IV | Crime Capital
"[...] E do desejo, nasceu o pecado, uma ânsia dos homens por quebrar as leis de Deus. Sete caminhos que cruzam-se e levam ao tormento. O Diabo é o maior dos pecadores e os mortais, receberam o dom de desejar de seu próprio Deus; "Ignore tua gana e eu lhes darei o Paraíso; Entregue-se a ela e receberás o Inferno."
[...]
Desacostumada a tamanha formalidade, Minatozaki Sana se convence da grande exaustão que é manter a pose de Detetive. A manhã mal começara e todas aquelas pessoas lhe desejavam um bom dia de trabalho, mesmo que aquela fosse a primeira vez que aqueles olhos cruzaram-se pelos corredores do Departamento. Sana começava a acreditar no seu novo posto, mesmo que recém-assumido. A jovem sorri após passar por um dos policiais e o mesmo acenar em respeito com a cabeça. Minatozaki, ainda tímida, devolveu o gesto e seguiu seu caminho cheia de si, parando em frente ao elevador, enquanto aguardava sua chegada. Surpreendida pelo jogo do destino, dentro dele estava Chou Tzuyu, que provavelmente estaria subindo ao Departamento após estacionar sua Land Rover preta no subsolo. Minatozaki adentra, sabendo que os oito andares acimas teriam um clima desagradável.
— Bom dia. — tenta ser formal, mas percebendo um certo ar de julgamento provindo da mais velha, que lhe joga um rápido olhar.
— Está atrasada. — Tzuyu murmura, olhando de relance o relógio elegante em seu pulso.
— Marquei uma reunião com a Dirigente Song na sala dela.
— Qual o assunto?
— Você saberá na hora certa.
— Não poderia me adiantar?
— Por que a pressa, novata? As coisas não são assim.
Tzuyu sorri como o Diabo sorriria ao ser temido por um mortal. A porta do elevador se abre e ela dispara em direção ao lado de fora, a deixar Minatozaki Sana comendo sua poeira. A mais nova parecia hipnotizada com sua forma de andar, até mesmo o barulho dos seus scarpins contra o piso de madeira era elegante e superior ao de qualquer alma naquele departamento. A porta ameaça se fechar novamente, sendo interrompida pelo brusco movimento de Minatozaki, que deixa seus pensamentos e parte para dentro do local. Chou Tzuyu costumava ser alguém a idolatrar, o que ela não tinha deixado de fazer, mesmo após conhecer a fera. Algo naquela mulher fazia com que até mesmo seus gestos mais simples se tornassem brilhantes diante dos olhos de Sana, era assustador como Tzuyu conseguia ser odiada e cativada ao mesmo tempo — pela mesma pessoa.
Minatozaki ajeita sua postura antes de bater na porta de Jeon Soyeon, que já aguardava pela presença de sua detetive. Toc, toc. A mais velha faz questão de abrir a mesma, revelando a presença de Chou Tzuyu a aguardar pela reunião. Sana abaixa a cabeça e caminha para dentro do escritório, sentando-se na cadeira reservada para si. Tzuyu se coloca de pé, passando ao lado da mais nova, fazendo com que os pelos de seu braço se tornassem eretos pelo quase toque. Minatozaki torna a concentrar-se no objetivo que a trouxera até ali.
— Encontrei isso na cena do crime de Larissa Ayumi. — ela joga um saco plástico contendo um bilhete em seu interior.
— E estava escrito "Gula" com gordura.
— Como deixamos isso passar? — questiona Soyeon.
— Estava atrás da geladeira, eu estive lá ontem a noite.
— Por que estou aqui se o caso não me pertence?
— Aí que você se engana, Minatozaki. — Chou se aproxima e toca o ombro da coreana, que levanta seus olhos até as mãos grandes e marcadas por vênulas de Chou Tzuyu — O seu caso e o meu estão interligados.
— O que te fez chegar a essa conclusão?
— Há sete pecados capitais: Gula, Ganância, Luxúria, Ira, Orgulho, Preguiça e Inveja...
Tzuyu descreve cada um deles no enorme quadro negro atrás de si, completando com riscos em ambos já ocorridos, descartando-os da lista. A mais velha bate as mãos em suas próprias coxas, livrando-se do restículo de giz em seus dedos.
— Gula e Ganância foram só os primeiros. Podem esperar mais cinco assassinatos. — completa.
— Está insinuando que...
— Temos um serial killer. — conclui Sana, interrompendo o raciocínio de Soyeon — Eu adoraria ficar com o caso se me permite.
— Os assassinatos estão interligados, qual parte você não entendeu? O caso pertence a nós duas, novata.
— Espera, não posso designar duas detetives para apenas um caso, há muito mais trabalho a ser feito. — comenta Jeon.
— Deixe com a polícia coreana e a I.C.S, esse caso é de interesse da D.I.C e precisamos concentrar todas as nossas forças nele, antes que os próximos assassinatos aconteçam.
— Está me dizendo que vamos trabalhar juntas no caso? — pergunta Sana.
— Elementar, minha cara Minatozaki.
— Bem, espero que pelo menos essa união faça uma prisão depressa, não queremos um escândalo dessa proporção. — encerra Jeon — Ao trabalho, Detetives!
Sana se levanta, sentindo o fitar de Tzuyu. A novata é a primeira a deixar o escritório da Dirigente, seguida pela mais experimente no ramo. Ainda sentia sua pele arder atrás de si, Chou não podia mover seu olhar para longe de Sana. A nova detetive era de longe a mais impaciente que Tzuyu já conhecera, mas não, Sana não era ingênua, sabia como jogar o jogo. Era tão capaz quanto Chou de resolver aquele enigma, mas de alguma forma, Tzuyu sentia que era preciso ambos os raciocínios. Opiniões da mais experiente e a sede da recém-contratada, o caso era complexo demais para apenas uma mente brilhante.
[...]
Pela primeira vez assumindo sua mesa, Sana se conforta em sua cadeira, sem saber realmente como prosseguir. No canto de seu escritório, fora improvisado um pequeno balcão onde Chou Tzuyu estava trabalhando, datilografando depoimentos e preenchendo alguns dados de casos sem ligação ao que foi chamado de C.C.C, ou, Caso Crime Capital. A ponderar, em busca de respostas que fizessem qualquer sentido em sua mente, Sana desperta após ouvir o telefone em sua mesa tocar.
— Devo atender? — questiona.
— Você é a detetive agora, Minatozaki, o telefone vem de brinde junto com a mesa.
Sana revira os olhos e leva a mão direita até o aparelho, atendendo-o.
— Detetive Minatozaki falando.
— Sannie? Como estão as coisas?
— Jinni o que combinamos sobre você me ligar no meu trabalho?
— Eu queria saber como você estava, sua chata.
— Estou bem, obrigada por se preocupar, maninha.
— A Detetive Chou está aí com você?
— Por que pergunta?
— Gostaria de trocar uma palavra com ela.
— E por quê?
— Sannie, você pergunta demais.
— É o que detetives fazem, Choi Yun Jin.
— Passe o telefone a ela, vamos.
Sana pigarreou, chamando a atenção de Chou, que volta seu olhar até a moça. Minatozaki estica seu braço até Chou, que a propósito, não entende de primeira o que a mais nova quer dizer com o gesto.
— É para você. — confirma.
— Para mim?
— Sim, Chou para você.
Tzuyu se coloca em pé e dá dois passos até a mesa que costumava lhe pertencer. A mais velha toma o telefone em mãos, curiosa sobre quem estaria do outro lado.
— Chou falando.
— Detetive Chou, meu nome é Choi Yun Jin, mas pode me chamar de Jinni, sou a irmã mais nova de Sana.
— Certo...
— É uma honra finalmente falar com a grande Detetive Chou, minha irmã é muito sua fã, sabia disso?
— É mesmo? Soa interessante...
Sana cora imaginando as mil formas de como Jinni poderia lhe constranger desta vez.
— Eu estava pensando, você teria interesse de vir a um jantar em nossa casa?
— Eu?
— Sim! Nós adoraríamos receber a grande Chou Tzuyu para um jantar.
— Bem, não tenho certeza...
— Amanhã a noite, certo?
— Tudo bem, se você insiste.
— Ótimo! Fico feliz que tenha aceitado o convite, Sana também vai ficar. Muito obrigada, Detetive Chou.
— Eu é quem agradeço, Senhorita Choi.
Encerrada a ligação, Chou retorna a sua mesa improvisada sem dizer uma palavra sequer, atiçando ainda mais a curiosidade de Minatozaki Sana. A mais nova retorna o telefone no gancho, movendo seu olhar até Tzuyu, aguardando por quaisquer respostas.
— O que foi? — pergunta Tzuyu, percebendo que estava sendo cruelmente encarada.
— O que ela disse?
— Ah, sua irmã é muito simpática, vou jantar na sua casa amanhã.
— Você vai o quê?
— Achei gentil da parte dela, uma grande fã do meu trabalho como você têm muita sorte. Gostaria de um autógrafo?
— Eu mato a Jinni... — murmura, enquanto ouve o riso irônico de Tzuyu de fundo.
• • •
Dado o fim do expediente, Chou Tzuyu não conseguia afastar-se do trabalho. Era uma mulher solitária e vazia, a D.I.C era tudo o que ela tinha. Esse era dos motivos pela qual estava deixando o cargo de detetive, queria algo diferente. Não suportaria mais viver como um ninguém, sem ter hora ou razão para voltar para casa. Precisava de motivos que ainda não tinha, mas os encontraria assim que sua vida mudasse. Chou dirige sua Land Rover preta pelas ruas de Seul, com um rumo certo em sua cabeça. Não, não voltaria para casa, mais uma vez, trabalharia até que suas feridas fossem esquecidas com um bom caso e uma garrafa de uísque caro.
Tzuyu estaciona o veículo no estacionamento privado da Biblioteca Municipal de Seul, a maior da Coréia do Sul. Era um lugar que ela costumava visitar muito, mas não durante o dia, já que esse era o pico da movimentação. A madrugada era o horário perfeito para desfrutar de uma boa leitura, mesmo que o estabelecimento estivesse fechado ao público. O som dos scarpins ecoam pela ruazinha vazia que dava nos fundos da biblioteca; Fazia frio naquela noite, Tzuyu se aperta em seu casaco na tentativa de tornar a temperatura de seu corpo um pouco mais favorável. Chou bate na porta dos fundos, por onde os funcionários costumam entrar. A detetive tinha amizade com todos do turno da noite, pessoas que gentilmente lhe deixavam ter acesso ao local sempre que ela quisesse.
— Detetive, você veio. — Choi Beomgyu , um dos seguranças da biblioteca, não deixa de estar feliz por vê-la — É uma ótima noite, os folgados estão jogando pôquer lá dentro.
— Como sempre, eles não trabalham não?
— Sou o único que zela pela segurança aqui, Detetive.
Ela sorri e agradece quando ele abre a porta para que ela adentre o ambiente. Tzuyu percorre um estreito corredor que levava a vários vestiários e estoques de livros até chegar a porta que dava acesso ao interior da biblioteca. Tzuyu podia ouvir de longe as risadas dos vigias noturnos, velhos amigos que mais passavam a noite jogando do que trabalhando no final. Tzuyu surge no campo de visão dos três, que saudam sua presença.
— Detetive Chou! — grita Huening Kai — Gostaria de jogar uma partida com a gente?
— Venha vai ser divertido! — acrescenta Kim Jisoo — a Rosé já ganhou três rodadas, essa maldita.
— Eu também amo você, docinho. — brinca Park Chaeyoung, apelidada por todos de Rosé — E aí Detetive? Você vem?
— Hoje não, pessoal. — diz Tzuyu — Estou aqui a trabalho, mas divirtam-se.
Eles dão de ombros e reiniciam a partida, evitando fazer tanto barulho quanto faziam anteriormente. Chou Tzuyu parte até as prateleiras, buscando livros sobre a religião cristã. De alguma forma, para entender a mente do assassino, elas precisavam entrar dentro dela através do que ele vinha transmitindo. Tzuyu juntou uma pequena coleção de clássicos da literatura e os carregou até a mesa, afundando seu rosto naquelas páginas. Com um pequeno caderninho, fora anotando tudo o que havia de mais importante neles, buscando sempre envolver os sete pecados capitais. Anotado consigo, Tzuyu carregava a frase escrita pelo serial killer na primeira cena do crime. Esperava encontrar diretamente o lugar de onde aquelas palavras eram provenientes, já que começavam com aspas, o que Tzuyu deduziu não serem inventadas e sim transcritas.
A noite passou num piscar de olhos, o relógio estava voando contra o tempo naquela madrugada. Entre livros e mais livros, Chou encontrou uma relíquia. Uma cópia única e envelhecida escondida no fundo de uma prateleira; A Bíblia dos Pecados, de J.R. Watson. De início, a capa pouco chamativa não atraiu a Detetive, que folheou as páginas rapidamente. O livro se parecia com um mini dicionário, sendo pequeno no tamanho porém volumoso na quantidade de páginas, um total de 2 mil. Revestido por uma capa dura de tom vinho, decorada nas laterais em dourado, o livro fora levado até a mesa da mulher, que quase se dava vencida pelo cansaço. Observando mais atentamente, várias frases do livro estavam marcadas por caneta vermelha, o que chamou-lhe a atenção. Uma rápida passada pelo sumário, Tzuyu procurou o capítulo que falava especificamente sobre a Gula, primeiro crime em questão; Página 185 do capítulo 7. E quase como Newton descobriu a gravidade através da maçã, Chou Tzuyu descobriu a origem do Crime Capital através de J.R. Watson.
— Está aqui, ele segue a Bíblia dos Pecados. — conclui vitoriosa — Temos o queijo, só precisamos da faca para cortá-lo.
A mulher fecha o livro e faz questão de devolvê-lo ao mesmo lugar onde encontrou. Pela primeira vez, Chou confere as horas no seu inseparável relógio de pulso, que marcava quase o início de uma manhã. A detetive despede-se dos vigias que haviam se cansado do pôquer depois de um tempo. De volta ao seu carro, ela finalmente sente-se pronta para voltar para casa, o que seria um visita breve, afinal, um novo dia começava e ela tinha talvez o caso mais importante de sua carreira em mãos.
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