XXIX

❥ CAPÍTULO 29

Algumas coisas passaram na minha cabeça nos últimos dias. Muitas coisas. Mas a principal, sem muita surpresa, foi Evie.

Eu não sei como ou quando, mas uma certeza se acendeu na minha mente desde a última vez que vi ela. Quando vi ela sorrindo foi como se tudo ao nosso redor desaparecesse, sobrando somente nós dois e o sorriso dela capaz de iluminar a mais sombria alma. Quando pela simples menção do nome dela, pelo som da sua voz e todos os mais perfeitos detalhes presentes em Evie, meu corpo parece entrar em combustão. Minha mente parece parar no tempo e só registrar essa única pessoa. Todos os jeitos, manias e ações de Evie me encantam. Inevitavelmente.

Com tudo isso, eu cheguei a uma conclusão, mesmo sem querer. Sei que seria impossível algo do tipo não acontecer, mas não imaginei me apaixonar tão rápido assim. Na verdade, acredito que esse sentimento já estava comigo há um bom tempo, só não conseguia admitir ou era cego demais para perceber. Mas uma certeza eu tenho, aquela bailarina acertou em cheio meu coração, pegando todo para si e arrancando de mim toda aquela armadura imponente que não se deixava levar pelas emoções e que não queria amar. Não desse jeito

Mas as coisas com Evie são diferentes. Acho que sempre foram. Ela simplesmente tem o poder de me desarmar com um sorriso ou olhar. E, porra, essa sensação é uma das melhores das quais eu poderia experimentar. Mesmo que um pouco assustadora.

— Eu ainda tô falando contigo ou você foi abduzido por aliens e deixou só o seu corpo aqui?— Sou despertado dos meus devaneios pela voz de Justin. Balanço a cabeça, focando.

— O que?— Franzo o cenho olhando para ele.

— Eu estou há bastante tempo aqui falando com você, mas parece que eu tô falando sozinho porque você não escutou nada do que eu disse. — Meu amigo diz, com uma carranca.

— Desculpa, me distraí. O que foi?

— Repetindo... — Ele respira fundo. — O que você acha de ir a uma boate essa sexta?

Não tenho nem tempo de responder, pois quando abro a boca ele volta a falar.

— Não vale recusar. — Justin aponta o dedo na minha direção. — Vocês não quiseram ir no outro dia, mas falaram que iriam depois. Aqui tá o depois, você vai e pronto. Charlie também.

— Eu não ia recusar. — Dou de ombros, me levantando do sofá e me espreguiçando. Acho que fiquei sentado por muito tempo.

— Ótimo. — Ele sorri animado e se levanta também, dando um tapinha no meu ombro e passando por mim para subir as escadas.

Talvez seja bom. Faz tempo que não saímos. Beber um pouco com eles não faz mal. Além do que, eu preciso tirar um pouco a ruivinha da minha cabeça se não quiser enlouquecer.

Respiro fundo e subo na minha moto, fazendo caminho ao meu lugar favorito da cidade e minha pessoa favorita. Faz tempo que não vejo ela.

✧•✧•✧•✧

— Lembrou que eu existo?— Minha tia me recebe assim que abre a porta de sua casa.

— Desculpa. — Envolvo meus braços em seu pescoço, a abraçando forte contra mim e encostando a cabeça em seu ombro. — Andei muito ocupado nessas últimas semanas.

— Até pra me ligar? — Ela me solta, somente para colocar as mãos sobre cada lado do meu rosto e me avaliar.

— Eu esqueci, desculpa.

— Tudo bem. — a tia Marie sorri carinhosamente. Ela tira as mãos de mim e fecha porta, andando para dentro da casa. Eu a digo. — E como você tá?

— Tô bem. Eu acho. — Coço a nuca, me sentando no sofá assim que chegamos na sala de estar.

— Acha?— Ela levanta as sobrancelhas, cruzando os braços. — O que aconteceu?

Suspiro, jogando a cabeça contra o encosto do sofá e fechando meus olhos, me permitindo relaxar. É lógico que a tia Marie sabe tudo sobre o que acontecia em casa com meu pai, ela sempre tentava me ajudar ao máximo, mas eu sempre evitei envolver muito ela nesse assunto. Não contei a ela sobre a visitinha dele depois do jogo e nem quando ele apareceu lá em casa tentando, novamente, controlar o que eu faço.

— Vi meu pai umas duas vezes nessas últimas semanas. — Dou de ombros, ainda de olhos fechados. Ouço uma lufada de ar sair da minha tia. — Ele foi até mim brincando de ser bom pai e perguntando da minha vida. Acho que ele faz isso pra me controlar.

— Só isso? — Ouço sua voz carinhosa mais perto e sua mão em meu ombro. Somente assinto com a cabeça. — Olha pra mim.

Ela pede, colocando gentilmente uma mão em meu rosto e virando para ela. Abro os olhos, vendo sua feição preocupada. Tia Marie se senta ao meu lado.

— Foi isso que aconteceu? Ele só foi falar com você? — Sua pergunta foi cautelosa. Balanço os ombros, desviando de seu olhar. Ela respira fundo quando não respondo e acho que entende a resposta quando passa os braços pelos meus ombros e faz a minha cabeça deitar em seu colo, acariciando meu cabelo.

Na última vez ele só foi falar, sim, na primeira além de falar ele me deu socos. Mas não gosto de falar isso. Não gosto de lembrar. É como se sentisse tudo voltando. Todas as sensações e dores de quando ele encostava seu punho em mim.

— É tão revoltante a polícia não dar a mínima pra isso. — Sinto suas mãos fazendo carícias leves e reconfortantes enquanto sua voz sai irritada. — Aqueles bando de hipócritas corruptos.

— Não é uma surpresa tão grande. — Murmuro, fechando os olhos e aproveitando seu carinho. — A maioria das pessoas fazem tudo por dinheiro, não importa o que seja.

Quando tia Marie viu alguns hematomas no meu corpo pela primeira vez, eu tinha por volta dos dez anos. Ela ficou chocada, chorou e quis saber de tudo. Eu não contei a verdade, claro, estava com um medo terrível. Mas ela não é de desistir fácil. Marie foi mais a fundo nisso, sempre atenta ao que seu irmão fazia e tentava me manter longe dele ao máximo me trazendo para sua casa. Ela ligou para a polícia quando viu a forma agressiva que meu pai me tratava, mesmo que não me batesse na frente dela, Marie tirou suas próprias conclusões.

Teve um julgamento. Corpo de delito. Eu falei meu lado da história. Tudo, desde o primeiro dia até alguns dias antes. Ele ficou na cadeia por cerca de uma semana, com seu dinheiro pagou os malditos policiais e todo mundo que era responsável pelo caso e mídia. Conseguiu fazer com que inventassem uma mentira para que ele pudesse vencer. Quando chegou em casa, sua ira foi descontada em mim. Pior do que muitas outras vezes.

Não tendo muito o que fazer, já que depois de inúmeras tentativas falhas da tia Marie de por o irmão na prisão, ela percebeu que Francis sairia impune dessa. Desde então ela vem me ajudando. Conversando comigo, pagando a psicóloga e sempre fazendo questão de me manter o máximo afastado dele. Posso dizer que nesse sentido minha tia fez mais do que minha própria mãe.

— Sabe, sua mãe quase conseguiu fazer com que Francis fosse preso e ganhasse uma ordem de restrição. Ela foi atrás de policiais de verdade e um juiz honesto. — minha tia começa a falar, quase adivinhando meus pensamentos. Fico atento no que ela fala. — Mas seu pai descobriu antes do tempo e conseguiu reverter novamente a situação. Acho que esse foi um dos principais motivos pro seu pai interná-la. Usando a desculpa que foi culpa da doença que estava afetando seu cérebro pra se safar. E isso nem tem tanto sentido.

— Ela não parecia estar tão ligada a isso.

— Sua mãe te amava, querido. — Ela suspira. Engulo em seco com dificuldade, um nó se forma em minha garganta. — Ela tinha medo de algo pior acontecer e ele tirar você dela. Francis é um lunático que não se importa com nada. Ela muitas vezes tentava te ajudar, mas seu pai sempre a deixava reclusa. Não fique pensando que ela não ligava, porque ela ligava muito pra isso. A última coisa que ela me pediu foi pra que eu cuidasse de você e te ajudasse, ela queria te ver bem. Eu tô cumprindo a promessa que eu fiz a ela, mas eu também te amo com todo o meu coração, filho.

Eu não sei quando comecei, mas quando dei por mim, lágrimas caiam de meus olhos, molhando todo o meu rosto e a calça minha tia. Não lembro a última vez que chorei assim. Como um bebê. Encolhido no sofá, com a cabeça no colo da minha tia e sentindo suas mãos suaves e beijos doces na minha cabeça. Eu ainda fico muito sensível ao falar da minha mãe, acredito que sempre ficarei. Não gosto nem de lembrar muito dela porque eu fico vulnerável. Eu sinto meu coração apertado, como se tivesse sendo esmagado por dezenas de elefantes e minha cabeça sempre fica uma bagunça, com todo o emaranhado de lembranças. Todas as recordações de minha mãe vem como socos. Socos certeiros, fortes e fatais, quebrando o resto da minha sanidade.

E eu fico lá. Aninhado nos braços da minha tia como se fosse uma criança novamente. Uma criança chorona e destruída. Liberando todo o choro e agonia que ficaram presos por tempo demais dentro de mim. Despejando todas as mágoas para enfim poder seguir em frente e ao menos tentar ser feliz.

✧•✧•✧•✧

— Então, alguma novidade?— A tia Marie pergunta, colocando um pouco de chá na minha xícara.

— Nada demais. — Pego a xícara e sopro a bebida fumegante antes de bebericar alguns goles.

Depois de um tempo soltando tudo que eu tinha que soltar até não sobrar mais nada, minha tia resolveu fazer chá e uma torta de morango para nós. A melhor combinação. Sempre que eu venho visitá-la, sempre sou recebido com a minha torta preferida e algum chá calmante.

Ela falou comigo sobre minha mãe e meu pai. Nós conversamos bastante. Sobre o quanto minha mãe tentou me ajudar e não conseguiu. Me sinto um idiota por ter julgado ela por tanto tempo, por achar que ela não ligava para isso. Apesar da minha tia falar que não tinha como eu saber e que é algo totalmente compreensível, eu ainda me sinto um completo estúpido por isso. Porque eu sei que fui.

— Certeza?— Ela semicerra os olhos, se sentando a minha frente. De alguma forma ela sabe que eu não contei algo. —Tá escondendo coisas agora?

— Eu posso estar gostando de alguém. — Respiro fundo, mantendo o olhar aos talheres na mesa. Tento ter coragem para falar isso. É a primeira vez que falo em voz alta. — De verdade. Eu gosto muito dela.

— Ah é?!— Levanto meus olhos para a minha tia, que está com um sorriso aberto e muito contente no rosto. — Como ela é?

— Ela é... linda. — Começo a mexer nos meus próprios dedos, sorrindo sem nem perceber para algum lugar. — Gentil, inteligente, simpática. Muito talentosa. Ela é incrível. Eu não sei o mais o que dizer.

— Você tá apaixonado!— Ela exclama, se levantando e vindo até mim, me abraçando de um jeito desajeitado e muito apertado. — Meu Deus, você tá apaixonado por alguém! Isso é incrível. Quem é ela?

Agora ela vai querer saber até sobre os antecedentes de Evie.

— Eu conheço ela tem um tempo. A gente se aproximou mais nos últimos dias e aconteceu. — eu confio na minha tia, me sinto seguro com ela, mas é tão estranho estar falando disso com ela. Falando abertamente sobre esse sentimento tão intenso.

— E o nome dela?

— Evie. — suspiro quando ela me solta, me permitindo respirar.

— Evie... — minha tia repete o nome da mesma, me olhando com os olhos semicerrados, desconfiada de algo.

— A garota que eu pedi pra que fizesse a audição. — e o seu sorriso aumentou ainda mais, me fazendo abrir um sorriso fraco por sua animação.

— Eu sabia que vocês tinham algo. — ela bate palmas, puxando uma cadeira ao meu lado em seguida e segurando nas minhas mãos enquanto olha nos meus olhos.

— A gente não tem...

— Não importa. — a tia Marie me interrompe. Fico calado. — Fico muito feliz por você, querido. Eu quero saber tudo.

— Tia... — choramingo, jogando a cabeça para trás.

— Ela parece ser ótima. Vai, me conta. — respiro fundo, tomando coragem para falar tudo o que vem na minha mente e meu coração mandar.

É algo tão recente, mas que já me tomou por inteiro. É incrível o fato de que ela, e somente ela, me fez sentir algo tão intenso e arrebatador pela primeira vez. Não tenho palavras para descrever o sentimento. É somente algo novo, assustador e incrível. Evie Martin veio para abalar minhas estruturas e roubar todo o meu ser sem precisar de muito esforço. Evie Martin é quem eu amo, e se for preciso, vou fazer o necessário para que continue assim. E se for da sua vontade, para que continue comigo.

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