XXX - Pânico

13/04/1888 - Sexta-feira

É, aconteceria. Me conhecendo bem, uma hora ou outra, eu voltaria aqui.

Ding, ding!

Atravessei a porta, fazendo seus sinos tocarem.

- Oh, oh. Olha só quem voltou! Estou te esperando há um tempão, sabia?

- É claro que esperava. Você sabia que eu voltaria... - Fechei a porta atrás de mim, caminhando até seu balcão. - não sabia, Undertaker?

- Hehe! Você é uma moça bem curiosa, dona Amelia, é obvio que voltaria!

- Então, você diz conhecer bem o Conde, certo?

- Ah, de novo essa conversa?!

- Você conhece, ou não conhece?

Perguntei em meu tom mais sério.

Até a unha do dedo mindinho do pé!

- Pois bem, - Retirei um grande saco de minha bolsa, o colocando em seu balcão. - se responder minhas perguntas, estas mil libras podem ser suas. Basta...

- AHAHAHAHAHAHAHAHA!

Ele soltou uma gargalhada histérica, pareci até mesmo trocar as pernas e se destrambelhar, do outro lado do balcão.

- Qual o seu problema?!

- Cof, cof! Ah, meu estômago! Ui,ui! Você não entendeu ainda, não é? - Ele se debruçou sobre o balcão. - Se quiser qualquer informação minha, primeiro, vai ter que me fazer rir.

- Espere, fala sério sobre isso?!

Não é possível! Esse homem é completamente maluco!

- Seríssimo. Eu não estou nem aí pras suas moedinhas, - Ele pegou o saco de moedas, me entregando. - pode ficar com elas. Eu quero uma risada, só isso.

- Então, deixe-me ver se entendi. - Peguei o saco de moedas de suas mãos, o colocando em minha bolsa. - Se eu conseguir arrancar uma risada sua, você me contará tudo o que preciso?

- Uhum! Isso mesmo!

- Tsc! Que coisa mais imbecil. Vamos acabar logo com isso.

Será mais fácil do que pensei.




[...]




Talvez uma hora tenha se passado desde que entrei na loja, já não sei mais ao certo.

- Seu desgraçado, está fazendo de propósito!

- Eu nunca me negaria a rir de uma boa piada! A culpa não é minha se você é uma péssima piadista!

- Pare de me enrolar! Você estava rindo a uma hora atrás, e de algo que não era uma piada! Está se fazendo de idiota!

- Nana, nina, não! Aquilo foi engraçado, mas as suas piadas são mixurucas! O que posso fazer?

Minha manhã não seguia bem desde o princípio, e por isso, fiz o possível para evitar qualquer situação de grande estresse.

Mas ele, ele estava passando dos meus malditos limites!

- Urg! Você quer ouvir uma coisa engraçada?! Excelente, eu te conto algo bem engraçado! - Irritada, peguei o primeiro objeto que vi em minha frente. Um esfregão. - Seria hilário se eu enfiasse este cabo goela abaixo em você e te virasse do avesso! E QUEM SABE ASSIM, VOCÊ NÃO VIRARIA UM BOM ESFREGÃO!

Acabei por quebrar o cabo em minhas mãos.

Talvez a madeira fosse velha, ou eu estivesse muito estressada.

- Hihi!

- Ah?! V-você está...

- AHAHAHAHAHAHAHAHA! UM ESFREGÃO! O M-MEU CABELÃO! AHAHAHAHAHA! FINALMENTE!

- O que?! Você achou isso...

- HAHAHAHA! A-ai! Agora assim! Você conseguiu! Que coisa boa! Ui, - Ele passou a manga de sua manta pelo seu rosto, coberto por cabelos, como sempre. - mas sabe, acho melhor você se apressar.

- O que quer dizer com isso?!

Crec, crec!

- Quero dizer que tem alguém vindo aí.

E de repente, o som da maçaneta emperrando ao tentar ser girada, começou.

- Maldita loja. Esse lugar é um buraco! Abra logo esta coisa, Sebastian!

A VOZ DO JOVEM MESTRE?!

Era mesmo verdade! O maldito Undertaker o conhecia!

Que merda! O que eles estão fazendo na cidade?! Não havia nada sobre Londres na programação de hoje! Por que tão de repente?!

- Droga!

- AHAHAHAHAHA! Isso vai ser incrível!

Preciso sair daqui, preciso muito sair daqui!

- Onde fica sua porta dos fundos?!

- Ah, eu não preciso dessas coisas! Eu entro e saio pelo mesmo lugar que todo mundo!

MERDA!

Crec, crec, crec!

O que eu vou fazer?! Que diabos eu vou fazer?! Se eles me encontrarem aqui vão me fazer um monte de perguntas. E Undertaker?! Ele pode me entregar! Eu vou estragar tudo!

Se eu pudesse cavar um buraco e...

Oh. Acho que já sei.

Caixões.

Corri e entrei no primeiro em que encontrei. Um que estava escorado em uma das pilastras da loja.

- AHAHAHAHAHA! QUE COISA MAIS INCRÍVEL!

Ainda conseguia ouvir a voz daquele maldito, mesmo que fosse abafada!

Renk.

Que coisa! Acho que eles abriram a porta.

Coloquei as mãos em minha boca e nariz, tentando controlar e silenciar minha respiração!

- O que é tão engraçado, seu lunático?

- A vida é engraçada, Conde! Não faz mal rir um pouquinho demais.

Fique quieto Undertaker, fique quieto Undertaker! Droga, eu vou arrancar a língua dele!

- Sei. Não estou com muita paciência hoje, por isso serei breve.

- Não quer nem se sentar? Eu tenho biscoitos!

- Não quero seus biscoitos de cachorro.

- Sobra mais pra mim!

- Jovem Mestre, é melhor que se sente, não? Suas costas estão...

- A culpa é sua por ter chamado uma carruagem tão fuleira.

- Insisto que, ao menos, descanse suas costas.

- Urg, que coisa mais ridícula.

Renk.

Senti algo fazer pressão sobre a porta do caixão.

Só pode ser brincadeira! Ele encostou as costas aqui?!

- Continuando, preciso que me dê informações sobre o suposto cemitério em Clerkenwell.

- Cemitério de Clerkenwell? Nunca ouvi falar!

- Sim, você já ouviu, dois coveiros disseram já ter te visto por lá! Pare de joguinhos e me diga tudo que sabe sobre os furtos das covas.

- Furtos das covas? Haha! Quem ia querer roubar um monte de cadáveres pobres de Clerkenwell? Que coisa mais bizonha!

- Diga logo. Eu sei que você esteve lá.

- Tá bem, tá bem. Eu estive. Mas já faz uns dois meses. Tinha um homem querendo comprar um caixão por um preço mais barato, ele queria negociar e como eu sou um "homem de negócios", eu fui!

- Sua historinha me parece muito conveniente.

- Se quiser, pergunte a ele! Um barbudo, quase da altura de seu mordomo, ele é gordo e cego do olho direito!

- Já vi que não vamos conseguir muito por aqui. - Senti a pressão sobre a tampa do caixão se desfazer. Finalmente! - Vamos, Sebastian.

Silêncio absoluto. Será que eles...

- Sebastian! Está me ouvindo?!

- Perdão, Jovem Mestre, mas estou sentindo um odor estranho.

- Odor? De onde?

- Me parece vir do...

- Ei, ei, ninguém aqui vai criticar o cheirinho da minha loja!

- Tsc! Esqueça, Sebastian. Vamos logo.

- Hm. Yes, my Lord.

Passos, passos e mais passos, seguidos do ranger da porta e do sino tocando novamente.

- Ah! - Empurrei a porta com todas as minhas forças, saindo entre tropeços, com minha respiração ofegante. - Meu deus! Cof, cof!

- Achou confortável? Esse aí está na promoção!

- Agora já chega! - Ainda entre tropeços, e até um pouco zonza, me debrucei no balcão. - Eu consegui. Cof! V-você riu, e agora, vai responder minhas perguntas!

- É, sim, sim! Trato é trato! - Ele arrastou um pequeno banco, onde se sentou. Depois, abriu uma gaveta qualquer e tirou um pote velho. - Estou com fome, mas pode me perguntar, estou ouvindo!

Era um pote de biscoitos. Ele era mesmo um idiota!

- "Quatorze do doze, de mil oitocentos e oitenta e cinco"! - Revirei minha bolsa e então, joguei em seu balcão absolutamente tudo que havia guardado de minha investigação, até agora. Os recortes de jornais, notícias do incêndio, os trechos do livro de ocultismo que transcrevi em meu diário, tudo! - O que aconteceu com o Conde, depois do incêndio e por que não o mataram? Que diabos tudo isso tem a ver com ocultismo?! Ele foi sequestrado?! E por que o massacre dos membros Moretti?! Se ele é o "Cão de Guarda da Rainha", por que não se livrou das máfias até agora?!

- Oh... - Ele deixou o pote de lado, se levantando e pegando um dos recortes de jornal. - quatorze de dezembro, sim, eu me lembro disso.

- Lembra?! Então, o que aconteceu?! O que aconteceu com o Conde depois que...

- Pessoas ruins. Na madrugada do dia quatorze, um grupo de assassinos lunáticos entrou na mansão e matou todos, depois disso, eles colocaram fogo na mansão. Achei que fosse inteligente o suficiente pra entender isso. Foi uma tragédia. O Vincent, Rechael...

Ele parecia totalmente diferente, falava de forma diferente.

- Mas e o Conde?! O que aconteceu com ele?! E aquela coisa toda de ocultismo? Uma fonte confiável me disse que o Conde foi forçado a alguma coisa! Do que ela estava falando?!

- Eles o pegaram antes de colocarem fogo na mansão, depois disso, o levaram para longe.

Familiares mortos, casa destruída, um só sobrevivente escolhido pelo azar!

Eu já vi isso antes.

- E onde o levaram depois?! E q-quem sequestraria justamente o Conde? Ele só tinha dez anos e quem ocupava o cargo de "Cão", logicamente, era o Senhor Vin...

- Sei apenas que todos foram mortos, e o Conde foi levado por eles. É isso.

- Quem são "eles"? E se você s-sabe de tudo tão bem, por que diabos o Conde foi atrás da máfia Moretti?! Aqueles membros assassinados no encontro, foi um grande massacre e t-tenho certeza de que o Conde não estava sozinho! Ele...

- Máfia Moretti? Eu não tenho ideia do que está dizendo.

- Não, não, não! Você disse que sabia de tudo!

- "Tudo", é relativo.

- E como eu posso ter certeza de que você não está mentindo?!

- Que graça teria se eu te desse uma mentira, em troca de uma risada tão honesta? Seria uma brincadeira sem graça.

- Mas, n-não faz sentido! Continua sem nexo algum! Por que sequestrariam justamente uma criança?! Você tem que saber, eu te falei tudo que eu sei! Além disso, três anos atrás, quando o massacre...

Espere, e-espere um pouco!

"Três anos atrás, em um encontro de alguns de nossos membros, ele invadiu e fez um massacre, matou todos. Setenta pessoas estavam lá, foi um banho de sangue. O prejuízo foi gigante! Tinham muitas pessoa importante ali."

"Mas, reparei algo muito estranho durante essas pesquisas. O ano de mil oitocentos e oitenta e cinco se repetiu, muitas vezes."

"Quatorze de dezembro"?! Eu reconheço essa data! Eu já a vi antes! 'Quatorze de dezembro, de mil oitocentos e oitenta e cinco.' Era o que dizia naquele papel velho, escondido no escritório! Tinha algo a ver com o aniversário do Conde?! Mil oitocentos e setenta e cinco também não poderia estar errado, afinal ele tem doze anos e fará treze em dezembro. Não teria como sua idade ser forjada ou o ano do nascimento. Se ele tivesse nascido em oitenta e cinco, seria muito menor e muito mais jovem. Então, o que tem de especial? A idade naquele ano, talvez?"

"O Grande incêndio da mansão Phantomhive! Na madrugada de hoje, quatorze de dezembro, um incêndio na grande e majestosa mansão levou a vida de todos os seus moradores."

"Há algo faltando, algo que não estou relacionando, ou não encontrei!"

Mil oitocentos e oitenta e cinco, três anos atrás! Três anos atrás, incêndio na mansão Phantomhive, o sequestro e desaparecimento de dez dias do Conde, o massacre dos membros da máfia Moretti!

TODOS ESSES EVENTOS FORAM NO MESMO ANO E EU NÃO OS RELACIONEI?! NÃO OS RELACIONEI COM O MASSACRE DOS MEMBROS?!

COMO FUI TÃO IDIOTA?!

- Sua cara está estranha.

- ME ESCUTE! E-EU ACABEI DE PENSAR EM ALGO! É M-MUITO IMPORTANTE! VOCÊ SABE SE...

- Você já pode ir embora. Eu preciso polir meus caixões. Não quero mais falar disso.

- NÃO, NÃO! UNDERTAKER, VOCÊ PRECISA ME...

- Eu mandei sair, agora.

- NÃO! NÃO MESMO! VOCÊ PRECISA ME...

- Se você não sair, o Conde e o mordomo saberão que você esteve aqui. E, pelo que eu percebi, não é isso que você quer. Não é?

DESGRAÇADO!

- Urg! - Dei as costas, irritadíssima, e foi até a porta! - Eu vou voltar!






[...]





Dez horas da noite, o Mestre já havia se deitado e a mansão estava silenciosa, como de costume.

O dia foi infernal.

Mey-Rin e os outros não fizeram nada de errado, mal vi Sebastian e passei a tarde trabalhando em total sossego. Em hipótese, seria um ótimo dia.

Mas, a real confusão estava em minha cabeça.

Em mil oitocentos e oitenta e cinco, em quatorze de dezembro, a mansão Phantomhive foi consumida por chamas e invadida por sabe-se lá quem, sem contar o tal mordomo Tanaka, o Conde foi o único sobrevivente. Ele foi pego pelas mesmas pessoas que mataram todos na mansão, que causaram o incêndio, e após isso, sumiu durante dez dias.

Depois desses dez dias, ele retornou misteriosamente, acompanhado por Sebastian. E, pouco tempo depois, remontou uma equipe inteira de empregados.

Tudo nesse mesmo ano e em um curto período de tempo.

Essas pessoas que o pegaram tinham algo a ver com ocultismo, ou alguma religião pagã.

A questão é que, tudo isso aconteceu em oitenta e cinco, o mesmo ano em que o massacre dos membros aconteceu.

A esse ponto, só existem duas opções...

O causador de tudo isso foi o seu antecessor, Vincent Phantomhive. Ou, caso o contrário, se o nome por trás dessas mortes realmente for o Conde Ciel Phantomhive, há algo muito errado nesta história.

Uma data...

Se eu puder descobrir o dia em que o massacre dos membros ocorreu, eu vou ter minha resposta final, vou ter um absoluto norte para a minha investigação!

E, me causa um certo calafrio pensar que, caso essas mortes sejam pelas mãos de Ciel Phantomhive, e se de fato foram após quatorze de dezembro...

Posso cogitar que uma vingança tenha sido sua motivação.

Há algo que o senhor Benedict está escondendo de mim. Alguém está mentindo.

Por que? Por que tudo teve de ficar tão complicado?!

- Amelia! Você já terminou suas tarefas?

- Ah! Mey-Rin! - Me assustei com a voz vinda de fora de meus pensamentos. Ela estava parada bem ao meu lado, segurando uma pilha de toalhas dobradas. - Não sabia que você ainda estava de pé. Mas, sim, já terminei. Estou só passando um pano na bancada da pia. - Recolhi o pano, o pondo em meu ombro. - Por que?

- B-Bem, hoje de manhã, quando você não estava, e-eu acabei...

Ela parecia sem jeito para continuar falando.

- Você "acabou" o que, Mey-Rin?

- Eu tropecei nos meus cadarços e caí da escada! F-foi isso!

- O que?! Por que não me disse antes? Você está bem?!

- N-não foi nada demais! Tá tudo bem, m-mas meu tornozelo ficou meio dolorido e o senhor Sebastian me proibiu de ir pro segundo andar por hoje. Mas, eu ainda tenho que deixar essas toalhas de banho no quarto de hóspedes da ala Oeste, e eu queria saber s-se você não poderia fazer isso pra mim. Pode?

- É claro. - Caminhei até ela, pegando as toalhas limpas e dobradas, em suas mãos. - Em qual dos quartos?

- Aquele que fica entre a sala de negociações e o quarto do Jovem Mestre!

- Entendi. Deixe isso comigo, e você deveria se deitar!

- Obrigada, Amelia! Eu vou sim! - Ela começou a se afastar da cozinha. - Boa noite!

- Boa noite.

Sai da cozinha, atravessando a sala de jantar e passando pelo salão principal. Talvez, depois, eu pudesse passar um tempo na biblioteca.

Se bem que já é tarde e teria de dormir cedo para acordar disposta. Além disso, parece que estou "cansada de pensar".

Em algum tempo terminei meu percurso pelas escadas e andei pelos longos corredores, já bem escuros e minimamente iluminados pela luz da lua, que adentrava pelas janelas.

Quem diria que passaria a não me incomodaria com isso, em algum momento.

Bem como Mey-Rin disse, cheguei ao quarto de hóspedes, entre a sala de negociações e o quarto do Mestre.

Girei a maçaneta e entrei. Tudo parecia bem limpo, ao menos Mey-Rin teve tempo para limpar, durante a manhã.

Fui até o banheiro, deixando as toalhas sobre a bancada da pia.

- Feito.

Disse a mim mesma enquanto me retirava.

Saindo, e já com certa pressa para me deitar, fechei a porta atrás de mim. Ah, não teria disposição nenhuma para ir à biblioteca hoje, por mais que quisesse. Preciso muito me deitar e...

- AHHHH!

Um grito?! A voz do Jovem Mestre?!

Corri em direção ao seu quarto, abrindo a porta de supetão.

- Jovem Mestre?! O senhor está...

Escuridão e pânico.

Na escuridão do quarto, o menor olhava para todos os lados, enquanto se debatia de um lado para o outro, vez ou outra arranhando o próprio tapa olho com as unhas, batendo os pés e balançando a cabeça!

Seu rosto, ele parecia totalmente em pânico.

- ME LARGUE! SAIAM DE CIMA DE MIM! CIEL, CIEL! ALGUÉM, POR FAVOR ME AJUDE!

Ele está delirando?!

- J-Jovem Mestre, s-se acalme. - Comecei a me aproximar. - Não há ninguém aqui. Está tudo...

Ele sacou a arma, de, de baixo de seu travesseiro.

Merda! Ele está totalmente fora de si! Eu vou ter de desarmá-lo.

- NÃO CHEGUE PERTO! FIQUE BEM LONGE DE MIM! V-VOCÊ NÃO VAI FAZER AQUILO COMIGO! EU NÃO VOU...

- Bocchan... - E de repente, uma voz grave e plácida vinha de trás de mim, acompanhada de uma luz vibrante. - solte a arma.

Sebastian. Ele segurava um candelabro aceso, iluminando o quarto.

- NÃO, NÃO, NÃO, NÃO! SAIAM AGORA! NÃO ME TOQUEM! EU VOU ATIRAR!

- Bocchan, - Lentamente, Sebastian se aproximou, deixando o candelabro sobre o criado, próximo a cama. Ele estava louco?! - olhe em volta. O senhor não está mais lá.

- N-não, não estou?! Onde estou?!

Ele olhou em volta, inquieto e trêmulo!

- O senhor está em casa, em seu quarto, com seus servos.

- Meu quarto?! - Ele passou a tatear, desesperado, o colchão, os travesseiros e cobertas. - M-mas, onde está o meu...

- Não há com o que se preocupar, nem o que temer. - Sebastian se ajoelhou perante a cama. - Agora, diga meu nome.

- Seu nome?!

As mãos ainda trêmulas, agarradas com força a arma de fogo.

- "Sebastian". Pode dizer, não é?

- Se-Sebastian? - Ele pronunciou como se fosse a primeira vez em sua vida que o fazia. - Sebastian...

No fim, ele disse com mais firmeza, como se lembrasse com mais clareza.

- Isso mesmo, sou eu... - Ele levou suas mãos às mãos do Mestre. - seu mordomo.

Jovem Mestre piscou algumas vezes e franziu as sobrancelhas para baixo, confuso e ao mesmo tempo, um pouco mais lúcido, pelo que parecia. Se parecia com o despertar de um "sonho acordado".

Ele soltou a arma.

- Venha, Bocchan... - Sebastian moveu seus braços, os passando pelas pernas e costas do Conde, o pegando em seu colo, como uma legítima criança sensível e apavorada. - prepararei um banho quente, para que relaxe os músculos.

Ele deitou a cabeça no peito de Sebastian, escondendo seu rosto.

- Senhorita Amelia... - Ele me lançou um olhar sério, e em seguida, olhou para a porta. - poderia?

Eu deveria sair.

Engoli seco.

- É claro.

Reverenciei e sai às pressas do cômodo.

Que diabos acabou de acontecer?!






[...]






Ele inclinou o bule, deixando que o chá caísse sobre o fundo de minha xícara.

- Obrigada, já é o suficiente.

- Peço perdão pelo transtorno. Espero que o chá possa ajudá-la.

Chá de camomila, para acalmar os ânimos.

- Eu estou bem, - Soprei um pouco do vapor quente, vindo da bebida. - não estou nervosa.

- Não? Creio eu que não seja algo tão cotidiano ter uma arma de fogo apontada para seu rosto.

- Ando tendo contato, durante os treinamentos com Mey-Rin. Elas parecem menos amedrontadoras depois que se aprende a usá-las.

- De fato.

- Mas... - Passei meus dedos pela xícara, me perguntando se deveria dizer o que estava prestes a dizer. - o que estava havendo com ele?

Sebastian estava sério, um pouco mais do que o comum, e não parecia tão aberto a falar sobre o assunto.

Ele parecia, tenso. Talvez?

Era difícil entender ou ler a maneira como Sebastian se comportava. Sempre foi.

- Vez ou outra, Jovem Mestre passa por uma noite de fortes pesadelos.

- Ele me parecia muito bem acordado.

- Em termos mais simples, é apenas um tipo de "devaneio", uma condição. Não é nenhum tipo de loucura, é apenas uma confusão mental. É de se esperar depois de... - Ele pareceu hesitar em continuar falando. - tudo.

Condição? "Tudo"?

O que é "tudo"?

- Ele parecia completamente diferente. - Passei a tatear minha xícara, como uma distração. - Nunca vi algo assim.

- É um pouco mais complexo do que realmente parece. Mas, está tudo sob controle.

- Você parecia saber bem o que fazer. É algo que acontece com frequência?

Ele parecia um pouco enjoado, a cada pergunta que lhe fazia.

- Não tenho permissão para dizer muito mais que isso. Tudo que a senhorita precisa saber é que está tudo sob controle.

- Sei.

Um tanto insatisfeita com a resposta, bebi os primeiros goles de meu chá.

Estava bom.

- Porém, se deseja tanto assim que conversemos, podemos apenas escolher outro tópico. É claro, se não for incomodá-la a ponto de chutar meu nariz mais uma vez.

Trouxe a xícara de volta ao pires, de supetão!

Ele não consegue manter uma conversa normal por um minuto, sem me constranger?!

Respirei fundo, o mais fundo que pude!

- Eu sinto muito por seu nariz, está bem? - Parei pra reparar um pouco melhor e, na verdade, ele me parecia muito bem, mesmo depois de um chute. Imaginei que fosse vê-lo no mínimo avermelhado, mas não havia nada! Ele estava sendo dramático! - Não deve ter sido nada tão grave, afinal, ele me parece muito bem.

Ousei dizer.

- Tenho um corpo muito saudável, felizmente. Minhas recuperações costumam ser rápidas. Mas, se me permite, a senhorita poderia ter apenas me dito.

- Dito o quê?

Levei a bebida a meus lábios, novamente.

- Que a senhorita mantém sua castidade.

- COF! COF!

Filho de uma puta!

- Oh, está muito doce? Chás de camomila não são os favoritos do Jovem Mestre. Quase não os preparo e...

- Ficou louco?! Que direito você acha tem de me perguntar algo assim?!

- Hm,hm! - Ele deu uma risada contida. - Bem, imaginei que a tal ponto, este assunto já não fosse mais um problema entre nós. Ou é?

- Não pense que um pequeno deslize meu te dá direito a tanto!

- Deslize? Acredito que a noite passada durou tempo o suficiente para não ser considerada um deslize.

Não soube ao certo o que responder.

- Não ouse me perguntar isso novamente, é nojento.

- "Nojento"? O que é "nojento"?

- Relações. - Retorci meus lábios, só de falar. - Relações são nojentas.

- Quer dizer, sexo?

Senti minhas bochechas queimarem!

O quão sem noção ele precisaria ser para dizer algo tão escancarado?!

- Fale direito! Credo!

- Oh, vamos lá, senhorita Amelia. Esses moralismos obsoletos não lhe caem nada bem. E pelo contrário, a senhorita está redondamente errada. Não há nada de "nojento".

- Sim, há.

- Não pode pressupor o...

- Eu sei o suficiente para repudiar o ato.

- Oh, - Ele sorriu. Não me soa nada bom. - acho que compreendo.

Talvez eu devesse ter ficado quieta.

- Está ficando tarde! - Arrastei a xícara para longe de mim, na mesa, e me levantei. - Já chega de...

- Não, a senhorita não pode fugir de algo natural. Veja bem, - Ele passou a andar por minha volta, andando em círculos pela mesa. - o que a senhorita hipoteticamente "entende em relação ao ato", não é sexo. É apenas selvageria, falta de civilidade. O verdadeiro sexo é completamente diferente, á um pequeno nó na linha entre o sexo e selvageria, que separa os dois. - E de repente, ele estava atrás de mim, com suas mãos tocando meus ombros! Eu mal o vi se mover até lá. - Se a senhorita me permitir, eu posso mostrá-la. Posso ensina-la tudo que sei e lhe mostrar as maravilhas que o prazer da carne pode lhe oferecer. - Seu rosto estava próximo, próximo demais de minha orelha. Sua respiração era quente, eu podia senti-la. - Soa maravilhoso, não acha?

Ele mordeu minha orelha, levemente! Lambeu, b-beijou e aos poucos, levou sua boca à mão pescoço...

Não. N-não agora!

- Está tarde, - Virei meu rosto para o lado e levantei meus ombros, tentando barrá-lo. - eu vou me deitar e você deveria fazer o mesmo. Já chega desse assunto.

Sai o mais rápido possível, sem olhar para trás.

Sexo.

S-e-x-o.

Senti como se meu estômago fosse balançado, e minhas bochechas queimassem.









[...]






"ME LARGUE! SAIAM DE CIMA DE MIM! CIEL, CIEL! ALGUÉM, POR FAVOR ME AJUDE!"

O pânico, o medo, os gritos. Era tudo tão repentino.

"CIEL, CIEL! ALGUÉM, POR FAVOR ME AJUDE!"

Por que ele gritava pelo próprio nome?

Ele parecia apavorado, não se assemelhava nada ao Conde, ao Jovem Mestre de todos os dias. Parecia outra pessoa, outro alguém.

Parecia uma criança.

Já não sabia mais das horas. Talvez fossem uma, ou duas da manhã.

O que aconteceu naquele quarto me deixou inquieta. O que Sebastian quis dizer com alucinações? Como funcionava? Era parecido com o que acontece co...

C-com, com o que acontece comigo?

Me levantei.

Fui até meu armário, abrindo a gaveta onde guardava minhas roupas íntimas. Procurei e procurei, até encontrar a chave de meu baú.

Encontrei.

Caminhei até minha penteadeira, encarando o mesmo pequeno baú, com a chave em mãos.

O Abri. E, em meio aos recortes de jornal bem dobrados, um pequeno lápis, e meu diário, estava a Moundfrau.

A planta que a senhorita Sullivan havia me dado. Só restava uma.

Elas funcionavam, realmente funcionavam. Elas acalmaram meus pesadelos como nunca antes, e poderiam me ajudar de novo se...

"NÃO CHEGUE PERTO! FIQUE BEM LONGE DE MIM! V-VOCÊ NÃO VAI FAZER AQUILO COMIGO! EU NÃO VOU..."

Franzi a testa e coloquei as mãos no rosto, frustrada.

- Droga...






[...]






Não acredito no que estou fazendo.

Estava de pé, em frente ao quarto do Jovem Mestre. Sua porta estava fechada.

Péssima ideia, péssima ideia, péssima ideia.

Toc, toc.

Bati na porta com minha mão livre. Era tarde demais para hesitar.

- Jovem Mestre?

Esperei por uma resposta, mas não havia nada. Talvez ele estivesse mesmo dormindo?

Todas as noites, Sebastian tranca a porta de seu quarto assim que ele finalmente dorme.

Tentei girar a maçaneta.

Estava aberta.

Não era uma boa ideia, não era uma boa ideia.

A girei por completo e abri a porta!

Nem mesmo na cama, ele estava.

Sentado no peitoril da janela fechada, com seu pijama amarrotado, cabelos desgrenhados e tapa-olho torto. Lá estava ele.

Ele moveu sua cabeça devagar, me encarando com seu único olho visível. Parecia cansado, com um olhar fadigo, talvez até um pouco indiferente.

Parecia vazio.

Sem dúvida, foi uma má ideia.

- M-me desculpe Jovem Mestre, e-eu...

- Não. Entre e feche a porta, por favor. - Ele dizia, enquanto voltava a encarar a paisagem por fora das grandes vidraças. - Não deixei que Sebastian a trancasse.

Se referia a porta.

A resposta me foi um pouco inesperada, mas fiz assim como o menor disse e entrei.

- E então, também está sem sono?

- Sim, senhor.

- E vai ficar aí parada, como uma estátua?

- C-como?

Ele encarou o canto vazio ao seu lado, no peitoril de sua janela, e então, olhou para mim.

- Ande, sente-se.

Ele esfregava os pequenos pés descalços na madeira polida da cômoda, enquanto seguia encarando o lado de fora.

- Com licença.

O deixei sobre o criado, ao lado da cama, e então, atravessei o quarto, chegando à janela e me sentando ao seu lado.

- Amelia.

- Sim, Mestre?

- Isto que vou dizer não é uma ordem, é um favor que lhe peço. Entende?

- Do que se trata, senhor?

- Esqueça o que viu. Meu comportamento foi inaceitável, uma birra nociva e absolutamente ridícula.

- Senhor, eu...

- Não tente dizer nada. Diga apenas que fará o favor.

- Jovem Mestre, - Encarei a paisagem que havia ao lado de fora, assim como ele. Era realmente bela. A lua iluminando o gramado dos montes, as árvores se balançando e as folhas voando conforme o vento. - tem certeza de que não deseja conversar?

- Por que diz isso agora?

- Bem, acho que devidas as circunstâncias... - Me senti relutante em continuar, mas, eu deveria. Eu conhecia aquele sofrimento, os sofrimentos de não ter paz ao deitar a cabeça no travesseiro e dormir, o medo do que pode ser visto depois que os olhos se fecham para o sono. - talvez eu possa compreender suas dores.

Ele me fitou tão rápido quanto antes, franzindo a sobrancelha. Não parecia muito satisfeito com o que disse.

- Não. Você não entende, Sebastian não entende, ninguém entende.

- São escuros?

- Ah?

- Seus pesadelos. São escuros? Os meus se parecem com um palco totalmente apagado, vazio e escuro, onde a única luz está em mim. - Ele parecia surpreso. - O senhor entende, não?

Virando o rosto para o lado, ele não respondeu. Ele seguia esfregando seus pés de maneira nervosa, cruzando os braços perdidos entre todo o tecido de seu pijama, mantendo seu olho distante, provavelmente o suficiente para que não pudesse encontrar os meus.

Soava cruel.

Uma figura tão pequena, de cabelos tão bagunçados, bochechas inchadas e rosadas, mãos e pés diminutos, pernas finas e olhar confuso, assustado. Uma figura que ama bolos de chocolate, xadrez, livros sobre aventuras e que, quando apavorado ou ameaçado, corre para a única figura confiável que lhe resta, seu mordomo.

Ele não parecia uma criança, ele era apenas uma criança.

Como pude evitar esse fato por tanto tempo?

Não o forçaria a responder. Seria cruel.

- Bem, - Me levantei, ajeitando minha camisola. - o senhor deveria deitar-se. Amanhã será um longo dia, como de costume. Saiba que, se precisar de qualquer coisa que seja, o senhor pode...

- Você já leu "Anima Dissociata"?

- A-Ah? O que o senhor...

A pergunta foi tão repentina que me senti perdida.

- Não pergunte. Apenas responda.

- Não, senhor.

- Hm. E, uma última coisa... - Ele se virou novamente, mantendo os olhos fixos na janela, de costas para mim. - o que é isso que colocou no meu criado?

Olhei para a xícara de chá, ainda quente, que havia deixado lá.

- É um chá que pode tratar de seus pesadelos.

- Hm... - Ele pareceu rir, contido. - parece conveniente demais para um simples chá.

- Prove-o, por favor. - Respirei fundo. - Literalmente, não existe outro igual.

Por alguns segundos, o silêncio absoluto se fez presente.

- Você deveria voltar ao seu quarto. - Ele se levantou, e sem dizer muito foi até a sua cama. - Boa noite, Amelia.





[...]






"Anima Dissociata"?

Obviamente, eu o procurei. Não conseguiria dormir se não fizesse isso.

Um livro de capa verde escuro, com seu couro já um pouco desgastado e páginas amareladas.

Sentada no chão, entre a estante de científicos e periódicos, eu li página por página o mais rápido que consegui, procurando qualquer sentido no que ele disse e como aquilo poderia ter haver com o que aconteceu

Que se danem as horas, é uma noite perdida.

Eu procurei, li, procurei mais, li mais e procurei de novo...

Até que achei algo. Algo em uma página distante. Página trezentos e quatorze.

"Dissociação. A dissociação refere-se a um estado em que o indivíduo se encontra em uma desvinculação temporária e significativa entre diferentes aspectos da sua consciência, memória, identidade, emoções ou percepções sensoriais. Como uma ruptura na integração comum destes elementos, levando a uma sensação de despersonalização ou desrealização.

Existem diferentes tipos de experiências dissociativas. A desrealização, por exemplo, faz com que o indivíduo perceba o ambiente ao seu redor como sendo estranho, alterado, irreal ou distorcido. Os objetos e as pessoas podem parecer extremamente diferentes ou distorcidos, como se a realidade estivesse alterada. A dissociação pode ser um condição do 'Estresse Pós Trauma' e muitas vezes está relacionada aos reviveres e às alucinações que ocorrem neste contexto. Dissociação, reviveres dos momentos e alucinações são todos sintomas que podem resultar de uma reação a ao evento traumático.

Aprofundando, o Estresse Pós-Traumático é uma condição que pode emergir após o indivíduo ser submetido a um evento traumático intenso, ou mesmo após ser testemunha desse evento. O evento traumático pode abranger diversas situações prejudiciais, sobretudo aquelas que representam uma ameaça iminente à vida ou à integridade física do indivíduo."

Merda. Acho que agora eu entendo. É bem pior do que pensei, bem pior que um simples pesadelo.

Talvez, no fundo da podridão, especulações, mentiras, conspirações e mistérios, nós não estejamos tão distantes quanto imaginei.

Jovem Mestre, uma criança, um garoto, o que fizeram a você?









*

CABOU MEU DEUS Q APOCALÍPTICO

Oi gente! Sentiram saudade? Espero que sim!

Bom, vamos conversar sobre esse capítulo?

Me contem, como vocês se sentiram ao ver a Amelia dando a ultima plana que poderia prolongar suas noites de sono mais satisfatórias, para o Ciel? É um gesto considerável, não acham? Eu acho!

Infelizmente eu não estou com tanto tempo de interagir com vocês, o vestibular que eu quero fazer está cada vez mais perto e isso me deixa bem ansiosa...fica difícil se sentir bem pra escrever desse jeito!

Espero que vocês possam entender e, saibam que apesar disso, eu vou fazer o meu melhor para manter uma frequência.

Não esqueça de deixar seu voto "⭐️" e comentário!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top