V | Jantar
"[...] Foram postos dois lugares na mesa, um em cada ponta. Deus, desconfiado do Diabo, não arrancou seus olhos da Besta, negando até a mais tentadora das taças de vinho. O Diabo, maquiavélico desde o princípio, não mandou envenenar a comida ou o vinho. Lúcifer gargalhou durante todo o banquete, visto que Deus perdeu seu precioso tempo desconfiado das intenções do inimigo, que sequer notou que sentava-se sobre um trono de ossos arrancados em sacrifício. "Quais suas intenções? Estas são boas?", pergunta o Pai. "De boas intenções o Inferno está cheio, meu caro", rebateu a Besta, brindando à vitória."
[...]
Uma tempestade castigava a cidade de Seul na manhã daquela quinta-feira. Sana abandona sua capa de chuva na entrada no Departamento e ajeita seus cabelos que pareciam mais despenteados do que molhados. Desta vez ela usava as madeixas soltas e podia sentir quando as pontas tocavam seus ombros. "Cresceu bastante", ela pensa.
Era verdade que os últimos dias tinham sido chuvosos e a previsão não era muito animadora para o final de semana, mas àquele ponto, as trovoadas pareciam acontecer mesmo dentro da cabeça de Minatozaki. Muitos questionamentos sobre os casos anteriores a deixavam sem dormir durante a noite, o que estava resultando em olheiras gigantes e muita dor de cabeça. A mídia não os deixavam esquecer de que o caso estava em aberto e precisava prosseguir rapidamente, as pessoas estavam com medo do novo serial killer. A mais Baixa esfrega seu rosto e foca seu olhar para as mesas onde seus colegas já tinham iniciado seus trabalhos. Uma pequena figura se aproxima com uma papelada em mãos e um sorriso simpático, fazendo seu caminho até a Detetive.
— Detetive! — ela interrompe sua pequena corrida até Sana e ofega, buscando por ar — Eu fiz toda a pesquisa que você pediu e não havia nenhum tipo de relação entre Larissa Ayumi e Lalisa Manoban.
— Muito bem, Jennie, eu agradeço sua dedicação.
— Obrigada, Detetive. — Kim sente seu rosto corar pelo elogio — Tem mais uma coisa.
— O que?
— A Detetive... Ex-Detetive Chou deixou um envelope na sua mesa antes de sair para uma verificação.
— Um envelope?
— Sim, está escrito "Detetive Minatozaki", mas eu não abri, eu juro.
— Está bem, obrigada, Jennie.
Kim assente, afastando-se depressa em direção a sua mesa, onde volta a se concentrar em suas funções. Sana ajeita seu cabelo mais uma vez, guardando o celular o qual usava como espelho logo em seguida. Ela dá longos passos até sua sala, que ficava do outro lado da entrada. A porta estava fechada, mas não trancada — Tzuyu ainda estava em posse da chave. Minatozaki acende as luzes e logo pode observar o envelope do qual Jennie se referiu. "Detetive Minatozaki" fora deixado do lado de fora, traçado numa caligrafia jeitosa. A jovem toma o pequeno pacotinho em mãos, abrindo-o e se deparando com um pequeno livro recentemente impresso e uma carta.
"Detetive Minatozaki, estive durante a noite na biblioteca e consegui algumas coisas para te ajudar. Estou verificando outro caso hoje, um dos meus antigos vai a julgamento e eu preciso estar lá, então espero que prossiga sozinha. Encontrei a frase usada pelo assassino na cena da "Gula", foi retirada de um livro chamado "A Bíblia dos Pecados" do escritor J.R. Watson. Se trata de uma série de contos onde mostra a criação dos sete pecados capitais, onde Deus e o Diabo trabalham lado a lado para criá-los. Ele é grande e muitas partes não são importantes, mas encontrei uma versão resumida dos contos e as imprimi para você dar uma olhada. Verifique se você encontra a frase usada na cena da "Ganância".
Espero ter lhe ajudado, agora é com você.
Ps: te vejo a noite em sua casa para o jantar, se quiser podemos discutir sobre os casos, então recomendo que leia essa versão resumida ainda hoje.
Detetive Chou Tzuyu."
O jantar, Sana tinha se esquecido completamente dele. Pensar em ter a grande Detetive Chou em sua casa discutindo casos na mesa do jantar, era uma ideia surreal que parecia impossível de se concretizar. Minatozaki precisava se assegurar de fazer a leitura de "A Bíblia dos Pecados — Versão Resumida" o quanto antes. A mais alta se senta em sua cadeira e abre o livrinho de 486 páginas, mantendo seu foco na história que o livro contava.
O relógio registrava a passagem das horas, quase como se estivesse se apressado para levar Chou Tzuyu até a residência de Minatozaki. Quando a mais nova lê a última página do livro, percebe o cansaço em seus olhos. Ela os esfrega, só então os direcionando para o relógio na parede: 18h24. Ela abre a gaveta apressada e guarda a carta e o livro, colocando-se de pé em seguida. A chuva havia parado do lado de fora, o que parecia ser um bom sinal. Sana apanha seu casaco e sua capa de chuva e deixa o Departamento, torcendo para que o trânsito não a prendesse tempo demais.
• • •
A campainha da casa soou às 20h06 da noite, anunciando a chegada da Detetive. Sana termina de ajeitar os cabelos no espelho, enquanto pode ouvir sua irmã abrindo a porta. Minatozaki usava um simples e discreto vestido preto de mangas curtas, completamente fechado na parte de cima. Seu comprimento ia até a metade de suas coxas, deixando o resto de suas pernas à mostra. Seus cabelos tom de mel estavam soltos e recentemente lavados, finalizados com alguns cachos bagunçados. Os lábios, Sana tingiu de cor-de-rosa nude, o toque final de sua maquiagem simples camada de maquiagem. Os olhos tinham uma sombra marrom discreta, sendo traçados de ponta a ponta com delineador preto. Sana corre até o armário e espirra um pouco de perfume de lavanda em seu pescoço, ouvindo o chamado de Jinni logo em seguida.
Enquanto desce as escadas, Minatozaki pode observar Jinni trajada em um vestido florido de alças finas. Estava parada sob a porta, a receber a Detetive Chou. Os olhos de Minatozaki Sana se movem em sua direção, analisando seus trajes de cima à baixo. Chou vestia um pesado casaco de frio marrom, o qual foi removido e pendurado no cabideiro. Chou usava uma blusa preta de gola alta e mangas compridas, dentro de uma calça cinza muito elegante, presa em seu abdômen por um cinto preto de couro. Por cima da blusa, ela usava um colar bonito, seu pingente era azul. Nos pés, a mais velha calçava botas curtas de salto, o que a deixava bem maior que sua irmã, Jinni, que sempre fora baixa, mesmo usando palmilhas nos sapatos para aumentar sua estatura. Por fim, o que mais chamou a atenção de Sana fora os lábios pintados de vermelho; Um vermelho vivo, tentador. Minatozaki tropeça nos próprios pés enquanto descia os degraus, não estava acostumada a usar scarpins. Os olhos de Tzuyu encontram os seus, e mesmo que estivesse nervosa por dentro, Sana sorri.
— Detetive. — Tzuyu a cumprimenta.
— Bem vinda, Detetive. — diz Sana — O jantar já está pronto, Jinni?
— Está, me ajuda a colocar a mesa?
— Claro.
Sana termina sua descida e caminha em direção a sala de jantar, ajudando Choi Yun Jin a organizar os pratos e talheres. Tzuyu se oferece para ajudar em algum momento, mas Jinni faz questão de agradar a mais velha. Quanto tudo está sob a mesa, Choi pede para que a Detetive se sente. Tzuyu se aproxima e Sana faz questão de puxar a cadeira para que a Detetive se sente. Chou agradece, sentindo um arrepio em sua espinha ao quase ser tocada pela mais nova.
— Espero que gostem, preparei tudo com muito carinho. — diz Jinni.
Frente a frente, Sana e Tzuyu comiam, sempre deixando os olhares escaparem uma até a outra, vezes se encontrando.
[...]
— [...] E assim foi a minha primeira prisão. — Tzuyu termina de contar a história que começara — Minhas pernas tremiam tanto, eu só queria voltar correndo para casa.
Jinni e Sana riam enquanto a mais velha servia as taças com mais um pouco de vinho. Era surpreendente o quanto Tzuyu podia ser engraçada por baixo daquela pose de megera, Sana nunca teria imaginado aquela face da Detetive.
— Caramba, todo esse vinho me deu sono. — murmura Jinni — Vocês se importariam se eu me recolhesse? Tenho aula pela manhã.
— De forma alguma. — diz Chou — Eu e sua irmã vamos trabalhar, é melhor que você vá.
Choi despede-se da visitante, dizendo mais uma vez que havia adorado lhe conhecer. Sana leva os pratos até a cozinha, onde começa a lavá-los. Assim que Jinni se retira, Minatozaki pode sentir os olhos de Tzuyu em suas costas. A mais velha estava estacionada na porta da cozinha a observá-la em silêncio. Sana engole seco, se sentia nervosa quando Chou Tzuyu aquilo. Ela desequilibra um dos copos, que só não vai ao chão porque uma mão aparece e o salva. Minatozaki abaixa seus olhos e pode ver Chou, a fitá-la enquanto leva o copo de volta a pia.
— Obrigada... — diz Sana.
Tzuyu estava tão próxima que podia ver os pelos do braço de Sana completamente arrepiados. Ela gostava de saber que causava esse efeito na mais nova. Chou sorri.
— Termine logo, precisamos trabalhar.
Sana se apressa, terminando rapidamente de lavar os pratos. Tzuyu estava na sala, a observar fotos dos dois crimes enquanto saboreava mais uma taça de vinho. A mais nova se une a ela, onde começam a discutir sobre o C.C.C.
— Qual foi a frase deixada pelo assassino na segunda cena do crime? — pergunta Tzuyu, vendo Minatozaki procurar na pasta de fotografias a que ela queria.
"[...] Meio quilo de carne, cuidadosamente separada dos ossos e da pele. O Diabo fez deste seu preço, nenhuma grama a mais ou a menos. Bastava ter sob seus olhos a desfiguração do pecado, a mais castigante das torturas. "Me dê meio quilo de tudo o que tens", disse. "E quando não tiveres mais o que dar, ofereça-me sua própria carne."
— Eu me lembro de ter lido essa frase no livro. — comenta Chou — Estava no capítulo da Ganância.
— Exato. — diz Minatozaki — Eu tenho uma teoria.
— Diga-me.
— E se o serial killer pensa que é um personagem do livro? O narrador, por exemplo.
— Não tenho certeza, o livro é narrado em terceira pessoa, não há menção sobre o narrador dentro história.
— Mas ele não precisa estar dentro da história, ele só precisa narrá-la. — Sana procura uma das fotografias — Está vendo? Na cena de Lalisa Manoban há uma balança com meio quilo das próprias vísceras de Lalisa. "Me dê meio quilo de tudo o que tens e quando não tiveres mais o que dar, ofereça-me sua própria carne". E se o cabelo cortado, o dinheiro e as roupas rasgadas fossem tudo o que ela tinha a oferecer?
— E então ela ofereceu a própria carne no final. — conclui Chou — A cadeira estava cheia de suor, o assassino provavelmente a fez sentar-se e pensar durante horas qual parte ela cortaria primeiro.
— Isso confirma a teoria de que a própria Lalisa fez os ferimentos a faca. Ele provavelmente apontava uma arma para ela, obrigando-a. Ela tentou dar a ele o dinheiro que guardava no cofre, mas ele não queria dinheiro, ele queria que ela desse tudo o que ela tinha com ela. Primeiro os cabelos, depois as roupas e por último, ela deu a carne.
— Faz todo o sentido, você é boa de enigmas, Minatozaki.
— Mas só uma coisa não entra na minha cabeça. — ela remexe nas fotos espalhadas pela mesa — Tinha a foto de uma garota na mesa de Lalisa e os olhos dela foram circulados com sangue.
— É Chonnasorn Sajakul , irmã caçula de Lalisa Manoban, andei pesquisando sobre a vida dela. Ela ainda mora na Tailandia onde estuda Pedagogia.
— Mas por que ele circularia os olhos dela com sangue? O que poderia significar? Tzuyu leva a taça de vinho até seus lábios e beberica o líquido, voltando sua atenção até a foto.
— Talvez ele possa estar insinuando que ela saiba algo que não sabemos. — diz.
— O que por exemplo? Alguma desavença da irmã?
— Não, acho que tem a ver com a cena do crime. Talvez Sajakul saiba reconhecer algo que não soubemos.
— Temos que falar com ela.
— Devo concordar, ainda não interrogamos ninguém. Precisamos aproveitar que ela veio a Seul para o funeral.
Tzuyu mexe nos seus longos cabelos castanhos que se esparramavam por seus ombros. Seu perfume era forte, Minatozaki não sabia identificar a fragrância daquele, mas sabia que se tratava de um perfume masculino. Tzuyu tentava concentrar-se nas teorias que criara há pouco, mas aquela feição, aquela maldita feição a tirava do controle. Não podia entender porquê Chou mexia tanto consigo, mal a conhecia. É fato que sempre foi uma grande fã do trabalho da Detetive, mas quando realmente a conheceu teve ideia do quanto a Detetive Chou era diferente da pessoa Chou Tzuyu. Mas naquela noite, tudo o que Minatozaki parecia saber sobre ambas as personalidades da mais velha era precipitado. Tzuyu riu, bebeu e contou histórias, algo que ninguém do Departamento a imaginaria fazendo. A mais velha parecia tão relaxada agora, seu pescoço jogava sua cabeça para trás, encostando-a no sofá. Seus olhos pareciam perdidos nos próprios pensamentos, coisa essa que Minatozaki também fazia sem perceber.
— Minatozaki. — Tzuyu a chama — Posso perguntar uma coisa?
— Po...Pode.
Chou joga seu corpo para a frente, aproximando sua face de Sana, que quase podia sentir a respiração de Tzuyu batendo contra sua pele. O perfume parecia mais forte agora, o cheiro era tão bom que Minatozaki não podia desviar seu olhar. A mais velha sorri e seus olhos estavam nos lábios de Minatozaki agora.
— Você me acha interessante? — pergunta Chou.
— Eu... Eu...
Tzuyu tenta outra aproximação e a qualquer momento Sana sabia o que poderia acontecer. Tal possibilidade fazia com que as mãos de Minatozaki tremessem tanto que desesperadamente, ela tenta salvar seu copo de vinho, falhando na tarefa. A taça se vira sobre Tzuyu, que se levanta rapidamente, tentando entender o que acabara de acontecer.
— Puta merda, me desculpa, Tzuyu. — Sana salta do sofá — Vou pegar uma toalha...
— Está tudo bem, Minatozaki. — interrompe-a — Acho melhor eu ir, está ficando tarde.
— Me desculpa mesmo, eu...
— Eu disse que está tudo bem, Minatozaki.
Vergonhosamente, Sana leva Tzuyu até a porta, esperando pelo carro de aplicativo que vinha buscá-la. Chou agradece Sana pelo jantar e a mesma abre a porta do carro para a mais velha, tentando reparar o erro que havia cometido.
— Amanhã interrogaremos Chonnasorn Sajakul. — comenta Chou— Ok?
— Ok...
— Ah, Minatozaki, antes que eu me esqueça. — ela sorri — Você fica bem com os cabelos soltos.
— Você acha mesmo?...
— Boa noite, Minatozaki.
Tzuyu fecha o vidro e em poucos segundos o carro preto desaparece pela rua. Sana ficou parada sob a calçada, a pensar no clima estranho que havia rolado naquela noite. É coisa da minha cabeça, ela não estava flertando.", tenta se convencer.
— Você é uma idiota, Minatozaki Sana. — diz a si mesma em voz alta, recolhendo-se para dentro.
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