34. tudo igual, só que diferente (pt. II)
LARA
2 MESES DEPOIS
— E eu vou querer um número nove com molho extra, uma porção de fritas grande, um número cinco com...
Lara parou de ouvir. Depois de anos registrando os mesmo pedidos de novo e de novo, ela não precisava prestar atenção no que os clientes diziam. Eram como se os dedos de Lara soubessem exatamente onde ir no teclado engordurado dos caixas do Barley's
Naquela manhã o movimento estava acima do esperado. Filas se arrastavam pelo restaurante, motoristas passsavam zunindo pelo drive-thru e crianças malcriadas gritavam com os pais, chorando e batendo os brindes no chão, nas paredes e nas mesas revestidas com fórmica vagabunda.
Lara pegou as notas sebosas do careca com um sorriso automático. Era por isso que ainda trabalhava no Barley's.
Por mais que o trabalho fosse péssimo e que ela tivesse de limpar os banheiros de vez em quando, Lara sabia que o dinheiro entraria. O sonho de abrir uma confeitaria ficava cada vez mais distante a cada expediente encerrado no Barley's, mas não era como se ela possuísse outras opções na manga. Sonhos, ela considerou com certa amargura, não pagavam o aluguel, as contas e a comida. O dinheiro que ganhava ali mal dava para as despesas. E o segundo emprego de Maria, apesar de ajudar, não resolvia todos os problemas.
Uma senhora curvada substituiu o careca. Lara registrou o pedido com um sorriso mecânico. Seus pensamentos, porém, iam longe.
Se saísse mais cedo para o almoço, poderia pegar o metrô e tentar a entrevista de garçonete que tinha visto no jornal. Se fosse rápida, voltaria antes mesmo de o Sr. Bloom, o supervisor carrancudo, dar falta dela. Kate, também, poderia rendê-la no caixa. Sim, pensou Lara, registrando duas casquinhas para uma garotinha de nariz torto. Só preciso subornar Kate com um saco de biscoitos. Ou com a promessa de limpar o banheiro masculino. Silenciosamente, ela torceu para que apenas os biscoitos fossem o suficiente.
Se Lara conseguisse o emprego, havia a possibilidade de Maria largar o trabalho de lava-pratos naquele diner imundo atrás da prefeitura e encontrar algo melhor, algo que não pagasse uma miséria tão escancarada. Depois de trabalhar o dia inteiro tirando cópias na agência de Damian e Will, Maria corria ao diner e chegava tarde, sempre fedendo a gordura e, às vezes, desabando na cama com a roupa do corpo.
Lara registrou outro pedido, percebendo um burburinho no final da fila. Era comum as pessoas ficarem mais barulhentas conforme a hora do almoço se aproximava. Sem prestar atenção, seguiu registrando e pensando na irmã mais nova, que não aguentaria o ritmo frenético por muito tempo. Preciso desse emprego de garçonete.
Com a cabeça baixa, ela percebeu outro vulto entrar em sua frente. Finalizando o pedido do cliente anterior na velha caixa registradora, Lara disse:
— Bem vindo ao Barley's. O que o senhor des...
— Você precisa jantar comigo hoje à noite.
Lara ergueu o rosto ao ouvir a voz de Damian.
Seus olhos verdes encontraram os azuis dele. Damian usava uma camisa escura, com as mangas arregaçadas e um sorriso gigantesco nos lábios. Discretamente, ela olhou para o relógio digital do Barley's, que quase marcava meio-dia, a hora do almoço e da entrevista, e franziu as sobrancelhas para a animação de Damian. Se não o conhecesse, diria que ele estava sob a influência de alguma coisa muito forte. Lara piscou, sem saber o que dizer, quando seus olhos voltaram ao relógio. Dessa vez, não foi a hora que chamou sua atenção.
Encostada na parede engordurada, Amy bebia um refrigerante gigante logo abaixo do grande relógio. Com os olhos muito maquiados, uma gargantilha de veludo negro e botas de combate, a garota sorriu de volta. Lara percebeu que a raiz de seus cabelos, que eram de um loiro escuro, quase castanho, começava a tomar o topo de sua cabeça, fazendo a tintura preta perder, lentamente, a posição de destaque.
Ela quis acenar para Amy e dizer a Damian que achava ótimo ele ter aceitado a sugestão dela de passar mais tempo com a garota, criando laços através das refeições, mas ele bateu as mãos no balcão de granito. Damian ainda sorria como um maluco. Lara abriu a boca. Na fila, as pessoas começavam a ficar impacientes.
— Escuta, Lara, eu sei que é meio súbito — disse ele —, mas você não pode recusar. Você precisa jantar comigo hoje à noite.
Ele sorria como se tivesse bebido um engradado de energético e uma térmica de café ao mesmo tempo. Lara não sabia o que responder. Com as bochechas rosadas, ela ajeitou o boné amarelo-ovo do uniforme na cabeça.
Há dois meses Lara pegou o marido no flagra com outra mulher, e achava cedo demais para iniciar qualquer coisa com alguém. Uma relacionamento de sete anos, afinal, era um relacionamento de sete anos.
Gérard ainda ligava o tempo inteiro, mas ela ignorava as ligações e mensagens arrependidas repletas de erros grosseiros.
(Lara pensava no momento que teve com Damian no casamento em West Creek com a mesma frequência que Gérard ligava, mas tentava não dar muita importância ao fato. Damian não pensava nela daquela maneira, e ela não deveria pensar nele daquela maneira. O mesmo valia para o momento na sala de estar, dois meses antes. Era melhor não pensar.)
— Porra, essa fila não anda!
A reclamação veio de um jovem de moicano verde. As pessoas se impacientavam na fila, fazendo coro ao rapaz magricela. O Sr. Bloom, do seu posto ao lado da porta, franziu o cenho para o caixa de Lara. Ela engoliu em seco, tentando contornar a situação.
— Damian, acho melhor você...
— Por favor, Lara. Você não vai se arrepender.
Sem desviar os olhos dos dele, Lara ouviu alguém na fila perguntar "Que merda tá acontecendo?", tendo como resposta o simples "Um cara tá cantando a atendente. De novo." Sem graça pelo olhar fixo de Damian e pelos comentários da fila — Vai nessa, Don Juan! Anda, Romeu! Aceita ele, moça! — Lara viu o relógio marcar meio-dia em ponto. Ansiosa para deixar o caixa, ela se inclinou no balcão para falar com Damian.
— Conversamos depois, sim? Eu preciso...
— Diga sim, Lara. Estou tentando encontrar uma data há dois meses. Se você não aceitar, vai ter sido tudo em vão. Por favor. — Damian se interrompeu por um momento. Debaixo dos protestos da fila, ele adicionou: — Não vai ser, tipo, um jantar romântico...
Ela corou. O Sr. Bloom se dirigia com as pernas tortas e o cenho franzido à fila. Lara prendeu a respiração.
— Ok, Damian.
— Isso é um sim? — perguntou ele, radiante.
— Sim, mas agora preciso voltar ao trabalho.
— Ok. Legal.
Damian sorriu como um garoto, deu dois tapinhas no balcão e saiu da fila, voltando logo em seguida. Algumas vaias e suspiros cansados foram ouvidos. Lara viu, com o rabo dos olhos, o Sr. Bloom aproximar-se cada vez mais.
— Você pode fazer a sobremesa?
— Hoje? — perguntou ela, o cansaço presente na voz. — É impossível, Damian. Eu...
— Por favor. É importante.
Com o Sr. Bloom de olho nela e a fila prestes a explodir em novas reclamações, Lara sorriu sem graça para o olhar fixo de Damian.
— Acho que consigo pensar em alguma coisa. — Ela se inclinou para a frente e sussurrou: — Agora, per favore, vá embora antes que eu perca o emprego.
O sorriso sumiu do rosto dele quando o perfil do Sr. Bloom, único funcionário engravatado da lanchonete, tentava avançar entre as filas imensas. Damian assentiu e disse:
— Oito horas. No meu apartamento. Não se esqueça da sobremesa.
Ele sorriu e se afastou com Amy, que sorriu e acenou. Lara ergueu os olhos para o relógio e pensou com tristeza na entrevista de emprego perdida. O Sr. Bloom franziu o nariz para ela, que suspirou e voltou a registrar os pedidos dos clientes impacientes.
O novo emprego fica para uma próxima. Lara sorriu sem vontade. Pelo menos não precisaria se oferecer para limpar os banheiros masculinos para Kate.
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Ela bateu à porta dele faltando cinco minutos para o horário combinado. Uma brisa fria descia pelo corredor, e Lara ajeitou o cardigan azul-escuro sobre o corpo, segurando a mousse de chocolate na outra. Seus joelhos doíam pelo dia árduo de trabalho, e tão logo chegou em casa, Lara quase cedeu à tentação de dormir com as garotas em frente à televisão. Amy, que chegara para ficar com Alessia e Giorgia até que o jantar terminasse, disse que era importante e não deixou que Lara tirasse sequer uma soneca.
É, mas ela não disse por que é importante...
Lara ajeitou a barra do vestido quando ouviu passos do lado de dentro do apartamento de Damian. Ele abriu a porta. Os olhos dos dois se encontraram por um instante. Lara sorriu seu graça, e o rosto dele se iluminou. Com um pano de prato vermelho nos ombros e vestindo um avental com o desenho de um ovo frito surfando numa fatia de bacon, Damian sorriu, dando passagem a ela.
— Entra, entra. — Ao ver o pote nas mãos dela, o sorriso dele cresceu. — Você fez a sobremesa! Legal. Deixa eu colocar na geladeira. Fica à vontade. Preciso cuidar do risoto.
Lara entrou, sem graça pelo clima do apartamento. As luzes estavam apagadas, e a sala estava decorada com luzinhas de natal e velas acesas. A mesa estava posta com uma toalha quadriculada vermelha e uma música italiana em volume baixo enchia a sala de estar organizada, tão diferente da dela. Atrás do balcão da cozinha, Damian remexia numa panela. Sem graça, sentou-se no sofá cinzento com os joelhos cerrados. O que diabos estava fazendo ali?
— Ei, você quer vinho? — perguntou ele, girando os botões do fogão moderno. Lara assentiu. Damian estendeu-lhe uma taça. — Aqui. Espero que você goste de tudo. Obrigado mesmo por vir.
— Agradeço o convite. — Ela sorriu e tomou um pequeno gole de vinho. Os dois ficaram em silêncio, ouvindo a música italiana ambiente que se misturava ao som de sirenes de polícia que vez ou outra surgiam lá fora. Girando a taça nas mãos, Lara disse: — Mas se bem lembro, não seria um... um jantar romântico.
Damian abriu a boca algumas vezes, mas a decoração do apartamento, com aquelas luzinhas de natal, velas, toalha quadriculada e a música italiana eram impossíveis de serem defendidas. Por fim, ele sorriu sem graça.
— Não é um jantar romântico. — Damian tomou um gole de vinho e olhou para ela de soslaio, dando de ombros. — Sou diretor de arte. Ambientação é importante, sabe?
— Sei. E por isso todo esse... esse clima italiano?
— É. Bem, e também porque Will me passou uma receita de risoto. Pensei que talvez você... gostasse, então tentei fazer. — Damian fez uma pausa e riu. — Não sou o melhor cozinheiro do mundo, mas acho que vai ficar... comível?
Os dois riram. Enquanto outro pequeno silêncio se instalava, Lara girou a taça nas mãos pensando, incrivelmente, em Gérard.
Em sete anos de casamento ele nunca fez nada por ela. Gérard nunca lavou uma louça, estendeu uma cama e muito menos se propôs a fazer um mísero sanduíche para Lara. Ela relevava porque sabia que não tinha o direito de exigir regalias. A vida deles era difícil, mas sempre faltou o ingrediente da cooperação.
E agora, sentada no sofá macio de Damian, ouvindo a música italiana e sentindo o cheiro do risoto, ela tinha de admitir que certas regalias eram necessárias.
O olhar dos dois se cruzou, e Lara pensou em como Damian estava sendo legal ao se preocupar com o fato de ela ser italiana, se ia ou não gostar do risoto, da música, das luzinhas simpáticas. O pensamento dela voou de volta à minivan, para quando se beijaram, e para quando dançaram no meio da sala dela, no escuro.
Corada, Lara desviou o rosto. Não pense nele assim. Igualmente sem graça, Damian bateu nos joelhos, erguendo-se do sofá.
— Bem, você pode ir sentando. Vou levar o risoto à mesa.
Ela sorriu, mas franziu o cenho ao se aproximar da mesa. Três pratos estavam postos. Damian remexia na panela uma última vez, o pano de prato descansando no ombro. Ela riu.
— Damian, acho que você colocou um prato...
A campainha engoliu o resto da frase. De trás do balcão, ele se virou para ela com uma colher de pau na mão.
— Ah, você atende para mim? Deve ser o convidado.
Convidado. A palavra bateu no fundo dos ouvidos de Lara e voltou, o significado ficando cada vez mais distante. Estaqueada ao lado da mesa, ela precisou de outro toque da campainha para acordar dos devaneios. Um pouco decepcionada por não ser apenas um jantar a dois, Lara abriu a porta. Quando seus olhos encontraram os do convidado, o queixo dela caiu.
O homem era negro, alto e de cabeça raspada. Havia uma argolinha de prata na orelha esquerda e as mangas de sua camisa roxa estavam dobradas com esmero. Suas calças eram pretas, meio justas, e seus sapatos reluziam contra o porcelanato claro do corredor. Ela quase não o reconheceu sem o uniforme de chef de cozinha que ele sempre usava na televisão.
Com a boca seca, Lara levou dois segundos para processar que Mitch Fischer, seu ídolo, o cara que fazia os melhores bolos do mundo, sorria-lhe sem graça da porta.
— Ah, boa noite. — disse ele, estendendo a mão. No pulso esquerdo, ele tinha um desses relógios caros, de pulseira de couro refinado. — Você deve ser a nova confeiteira que Damian mencionou, certo?
Sem desviar os olhos dele, como se o ato fosse o suficiente para Mitch Fischer sumir de sua frente, Lara apertou a mão que lhe era estendida sem prestar atenção no que fazia. O calor dos dedos dele entre os seus foi a prova de que não se tratava de uma miragem ou alucinação. Mitch Fischer, seu ídolo, estava ali. E era tão real quanto ela ou Damian.
— Entra aí, Mitch — cumprimentou Damian, secando as mãos no pano de prato e tomando a mão dele. — Cara, que sufoco achar você. Mais fácil ter um encontro o Papa.
— Nem me fale. — Mitch riu. — Ultimamente não consigo parar um segundo. Aliás, é você quem está cozinhando hoje...?
Lara percebeu que a pergunta era dirigida a ela, que ele queria saber seu nome, mas não conseguiu responder. A língua dela estava presa ao céu da boca. Por sorte, Damian a salvou. Segurando seus ombros trêmulos, ele riu para Mitch.
— Não, camarada. Hoje Lara está de folga da cozinha, mas a sobremesa é por conta dela. Vocês dois, infelizmente, serão obrigados a comer a minha comida.
Mitch riu, fazendo uma careta.
— Bem, não pode ser pior do que a carne assada de sua irmã, pode?
— Me diga você. — Damian riu. — Senta aí, cara.
Mitch sorriu para Lara, que ainda o olhava como a última garrafa d'água do deserto, e foi em direção à mesa. Damian deu dois tapinhas nos ombros de Lara.
— Terra para Lara?
Mitch se sentava, ajeitando um guardanapo no colo. Aquilo não podia ser real, mas era. A argolinha de prata brilhou na orelha dele. Lara engoliu em seco e encarou os olhos azuis de Damian.
— É o Mitch Fischer. De verdade.
— É o Mitch Fischer. De verdade. Eu disse que não seria um jantar romântico. — Damian riu e apertou os ombros dela. Lara abriu a boca e ele olhou de relance para Mitch antes de sussurrar. — Acho que isso está mais para... jantar de negócios. Vamos?
Com a boca seca e as mãos trêmulas, ela assentiu, sem acreditar que Mitch estava ali. De verdade. Era real. Tão real quanto ela e o vizinho.
Damian tomou sua mão e, com um sorriso confiante, puxou Lara para a mesa.
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Quando Lara saiu para o corredor, a brisa fria da noite atingiu seu rosto em cheio, mas não o suficiente para apagar o sorriso de seus lábios. Com as bochechas doloridas, Lara podia afirmar, sem reservas, que aquele fora o melhor jantar de sua vida.
Mitch era tão legal quanto aparentava ser na televisão. E o melhor de tudo: estava à procura de uma nova confeiteira para a nova filial que abriria na cidade. Lara foi rápida em murchar, dizendo que experiência, de verdade, não tinha nenhuma. Mitch riu e deu de ombros.
— Eu era contador antes de largar tudo para fazer bolos. Isso realmente não faz diferença.
— Meu contador e de Will — complementou Damian, rindo. — Aliás, você era uma merda com os números, cara.
Ao final do jantar, quando Damian serviu a mousse dela, Lara estava tão nervosa com a reação de Mitch que, se ele fizesse um pouco mais de suspense, ela teria desmaiado no piso bem encerado do apartamento de Damian. Entretanto, quando ele tirou a colher da boca e abriu um sorriso, Lara soube que estava tudo bem. E quando Mitch pediu a receita e começou a debater com ela alternativas de sabor e os ingredientes — Você colocou essência de baunilha aqui? Eu sabia! —, Lara soube que estava tudo muito bem.
Na despedida, Mitch apertou as mãos dela e sorriu para Damian, que recolhia os pratos.
— Ele não estava errado.
— Sobre o quê? — perguntou ela, franzindo o cenho com um sorriso.
— Sobre o seu talento. — Ele sorriu. — Nos vemos na segunda-feira para o teste, Lara?
De volta ao corredor, depois de organizar a louça com Damian — mesmo diante da insistência dele em terminar o serviço sozinho —, Lara sorria para o teto, as paredes e para a porta do apartamento. Atrás de si, com as mãos nos bolsos, Damian disse:
— Se eu soubesse que você ficaria tão feliz assim, teria procurado o Mitch muito antes.
Ela se virou. O rosto dele estava corado por causa do vinho, e Lara teve de se conter para não abraçar Damian. O que ele havia feito naquela noite se encaixava como o segundo melhor presente que ela recebera desde que chegara aos Estados Unidos, perdendo somente para quando as meninas nasceram.
— Um teste para trabalhar com Mitch Fischer. Se isso for um sonho, não me acorde — disse ela. Os dois riram. Na frente da porta do próprio apartamento, Lara apertou os olhos. — E você me enganou! Maria estava sabendo disso?
— Não. Apenas Will e Amy. — Ele fez uma pausa. — Ah, e Grace. Eu pedi a ela para que encurralasse Mitch em Milão. Não foi fácil.
— Mas como vocês se conheceram? Isso é... Dio, isso é doido.
Damian havia contado a história, mas Lara ficara tão encantada pela presença do ídolo à mesa que não se fixara nas palavras. Ela sabia que tinha algo a ver com bolos, mas não ia muito longe disso. Com Mitch por perto, era impossível não imaginar de onde vinha aquele talento todo para criar receitas tão inovadoras.
— Mitch era meu contador. Nosso contador, meu e de Will. Quando ele veio com essa ideia maluca de largar tudo para ser confeiteiro, apoiamos e fizemos a identidade visual do cara. — Damian riu. — Ele não podia pagar na época, então aceitamos bolo.
— Bolo como pagamento?
— Pois é. Eu e Will passamos mal de comer tanto bolo, mas valeu a pena. — Damian deu de ombros, ainda com as mãos nos bolsos. — Ah, e Grace pediu para avisar que chega na semana que vem e que precisa impressionar você com o italiano ruim dela.
— Claro. Será um prazer. — Lara riu, colocando as mãos no rosto. — Dio, não consigo parar de sorrir! Nunca vou poder agradecer o suficiente a vocês, Damian.
Ele deu de ombros.
— Se saia bem no teste e consiga o emprego. Isso será mais do que o suficiente.
Os olhos dos dois se encontraram, e o silêncio se instalou entre eles. A brisa fria do corredor fez Lara puxar o cardigan sobre o corpo, um calafrio subindo por suas pernas nuas. Ela tocou a maçaneta do próprio apartamento e sorriu.
— Bom, então...
— Espera, Lara, eu... — pediu ele. O rosto de Damian tinha a cor de uma placa de PARE, e ela percebeu, com o coração acelerado, que ele massageava a nuca. — Eu sei que ainda é meio... meio cedo. Digo, você com Gérard, eu com Irina... mas eu queria que você soubesse que eu... eu não consigo parar de pensar em você desde que nos beijamos no carro e...
Lara umedeceu os lábios, os dedos apertando a maçaneta da porta com mais força do que o necessário. Damian pigarreou.
— Não quero que você, tipo, meio que pense que... assim, que eu fiz tudo isso com Mitch e o emprego por causa... por causa disso, quer dizer, eu... — Ele se calou, suspirando. Damian sorriu para os próprios tênis. — Acho que no final das contas Amy estava certa, sabe? Fiquei com ciúme do caipirão dançando com você no casamento.
— Damian, eu...
— Sem pressão, Lara. Sei que você ainda está... organizando sua vida depois de tudo o que aconteceu e que agora definitivamente não é um bom momento, mas eu quero que você saiba que posso esperar, se você quiser. Não quero atrapalhar. — Ele fez uma pausa curta, o rosto afogueado. Os dois se encararam outra vez. Lara abriu a boca para responder, mas Damian foi mais rápido. — Quer dizer, se você não quiser, tudo bem também, porque eu só quero que você seja feliz...
— Damian...
— Tipo, sem pressão, sabe? Sei que ainda é cedo, e é por isso que não quis... não quis forçar nada quando dançamos na sua sala. Se você quiser, posso esperar, e quando você estiver pronta pode colar um daqueles post-its super curtos na minha porta para me avisar. Mas se você não quiser, tipo, nunca, ok também. Nós podemos continuar amigos. Como você quiser. De verdade.
Ele disse aquilo de um fôlego só, e Lara precisou de um segundo para se refazer. Damian respirava como se tivesse acabado de correr uma maratona. Sabendo que deveria estar com as bochechas tão coradas quanto as orelhas dele, Lara disse:
— Você está certo. Ainda é um pouco cedo para...
— Ok, sem problemas.
— Será que você pode me deixar falar? — Ela riu. — Dio, depois dizem que são os italianos que não conseguem parar quietos...
Damian mirou os próprios tênis como se os números da loteria fossem magicamente surgir de seus cadarços. Ele massageou a nuca, esperando pela resposta com as sobrancelhas franzidas. Lara respirou fundo. É agora ou nunca.
— Você está certo. É muito cedo ainda, mas eu... eu também não consigo parar de pensar em você.
Damian levantou o rosto. Lara foi invadida pelos olhos azuis dele. Ele riu, fechando os olhos por um momento.
— Legal. Legal. — Após uma pausa curta, ele adicionou: — Ok, provavelmente não foi a coisa mais brilhante a ser dita, mas... estou meio nervoso.
— E quando você fica nervoso, repete tudo como uma velha.
— Pois é. Vai ver eu tenho um encosto que me faz repetir tudo. — Os dois riram. A brisa fria do corredor aumentou de intensidade e os sorrisos, tão logo vieram, cessaram. — Quando você quiser, estarei esperando, do outro lado do corredor, por um sinal. Boa noite, Lara.
Ele sorriu outra vez e, com um gesto de cabeça, despediu-se. Ainda com a mão sobre a maçaneta, Lara abriu a boca. Com o coração aos pulos, ela não pensou em mais nada. Se tivesse bebido uma taça de vinho a mais, poderia culpá-la pelo ato impulsivo, mas estava tão sóbria quanto nunca quando chamou por ele. Damian se virou.
Ela sorriu, soltando a maçaneta. Quando reuniu coragem, Lara disse:
— Eu não... não quero esperar. Ou escrever post-its.
O sorriso se alargou no rosto dele. Incerto sobre o que fazer, Damian coçou a cabeça.
— Eu posso...?
Ela sorriu e assentiu. Damian se aproximou e tomou as mãos dela entre as suas. Ficaram em silêncio, sorrindo como duas crianças, de mãos entrelaçadas no corredor gelado. Apesar de tudo, Lara não sentia mais frio. A brisa da noite que viesse com força. Já não importava mais.
Acariciando os dedos de Damian, ela disse baixinho:
— Só... vamos com calma, sì?
— Claro. Com calma. Como você quiser. Com bastante calma.
Ela riu, apertando as mãos dele. Ao longe, sirenes de polícia ecoaram, chegando até eles como um som distante, quase irreal. Por mais bobo que fosse, Lara tinha medo de acordar no próprio apartamento com nada além daquele emprego miserável no Barley's e sem as mãos de Damian nas suas. Para afastar os pensamentos, apertou os dedos dele com mais força e sorriu.
Era real, e isso bastava.
— Um beijo de despedida seria, tipo, ir rápido demais? — perguntou ele, num sussurro.
Lara riu, balançando a cabeça antes de beijá-lo.
Aquele beijo era diferente do que trocaram na minivan há dois meses. Agora não havia pressa, noiva, viagem ou marido. Era um daqueles beijos calmos, sem pretensão alguma de ser um beijo de cinema, mas que possuía o dobro do valor por ser o beijo deles.
Damian abraçou-a pela cintura. Com os braços ao redor do pescoço dele, Lara soube, sentiu em cada centímetro do sorriso que ele lhe lançava, que Damian sentia o mesmo que ela.
— Eu falei que tudo ficaria igual — sussurrou ele.
— Só um pouquinho diferente — completou ela, sorrindo. — Gosto desse diferente.
— Eu também. Gosto muito, na verdade. — Damian riu, dando um selinho em Lara. Ele beijou a ponta do nariz dela, que riu. — Aliás, você ainda tem o número de Hershel?
Ela franziu o cenho. Ainda com os braços ao redor do pescoço dele, Lara se afastou apenas o suficiente para olhar em seus olhos azuis.
— O que você quer com ele?
Damian deu de ombros, um sorrisinho malicioso crescendo em seus lábios.
— Ligar, dizer um "Oi, amigão" e lembrar que nem sempre o cara machão que tira a camisa de cinco em cinco segundos conquista a garota. Coisa simples.
— Dio mio, e eu pensando que você era uma boa pessoa.
— Bem, enganei você direitinho. — Os dois riram. Damian deu outro selinho em Lara, confessando contra os lábios dela: — E eu sei que recém começamos, mas... mas quero muito ver a sua tatuagem, ok? Só para você saber.
— Tatua... Dio, como você...? — perguntou ela, franzindo o cenho.
— Eu estava na piscina — confessou ele, baixinho. — Eu era um dos... como Amy disse? Um dos caras que não paravam de babar em cima de você?
Lara corou, porém riu.
— Eu não acredito, Damian! Dio, que vergonha...
Ele riu, estreitando os braços ao redor do corpo dela.
— Relaxa. — Damian corou, e Lara o achou fofo demais para o próprio bem. — Você está com tudo em cima.
Lara balançou a cabeça. Ele riu, dando um beijo na testa dela.
— Vou lá. Diga às pestinhas que deixei um beijo, e por favor avise à Amy para... voltar. Isso se ela já não capotou no sofá com Giorgia e Alessia.
Lara sorriu uma última vez, prestes a entrar em casa, quando ele a chamou de volta. Damian tinha o rosto corado pelo vinho, pelos beijos e pela brisa fria do corredor. Lara nunca o achou tão lindo quanto naquele momento.
— Ei, como se diz um "boa noite" em italiano?
— Buonanotte.
Damian ficou em silêncio por alguns segundos.
— Certo. Você precisa me ensinar isso melhor.
— Temos tempo.
O sorriso dele cresceu, assim como um pequeno silêncio.
— Temos tempo. Boa noite, Lara.
— Boa noite, Damian.
Ainda com a alegria presa aos lábios, Lara fechou a porta do próprio apartamento. Na sala desorganizada, repleta de bonecas e brinquedos pelo chão, ela viu a luz do quarto das meninas inundar o pequeno corredor. As risadinhas das filhas, assim como as de Amy, vieram do quarto, e com as costas contra a porta, Lara sorriu. Do bolso do cardigan, puxou o cartão de Mitch Fischer.
Tudo vai ficar igual, só... só um pouquinho diferente. Ela sorriu, decidindo, enquanto ia ao quarto das meninas para abraçá-las, que aquele diferente era tudo o que mais precisava no momento.
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[NA] → Esse casal me mata há QUATRO ANOS E VOCÊS ACHARAM MESMO QUE NÃO IA ROLAR? PELO AMOR DE DEUS!!!! ME AJUDA DEUS É O MEU CASAL. #Larian vive sim, SOCORRO! Enfim, queridos, nos vemos na quarta com o penúltimo capítulo (Will) de Sete Lugares! Até lá, hahaha ♥ :)
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