O Último
Eu sabia que o fim do labirinto deveria estar próximo, eu tinha certeza que já havia passado por todos os acontecimentos da minha vida milhares de vezes, mas ainda assim eu não conseguia encontrar o que procurava. O brilho azul das paredes me irritava, como uma luz constante que deixava minha cabeça fraca e dolorida. Os fantasmas que puxavam meus braços estavam nas dezenas, suas vozes pálidas repetiam os acontecimentos na minha mente e eu me sentia cada vez mais horrível, uma pessoa desprezível, digna apenas de dar o que tinha em troca de uma morte rápida. Toda a minha vida tinha sido um grande nada, passado pela frente dos meus olhos como uma estrela cadente, e eu já havia decidido meu desejo. O que eles diriam nesse momento? Algo sobre o futuro, a infinidade de caminhos, as motivações humanas e o amor. Eu não era um herói, mas eu tinha a força que eles não tinham. Meu caminho não havia sido cheio de bondade e atos nobres, mas eu certamente não pretendia ter um fim miserável. Um último sacrifício, para limpar com sangue todos os meus atos falhos, conseguir perdão depois do fim.
Saber que em algum momento do futuro, as lembranças que teriam de mim seriam boas, ou ao menos neutras e agradecidas, era a minha única motivação. Eu precisava que alguém pensasse bem de mim depois da minha morte. Mesmo que de forma hipócrita, mesmo que de forma falsa, eu precisava de uma lápide bonita e crianças chorando, esse seria o meu único consolo. O meu grande erro foi pensar que uma bifurcação de dois caminhos só tem duas respostas, mas me manter parado foi a terceira opção, e de todos os caminhos possíveis que se desprendiam na minha frente, a minha vida foi vivida no começo, sem nunca caminhar para direção nenhuma.
Era como estar de frente para o mar, totalmente paralisado por sua grandeza e força, pensando em como começar a nadar, se prometendo que logo após a próxima onda, você terá coragem de se jogar nas águas e enfrentar os tombos. Ao meu redor, as pessoas tentavam, falhavam, tomavam tombos e se arrepiavam de frio cuspindo água e com os olhos ardendo debaixo do sol. Mas em algum momento, todos seguiam algum caminho, seja para triunfar sobre as ondas ou para afundar para dentro do mar cor de vinho. Mas eu, plantado no chão com os meus pés fincados na areia, apenas afundava mais com cada movimento, a areia cedendo depois de molhada, até que meu corpo inteiro era absorvido, e o menor movimento das águas tirava a minha respiração. Não existe nenhuma honra em morrer na praia. Mas o labirinto, ele era minha chance de redenção, eu aceitava o sofrimento de olhos abertos e queixo erguido, tudo valeria a pena no final.
— Você não deveria ter nascido Marcos. — A sombra dizia no meu ouvido. — O que você me trouxe de bom? Não cuidou de mim na velhice, morou comigo até o final da minha vida.
— Você não fez nada de bom para nós. — Uma dupla de crianças chorava. — Você sente tanta culpa que nunca conheceu seus sobrinhos.
— Eu devia ter acabado com você quando tive chance. — A voz de um homem. — Você sempre foi um rato.
— Você não me protegeu dos nossos pais. — Uma garota chorava. — Você assistiu enquanto tudo acontecia.
— Leve ele daqui. — Um policial gritava. — Essa criança não consegue nem falar, será inútil para a investigação.
Olhei para os meus pés, e quando achava que tudo havia chegado ao fim, encontrei o final do labirinto, uma clareira repleta de árvores com folhas azuis, uma certa de metal exibia suas pontas de forma pouco ameaçadora, e no meio, um trabalhado pilar de pedra se desprendia do chão de forma imponente. Eu corri para o seu lado e as inscrições na pedra soltaram guinchos agudos, todos as vozes pararam, todos os fantasmas sumiram, o guincho era a única coisa que se mantinha. E vindo de cima, um enorme pássaro me guiou para cima do pedestal, onde eu me deitei pela última vez, olhando para a lua vermelha. O céu escuro se abriu e milhões de estrelas de todas as cores se mexeram de forma frenética, as folhas azuis das árvores se balançaram com o vento de forma melódica.
O pássaro se precipitou no céu mais uma vez, suas asas abertas pareciam feitas de pedaços cinzas de metal, como se fossem colheres bem polidas, que se batiam e continuavam a sinfonia. Seu bico era alongado e fino, suas penas escuras como tinta o faziam sumir no céu. Seus pés terminavam em garras alongadas, um de seus tornozelos era marcado pelo que parecia ser sangue, como se alguém tivesse arrancado com força um aro que o prendia. Seria um fim glorioso, eu pensei, tentando manter a minha expressão calma. Não seria bom para mim demonstrar fraqueza em meus momentos finais. Passei as mãos no rosto de forma delicada, o toque humano, mesmo que fosse apenas o meu, me confortou, e eu encarei o pássaro de forma desafiadora.
Suas asas bateram com ainda mais força conforme ele pegava impulso, o vento se dobrava ao seu redor, era uma besta magnífica, seu corpo inteiro se esticou em uma linha reta, ele dobrou suas asas e veio para cima de mim, com a certeza de uma flecha que procura seu alvo. Estiquei meu corpo mais ainda, me preparando para o impacto, e antes que eu pudesse terminar minha inspiração, seu bico havia me perfurado de forma certeira. Conforme o sangue saía, senti meu corpo se tornar leve e aliviado, eu havia cumprido meu papel, havia sido corajoso, forte, e todas as qualidades heroicas que eu precisava pra prevalecer, e as imagens que se sucederam eram pintadas de um pálido azul, lápides grandiosas cheias de flores e pessoas chorando. Uma memória tão bonita a ponto de limpar toda uma vida desagradável. E se houvesse uma vida após a morte, eu seria recebido nela por querubins com cornetas e vestes brancas. Com esses pensamentos, fechei os olhos por uma última vez.
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