XV

❥ CAPÍTULO 15

Acho que estou ficando maluca.

Tenho quase certeza que daqui a pouco eu posso realmente ficar maluca.

É incrível a forma como as pessoas gostam tanto de saber da vida dos outros e darem palpite onde não lhes convém.

Desde que eu cheguei a cafeteria, para um dos meus últimos dias de trabalho aqui, e durante todo o período de aula na faculdade, as pessoas me olham. Não normalmente, consigo perceber os cochichos entre eles, a forma como alguns me olham com desdém e surpresa por eu sempre dizer que odeio o Andersen.

Foi impossível ninguém ver nossa pequena ceninha na cozinha, já tinha uma ideia de que isso poderia acontecer. Fiquei em casa o domingo inteiro descansando e me recuperando da ressaca, mas sabia o que poderia me esperar quando saísse de casa.

Ficar com Ryan tem lá seus prós e contras, e a popularidade dele é um dos contras.

— Você e Ryan estão ficando?— Uma colega de sala me pergunta quando estamos saindo da sala de aula. Apesar de estudarmos juntas, eu nunca havia sequer falado com ela.

— Não. — Respondo, apressando meus passos a tempo de me livrar dela no meio do fluxo de alunos que vão embora. 

Não quis ser mal educada, mas a quantidade de meninas que me perguntaram isso hoje e mais centenas de coisas é de perturbar até a mais calma das almas.

Não é como se fosse uma coisa de outro mundo também. Não é novidade que Ryan costuma ter casos de uma noite com as mulheres daqui, então talvez eles estejam mais chocados com o fato de eu deixar ele se aproximar e eu estar ajudando ele nas suas notas. Talvez pensem que fazemos isso por interesse, sinceramente, não faço ideia.

— Posso falar com você?— Ouço uma voz conhecida atrás de mim quando estou prestes a abrir a porta do meu carro. Respiro fundo, fechando os olhos por um segundo e volto a abri-los, virando para olhar para a pessoa.

— Sim?— Olho para Jacqueline a minha frente, com os braços cruzados, o olhar de superioridade e o nariz empinado. 

— Então todas as vezes que você dizia odiar o Ryan era tudo mentira, né?— Ela já começa assim. Reviro os olhos, discretamente. — Por que mesmo você começou a ajudar ele a estudar? 

— Minha vida não é nem um pouco da sua conta. Ache o que quiser, Jacqueline, eu não ligo. — Quando faço menção em me virar novamente, ela segura meu braço, me fazendo ficar parada.

Uso todo meu autocontrole para não virar e torcer o braço dela de vez, não gosto de briga e confusão, mas isso chegou ao limite. As aulas de defesa pessoal que fiz na adolescência tem que ser usadas para alguma coisa.

— Não adianta fugir, Evie. — Jacqueline fala, me olhando com desdém. — Usar a ajuda na matéria como desculpa pra transar com Ryan foi bem inteligente, mas isso não faz de você mais mulher. Parece que xingar ele de babaca e tudo mais não afetou nada a forma como ele te atrai.

Puxo meu braço do dela, com raiva. Me aproximo de Jacqueline ao ponto de nossos narizes se encostarem e nossos olhos ficarem frente a frente. Ela é tão alta quanto eu, então não temos nenhum problema de uma levantar a cabeça e a outra abaixar.

— Sim, Jacqueline Hernández...— Falo seu nome com o mesmo desdém que ela me olha. — Eu estou usando o Ryan. Me ofereci a ajudar ele exatamente pra isso, pra ele me levar pra cama. Eu estou fazendo isso, assim como todas as outras garotas que vão pra cama com ele quase toda as noite estão fazendo.

— Vadia. — Sua voz é rouca e baixa, seu olhar quase vacilando. Meus lábios formam um sorriso de lado. 

— O fato de você estar indo contra toda a luta da mulher no mundo para terem seu lugar igualmente, tentando me ofender usando um termo ofensivo e sexista, quando você é uma mulher, já diz muito sobre o tipo de pessoa que você é.

— Não vem com esses papos de feminismo aqui. — Ela nega. — Eu sou uma mulher, não preciso ouvir isso.

Balanço os ombros.

 — Vi tirar satisfação comigo e me ofender por ter beijado seu ficante não é algo que uma mulher que diz ser empoderada faz. Brigar por homens também é uma forma de perpetuar o machismo, não sei se você sabe. — Me afasto dela, dando alguns passos para trás. — Agora vai falar com Ryan e as outras dezenas de garotas com quem ele dormiu e vê se me deixa em paz. Eu não tô afim de discutir com você por causa de um pau quando tem milhares por aí.

Giro nos calcanhares, alcançando a porta do meu carro e entrando no mesmo. Dessa vez Jackie não me impede, somente fica parada no mesmo lugar, me olhando.

O que quer que seja, ela tem algo com Ryan já faz um tempo. Não acho que seja algo mais sério do que somente ficantes, eles são vistos muitas vezes juntos em festas. Ela não é a única de qualquer forma, Andersen já foi visto com muitas garotas.

Não costumo agir assim, até eu estou surpresa comigo mesma, mas confesso que gostei um pouco da sensação de desarmar aquela mulher, que sempre anda por aí se achando melhor que todo mundo.


— Suas mulheres são loucas. — Falo assim que abro a porta do meu apartamento para Ryan.

— Minhas mulheres?— Ele franze a sobrancelha, confuso enquanto adentra o apartamento e eu volto a fechar a porta.

— Sim. — Me sento no chão sobre o tapete felpudo, cruzando as pernas. — A quantidade de gente que veio falar comigo hoje sobre você é perturbadora.

Ele fecha os olhos, praguejando um palavrão com a voz baixa e volta a abri-los, olhando diretamente para mim.

— Desculpa por isso. — Ele se aproxima, tirando seus tênis e se sentando ao meu lado. — Alguém viu e espalhou pra todo mundo.

Penso no meu irmão imediatamente. Droga, como não pensei nele?

— Charlie disse algo?— Descruzo minhas pernas, as abraçando contra meu peito e apoiando meu queixo no joelho.

— Eu só vi ele no treino hoje. — Andersen dá de ombros, colocando seus livros sobre a mesa de centro. — Ele saiu mais cedo de casa de manhã e quando eu voltei ele não tava lá.  

— Como você acha que ele reagiu quando soube?— Falar tão normalmente com Ryan quando estávamos discutindo na festa dois dias atrás é estranho, mas deixo isso de lado.

— Não faço ideia. — Ele balança a cabeça. — Mas acho que ele queria saber da nossa boca, não pelos os outros.

— Ele acha que foi só naquela festa. — Relembro.

— Você acha que ele tá bravo?— Olho para ele, como se fosse óbvio.

— Provavelmente chateado por saber por outra pessoa. — Respiro fundo, não deixando de pensar no meu irmão. — Se ele ta assim por isso, não quero imaginar quando souber de todo o resto. O melhor amigo e a irmã dele.

Ficamos em silêncio por quase um minuto inteiro, olhando para um ponto no nada, em um clima estranho.

— Vamos começar?— Aponto para os livros, quebrando o silêncio.

— Vamos. — Ele concorda.

Diferente das outras vezes, conseguimos estudar sem nenhuma interrupção ou surpresa por ambas as partes. Andersen ficou calado, somente abrindo a boca para responder algo ou fazer uma pergunta, e dessa vez nós pareciamos realmente dois colegas que somente se ajudavam a estudar.

Estamos evoluindo rápido e Ryan consegue entender as coisas com facilidade, então se continuarmos nesse ritmo iremos terminar com os estudos antes do previsto. E isso seria ótimo.

— Por hoje é só. — Suspiro, encostando as costas e apoiando a cabeça no sofá atrás de mim. — Tá indo bem.

— Valeu. — Ele balança a cabeça, passando a mão no rosto, que evidencia seu cansaço, e dá um curto bocejo.

— Se você quiser continuar focado, tem que dormir e descansar. — Levanto uma sobrancelha, olhando para ele. — Você não vai conseguir fazer nada e nem aprender com sono.

— É que os treinos tão ficando muito pesados, isso acaba com qualquer um. — Ele explica, antes de me lançar um sorriso ladino e me encarar com seus olhos escuros e maliciosos. — Não se preocupa comigo, gata. Eu tô bem.

— A única coisa que eu quero é que você se concentre nos estudos. Isso tem que levar a alguma coisa. — Balanço a cabeça, me levantando. — Nas próximas provas eu quero que você tire a nota máxima. É por isso que estamos aqui.

Ele concorda, começando a guardar suas coisas na mochila. 

Quando termina, se senta no sofá, e me olha sério. Fico onde estou, sentada sobre a bancada da cozinha que separa os cômodos e olho para Ryan também.

— Eu sei que eu já disse isso, mas… — Ele começa, após alguns segundos em silêncio, e respira fundo. — Eu espero que você me perdoe por antes, tudo aquilo. Nunca foi minha intenção te fazer pensar assim sobre mim. Eu sei que você disse que se desculpar não muda nada, mas eu quero que você saiba que você é muito mais do que tudo aquilo que disse que é, e acha que era assim que eu te via. Era estranho pra mim, e eu realmente não quero que você continue pensando assim.

— Não importa mais. — Suspiro, tentando não falhar a minha voz. A minha sensibilidade, que a muito não dava as caras, aparentemente quer aparecer bastante nesses últimos tempos. — A forma como você fala comigo algumas vezes e faz insinuações desnecessárias já diz um pouco sobre como você me vê. É sempre assim, os homens só pensam em uma coisa. E eu sei que não posso generalizar, mas é difícil.

Andersen se levanta imediatamente, negando.

— Não, Evie. — Ele nega, andando em minha direção em passos longos. — Nunca diga isso de novo. Não é assim.

— Não? — Cruzo os braços, o fitando enquanto se aproxima cada vez mais e para em minha frente. — Vai me dizer que você nunca mais pensou sobre quando fizemos sexo, nunca quis que acontecesse de novo e nunca fez uma insuação sexual?

Ele respira fundo, não respondendo. 

— Me diz, Ryan. — Pego suas mãos, as aproximando de mim e colocando em minhas pernas, que se abrem e me fazem enlaçar as mesmas em sua cintura e puxar-lhe para mim. — Você não sente nada quando me toca? Você não quer nada?

Tomo o controle de suas mãos, as fazendo deslizarem pelas minhas coxas. Ao contrário de antes, não sinto nada. 

Ryan puxa as mãos imediatamente, o rosto se contorcendo em fúria.

— Para com isso agora mesmo. — Seu rosto se aproxima do meu, seu olhar gélido e indecifrável fixo nos meus olhos. — Ruiva, eu te digo uma e milhões de vezes se necessário, mas você é muito mais que isso e sabe. Eu não fazia ideia de que você se sentia assim e se eu soubesse que você não tava confortável eu nunca mais teria feito nada do tipo, eu juro. Você é linda, sim, de corpo e alma, mas eu posso dizer que vejo mais que isso e te provo.

Sinto meus olhos ficarem molhados por algum motivo desconhecido e tento não fazer ele perceber que estou prestes a chorar. Acho que depois de bastante tempo sem derramar uma mísera lágrima, elas podem vir com tudo em um momento mínimo de fragilidade, mesmo por algo bobo.

— A gente começou a ter contato somente pelo lado carnal, era isso que importava antes. — Seus olhos intensos não deixam por um segundo os meus. —  Mas agora eu te conheço um pouco mais, e sei que é mais do que somente uma garota bonita.

— Ryan… — Murmuro, fechando os olhos.

— Eu reconheço que não fui nada legal quando nos conhecemos, eu tava confuso e em um período muito conturbado. — Sinto suas mãos no meu rosto e abro os olhos, encontrando os seus brilhando. — Eu posso demonstrar que tô diferente, se você deixar. Posso ser melhor, e me redimir. 

— Eu ainda não gosto de você. — Retiro suas mãos vagarosamente do meu rosto. Imediatamente sinto falta do colar de sua pele. — E não é tão fácil.

— Eu sei. — Ele assente. — Eu só não quero que você continue pensando assim. E quero que as coisas mudem, podemos tentar ser, pelo menos, amigos.

— Amigos não se beijam. — Coloco meus braços sobre seus ombros, enquanto suas mãos ficam uma de cada lado do meu corpo apoiadas na bancada. Sem me tocar em nenhum momento. 

— Amigos não fazem nenhuma das coisas que nós fizemos. — Ryan dá de ombros. Paro por uns instantes, pensando.

Ryan Andersen já foi o cara por quem eu poderia me apaixonar lá no começo, o cara que com certeza eu teria topado tudo que ele pedisse. Hoje não vejo mais desse jeito. Claro que a atração e o desejo ainda estão aqui, guardados dentro de um baú a sete chaves que pode facilmente ser arrombado, mas não deixo demonstrar.

As pessoas merecem segundas chances, isso é algo que eu ouço muito, mas nem todas merecem. Meus pais não merecem e nunca vão merecer, meu ex namorado que me traiu e me manipulava nunca vai merecer, pessoas que maltratam animais e crianças nunca vão merecer uma segunda chance. Ryan ter uma segunda chance para se redimir é suficiente? 

Eu não estou brava por ele não ter me ligado ao invés de ficar com outras pessoas, ele poderia ficar com quem quisesse, eu só odiava o fato de ser tratada como uma segundo opção e um segredinho que só servia para falar com ele quando estava longe dos olhares dos outros. Era isso que eu odiava, a negligência e a forma de me ter somente de um jeito, mesmo que ele dissesse o contrário é complicado para mim não acreditar.

Porém não pretendo ter mais nada do tipo com Ryan, mesmo que ele desperte sensações ardentes dentro de mim. E se por um acaso algum dia cometermos um deslize, eu vou tratar para que seja do meu jeito.

— Podemos tentar ser amigos. — Falo, levantando uma sobrancelha enquanto um sorriso discreto se forma nos lábios de Ryan. — E só isso. Pelo nosso próprio bem e por um melhor convívio.

— Vamos começar do zero?— Ele estende uma mão para mim, em forma de cumprimento.

— Vamos começar do zero. — Pego sua mão, dando um leve aperto, sentindo algo estranho dentro de mim com o toque rápido e simples.

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