PREGUIÇA
A preguiça, um dos sete pecados capitais, é representada pela pessoa que vive em estado de falta de capricho, negligência, desleixo, morosidade, lentidão e moleza, de causa orgânica ou psíquica, que a leva à inatividade acentuada. Aversão ao trabalho, frequentemente associada ao ócio, vadiagem.
Do latim prigritia
HISTÓRIA UM:
Mário Honório possuía um pequeno pedaço fértil de terra, na parte rural da capital. Casado com dona Hermínia há mais de trinta anos, sempre deixou as responsabilidades de lavras na terra e cuidar das poucas galinhas nas costas da esposa e dos dois filhos.
Ermínia, mulher batalhadora, cuidava do pequeno pedaço de terra, além de lavar roupa para fora, além disso, fazia algumas faxinas. E era com este dinheiro que ela conseguia manter a casa e os estudos dos filhos adolescentes.
Os meninos, sempre que podiam, cuidavam dos animais e colhiam o pouco que plantavam. Nunca esperavam que a mãe chegasse cansada, para arrumar a casa. Limpavam tudo e ainda arranjavam tempo para estudar.
Ele, por sua vez, sempre reclamava de uma dor nas costas, tonturas e dor aguda no peito, para não ter que lavrar ao lado da família. Nunca se deu ao trabalho de cuidar dos filhos quando estes eram pequenos ou recolher as roupas secas ao sol, enquanto a esposa estava ausente. Para ele, era trabalho da mulher e usava a falsa doença para evitar se esforçar. Ficava na cama, "repousando", esperando que um deles lhe alcançasse algo para comer ou beber. Enquanto a mulher estava longe, limpando uma das casas de luxo num condomínio particular, ficava ora na cama, ora na rede. Na maioria do tempo, reclamando pela demora dos filhos na escola ou dela, no trabalho.
— Pelo amor de Deus! Posso até morrer desidratado, que ninguém liga! — esbravejava, coçando a nuca ensebada.
— Pai, dá para o senhor parar de gritar e pegar água, o senhor mesmo? — dizia o filho mais velho, que estudava na mesa da cozinha.
— Como é, moleque? Deus está vendo isto! Eu mal posso me mexer, ingrato! — fingindo tossir.
O filho mais novo, já não suportando mais e sem poder se concentrar nos estudos, ergueu-se e levou um copo de água gelada, segurando a vontade de chorar. Já não aguentava mais viver daquele jeito e apenas sonhava em se formar e ir embora.
Tanto ele quanto o irmão sonhavam com uma vida longe dali e do pai preguiçoso, mas só em imaginar a mãe sozinha com aquele fardo, os dois iam segurando a situação, pensando em como poderiam reverter o destino já predestinado, se acaso não fizessem nada.
Sabiam bem que a faculdade que futuramente iriam ingressar, provinha do suor da mãe cansada, que nunca reclamou durante toda a vida de trabalhar, fizesse sol ou chuva.
E tudo para os dois terem um futuro melhor que o dela.
Já o pai, por sua vez, qualquer motivo era suficiente para reclamar e se vitimizar. Nunca pensou em ninguém que não fosse ele mesmo e, sempre que podia, se jogava no sofá, esperando a esposa chegar e lhe servir o jantar.
Mesmo essa situação iria mudar em breve.
Certa noite, Mário teve um pesadelo e sentou-se na cama, suado. Sua esposa já há muito não compartilhava o mesmo espaço na cama, pois acordava cedo e mantinha hábitos de higiene, que ele havia abandonado por achar trabalhosos.
O medo tomou conta dele, que não pregou mais os olhos, até que viu o sol nascer através da janela do quarto.
— Honório, preciso levar os meninos para a cidade. — disse a esposa, parada e esperando que este dissesse algo. Mas em vão. Honório olhava fixo para a janela.
O homem apenas ouviu o som da porta se fechar e deitou de novo. Sentiu os olhos pesarem, adormecendo logo em seguida.
Naquele dia, ele acordou perto da hora do jantar, se levantou muito a contragosto e ficou assustado com a hora. O breu tomara conta de todo o quarto, deixando apenas um resquício do brilho da lua penetrar no assoalho de madeira, através da janela. Suspirou, sem nenhuma vontade, mas a fome o impeliu a se dirigir para a sala. Chamou os filhos e não obteve resposta. Chamou a mulher, esbravejando impropérios, os quais também não tiveram retorno. Achou estranho, pois àquela hora, seus filhos já estavam à mesa, jantando ou auxiliando a mãe com a louça.
Esperou mais uma hora, sentado em sua poltrona preferida e nada. Ninguém apareceu com seu jantar. Gritou um palavrão, mas apenas ouviu o eco da sua voz gutural.
"Ninguém em casa na hora do rango? Como assim? Como podem me deixar à míngua? Sou um homem doente!" — pensou furioso.
Imaginava as ofensas que diria para a esposa, por fazer ele esperar, faminto até àquela hora, sem comida na mesa!
— Querem me matar de fome, seus imbecis? Um homem doente como eu, terei que providenciar minha comida? O que será de vocês, se eu morrer? — seus berros ecoavam pela casa vazia.
As horas iam passando. A lua já estava alta e apenas o som dos grilos e o leve vento nos galhos soltos quebravam o silêncio. Ele não se moveu um centímetro do sofá. Sabia que, uma hora, eles teriam que voltar para casa e só em pensar em ir até a cozinha, ver algo para comer já dava um desânimo e raiva por não ter ninguém para servi-lo.
De repente, a campainha da porta tocou e Mário suspirou amargamente, pois não tinha a menor vontade de se levantar. Viu uma barata passear pelo braço do sofá, mas não tinha vontade alguma de pegar o chinelo e matá-la. Ficou olhando, curioso para saber até onde ela iria, mas a insistência do som irritante da campainha o tirou daquele transe, impulsionando o corpanzil a se levantar e ir até a porta.
"Quem pode ser a uma hora dessas? Dá até preguiça de pensar! Se for um vendedor ambulante, baterei com a porta na cara! Agora, se for a Ermínia e os moleques, baixarei o couro do cinto!" — pensou, ajeitando o calção surrado.
— Já vou! Já vou! Que pressa! — foi lentamente, até a porta.
Abrindo a porta com raiva por terem feito ele sair do sofá, deparou-se com o vazio. Não havia ninguém na soleira.
—Mas que diabos... — sussurrou, irritado.
Olhou para os dois lados e na direção da estrada de terra batida que dividia a plantação de milho e a pequena plantação de couve. Nem sinal de qualquer alma viva ou da esposa e dos filhos.
Voltou para a casa, fechando a porta atrás de si, indo para o sofá. Mas assim que fechou, a campainha tocou novamente.
— Que palhaçada é essa? Quando eu pegar quem está de sacanagem!" — berrou, voltando na direção da porta, escancarando-a.
Ao abrir, desta vez se deparou com um jovem muito magro e alto. Tinha o olhar metálico e seu sorriso largo e sem alma fez Mário estremecer.
— Olá? O senhor pode me ajudar?
— Ajudar? Eu? — só em pronunciar, já sentia cansaço. — Ajudar com o que, cara?
— Estou perdido. — falou, erguendo os braços em resposta.
— Não entendo como chegou até aqui! Você não tá muito longe da civilização, não?
O homem apenas sorriu de lado, desdenhando a frase de Honório.
— Vais ficar aí, parado sem falar nada, oh, esquisito?
— Não vais me convidar para entrar? A preguiça não permite que você seja educado?
— Não importa se tô ou não, cara! E dá licença que preciso voltar! — fez menção de fechar a porta, mas o estranho a impediu.
— Ei! Quem você pensa que é, para... — gritou, tentando fechar a porta.
— Me empresta o telefone, para pedir ajuda, ao menos?
— Não! — disse por fim, batendo a porta na cara do homem.
Riu, lembrando da cara do estranho, voltando para o sofá. Mas, de repente, uma sensação estranha de medo e solidão tomou conta dele. Esta sensação só não era maior que a fome, já que não havia comido nada durante todo o dia. Lembrou-se da sua esposa e dos dois filhos e se perguntava onde eles poderiam estar. Não que estivesse preocupado com os três e sim preocupado com a fome dele. Quem iria trazer seu jantar ou algo para comer, agora, pensava, desolado.
"Aquele cara era para lá de assustador. E aquele sorriso?" — pensara.
— Pelo que vejo, você só não tem preguiça para pensar, não é mesmo Mário Honório?
— Como entrou aqui? — gritou, apavorado ao ver o estranho alto à sua frente, com um prato de sopa. — quem é você, afinal? Como você fez para...
— Ei! Calma! Não és um homem doente e com dores pelo corpo? — interrompeu-o, se aproximando. — Olha o que eu lhe trouxe? Uma suculenta sopinha!
— Eu não sei quem é você... Eu... — balbuciou, sentindo sua nuca se eriçar.
— Não pense em nada, agora. Vais cansar e não queremos isso, certo...? E a sopa está diabolicamente gostosa! Coma, Mário! Coma tudinho! — falou, alcançando o prato fumegante
Mário esticou os braços, agarrando o prato, já salivando. Sentia fome e se deliciar com algo que não precisasse usar garfo e faca, já era uma vantagem. Da sua boca, vinha uns grunhidos de boca cheia, enquanto o caldo escorria pelos cantos da boca, respingando a camiseta encardida. Seu rosto era macilento e a barba por fazer, dava um ar nojento ao preguiçoso.
O homem à sua frente, sorria. Seu sorriso era cheio de uma maldade infinitamente intensa e seus olhos vazios, iam penetrando cada vez na imagem do outro sentando, sorvendo o que ainda restava no fundo do prato.
Após terminar o prato, Mário Honório sentiu uma moleza dominar seu corpo. Foi quando percebeu ir surgindo pombos amarelos ao redor do jovem estranho, que sorria à sua frente, com os braços cruzados ao peito.
— Meu Deus... O que está acontecendo? — sussurrou, sentindo a saliva escorrer da boca.
— Como se sente, Mário?
— Quem é você?
— Cheio da "preguicinha", não é? — falou, ignorando sua pergunta. — Vontade de ficar sentado e relaxando, para sempre não?
— Sim... Como sabe meu nome? Quem é você? — insistiu, já sem forças.
— Seu desejo seria nunca mais ter que levantar para fazer qualquer coisa, né, Mário?
— Quem é você? — gemeu, sentindo todo seu corpo paralisado.
— Sou seu desejo, Mário! Não vais mais precisar levantar para nada! Ficará deitado, para o resto da sua vida!
A gargalhada daquele homem magro encheu Mário de terror até as entranhas e, ao tentar se levantar, não conseguia mais sentir o corpo. Estava paralisado do pescoço para baixo.
Tentou gritar, mas a voz não emitia som algum e as lágrimas desciam pelo rosto barbudo.
— Aproveite bem sua vadiagem eterna, Mário! Agora, ficará assim! Até que a morte venha beijar sua boca imunda!
Deu as costas, se dirigindo a porta, quando parou e voltou o pescoço para ele:
— Há! Já ia me esquecendo! Que cabeça a minha! — riu divertido. — Tudo isto pode ser apenas um pesadelo do qual jamais irá despertar! — falou, dando gargalhada, desaparecendo juntamente com uma revoada de pombos amarelos...
O tempo passou e dona Ermínia ainda não entendia porque seu marido havia desaparecido, sem deixar nenhum recado. Mas bem lá, no fundo, agradecia a Deus por fazer isto e ter liberado ela e seus filhos do fardo de carregá-lo nas costas.
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