22. achados e perdidos

DAMIAN 

— E esse cara é tão óbvio que me dá nojo! — reclamou Damian da cama, o braço não engessado atrás da cabeça. Foi impossível suprimir uma risadinha debochada, olhando para o teto do quarto que dividia com Will. — Está tão na cara que ele está usando as meninas para transar com a Lara! Na boa, nem o mais baixo dos homens chegaria a esse ponto.

Will esfregou a cabeça com a toalha e colocou os óculos. Damian ficou em silêncio, esperando que o amigo concordasse, mas Will fungou e, somente de cueca — estampada com os personagens d'Os Jetsons —, sentou-se na outra cama e enfiou as meias lentamente. O sol começava a cair e um final de tarde rosado enchia o quarto com uma luz aconchegante que deixava as meias listradas de Will ainda mais chamativas.

— Além do mais, ele precisava ficar nos seguindo o dia todo? — retomou Damian, incapaz de se conter. — Esse imbecil não nos deixou descansar. Explicando coisas sobre a cidade e os fundadores só para ficar na nossa volta. Ele está tão em cima da Lara! E você viu como ele fica dando doces às meninas o tempo inteiro? Esse bosta tem um cartel de pirulito e bala? Pelo amor Deus.

Will enfiou o outro pé de meia e secou os cabelos ruivos mais uma vez. Damian grunhiu. Desde que conseguiram aqueles poucos minutos de paz, ele via o rosto bigodudo em cada parede do quarto da pousada. Maldito.

Já não bastasse aquele problema com o carro e a vontade assassina de socar as paredes — que ele controlava porque ainda estava em processo de ser evoluído e otimista como Lara —, havia mais aquela merda. Hershel e seu bigode másculo, acenando com seu peitoral definido e suado para Lara. Só podia ser um pesadelo.

— E quando ele tirou a camiseta para ajudar aquela senhora a cortar lenha? Sério mesmo, Hershel? Você não podia fazer isso vestindo a porcaria camiseta? Já vimos que você tem músculos, um bigode másculo e que sabe manusear um machado. Meus parabéns. Tome aqui seu selo de "Macho Alfa Exibido". Inacreditável. Esse cara não perde uma chance de se exibir para Lara. — Damian fez uma pausa, finalmente percebendo o silêncio de Will. — O que você acha?

Os olhos castanhos de Will se fixaram no rosto de Damian, que sem saber ao certo os motivos, corou. As encaradas profundas de Will, que sempre parecia enxergar mais do que deveria, eram sempre certeiras em desestabilizar qualquer um.

— Não sei. — Will atirou a toalha sobre o pescoço. — Acho muitas coisas, na verdade.

— Muitas coisas? — questionou Damian. — O que você quer dizer com isso?

— Acho que você está apaixonado, Damian. — Will sorriu com o canto dos lábios. — Só não sei dizer se por Hershel ou por Lara.

Foi como se alguém tivesse dado uma martelada numa vitrine. Damian piscou, incapaz de processar o que tinha ouvido. As palavras faziam sentido quando separadas, mas juntas na frase "Acho que você está apaixonado" eram como uma mistura de grego, russo e polonês que acaba de passar por um processador de legumes.

Ele se sentou na cama, encarando Will.

— Você não parou de falar sobre Hershel nem mesmo enquanto eu tomava banho. Reclamando dele, das atitudes dele, mas sempre voltando à Lara no final de cada... observação. — Will enfiou um dedo no ouvido, sacudindo a mão. — Acredito que você esteja apaixonado por Lara e veja Hershel como uma ameaça, um terceiro elemento indesejado no cenário de felicidade que seu inconsciente projetou.

Damian ficou em silêncio.

— Não preciso lembrar que Lara é casada e que estamos indo ver o marido dela, certo? — Ele levantou as sobrancelhas. — Com as filhas deles...

— Eu sei, mas já vi você olhando. Amy também me contou que você... babou em cima dela quando a viu de biquíni na pousada da Sra. Barnes.

Damian corou mais uma vez. E corou ainda mais ao perceber que Will o encarava com aquela expressão curiosa e sorridente que adotava quando acreditava estar certo. Eu odeio você, William. E odeio essa garota linguaruda.

Na pousada da Sra. Barnes, antes de tirar uma soneca, Damian quis falar com Lara. Não tinha nada especial para dizer a ela, mas depois daquela conversa no posto e de terem feito o almoço, Damian percebeu que ouvir a voz doce de Lara lhe trazia uma paz difícil de ser explicada. Como paz era tudo o que precisava, foi à piscina da pousada, encontrando sem dificuldade quem procurava.

Lara, Maria e as garotas estavam de pé na parte rasa, espirrando água para todos os lados. Elas riam, divertindo-se com o dia de calor que fazia, e Damian, do lado de fora daquela cena de felicidade, ficou com a atenção presa em Lara.

Ela usava um biquíni vermelho que deixava boa parte do corpo bronzeado à mostra, e ele olhou. Foi impossível não olhar. Lara não tinha um corpo de capa de revista, mas tudo nela era tão natural, tão bom de ser observado que até as imperfeições realçavam sua beleza. Era bom ver um corpo de mulher assim, sem aqueles malditos retoques digitais de magreza obsessiva que ele era obrigado a executar nos anúncios na agência. Mas não foi exatamente o corpo da vizinha que chamou a atenção de Damian.

Além do sorriso contagiante dela, havia uma tatuagem no baixo-ventre de Lara. Não era nada elaborado, apenas pequenas silhuetas de pássaros que subiam em direção ao umbigo dela, mas foi o suficiente para deixá-lo com o sangue pulsando nas orelhas.

Encabulado por espiar a vizinha feito um adolescente tarado que parecia nunca ter visto uma mulher de biquíni antes, Damian saiu da área da piscina o mais rápido que pôde.

Agora, sentado na cama em frente a Will, que secava a cabeça com a toalha, Damian achou engraçado como Lara conseguia, ao mesmo tempo, trazer-lhe paz e deixar seu coração palpitando feito o de um garoto no auge da puberdade.

— Eu... bem, eu... claro — gaguejou ele, sentindo as orelhas queimarem. — Lara é uma mulher muito... bonita. Quer dizer, ela é... interessante e... e bacana, e sim, talvez eu tenha dado uma olhada ou duas, porque ela usava um biquíni e...

O sorriso de Will se alargou, deixando-o parecido com uma espécie de Grinch ruivo e assustador. Damian fechou a cara, o pulso machucado comichando dentro do gesso.

— O que foi, cara? Você quer falar sobre a sua paixão recolhida pela Maria? Podemos falar sobre isso, também

— Não é necessário. — Will sorriu com um gesto de cabeça cavalheiresco. — Já percebi que o assunto mexe com você. Sinto muito. Não vamos mais falar sobre isso.

— O assunto não mexe comigo. Pare de ser um imbecil.

Alguém bateu à porta e Damian se levantou, de bochechas vermelhas e ignorando o olhar prescrutador de Will. Ele girou a maçaneta e foi cumprimentado pelo sorriso contagiante de Maria e os olhos extremamente maquiados de Amy.

— E aí, vizinho? Pronto para... — Maria se interrompeu e riu ao ver Will estaqueado, de pé e cuecas no meio do quarto. — Cara, eu amava Os Jetsons! Bela cueca. Vamos indo?

Will ficou vermelho da cabeça aos pés. Amy balançou cabeça, rindo de Maria.

Damian percebeu que, pela primeira vez, a garota estava com os cabelos negros presos num rabo de cavalo. Daquele jeito, ela ficava extremamente parecida com Diane antes de pintar outro quadro.

Maria ajeitou a trança, esperando. Sem graça, ele murmurou qualquer coisa sobre pegar a carteira, fechando a porta.

A meio caminho do criado-mudo, Will segurou seu antebraço. Os óculos remendados com Band-Aids da Hello Kitty escorregaram pelo nariz aquilino dele. O rosto de Will estava vermelho, assim como boa parte de seu corpo pálido.

— Não é uma paixão recolhida — sussurrou ele. — Eu realmente... realmente amo...

Will se calou e Damian sorriu, dando dois tapinhas no ombro do melhor amigo.

— Então coloque uma roupa, cara, porque hoje é a sua chance de dançar com ela.

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Damian fechou a porta e saiu com as duas, deixando Will sozinho para terminar de se vestir. E se recuperar do choque que foi o comentário de Maria sobre sua cueca.

Tão logo chegaram ao lado de fora da pousada, Maria avisou que Lara demoraria por causa das meninas, e que elas possivelmente se encontrariam com Will no caminho. Ficaram em silêncio durante alguns segundos, andando por West Creek com passos despreocupados e Maria caminhando entre ele e a garota nas calçadas limpas da cidade.

— Como está o seu pulso? — perguntou Amy, olhando para frente. Ela coçou o nariz. — Você já decidiu o que vamos fazer sobre o resto da viagem?

Depois de engessar o pulso de Damian, o doutor pedira ao paciente para que ficasse, pelo menos, três semanas sem dirigir. Damian havia rido, mas não achou tão engraçado quando o doutor disse que ele poderia ficar com o pulso torto caso não cumprisse a recomendação.

Sem olhar para ela, Damian deu de ombros.

— Estou bem, obrigado. E sobre o volante, pulo para o banco do carona com o maior prazer se alguma de vocês ou Lara dirigir. — Ele riu. — Will não tem condições alguma de guiar.

— Tão horrível assim? — Maria riu.

— Will sofreu um acidente há quatro meses, e desde então anda muito devagar — explicou Damian, rindo. — Ele matou o papagaio de um cara que vendia cachorro-quente na esquina e ficou traumatizado. Se eu o deixasse dirigir, chegaríamos na Flórida só no ano que vem.

Maria riu, mas o rosto de Amy empalideceu. Os olhos azuis da garota escureceram e ela apertou o celular nas mãos. Uma veia saltou no pescoço fino de Amy, e Damian franziu o cenho.

Às vezes, quando ficava sozinho com os próprios pensamentos, ele imaginava que a garota deveria amar muito a avó para encarar aquela viagem absurda só para ir morar com ela.

Ou Amy me odeia tanto que prefere viajar quase mil milhas só para não ver a minha cara de novo. A segunda opção fazia muito mais sentido e, naquele silêncio preguiçoso dos três, ele coçou o nariz com as costas da mão.

— Lara sabe dirigir. Na verdade, ela era uma puta motorista na Itália. — Maria riu, mas franziu o cenho logo em seguida. — Quer dizer, pelo menos ela era uma boa motorista antes de ser presa...

Damian e a garota pararam e trocaram um olhar, perguntando-se se realmente haviam escutado a palavra que escutaram. Presa. Maria, perdida no som da própria voz e na graça da recordação, avançou alguns passos, mas ao perceber que seguia sozinha, voltou-se. Os três ficaram em silêncio. Confusa, ela franziu o cenho.

— O que houve com vocês dois?

— Lara foi presa? — perguntou Amy, erguendo as sobrancelhas. Damian imitou a garota. — Lara, a sua irmã? Lara, a mãe das meninas? Pera aí. Só quero ter certeza de que estamos falando da mesma pessoa.

Maria riu e uma mecha de seu cabelo negro caiu sobre seu rosto brincalhão. Ela tomou os braços dos dois, ficando entre Damian e a garota como uma dessas matronas de filmes antigos que precisam de ajuda para se locomover.

— Nem sempre ela foi a irmã boa, ok? — disse ela, quando voltaram a andar pelas calçadas limpinhas de West Creek. — Lara era bem... bem louca quando era adolescente, mas se acalmou depois de ser presa. Acho que ela ficou se sentindo mal por não ser um bom exemplo para mim, sabe? — Maria deu de ombros. — Enfim, ela fazia todo tipo de coisa errada. Bebia, saía escondida para virar a noite em festas e gostava de participar de corridas ilegais na cidade. E numa dessas noites, quando tinha uns quinze anos, foi pega pela polizia por dirigir embriagada e sem habilitação.

Damian ficou em silêncio. Era impossível visualizar a Lara de jeans manchados de tinta escolar e cheiro de biscoito recém-assado tendo problemas com a polícia. Maria, com sua personalidade explosiva, encaixava-se melhor naquela descrição. Lara, com os olhos verdes bondosos e a voz doce que sempre sabia o que dizer, não fazia o tipo da adolescente problemática.

Amy ergueu as sobrancelhas e, como se lesse os pensamentos de Damian, perguntou:

— Você está me dizendo que aquela mulher que nos faz sanduíches, brinca com as meninas e não come fast food foi presa por dirigir embriagada quando tinha minha idade?

Dio, ela só passou uma noite na cadeia! — Maria riu, apertando o braço dos dois. — Bem, e eu consegui que a nossa mãe não soubesse de nada porque um vizinho nosso era policial e a ajudou. Mas enfim, Lara sempre foi uma boa motorista.

— Eu não pensei que a Lara fosse tão... radical? — Amy riu, franzindo as sobrancelhas.

— Ela me mata se descobrir que estou contando isso a vocês. — Maria riu mais uma vez, provavelmente imaginando a fúria da irmã mais velha. — Mas passar uma noite na cadeia não foi nada se comparada à vez em que a mamma descobriu que Lara tinha feito uma tatuagem!

A maldita tatuagem novamente, as malditas silhuetas de pássaros no baixo-ventre de Lara fazendo os pensamentos desordenados de Damian alçarem voo.

Ele baixou o rosto para os tênis, encarando a calçada enquanto as duas riam, e só levantou a cabeça quando Maria disse:

— Bem, parece que chegamos...

Damian seguiu o olhar dela e, contra um final de tarde que caía rapidamente, viu uma tenda branca armada no topo da encosta gramada, mesas do lado de fora e um celeiro iluminado com lâmpadas de Natal amarelas. Algumas pessoas dançavam, e os acordes de um conjunto de música country chegavam até eles com o som de risadas e gritinhos animados. No fundo da paisagem havia um celeiro vermelho, desses clássicos que só existiam naquelas partes perdidas do mundo.

— Caipiras se casando num celeiro — reclamou ele. — Que original.

— Cara, desde que eles tenham comida e bebida, estou pouco me importando. — Maria riu, afastando a mecha selvagem de cabelo dos olhos. — Vamos pegar uma mesa e esperar pelos outros!

Tão logo pegaram um lugar do lado de fora do celeiro, debaixo da tenda de casamento, docinhos foram servidos no centro da mesa. Amy e Maria comiam um atrás do outro, tecendo comentários sobre este ou aquele, e Damian relaxou na cadeira. Uma comoção veio da estradinha, cessando as danças e brincadeiras das crianças.

Os recém-casados desceram de uma picape vermelha repleta de latinhas atadas na traseira, abraçando-se e sorrindo como se nada mais existisse. Foi então que Damian foi atacado por uma tristeza absurda.

Estava noivo de Irina há dois anos e não possuía a mínima vontade de vê-la num vestido branco. Grace e Will a achavam uma megera, seu pai dizia que Irina era bonita, porém sem imaginação e sua mãe, como todas as mães do mundo, apenas dava de ombros e sorria complacente antes de afirmar que Damian merecia alguém melhor.

Ele pegou um docinho e girou-o nas mãos, sem fome. Alguém melhor, pensou Damian, observando o noivo sorrir para a esposa, uma jovem loira de olhos castanhos e risada faceira, como se ela fosse o centro do mundo. Alguém melhor...

— Ah, Dio! Eles já fizeram o discurso?

Lara se aproximou da mesa segurando as garotas pelas mãos, com Will logo atrás. Ela usava um vestido de alcinhas azul-escuro, sem uma mancha de tinta colorida sequer, e um cardigan verde com as mangas arregaçadas. Os cabelos negros de Lara estavam soltos, caindo pelos ombros, e Damian percebeu que era a primeira vez em que via a vizinha sem o tradicional rabo de cavalo. Eles trocaram um sorriso curto, que foi interrompido por outra comoção na festa.

Antes que os recém-chegados pudessem se sentar, a filha de Cheryl, que mais tarde Damian descobriu se chamar Helen, tomou o microfone e, sorrindo com a mesma alegria com que saltara da picape, ergueu a taça. A música country cessou e todos os olhares caíram sobre a noiva.

— Sei que todos estão ansiosos para a festa, então serei breve. — Helen se virou para o noivo, um jovem moreno e tão sorridente quanto ela, e mordeu o lábio inferior. Alguns "Awww!" e "Viva os noivos!" foram ouvidos. — Alan, você é o cara que eu escolhi para ser o meu para sempre, ok? Quero que essa dança e todas as outras danças da minha vida sejam suas, até o final dos meus dias.

Algumas velhas senhoras choravam, mas os outros sorriram e aplaudiram, erguendo as taças e saudando os noivos com assovios. Alan riu contra os lábios de Helen e puxou-a, entre risos e felicidade, para a pista de dança. O conjunto country voltou a tocar com ânimo renovado e, depois de duas músicas, alguns casais foram para a pista, batendo palmas.

Lara acomodou as garotas, e Damian sorriu para ela, sentindo as bochechas corarem quando o olhar profundo e sabichão de Will se grudou em seu rosto. Maria e Amy comiam um docinho atrás do outro e a música ressoava, fazendo os dançarinos rodopiarem na pista de dança.

Lara enfiou o cabelo para trás das orelhas, inclinando-se para ouvir o que Alessia dizia. Quando a vizinha olhou para ele e sorriu, Damian foi corajoso o suficiente para sorrir de volta e dizer baixinho:

— Lara, você está muito...

— Curtindo a festa, amigos?

O Oficial Hershel Lakin surgiu atrás de Lara como um maldito vulto bigodudo e sorridente. Damian fechou a cara, e Lara foi a única que sorriu de volta. A mesa caiu num silêncio esquisito, embalado pelo som irritante da música country e de Amy e Maria empanturrando-se com os docinhos.

Hershel girou o chapéu de cowboy nas mãos, encabulado. Quando seus olhos amendoados pararam em Lara, Damian fechou ainda mais a cara.

— Então, o que você acha de dançar? — perguntou o policial. Surpresa, Lara ergueu as sobrancelhas. — Bem, só... só uma música...

— Bem, eu... — começou ela, sorrindo sem graça para Maria.

— Vá, Lara! — Maria sorriu com o canto dos lábios, pegando outro docinho do prato. — Esse tipo de coisa não se nega a um cavalheiro.

Ela foi. Damian cruzou os braços, afundando na cadeira. Will sorriu, ajeitando os óculos remendados no rosto de fuinha, mas sua alegria foi substituída por medo quando Giorgia e Alessia rodearam-no, pedindo uma dança.

— Vamos, Sr. Greene! — choramingou Alessia, os olhinhos brilhando. — Per favore!

— Mas... mas... somos três — argumentou ele, olhando para as duas e Maria, que comia outro docinho. O amigo procurou auxílio em Damian, que sorriu de maneira vingativa. — Precisamos de... de mais um.

— Vamos, Sr. Greene! — reforçou Giorgia, puxando a manga da camisa quadriculada de Will com mãozinhas ávidas. — Dançamos em roda, e eu juro que deixo o signore ser a Mulan na próxima brincadeira!

Will finalmente cedeu, sendo carregado pelas garotinhas até a pista de dança. Damian acompanhou a figura encurvada do amigo sumir entre os dançarinos alegres, que batiam os pés e as mãos no ritmo acelerado da música. Amy engoliu o último docinho e olhou para Maria com a boca toda suja de açúcar.

— Cara... isso é... muito... bom — disse ela, a boca cheia. Damian sorriu para o arranjo de mesa, lembrando-se de como Diane tinha a mesma mania tenebrosa de falar de boca cheia. Amy se levantou, lambendo o dedo mindinho e segurando o prato. — Vou pegar mais uns docinhos para nós.

Ela desapareceu entre os convidados. Damian seguiu o olhar de Maria para a pista de dança, onde Lara ria e dançava com o Oficial Bigode, que se exibia feito um pavão naquela camisa quadriculada apertada que fazia seus malditos bíceps saltarem.

Damian semicerrou os olhos quando o policial bateu palmas antes de tomá-la nos braços outra vez, como se Lara fosse uma espécie de propriedade dele. Esse maldito não respeita nem mulher casada, pensou Damian, cruzando os braços e fechando a cara.

— Sabe, eu só queria que ela encontrasse um cara... legal — murmurou Maria num tom chateado, apoiando os braços na mesa e o rosto nas mãos. Com o olhar fixo na irmã, completou: — Não precisava nem ser o melhor cara do mundo. Só um cara legal.

Damian olhou brevemente para ela antes de voltar o rosto para Lara, que sorria, iluminada pela luz amarelada da tenda. Ele demorou a desgrudar o olhar da vizinha, mas quando o fez, franziu o cenho para Maria.

— O marido, Gérard, é tão ruim assim?

Ela suprimiu uma risada amarga e atirou e um guardanapo amassado para longe. Maria se inclinou em sua direção e ergueu as sobrancelhas.

— Se o cara fosse legal, você acha que eu cruzaria os Estados Unidos só para socar a cara de gambá ranhento dele?

Damian abaixou a cabeça, rindo. Ficaram em silêncio, observando Lara dançar com Hershel. Damian coçou o nariz com a mão boa, dando de ombros.

— Se ela é feliz com o cara...

Maria o interrompeu com uma risada sarcástica.

— Estando no Inferno, o jeito é abraçar o capeta. — Maria ficou séria. — Às vezes você acha que é feliz com alguém. Você começa a pensar: "Ei, não vou encontrar outra pessoa. Não existe ninguém melhor por aí". E você se acomoda. É mais fácil se acomodar do que encarar que você já não ama mais alguém, ou que talvez esse alguém não seja... bom para você.

Caíram num silêncio pesado. Maria continuava com o rosto apoiado nas mãos, observando, com um sorriso triste, Lara dançar e sorrir, mas a cabeça dele girava, recriando cada momento seu com Irina nos últimos meses.

As brigas, a conversa chata que nunca o interessava, os amigos idiotas de Irina, a falta de interesse dela pelo trabalho dele e vice-versa e tudo, tudo o atingiu com a força de um tornado. Porque você se acomodou, seu idiota.

Amy voltou à mesa, trazendo um pratinho de doce e duas cervejas. Maria ficou radiante ao ver os docinhos e a bebida nas mãos da garota, abandonando o clima pensativo. Damian, por outro lado, permaneceu imerso naquela pequena realização, olhando irritado para Hershel, que carregava Lara de um lado para outro.

— Cara insuportável — resmungou ele. — Se achando um ótimo dançarino. Que ridículo.

— Você realmente detesta o Oficial Bigode, não é? — Maria riu.

— Ele está com ciúmes — provocou Amy, a boca cheia e outro docinho nas mãos. Damian apertou os olhos. A garota deu de ombros. — Se você queria dançar com ela, era só convidar, cara.

— Eu não queria... — retrucou ele, olhando sem graça para Maria. Um sorrisinho dançou nos lábios açucarados de Amy. Damian corou, as malditas orelhas queimando. — Você é muito linguaruda, garota. Não tem nada a ver com Lara.

— Se você está dizendo...

Ela disse aquilo e deu de ombros exatamente como Diane faria. Garota debochada. Damian ia responder, mas percebeu o sorriso malicioso de Maria e se calou. Por que todo mundo achava que tudo dizia a respeito à Lara?

A música terminou e todos aplaudiram da pista de dança. Pessoas se levantaram das mesas, tomando a posição dos dançarinos que preferiram descansar e comer um docinho. Risonhos, Lara e Hershel foram um dos casais que voltaram à mesa.

Ela tinha o rosto corado, alegre pelo movimento, e Hershel apoiava uma das mãos em suas costas. Uma nova música começou e os dançarinos não demoraram a lotar a pista outra vez.

— Nossa, acho que nunca me diverti tanto! — exclamou Lara, sorrindo e apoiando as mãos na cadeira vazia de Will. Ao notar a ausência das filhas, perguntou:. — Onde estão...?

— Dançando — Maria riu, apontando um dedo para os três, que dançavam em roda numa parte da pista. Damian sorriu ao ver as costas de Will encurvadas para alcançar as mãozinhas das meninas. — E se querem saber, vou me juntar a eles antes que Will fique completamente torto.

Maria se levantou e riu, pegando outro docinho. Antes de se afastar, ela piscou para Damian como se partilhassem um segredo. Ele sorriu sem graça, baixando os olhos para o pratinho de doces.

A música continuava animada. Hershel, um pouco atrás de Lara, segurou-a pela cintura e a virou para si. Damian semicerrou os olhos. Aquele cara não tinha o mínimo de respeito.

— Vou pegar uma bebida pra nós. — O policial riu e flexionou os joelhos para olhar nos olhos de Lara. — Dançamos a próxima?

— Claro! — respondeu ela, logo antes de Hershel sumir entre os convidados. Lara girou nos calcanhares antes de se sentar, um sorriso crescendo em seus lábios. Damian permaneceu de braços cruzados, carrancudo. — Estão se divertindo, queridos?

— Nem me fale. Está sendo a melhor noite da minha vida — resmungou ele.

Amy riu, olhando para ele de relance com aqueles olhos azuis muito maquiados. Lara sorriu, incapaz de perceber o sarcasmo das palavras dele. A música seguia animada, fazendo todos os dançarinos baterem os pés no chão. Alan e Helen voltaram à pista debaixo de aplausos e assovios.

— Mas você também parece estar se divertindo — disse ele, fechando a cara. — Eu não sabia que você gostava tanto de dançar.

— Ah, si! Fazia muito tempo que eu não dançava. — Lara riu e Damian sorriu de volta. Só um pouquinho. Era impossível não ficar alegre perto dela. — Quer dizer, acho que a última vez em que dancei assim foi na Itália, então faz muito tempo. E além do mais, você me deve uma dança.

— Eu? — perguntou ele, desarmado pelo sorriso dela. — Do que você...?

— Desde que você nos contou que fez aulas, estou curiosa para ver você dançando! — Lara riu, e aquela alegria toda, que deixava as covinhas dela à mostra, fizeram Damian sorrir também. — A não ser que você fique com vergonha, ou...

— Vergonha? Qual é, eu sou praticamente um John Travolta na pista de dança. — Os dois riram. Damian se ajeitou na cadeira, ignorando o olhar de soslaio que Amy lhe dirigia. Corado, disse: — E é claro, Lara. Podemos dançar quantas vezes quiser. Aliás, eu queria dizer que você está muito...

— Aqui está, Lara! — Hershel entregou uma taça a ela, sorrindo. Damian fechou a cara, sentindo o pulso engessado comichar. Amy ficou em silêncio, observando tudo com seus olhos maquiados e a boca suja de açúcar. O policial bateu palmas tão logo Lara terminou de beber a taça de champanhe. — Vamos lá?

— Claro! — Ela se levantou da cadeira, rindo e ajeitando o vestido. Antes que Hershel a puxasse pela mão, Lara apontou um dedo para Damian. — E você ainda me deve uma dança. Nem pense em fugir!

O sorriso dele desapareceu assim que Lara virou as costas, sendo puxada por Hershel como uma boneca de pano para a pista lotada. Amy comeu outro docinho, e Damian semicerrou os olhos quando o policial ergueu Lara do chão, apertando sua cintura com um sorriso escondido debaixo daquele bigode nojento.

— Esse cara é um bosta.

— Se você queria tanto dançar com ela, era só...

— Será que dá para você parar com essa merda? — reclamou ele. — De repente só porque odeio um cara, todo mundo acha que estou interessado na Lara? Ótimo.

— Na boa? — Amy limpou a boca com as costas da mão. — Você parece um namorado ciumento.

— Não, eu não pareço — esclareceu ele, atirando um guardanapo longe. — Isso não tem nada a ver com a Lara. O cara é um imbecil e eu odeio casamentos. Sinto muito se não estou no clima para essas festividades idiotas.

— Por que você vai se casar, então?

Damian franziu o cenho, encarando a garota. Não se lembrava de ter contado à garota — ou a qualquer outra pessoa da minivan que não Will — que estava noivo de Irina.

Ele puxou uma garrafa de cerveja que Amy trouxera e tentou abri-la, mas grunhiu após algumas tentativas frustradas de arrancar a tampinha e trincou a mandíbula. Por que nada dava certo?

A música country estava dando nos nervos dele, assim como as malditas gargalhadas espalhafatosas de Hershel.

— Nem sei se ainda tenho uma namorada. Muito menos uma noiva. — Damian suspirou irritado e tentou novamente abrir a garrafa, que escorregava de sua mão engessada por estar gelada. — E a última pessoa que eu gostaria de ver usando um vestido branco seria Irina. Deus me livre.

— É por minha causa que você... que você não vai se casar?

Damian franziu as sobrancelhas, ainda segurando a garrafa na mão boa. Amy parecia sem graça, e ele não soube o que dizer. Era a primeira vez em que ela o olhava como se fosse um estorvo.

Pela primeira vez ele se sentiu péssimo. De verdade.

Querendo ou não, era o pai de Amy. Damian sabia qual seria o maldito resultado do teste de DNA só de olhar naqueles olhos azuis dela. Não precisava ser um Einstein para descobrir aquilo. Damian era a porra do pai da garota, mas desde o início a tratara como um saco de batatas, uma mercadoria qualquer que precisa ser descarregada na Flórida o mais rápido possível.

Olhando para o rosto pontudo dela, para as orelhas e para o nariz que eram uma cópia fiel dos de Diane, Damian quis, novamente, voltar no tempo e fazer tudo diferente. Eu deveria ter entrado no primeiro avião para a Escócia e ido atrás dela. Atrás delas.

Encarando Amy, Damian entendeu que seria impossível construir pontes agora. Ele sempre seria o cara que abandonou a mãe dela grávida, e ela sempre seria a filha que ele nunca quis. Mesmo que quisesse consertar as coisas, Damian tinha certeza de que só pioraria tudo. A garota o odiava e não havia nada que ele pudesse fazer para alterar aquele fato que, agora, parecia doer mais do que antes. Eu não quero uma filha. Você não precisa de um pai.

Ele piscou e as palavras dela se dissolveram nos acordes da música country. Amy o encarou, esperando pela resposta. Sem graça pelo silêncio, Damian deu de ombros.

— Relaxe, garota. Meu relacionamento já estava afundado numa montanha de bosta antes mesmo de você chegar.

— Mas ela sabe sobre mim?

— Quem? — perguntou ele, tentando abrir a garrafa outra vez.

— Sua noiva?

— Ah, ela nem sonha. E aposto que detestaria se soubesse.

— Pelo menos a minha tia sabe.

Ele parou, de repente surdo para a música country irritante e os gritinhos excitados dos dançarinos. Amy colocou uma mecha de cabelo para trás da orelha e coçou a ponta do nariz. Damian sorriu ao perceber aquele tique, o mesmo que ele tinha quando ficava nervoso, surgir na garota.

— Grace já me mandou pelo menos vinte mensagens perguntando como você é — disse Damian, sentindo um aperto no coração ao falar na irmã mais velha. Ele se calou, não querendo parecer saliente, mas sorriu. — Vocês são parecidas pra caralho.

— Ela parece ser... demais.

— Ela é.

Ficaram em silêncio.

— Sinto muito — disse ela, olhando para a pista de dança antes de mirá-lo. Damian franziu as sobrancelhas. Sem graça, Amy deu de ombros. — Por aparecer na sua casa dizendo que você é meu pai e por, tipo, estragar o seu casamento e tal. Sinto muito.

— Você não estragou, só... só foi a cerejinha que faltava no topo do bolo de bosta.

— Vai ver eu tenho vocação para isso.

— Para quê?

— Para ser a cerejinha no bolo de bosta dos outros.

— Você não tem culpa. É mal de família.

Os dois sorriram, mas o bom humor durou pouco. Damian se virou e viu, no centro da pista de dança, Hershel se inclinar para a frente e sussurrar no ouvido de Lara. Ela, corada e sorridente pela dança, assentiu, apertando com mais força os ombros largos do policial.

Damian fechou a cara, puxando com fúria a maldita tampinha da garrafa de cerveja, que apesar de tudo, permanecia fechada. Aquele bigodudo miserável não respeitava ninguém.

— Dá para acreditar nesse cara? Se ao menos eu conseguisse abrir essa porra e encher a minha cara para essa noite de merda acabar de uma vez...!

Ele depositou a long neck com força na mesa e cruzou os braços tal qual uma criança mimada.

Amy abriu a cerveja sem dificuldade, empurrando a pequena garrafa na direção dele.

Sentindo as orelhas esquentarem, Damian coçou o nariz. Que belo pai de merda você é, cara. Ele pegou a garrafa, fez um sinal de agradecimento e se levantou. Antes de ir embora, porém, voltou-se. Amy comia outro docinho quando ele disse:

— Eu sinto muito por ter chamado você de todas aquelas coisas, eu... — Damian sentiu a garganta fechar quando os olhos azuis de Amy encontraram os seus. A cerveja gelava seus dedos. Ele pigarreou. — Quando você morar na Flórida, podemos... podemos nos falar por Facebook, ou posso... ir visitar, se você quiser.

Ele tentou imaginar como diabos seria aquele encontro, mas não conseguiu. Se mal conseguia conversar com a garota ali, o que diria quando estivessem separados por quase mil milhas, visitando-se uma vez por mês?

— Tudo bem — respondeu ela, coçando o nariz.

— Certo. Legal — disse ele, massageando a nuca. — E achei legal o seu... seu cabelo assim. Preso. É diferente. Você ficou... legal. Vou indo lá. Vejo você... amanhã.

Damian fez um gesto de cabeça e virou as costas, tomando um grande gole de cerveja. Afastou-se da música country irritante, da alegria dos noivos, das gargalhadas de Hershel e dos olhos azuis de Amy com um suspiro aliviado.

Irritado e enjoado, Damian desceu a pequena encosta gramada com a cerveja na mão, vendo, aqui e ali, casais apaixonados de mãos dadas admirando a lua daquela agradável noite de verão. O mundo quer que eu me foda. Não pode ser. Contrariado, ele bebeu outro gole pensando na cama quentinha que o esperava, mas se virou quando ouviu alguém chamar seu nome.

Lara sorriu, os cabelos negros esvoaçando atrás de seu rosto corado. Ele abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas as palavras fugiram ao ver a figura dela contra a lua, com aqueles olhos verdes brilhantes e o sorriso alegre. Quando ela se aproximou, Damian se esqueceu de Hershel, do carro estragado, de Irina, da música country repetitiva, dos casais apaixonados e sorriu de volta.

— Amy disse que você decidiu se recolher mais cedo — disse ela, ajeitando os cabelos atrás das orelhas. — Tudo bem?

— Sim, eu só... — começou ele, fazendo um gesto displicente com a mão antes de dar de ombros. Não queria parecer o idiota que não estava se divertindo. — Os analgésicos me deixam um pouco sonolento. Sabe como é. Você... precisa de alguma coisa?

— Bem, eu queria saber como você estava e pedir a sua ajuda amanhã, na verdade. Perdi meus brincos no carro e queria muito encontrá-los antes de irmos embora, então...

— Por que não agora? — perguntou ele. — Podemos passar na oficina antes de voltarmos ao quarto e... — Lara franziu o cenho. Damian sentiu as orelhas esquentarem — Quer dizer, você volta para a festa e eu para o quarto. Meu Deus, sinto muito. Os analgésicos estão me deixando muito idiota.

— Mas não vamos encontrar ninguém lá. — Ela riu, franzindo o cenho. — Vi os ragazzi da oficina dançando na festa. Um deles até tinha a gravata amarrada na cabeça.

— É só uma olhadinha rápida — insistiu ele, apertando o gargalo da garrafa. — Ou podemos procurar amanhã de manhã. Assim você pode voltar e dançar com o Oficial Bigode.

Ela semicerrou os olhos e sorriu, aproximando-se. Ele achou fascinante o fato de Lara ainda cheirar a biscoitos e massinha de modelar mesmo depois de tomar banho.

— Você é impossível — Lara repreendeu num tom divertido. Os dois riram e desceram a encosta lado a lado. Damian tomou outro gole de cerveja. — Hershel foi muito bom para nós.

— Ah, foi ótimo. Principalmente quando arranja motivos para arrancar a própria camiseta de cinco em cinco minutos — resmungou ele. Antes que pudesse se conter, disse: — Não pensei que você fosse ligada nesse tipo de coisa.

Dio! — Ela riu, ajeitando o cardigan no corpo e cruzando os braços tão logo a música e os adolescentes cheios de hormônios ficaram para trás. — Ligada em quê?

— Músculos. E caras tirando a camisa.

— Eu não sou — defendeu-se Lara. A expressão desacreditada de Damian rendeu-lhe um empurrão no ombro. Os dois riram. — Você só está com inveja.

— Inveja do caipirão? Me poupe, Lara.

— Bem, ele tem mais músculos do que você.

Damian parou por um momento antes de jogar a garrafa de cerveja numa lata de lixo aberta. Olhou para Lara, que tinha um sorriso bobo no rosto, e se sentiu leve pela primeira vez em meses. Cara, eu devo ter feito algo muito certo para você estar aqui comigo.

— O que foi? — perguntou ela, corada.

— Você não tem como saber disso — rebateu ele, tentando camuflar o riso enquanto tomavam o rumo da oficina.

— É claro que tenho. Quando nos acidentamos, mandei você tirar a camisa e...

— E você olhou?

— Estava escuro — respondeu Lara, corando. — E eu não estava olhando.

— Então você não tem como fazer a comparação, porque é óbvio que sou mais gostoso do que o Oficial Bigode.

— Você é impossível! — exclamou ela, rindo e empurrando-o pelo ombro mais uma vez.

Damian riu e enfiou a mão direita no bolso. Andaram em silêncio, passando por casinhas brancas com a bandeira americana hasteada, fontes sussurantes e jardins impecáveis. Damian pigarreou e, sem olhar para Lara, sorriu.

— O que eu queria dizer antes é que você está linda — afirmou ele, antes que Hershel surgisse de alguma das latas de lixo, oferecendo champanhe e outra dança à Lara. Damian percebeu o rosto dela corar e coçou o nariz, pigarreando. — O seu vestido é... é incrível.

— Ah, grazie. Eu estava guardando esta roupa para ver Gérard, mas casamentos também são ocasiões especiais.

Damian se lembrou de Maria querendo socar a cara do cunhado, da tristeza dos olhos dela ao olhar para Lara e Hershel dançando, e franziu o cenho. Não acreditava que Lara poderia sequer cogitar a hipótese de se relacionar com um idiota. Não fazia o estilo dela se envolver com imbecis.

(E, secretamente, Damian achava difícil qualquer cara em plena posse das faculdades mentais escolher morar longe dela, fosse qual fosse o motivo, fosse o cara um idiota ou não.)

Caminharam em silêncio, ouvindo um gato vadio miar ao longe.

— Animada para chegar? — perguntou Damian, chutando uma pedrinha da calçada.

— Sim — confessou ela, sorrindo. — Não vejo Gérard há quatro anos. Mal posso esperar.

— Quatro anos é bastante tempo. O que ele faz lá?

— Ele era taxista em Nova York, mas conseguiu esse emprego de motorista na Flórida através da internet. Gérard dirige para uma madame que alimenta os próprios cães com salmão.

— Sério? — Ele franziu o cenho.

— Sério.

— Que sorte. Esses cães devem ter uma vida boa pra caralho.

Eles riram, e a oficina BOYLE & SONS, que atendia DESDE 1947, surgiu adiante, vazia e escura no topo da colina. Venceram os poucos metros que os separavam do lugar e Lara franziu o cenho, olhando para o imenso galpão solitário.

— Relaxa — assegurou ele assim que tocou as portas vermelhas de madeira carcomida. — Duvido que tenham trancado a oficina numa cidade com menos de mil habitantes.

Pela primeira vez desde que a viagem começara, Damian estava certo.

Ele empurrou as portas e entrou com Lara, seus olhos ardendo por conta da poeira grossa do chão e do cheiro de gasolina e óleo. A minivan estava no centro da oficina, o capô amassado por causa dos socos e um dos lados arranhados pelo acidente em Maryland.

Damian fechou a porta do galpão e olhou em volta, coçando a cabeça. Acionou um interruptor velho e manchado de tinta. As luzes amareladas tremeram, piscando contra o carro como num filme de terror.

— Agora só precisamos encontrar a... aqui!

Ele pegou a chave de uma das mesas de metal repletas de ferramentas e sorriu para Lara, abrindo a porta traseira do carro.

— Como é o seu brinco?

— Ele é bem pequeno. — Lara franziu o cenho, abrindo o porta-luvas. — Imita uma pedrinha verde. Tirei antes de guincharem o carro, então talvez tenha caído no chão.

— Você se lembra de onde o colocou?

— No painel, talvez — confessou ela, procurando debaixo do próprio banco.

Damian tateou o tapete e enfiou a mão entre o vão dos bancos. Encontrou muitos farelos e algumas moedas, mas nada similar a um brinco.

— Certo, vamos deixar a coisa mais interessante. — Ele riu, enfiando as mãos entre os bancos de Amy e Will. — Aposto cinco paus como consigo encontrar os brincos antes de você.

— Você nem sabe como eles são! — Ela riu, levantando o tapete do lado carona.

— Mais um motivo para você aceitar a aposta.

— Só vou aceitar porque vou vencer.

— Eu não fazia ideia da existência desse seu lado convencido, vizinha.

— Tem muitas coisas que você não sabe sobre mim, vizinho.

Os dois riram. As histórias que Maria contara enquanto iam ao casamento voltaram às lembranças dele com força redobrada. "Tem muitas coisas que você não sabe sobre mim, vizinho". Ele riu, observando Lara, que procurava pelos brincos no porta-luvas novamente.

(Quando o pensamento de Damian retornou à maldita tatuagem dos pássaros e ao biquíni, ele desmanchou o sorriso e abaixou a cabeça, voltando à procurar pelos brincos.)

Damian não encontrou nada nos bancos traseiros e pulou para a frente, sentando-se ao volante. Seus dedos tocaram o extintor, o tapete de couro e os CD's da Sra. Greene, mas nenhum brinco. Lara se inclinou no banco do carona e tateou o painel. Pelo seu suspiro, Damian suspeitou que ela não tivera melhor sorte.

Por fim, ele puxou o celular do bolso e ligou a lanterna, invadindo o interior do carro com aquela luz azulada medonha.

— Ok, vou precisar usar minha arma secre...

— Espere — interrompeu ela. Damian franziu o cenho. — Faça isso de novo.

— Isso o quê?

Damian moveu o celular. Lara se atirou contra ele.

— Encontrei! — gritou ela. Ele viu um pequeno par de brincos rolar no porta objetos do lado do motorista. Damian riu, deixando o celular cair no chão enquanto tentava segurar os braços de Lara, que se debatia com um riso frouxo. — Você está roubando!

— Não estou roubando — disse ele, rindo. — Estou tentando vencer!

Lara finalmente pegou os brincos e riu, ajeitando-se no banco para enfiá-los de volta às orelhas. Damian ofegava e ria por causa da disputa boba quando percebeu que Lara estava sentada em seu colo, as pernas descansando ao lado das suas, os cabelos negros caindo por seu rosto e o colo subindo e descendo, ofegante. O sorriso nos lábios de Lara foi sumindo, e Damian, que descansava a mão direita na cintura dela, sentiu o coração bater nas orelhas.

Meu Deus.

O silêncio que os envolvia era quase obsceno, e ele não conseguia parar de alternar o olhar entre os olhos incrivelmente verdes de Lara, agora escuros e profundos, e seus lábios entreabertos. Ela cheirava a biscoitos e massinha de modelar, e ele queria, mais do que tudo, beijá-la.

Ficaram presos naquele momento esquisito, esperando pelo próximo passo. Ela tocou os lábios dele com a ponta dos dedos. O pulso engessado de Damian comichou debaixo daquele toque, e o ar mal chegou a seus pulmões quando Lara se inclinou para frente e o beijou.

Os lábios dela eram quentes, calmos e famintos. Ser beijado por Lara era como emergir após um mergulho demorado, como tomar sorvete no verão e dormir ouvindo a chuva bater nas janelas numa noite fria de outono. Numa definição simples e precisa demais, ser beijado por ela era como voltar para casa após uma longa viagem, como dormir na própria cama depois de infinitas camas de hotel.

Damian, apaixonado por aquele sentimento e pelo cheiro de biscoitos de Lara, puxou-a de encontro a si. Ela deixou escapar um gemido rouco que não perdia em nada para as sinfonias que Will gostava tanto de ouvir, e ele se perdeu nela. Separaram-se apenas o suficiente para respirar, e naquele intervalo minúsculo, Damian a beijou de volta como se pudesse se mesclar à Lara, transformar-se numa parte do estofamento da minivan e seguir viagem eternamente.

Ela se ajeitou no colo de Damian, repousando as mãos no pescoço dele. Com os pulmões queimando e as pontas dos dedos sentindo o calor do corpo dela através do tecido fino do vestido, Damian ofegou, interrompendo o beijo. Sem ar, de olhos fechados e abraçando a vizinha como se ela fosse o último colete salva-vidas do Titanic, Damian sussurrou:

— Vamos para o quarto. Eu quero você.

Ele sabia que não era o certo a dizer, mas de repente nada mais importava.

Damian não se importava com o marido de Lara, com aquela aliança de bronze ao redor do dedo dela que proibia tantas coisas. Tudo isso se tornava pequeno quando ele pensava nas silhuetas dos pássaros em seu baixo-ventre bronzeado, na curiosidade insaciável que tinha de desenhar cada um com a ponta dos dedos, de vê-los voar. Nada importava a não ser Lara e aquela vontade de estar com ela no carro, no quarto, em todos os lugares e de todas as maneiras.

Ela afastou o rosto. Quando abriu os olhos, Damian foi soterrado pelo olhar esverdeado de Lara, pelos lábios entreabertos e pelo rubor que subia por seu pescoço.

Lara piscou e, encabulada, disse:

— Eu não... eu não posso trair o meu marido.

Ela abriu a porta do carro e saiu pisando firme pela oficina.

Quando a porta do galpão se fechou, Damian piscou. Com as mãos descansando sobre o volante e a cabeça rodando, viu os desenhos de Giorgia e Alessia brilharem em seu gesso. Ele relaxou no banco, fechando os olhos.

Os malditos pássaros de Lara ainda voavam diante de sua visão, e o cheiro de biscoitos, o cheiro dela, estava em cada milímetro do estofamento. Ele abriu os olhos.

Encarando um ponto fixo no chão da oficina, Damian soube que estava perdido.

Muito perdido.  



[NA] → Feliz Natal, queridos! Capítulo gigante (dedicado aos bolinhos torcedores de #Larian) entregue com sucesso! Espero que tenham gostado, que tenham um Feliz Natal e que, se estão gostando da história até aqui, compartilhem com o máximo de pessoas possível! Valeu, e até a próxima, gente! :) ♥

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