XII | Orgulho
[...] O ego dos anjos mostrou-se maior do que suas próprias qualidades, entretanto. Estavam cheios si, dominados por uma soberba que apenas Deus costumava possuir. Quando Adão e Eva foram lançados à própria sorte, aqueles que os denunciaram orgulhavam-se de si mesmos, dando origem ao egoísmo, sentimento onde apenas si próprio merece amor e admiração. O pecado do orgulho levou um a um àqueles que não viam o errado nas próprias palavras, e as mesmas carregaram-lhes como uma bandeja de prata, diretamente à morada dos pecadores."
[...]
Sana jogou sua cabeça para trás, farta de ouvir as mesmas palavras por horas e horas. Aquele depoimento estava desgastando a todos, principalmente a ambas as detetives que tentaram de todas as formas encontrar a assassina nas lembranças de uma vítima em pânico. O homem não seria indiciado pelo assassinato de Cho Miyeon, visto que ele tinha uma arma apontada para a cabeça enquanto executava as ordens de Jane Doe. Era desesperador vê-lo do outro lado daquele vidro, tremendo-se como um animal durante os tempos de inverno. O indivíduo de 46 anos e estatura média estava sentado na pequena sala de interrogação junto a Chou Tzuyu, que fazia as perguntas. Minatozaki deveria estar lhe fazendo companhia, mas Jeon Soyeon concordou que a mais nova merecia um descanso àquele ponto. Ela nunca negou ser uma mulher com os nervos à flor da pele, mas já envolta daquele caso, nada poderia livrar seus pensamentos dele. A de cabelos curtos bufou todas as vezes que a memória veio à tona, como podia ter deixado a assassina fugir daquela forma? Quem era ela? E por que poupou sua vida no ocorrido em que se esbarraram?
A porta é destrancada e eles saem de dentro da pequena sala branca. A silhueta da vítima é a primeira a ser revelada, naquela mesma tensão anterior. O homem é guiado por um policial até o telefone mais próximo, procedimento necessário para informar um familiar onde ele estava e se alguém poderia vir buscá-lo. Tzuyu procura pela extensão da sala, até encontrar os olhos de Sana, fazendo seus passos até ela.
— Você está bem? — pergunta a mais velha.
— Dentro do possível, acho que não aguentaria ouvi-lo por mais uma hora.
— Felizmente finalizamos, o coitado vai precisar frequentar um terapeuta pelo resto da vida.
— Não acho que ele é um coitado, esse filho da puta provavelmente tem uma mulher o esperando em casa e ele estava em pleno horário de almoço com uma prostituta.
— Não seria o primeiro caso de toda forma, costumamos ver esse tipo de coisa sempre, então melhor se acostumar.
— Eu só não tenho pena de caras como ele.
— Muito menos eu, Minatozaki.
A mais alta procura uma brecha e se enfia nos braços da outra detetive, sentando-se em seu colo enquanto encosta todo seu corpo sobre ela. Sana arfou em seu pescoço, levando todos os pelos do corpo de Chou a se arrepiarem. Durante um tempo, elas se concentraram em apenas ficar ali, abraçadas. Mas havia muito desejo reprimido de ambas as partes, e hora ou outra daquele pequeno instante, elas se chocaram.
Chou estava de frente para Sana agora, com as pernas travadas em sua cintura. Se não fosse por tantas camadas de roupa, suas intimidades se tocariam naquele momento. Só de pensar naquela possibilidade, a mais velha morde seus lábios, ganhando um beijo molhado como recompensa por tamanha sensualidade. Ela, involuntariamente, inicia um rebolar no colo da colega de trabalho, esfregando-se, mesmo por cima das roupas, para aliviar o tesão que se espalhava pelo seu sangue quente. Minatozaki não perdeu tempo e levou as mãos discretamente aos seus peitos, levemente acariciando seus mamilos até que pudesse senti-los rígidos na ponta de seus indicadores. Chou cravou as mãos em seus cabelos, e uma quase relação sexual acontecia, já que a mais nova tinha a detetive mais experiente esfregando-se em sua coxa quase que desesperadamente.
Alguém bate na porta da pequena sala, fazendo com que Tzuyu, ofegante, voasse ao outro lado da sala e rapidamente disfarçasse o que acontecia.
— Entre. — diz Sana.
Jeon Soyeon passou pela porta de madeira, não percebendo a tensão sexual que acabara de atrever-se a atrapalhar. Ela segurava um pequeno bilhete em mãos e sua expressão era de extremo cansaço.
— Vocês precisam seguir para esse endereço. — diz ela, entregando o papel a Tzuyu.
— O que aconteceu?
— Mais um assassinato.
• • •
Tzuyu bate a porta da Land Rover com tanta força que poderia derrubá-la, não tendo certeza se era por culpa do assassino ter feito mais uma vítima ou de Jeon ter atrapalhado o momento mais aguardado por ela em dias. Ela dá a volta e observa Sana, que estava com a postura endurecida de tanta tensão.
— Nós nunca vamos pegá-la, não é?
— Vamos, Minatozaki, você não confia em mim?
— Eu confio em você, mas não confio em mim mesma para isso.
— Pois eu confio, você é uma excelente detetive.
A mais nova abaixa os olhos, fingindo distrair-se com uma folha que voava pela calçada. Tzuyu, dentre mil sentimentos, era capaz de reconhecer aquele. Decepção, não com o mundo ao seu redor, mas com o mundo dentro de si. Uma infinidade de sentimentos culposos e carregados de desesperança. Ver Minatozaki daquela maneira inesperadamente mexeu com Chou, que pega na mãos da colega, rapidamente entrelaçando seus dedos aos dela. Sana olhava para ela como quem aceita aquele conforto, sendo ele o melhor de todo o mundo. A mais nova sorriu, e foi nesse minuto que Tzuyu soube: estava apaixonada pela Detetive Minatozaki e seria capaz de fazer qualquer coisa por ela.
— Vamos entrar? — pergunta a mais alta.
— Vamos.
Elas não soltaram as mãos até chegarem ao quarto do apartamento de luxo, onde o próximo corpo fora descoberto pouco tempo antes. Im Nayeon 26 anos, cidadã Coreana. Uma grande apresentadora de televisão de um dos principais canais da Coréia, sendo uma mulher muito conhecida e influente no mundo da comunicação. Seu corpo estava sobre a própria cama, debaixo da grande pintura feita de seu rosto. "Orgulho" fora escrito com sangue na mesma. A moça tinha muitas como aquela espalhadas pela casa e em todas as artes ou fotografias de si mesma, parte do seu rosto fora arrancado. Já na cena, a face da jovem estava banhada no próprio sangue, coberta por esparadrapo branco. Seus braços estavam abertos, e em cada uma das mãos, um objeto foi colado. Na mão esquerda, uma caixa de remédios para dormir; Na mão direita, um telefone sem fio.
— O que temos até agora? — pergunta Sana.
— Bem, o nariz foi cortado. — conta a policial Wendy — mas não acredito que a hemorragia tenho sido a causa da morte, já que o esparadrapo estancou o sangue.
— Bilhetes?
— Sim, temos este.
[...] Mortais cheios de si próprios, o suficiente para nunca precisarem cederem ao orgulho que construíram como uma torre sob suas cabeças. Quando a mesma desmorona, quem as reconstrói? Faça certo desta vez, sua vida depende de você mesmo."
— O que ela quis dizer com "faça certo desta vez?" — Minatozaki analisa.
Tzuyu se aproxima do corpo de Nayeon, crente que tudo aquilo se tratava de uma grande metáfora.
— Faça a escolha certa. — diz Chou — Foi isso que ela quis dizer.
— O remédio ou o telefone?
— Exato. — ela aponta para o buraco deixado na face de Im — Aqui temos uma pessoa orgulhosa. Ela construiu uma torre sobre si mesma onde ela fica acima de todos. Quando essa torre é derrubada, ou seja, quando ela precisa de ajuda, a decisão cabe exclusivamente a ela.
— Peça ajuda e fique marcada para o resto da vida ou acabe com tudo por si mesma.
— Por isso o telefone e a caixa de remédios para dormir. Ela teve a chance de ligar para alguém, mas ela não o fez porque sabia que jamais seria a mesma mulher bonita de antes. A assassina entrou na cabeça dela e pensou exatamente como ela pensaria, foi uma espécie de tortura psicológica. — supõe — Chequem a cartela de comprimidos.
Wendy retira-a com cuidado de dentro da caixa, percebendo que a mesma se encontrava vazia, reforçando a teoria de Tzuyu.
— Está vazia. — mostra Wendy.
— Ela se suicidou por amor próprio, uau. — comenta Minatozaki.
— Faltam apenas dois crimes, se eles acontecerem, talvez Jane Doe desapareça.
— Vamos pegar essa filha da puta, Tzuyu.
A perícia chega ao apartamento, recolhendo evidências e fotografando os mínimos detalhes. A pequena brincadeira de Jane Doe parecia estar chegando ao fim; Uma corda amarrada envolta dos pescoços das detetives. Ninguém fora visto entrando ou saindo do prédio, e aquela altura, a mídia já anunciava a morte da famosa apresentadora na televisão. O corpo foi recolhido e a área isolada. Tzuyu e Sana acompanhavam tudo a distância, divididas entre focar na investigação ou no que rolava entre aqueles toques calorosos dados hora ou outra.
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