Hospital

Medo, desespero, terror. Medo se alimentando de medo, crescendo, inchando, uma enorme nuvem pesando meus olhos, me empurrando cada vez mais para baixo. Era como se um enorme peso estivesse me prensando na cama branca do hospital. Eu entendo como pequenos desafios são importantes, a vitória é muito mais doce quando você se esforça de verdade. Mas essa constante decepção, erro atrás de erro atrás de erro. Eu me pergunto se eu sou capaz. Porque eu?  Parece que eu estou nadando em um rio contra a correnteza, a água entrando pela minha garganta, o ar me fugindo aos pulmões, uma luta constante contra mim mesmo, contra o rio, e quando eu finalmente achei que seria capaz de chegar ao outro lado, me deparo com uma enorme cachoeira, uma queda certeira para cima das pedras, somente um final possível para a minha história. Mas quem se interessaria pela minha história? Qual proveito pode ser tirado de uma narração de constantes derrotas? Talvez eu estivesse sendo ingrato para com as coisas que conquistei, mas estar sentado imóvel nessa cama de hospital certamente estragou os meus ânimos.

Eu sempre soube o próximo passo, para onde ir, o que fazer. Meu futuro era como uma longa estrada com apenas um destino, mas era como correr em direção à uma pintura. Torrentes de chuvas e tempestades molharam a estrada de terra, transformando tudo em lama, e agora eu estava me arrastando por ela, incapaz de ver nada na frente ou atrás, eu estava perdido. E para um ser como eu estar perdido, algo muito ruim tinha acontecido. A morte teria sido um desvio, um pequeno imprevisto, mas estar preso em uma cama é de longe meu maior pesadelo. Tudo isso por causa de um esforço tão grande para proteger aqueles que eu mais desprezo. Esse mundo realmente é um lugar cruel.

Tanta sujeira, tantas impurezas, coisas quebradas, será que nunca tem fim? Como eu posso consertar todo esse mundo insignificante sozinho? As pessoas são inconstantes, falam coisas e fazem outras, são limitadas por emoções que revolvem todo o seu centro, seguem pessoas e ideias que apenas lhe fazem mal. Como todos evoluiriam se apenas aprendessem a se libertar das amarras do orgulho, da individualidade, da justiça. Esse mundo é repleto de exemplos que os humanos poderiam ter seguido, formigas, trabalhando incessantemente para atingir a sobrevivência da espécie, abelhas capazes de restaurar ecossistemas inteiros e se multiplicar. Mas o humano buscou sua inspiração em outro lugar, ele almejou o divino, e mirando na lua, não acertou nem mesmo uma mísera estrela. 

Como eles podem querer viver sobre os padrões de seus superiores? Suas ideias são facilmente reproduzidas, noções lindas e poéticas construídas por filósofos de tempos imemoriais, lapidadas por estudiosos, laboriosamente escritas e repetidas em livros. Cada um deles, atormentando pelo infinito, se perguntando todos os dias, será que sou capaz de mudar o mundo? Não. Suas mudanças são como pegadas na areia, a maioria de suas vidas tão minúscula que não seria capaz de mudar um milímetro do curso do universo. Mas às vezes nascem pessoas grandes, pessoas com a alma maior que seus corpos, verdadeiras estrelas brilhando no meio de rochas inertes. Mas as estrelas precisam dessas pessoas pequenas, elas admiram elas, a vida simples que elas vivem, sua falta de preocupação, seu espírito livre e decidido, elas querem trocar de lugar.

Cada geração tem um grande humano, ele é criado nas costas das pessoas comuns, e vive sua vida dedicado a elas. Pressionei com a mão livre o ponto atrás da minha orelha, ele doía como se meu crânio estivesse sendo esmagado, humanos são tão frágeis, eu resmunguei, e tão dolorosos. Mas esse ciclo nunca se quebrava, gerações inteiras se dedicavam na criação de uma pessoa superior, capaz de terminar conflitos e trazer paz, e a vida dessa pessoa era gasta para proteger esses seres. Mas e se essa pessoa nunca vir? E se ela fracassar? Caindo debaixo da pressão. Eles depositam sua fé no divino, o fio do destino que se espalha e se entrelaça fora de seu controle, mas o homem é o autor do seu próprio destino, o único responsável por seus fracassos e falhas. Quando uma pessoa falha, quantas mais podem ser responsabilizadas? Por terem sido insensíveis, por terem largado um irmão na lama.

O trabalho nunca acabava, cuidar de humanos é o mesmo que tentar dar ordens às pedras, e de certa forma as pedras são mais suscetíveis às influências externas. A minha vontade era sair daqui, abandonar esse corpo inútil e reclamar com o conselho. Porque eu deveria cuidar de humanos? Eles são criaturas diferentes de todas as outras, eles permitem que os fracos se propaguem, ajudam eles para que propaguem seus defeitos, e quantos defeitos! Eles glorificam seus defeitos, abraçam seus erros e dizem que são parte de quem eles são. Uma sociedade que aceita menos que a perfeição está fadada a se manter inferior. Nenhum número de revoluções dessa mísera estrela será capaz de mudar a mente acomodada dos humanos. 

Sou interrompido de meus pensamentos pelo barulho da porta e uma médica entra apressada, para ela eu sou apenas uma pessoa acidentada, me arrastando para me manter no mundo dos vivos, coberto de fraturas e cortes. Seus olhos completamente cinzas, seu cabelo loiro bem preso parecia ser longo o suficiente para encostar no chão. Ela era a imagem perfeita da destruição. Eu sabia que ela tinha passado as últimas horas costurando minhas pernas e braços, removendo pedaços de ossos e dando ordens para enfermeiros. Porque alguém escolheria essa vida terrível? Porque essa humana escolheria viver uma vida da mais profunda miséria? Cercada de destruição e dor. Eu me pergunto, do que é feito a sua alma? 

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