguntava sempre se eu estava bem ou se precisava de alguma coisa.
Mesmo com essa distância eu me acostumei com eles, mas estou um pouco assustada com o que me espera nessa academia.
Fui até a mercearia comprar uma barra de chocolate, meus olhos estavam doendo por causa do sol, mesmo com os óculos escuros. Eu os usava mais para esconder as íris vermelhas do que pelo sol em si. Procurei uma árvore na sombra e me sentei em baixo dela, abrindo um de meus livros para ler enquanto eu comia.
Não me acostumei ainda com o barulho, minha audição avançada captava todos os sons ao meu redor, eu demorava pra me concentrar no livro por causa do que ouvia.
O gosto do chocolate em minha boca foi como colocar os pés no paraíso, eu o saboreei e enfim consegui ler sem me incomodar com o meu entorno.
Não demorou para chegar a hora de voltar.
Eu não sabia que tipo de comida eu me alimentaria na academia, então voltei na mercearia e fiz meu próprio estoque, não que eu precisasse dessas besteiras pra sobreviver, mas meu lado humano remanescente agradecia o pacote de Doritos que eu estava comprando agora.
Voltei para o apartamento e me admirei ao ver Vante e Park já do lado de fora. Me aproximei deles e falei a primeira coisa que veio na minha cabeça.
- Aonde estão as minhas coisas?
- Já colocamos no caminhão de mudança, estávamos só esperando você pra ir. - Vante respondeu.
- Bom... - Abri os braços. - Eu estou aqui. - Park sorriu.
- Então podemos ir. - Ele tirou uma chave do bolso e entrou em um carro preto do outro lado da rua, Vante e eu nos olhamos e depois os dois entramos juntos no carro, ele no banco da frente e eu no banco de trás. Park ligou o carro e nós saimos.
Pensei que seria rápido pra chegar nessa cidade, mas já havia passado uma hora desde que saimos e nada ainda. Peguei a sacola com minhas besteiras e abri um pacote de Doritos, o silêncio dentro do carro estava tão sepulcral que eu me encolhi com o barulho da embalagem.
Comi por alguns minutos, o barulho da minha mastigação era bem audível, os dedos de Park tamborilando no volante também.
- Tori, isso é bom? - Park perguntou como quem não quer nada.
- É uma delícia. - Falei de boca cheia enquanto farelos do salgadinho caiam no chão do carro.
- Me dá um pouco? Por favor. - Estendi o pacote pra ele e, sem tirar os olhos da estrada, Park pegou alguns nachos.
- Aceita Vante? - Ofereci para o vampiro, ele apenas deu com a mão.
- Eu passo. - O 'senhor sombrio' respondeu.
Por que ele era assim? Dava vontade de sacudir Vante as vezes e perguntar se ele estava vivo, mas era arriscado ele responder que não.
E ainda jogar na minha cara que eu também não estava.
- Hey Taehyung, prova um pouco, não vai te matar, você já está morto.
E eis que Park usou meu pensamento como piada. Me segurei para não rir.
- Não gosto de comidas humanas Jimin, você sabe. - Jimin olhou para o irmão com um sorriso sacana
- Veremos. - Park colocou os nachos na boca e mordeu, mas o que me chamou atenção não foi ele comendo, foi a cara que Vante fez quando Park sentiu o gosto do Doritos.
- Puta que pariu. - Vante arregalou os olhos e encarou Park, que ria de forma contida.
- Desculpa, mas isso nunca perde a graça.
Eu não sabia o que estava acontecendo, juro, mas senti uma satisfação enorme quando Vante, sem graça, me pediu um pouco dos Doritos.
O melhor mesmo aconteceu depois, Vante fez Park parar o carro pra comprar mais, depois que ele desceu Park virou pra trás rindo.
- Você se acostuma com esse jeito dele.
- Conseguiu fazer ele comer, não sei como, mas conseguiu. - Falei sorrindo também.
Park virou pra frente e pegou sua garrafa térmica.
- Quer um pouco? - Ele me estendeu a garrafa, eu aceitei e dei dois goles, o líquido desceu aquecendo minha garganta, tive plena consciência de que meus olhos brilharam.
- Obrigada. - Devolvi a garrafa pra ele, alguns minutos mais tarde Vante voltou pro carro com uma sacola enorme.
- Tinha de pimenta, eu comprei também. - Ele tirou um pacote de Doritos de um quilo de dentro da sacola e jogou em mim.
- Esse é seu Tori, tem pimenta. - Park me encarou e piscou pra mim rindo enquanto Vante abria outro pacote pra ele, o vampiro estava parecendo um bebê mastigando aquilo, deixando cair comida no colo, acho que tem tanto tempo que ele não mastiga nada que deve ter esquecido como se faz.
Park deu a partida e nós voltamos pra estrada, o humor de Vante melhorou, como se ele tivesse se tornado um pouco mais humano depois de comer, até cantarolou uma música baixinho durante o resto da viagem.
Em um determinado momento eu comecei a sentir um calafrio.
- Estão sentindo isso? - Perguntei vendo meus pelos do braço arrepiarem.
- Estamos na barreira mágica da cidade. - Vante falou. - Humanos dão meia volta por causa da magia, nós sentimos um calafrio leve. Agradeça aos filhos de Hécate, eles que criaram a barreira.
Olhei para frente e tão rápido quanto o calafrio veio ele foi embora, então pude perceber a enorme cidade que se tornava visível a meus olhos, e que cidade!
- Admirada? - Park olhou pra trás por alguns segundos.
- Ela é enorme. - Eu não estava mentindo, a cidade tinha vários prédios e vários condomínios, mas o que me deixava de queixo caído era o enorme castelo bem no centro.
- Linda não é? Aquela é a academia. - Park acompanhou meu olhar. Eu apreciava a vista enquanto ele dirigia pela cidade, depois de atravessa-la nós paramos bem em frente aos portões do campus da academia.
Vante desceu do carro junto com sua sacola de Doritos, peguei a minha própria sacola com a minha comida e saí do carro junto com Park.
Eu os segui para dentro, uma fonte linda jorrava água no centro do pátio principal, diversas pessoas andavam pra lá e pra cá, reconheci os vampiros apenas, por causa de seus olhos, mas eu não conseguia distinguir os Filhos de Hécate dos Demônios.
Os olhares das pessoas se fixaram em nós por bastante tempo, alguns cochichavam ao nos encarar, algo me dizia que os irmãos vampiros eram bem famosos aqui.
- É bom estar de volta. - Vante comentou, Park sorriu e virou pra mim.
- Vamos Tori, a essa altura já devem ter colocado suas coisas em seu novo quarto.
Lembrei da minha carta de admissão.
- Eu vou morar na Mansão Escarlate?
- Você e nós também, todos os vampiros que ainda estão estudando moram na Mansão Escarlate. - Vante comentou.
- Espere a temporada de jogos. - Completou Park - A briga entre as casas é divertida.
- Nós somos separados apenas por espécie? Não por sexo? - Eu com certeza não estava acostumada com isso.
- Você dividirá o quarto com outra mulher, assim como homens dividem quarto com homens, mas dentro da mansão não tem separação, pode ser até que sejamos vizinhos. - Park esclareceu.
A Mansão Escarlate ficava na zona leste da academia, ela era enorme e escarlate, como o nome já dizia - Dããã -, ao entrarmos, uma vampira alta vestida com roupas sociais e óculos nos deu as boas vindas, algo me diz que aquele óculos é só por estética, vampiros não tem problema de vista.
- Vante e Park, que prazer ver vocês de novo! - A vampira cumprimentou os garotos.
- O prazer é nosso inspetora. - Park falou educadamente.
- Você deve ser a Tori, nossa nova aluna. - Estendi minha mão para a inspetora e ela a apertou.
- Eu mesma.
- Nós deixamos Tori em suas mãos agora inspetora, onde é nosso quarto? - Vante perguntou.
- O mesmo de sempre, as coisas de vocês já estão lá.
- Ótimo. - Ele falou já se afastando. - Tchau Tori, a gente se vê. - Então Vante saiu, deixando Park parado desviando o olhar entre mim e ele. - Vamos Jimin! - ele chamou.
- Estou indo! - Park chegou perto de mim e me surpreendeu com um abraço. - Se precisar de mim é só gritar, ou nem isso, posso ouvir o batimento cardíaco dos Filhos de Hecate daqui. Apenas... Chame meu nome humano, ninguém aqui me chama por ele a não ser o Tae.
Quebrei o abraço e olhei pra Park.
- Como tem tanta certeza que ninguém te chama assim?
- O último que chamou teve problemas. - Ele disse simplesmente. - Até mais Tori.
Então Park foi correndo atrás de Vante, que já havia sumido pelos corredores.
- Vamos Tori, vou lhe levar até seu quarto. - Segui a inspetora pelo caminho contrário ao qual os irmãos foram.
Pelo jeito não seremos vizinhos.
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