INVEJA

A inveja é considerada pecado porque uma pessoa tem o desejo exagerado por posses, status, habilidades e tudo que outra pessoa tem e consegue. O invejoso ignora tudo o que é e possui para cobiçar o que é do próximo. É frequentemente confundida com o pecado capital da avareza, um desejo por riqueza material, a qual pode ou não pertencer a outros.

Do latim invidia (Quer dizer, olhar com malícia).


HISTÓRIA SETE

       Vanusa Morales era filha de pais carinhosos e irmã gêmea de Valéria. As duas jovens, de 19 anos, tinham semelhanças impressionantes, porém estas só eram fisicamente. Enquanto Valéria era uma menina bondosa e dedicada aos estudos, Vanusa, por sua vez, era má e grosseira com sua irmã e com seus pais. Na escola, não era diferente. Valéria tirava boas notas e praticava esportes nas aulas de educação física, além de sempre ajudar quem necessitava. Mas sua irmã não tinha vocação alguma para os esportes ou vontade de ajudar quem quer que fosse. No entanto, por ver sua irmã sempre cercada de amigos, nutria um rancor quase mortal por ela. A inveja que esta sentia da irmã gêmea era tão intensa que, muitas vezes, maquinava planos de como se livrar dela, sem deixar pistas.

— Van, vamos? Papai chegou! — chamou-a.

Valéria tocou o ombro desta, correndo em seguida até o carro, onde o pai delas esperava, sorridente.

Ela levantou de onde estava, sem muita vontade. Pegou sua mochila e seguiu a irmã, bufando por esta ir à sua frente.

"Esta desgraçada sempre escolhe o melhor lugar!" — pensou.

Olhava para ela com muita raiva. A vontade de esbofeteá-la, sem parar até que seu sangue escorresse dos lábios sorridentes, fazia-na sorrir, imaginando a cena. Disfarçou, colocando os fones do celular e fechando os olhos.

No dia seguinte, como era sábado, os pais das meninas resolveram passear na praia e relaxar do barulho da cidade. Val, como era chamada, colocou seu biquíni preferido, um azul-turquesa lindo. Se olhava na frente do espelho, examinando como ficaria, enquanto Van a olhava em silêncio, com um muxoxo nos lábios.

— Que foi, mana? Ficou feio? — falou, tímida.

— Não sei... parece que encolheu! Não acha? — disse com uma careta.

— Como assim, encolheu? — ela abriu os olhos negros, muito assustada.

— Hum... Acho que você engordou, Val.

— Ai! Sério? Não pode ser! — se aproximou ainda mais no espelho. — Eu não abusei na hora de comer... Será, mana?

Ela se entristeceu com a afirmação da irmã. Apertava o abdômen liso e tonificado, as coxas lisas, onde não havia nenhum sinal de gordura excessiva ou localizada.

— Maninha, você tem certeza? — virou-se para a outra. — Não me vejo gorda. Será?

— Este biquíni ficou horrível em você! Nossa... — falou, fazendo uma cara de nojo. — Acho que vi estrias na sua bunda, maninha! Pelo amor! Faça uma dieta urgente! Que horror! — falava, simulando um assombro.

— Mas, todo mundo tem estrias e eu não ligo muito. — disse Val, sorrindo.

— Nem todo mundo quer ser jogadora de vôlei, Valéria! — ergueu as mãos.

Sua atuação foi tão perfeita que deixou sua irmã quase em lágrimas, por começar a se sentir feia e gorda. Após perceber que sua intenção foi magistral, saiu do quarto de Val, segurando a vontade de gargalhar.

"Como pode ser tão ridícula, meu Deus!" — pensou, indo para seu quarto.

Estava lá, maquinando em como alimentar aquele medo irreal e resolveu agir. Ficou procurando algo, enquanto a vontade de usar aquele biquíni azul lindo crescia dentro do seu íntimo. Achou o que tanto procurava e soltou uma risada maliciosa.

Voltou com um maiô preto ao qual jamais usou por já estar fora de moda e levou para sua irmã. Bateu de leve, fazendo uma cara de desentendida, abrindo a porta. Valéria se encontrava sentada em frente ao espelho e vários biquínis espalhados pela cama.

— Val? Eu não sei se você aceita, mas tenho este que amo mais-que-tudo! Ficaria muito feliz se aceitasse usá-lo hoje. — disse, com um sorriso largo. — Me faria tão feliz, saber que você aceitou algo de mim!

— Claro, Van! Deixe-me ver? — pegou o maiô.

Mas ao notar que a peça de banho era antiga e sem graça e um número menor no corpo dela, se sentiu ainda pior. Estava realmente gorda, pensou na mesma hora. Mas, não queria magoar sua irmã gêmea, ao qual amava mais que tudo.

— Lindo, não? Eu ficaria feliz em ver você usando algo que fui eu que dei! — sorriu. — Sei que ficará lindo em você! Posso experimentar o azul? Por favor?

Valéria olhava para a irmã, sem coragem de dizer que não achava aquela peça nada bonita, mas como ela falava tanto no quanto iria amar em vê-la usando, que acabou concordando e alcançando o lindo biquíni turquesa para a Vanusa, com um sorriso. Queria mesmo que a irmã se sentisse bonita e no final das contas, era só uma peça de praia. Viu o olhar da outra brilhar ao pegar a peça e sair rindo em direção ao outro quarto, para experimentar.

Após as duas experimentarem suas peças de praia, foram para o carro e já na praia, Vanusa estava toda contente e segura do quanto ficou maravilhosa dentro daquela peça de banho moderna. Um imenso sorriso enfeitava seu rosto e, para provocar ciúmes na irmã, sentou-se ao lado dela, falando que esta deveria evitar comer muito para não ficar ainda mais gorda. Val sentia as tiras do maiô apertando seu quadril e teve que concordar com a irmã. Se sentia desconfortável com o maiô, sem saber que ele era menor que seu número.

— Acho que tens razão, mana... — sussurrou.

— Eu sempre tenho razão, sua boba! Só quero seu bem, irmãzinha. — forçou um sorriso inocente, tentando controlar a vontade de dar risada.

Ela não sabia o mal que estava produzindo na mente gentil e ingênua de Valéria, que começou a se sentir fora de peso, feia e insegura. Passou todo o dia, sobre o guarda-sol, lendo. Quando a convidaram para mergulhar, ela deu a desculpa de dor de cabeça, recusou o lanche que sua mãe lhe alcançou e resolveu ir cochilar no carro da família. Seus pais começaram a se preocupar com a filha, mas Valéria acalmou-os dizendo ser apenas enxaqueca por estudar muito no dia anterior e que logo passaria.

Ela sorria, mas ainda não se sentia satisfeita. Queria machucá-la ainda mais. Ficou pensando em como colocar seu plano em prática, sem seus pais perceberem. A felicidade que estava experimentando ainda era pouca. Queria destruir sua irmã de uma vez por todas e isto, fez com que decidisse continuar com aquela brincadeira por mais tempo.

"Ainda é pouco o que aquela infeliz está passando. Quero ver ela sofrer um pouco mais!" — pensava, enquanto sorria sozinha.

Depois do fim de semana tenso, as meninas foram para a escola. Val, que sempre fora alegre e sorridente, estava calada e taciturna, enquanto Vanusa, que sempre se fechava num casulo social, estava com um ar leve e descontraído. Aquela segunda-feira, foi se arrastando para Valéria, que parecia deprimida. Sentia que não iria conseguir passar no teste para o time de vôlei da escola, por estar acima do peso. Não conseguia nem prestar atenção nas aulas, com os professores advertindo-a mais de uma vez. Nem a presença de Jonas, o menino que mantinha uma paixão platônica e era o mais bonito da escola, lhe fazia sorrir.

— Oi, Val? Você jogará com as meninas hoje à tarde? — disse Jonas. — Pensei em ir assistir à partida e torcer para você. E olha que nem gosto de vôlei! — sorriu, sentando ao seu lado.

Jonas também sentia uma atração por ela, mas nunca teve coragem de se aproximar. Ao vê-la tristonha, tomou coragem e se aproximou, na tentativa de fazer Valéria sorrir novamente. Ela dirigiu os olhos na direção dos dele e um brilho começou a surgir. Era apaixonada pelo rapaz e vendo o interesse dele por ela, fez com que voltasse a ter vontade e alegria de viver.

— Você acha que devo mesmo ir? — disse, timidamente.

— Ora! Mas é claro! — incentivou-a.

Foi até a treinadora da turma e confirmou sua presença no jogo, com um sorriso. Ficaram conversando sobre animosidades e das provas de física da semana passada. Sobre o novo anime que iria passar no canal preferido dos dois e de como Arthur, amigo em comum, era bom no futebol. Riam das piadas um do outro e a felicidade de ambos contagiava quem se aproximava do casal. Era notório que eles se amavam.

Vanusa, de longe, assistia tudo. Um enjoo forte e uma vontade de gritar e chorar invadiu seu interior. As lágrimas não demoraram a rolar pelo rosto endurecido pelo ódio e a inveja a cegou completamente. Ela nem percebeu haver sangue escorrendo nos punhos fechados, pelas unhas cravadas nas palmas das mãos.

"Sua cadela! Odeio você! Tirarei tudo que tens! Não deixarei que este sorrisinho continue nesta sua cara de sonsa! Você não terá o amor de Jonas e de ninguém! Tudo que você ama, será meu, por direito!" — pensava, enquanto ia na direção do banheiro.

Ela estava quase sem ar, no banheiro de tanto ódio pela irmã. Pegou suas coisas e saiu sem rumo da escola, para tentar aplacar aquele sentimento. Queria acabar com a felicidade da irmã, pois acreditava que só ela merecia ser feliz e não entendia porque as pessoas gostavam mais da irmã do que dela, já que eram idênticas!

Foi andando a ermo, maquinando em como acabar com aquele sorriso na cara da irmã, quando uma mulher linda, de traços clássicos e cabelos negros presos em um belíssimo rabo de cavalo, chamou sua atenção. Esta mulher sorriu, fazendo sinal para se aproximar. Vanusa foi até ela, curiosa e encantada com a elegância da desconhecida. O que chamou a atenção da garota foi a gargantilha de ouro em forma de cobra, que enfeitava o pescoço da mulher.

— Olá, minha querida? — sorriu. — Pelo que vejo estás chateada com algo? Posso ajudá-la?

— Ninguém pode, infelizmente. — revirou os olhos. — É minha irmã estúpida! Não sei o que ela tem que as pessoas se aproximam dela!

— E o que ela fez para você, minha doce menina? — falou, alisando o rosto da jovem. — Quer conversar?

— Ela é insuportável! Uma sonsa! — disse, segurando à vontade chorar. — Valéria parece que faz de tudo para me irritar, com aquela carinha de coitadinha!

— A Valéria! Claro! Sua irmã gêmea. Pois a acho tão sem sal! Tão dissimulada... — falou, gesticulando com uma das mãos.

— Da onde você nos conhece?

— Claro que conheço, meu bem! — ao dizer isto, se aproximou, abraçando-a. — Conheço vocês duas da escola. Particularmente sempre achei você muito melhor que ela!

— Sério? — disse, totalmente surpresa com a revelação.

— Para mim, ela não passa de uma cínica!

— Eu sempre digo isto, mas parece que ninguém mais vê, só eu!

Vanusa abriu um sorriso enorme, passando a mão pelo rosto molhado. Ficou animada com as palavras daquela mulher misteriosa. Não fazia ideia de quem poderia ser ou de onde veio, mas simpatizou logo com ela. Era bem provável que fosse mãe de alguma das garotas mais populares da escola. Sempre invejou a vida que algumas meninas levavam, tendo sempre um belo carro, para buscá-las na escola. Por algum motivo se identificava com aquela mulher e até queria ser como ela, um dia.

— Concordo com a senhora! Mas, como nos conhece tão bem? És mãe de uma das líderes de torcida ou faz parte da diretoria? Como invejo aquelas garotas... — sorriu.

— Sem a "senhora", sim? Me chame de você. Somos amigas, agora não perderemos tempo com estes detalhes, minha querida! Te acho tão parecida comigo. — falou, ajeitando uma mecha do cabelo da menina para trás da orelha. — Acho que você está sendo injustiçada e gostaria de poder ajudá-la.

— Não sei como você poderia... — falou, fingindo tristeza.

— Conte para mim, qual seria seu maior desejo. Desabafe comigo... — sua voz era doce e sussurrante.

Vanusa estava encantada com aquela mulher fascinante de belos olhos verdes. Resolveu, portanto, contar as últimas da irmã e inventar mentiras sórdidas, fazendo-se de vítima. As lágrimas corriam pelo rosto.

— Não chore, meu bem... Pobre garotinha frágil... Venha, desabafe no meu ombro! — Abraçou-a contra o peito. — O que você mais deseja?

— Que ela sumisse na frente dos meus olhos! Que eu nunca mais pudesse vê-la na minha frente! — falava com a voz abafada, pelo abraço. — Quero acordar e nunca mais enxergar minha irmã novamente! Como odeio ter que encará-la todos os dias! Não suporto ter que enxergar minha irmã e sua bondade insuportável! — disse em um gemido, carregado de ódio.

Chorava copiosamente, encostando a cabeça no ombro da desconhecida, novamente. O perfume dela era cítrico e entrou nas narinas de Vanusa, deixando-a torpe e hipnotizada.

— Venha, meu bem... — disse, afastando-a e segurando seus ombros, com delicadeza. — Vou levá-la para casa no meu carro. Você não me parece bem e está precisando repousar. Nada como um banho relaxante e uma boa noite de sono.

— Sim. Eu aceitarei. Obrigada. — tentou sorrir. — Você é tão perfeita! Como é seu nome, mesmo?

— Hum... Pode me chamar de Invidia. — estendeu o braço, segurando a mão da garota. — Quem sabe, amanhã, ao acordar, tudo será diferente? — sorriu, guiando-a até onde o carro estava estacionado.

— Duvido muito! Mas seria maravilhoso não ver mais a cara daquela infeliz!

— Tome cuidado com o que deseja, garotinha linda. — sussurrou. — Quando menos esperamos, nossos desejos se realizam literalmente. — sorriu.

— Estou me sentindo estranha...

— São suas emoções. Vou ajudá-la.

A bela mulher estava muito bem vestida, em um caríssimo terno feminino de alfaiataria, em um tom de verde-escuro. Levou-a até o carro de luxo, esperando que ela se acomodasse no banco do carona. Fechou a porta, fazendo a volta e sentando ao lado de Vanusa.

Foi dirigindo em silêncio, enquanto Van, entorpecida pelo perfume, apenas fechou os olhos.

— Estou tão sonolenta... — sussurrou, num fio de voz.

— Durma!

Quando abriu os olhos, já estava em frente à sua casa. E antes de se despedir, virou-se para a mulher na direção.

— Obrigada... Como se chama mesmo? Acho que esqueci...

Vanusa sentiu uma vertigem e achou que era por conta do seu estado emocional e o perfume daquela mulher. A estranha ajudou-a até chegar na soleira da sua casa.

— Não se preocupe com isso. — respondeu, sem emoção alguma na voz. — Apenas se lembre de que o seu desejo logo será realizado! Agora, adeusinho! — terminou a frase soltando uma risada gélida.

A garota teve a nítida sensação de ver o colar em forma de cobra criar vida própria, se enroscando ainda mais no pescoço alvo da mulher. Viu quando ela entrou no carro e se afastou em alta velocidade, deixando um rastro de poeira.

— Adeus... Inveja, Invidia. Sei lá... — gemeu, baixinho.

Sentia um gosto ácido de inveja em sua boca. Queria ter a vida que aquela mulher levava, sonhando com um futuro assim. Seu corpo começou a doer, entrando em casa e resolveu seguir o conselho da mulher elegante. Deitou-se em sua cama, logo que chegou, adormecendo profundamente em poucos segundos.

No dia seguinte, ao acordar, sentiu uma sensação estranha de formigamento nos olhos. Esfregou com as mãos, ainda sonolentas, na esperança de diminuir a irritação ocular, que só aumentava.

— Que coceira estranha... — disse, ainda entorpecida.

Quando tentou abrir os olhos, se deu por conta que não conseguia ver nada à sua frente.

— Mãe! Mamãe! — gritava com todas as forças. — Me ajuda! — o grito ecoava pela casa, assustando à todos.

— Minha filha! O que houve? O que aconteceu? O que está sentindo?

Vanusa percebeu, enfim, que seu desejo havia sido realizado literalmente. Estava completamente cega e jamais veria sua irmã novamente.

— Eu estou cega, mãe! Estou cega! Mãe! Não! Não!

Seu grito, um eco da alma em agonia, rompeu o silêncio como um trovão numa noite escura, antes que ela desabasse no chão, inconsciente, como uma estrela cadente, mergulhando num abismo. Naquele instante, ela compreendeu a amarga colheita dos frutos envenenados da inveja, que, como uma venda sutil sobre os olhos da razão, obscurece a visão da verdadeira essência da vida.

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