XXV - Livro
30/03/1888 - Sexta-Feira
- Por que você me tortura tanto?
- Hm?
- Quase todas as noites, você me arrasta até aqui. Eu quero saber o motivo.
- Até sua mente? Eu não te arrasto até sua mente. Ela está sempre aqui, eu estou sempre aqui.
- O que me interessa é quando você vai parar de me atormentar. Quando você vai me dar sossego? Me deixar em paz?!
- Não sou eu quem tem que te deixar em paz. É você quem tem que se sentir em paz. Enquanto você continuar, bem, "desse jeito", as coisas nunca vão melhorar.
- "Desse jeito"? Desse jeito o que?! Eu me mato todos os dias para alcançar o melhor dos resultados o tempo todo! Eu faço de tudo pelo papai e pela...
- O papai e a mamãe estão mortos. Pare de fazer coisas por cadáveres e faça por você.
- Você não pode ser minha consciência. Eu não sou egoísta a ponto de abandonar as pessoas que me amaram, a ponto de não vingá-las!
- Seus desejos mais ocultos e profundos ficam no fundo de "mim". Já pensou nisso?
- Vai se foder! Você não tem nada a ver comigo!
- Nada. V-você não tem... - Ainda zonza, senti minha visão se ajustar ao quarto. Estava acordada. - n-nada? - Então, voltei a realidade mais uma vez. - Que inferno.
Talvez eu deva me dopar antes de dormir. Pode ser que resolva.
[...]
Ding, ding!
O sino da biblioteca soou, assim que entrei.
- Bom dia! Com o que posso lhe... - E, assim que o idoso tirou seus olhos do jornal e olhou para mim, seu charuto quase caiu de sua boca. - você, de novo?! Deixei claro que queria a senhorita bem longe daqui, e por um bom tempo!
Ora, agora a culpa é minha que ele aceitou meu suborno.
- Eu sei, mas preciso muito da ajuda do senhor.
- De forma alguma... - Ele olhou para os lados, tendo certeza de que não havia ninguém por perto. - e não pense que vai conseguir o que quer me subornando outra vez, mocinha!
- Não quero trazer problema algum para o senhor... - Abri minha bolsa e alcancei meu diário, minha pequena caixinha de segredos e informações intermináveis. - eu estou procurando um livro numerado em números romanos, e que ainda use o latim. O senhor tem algo assim por aqui?
- Latim?! Menina, os livros aqui não são tão velhos! Acho que temos poucos, ou quase nenhum. De qualquer forma, seria muito difícil e...
- Por favor, senhor! Preciso muito encontrar um certo livro. Eu não sei seu nome, nem como é sua capa. Tudo que sei é o que anotei em meu caderno.
- Deus do céu, estes jovens... - Ele largou o charuto e colocou os pequenos óculos, antes pendurados no pescoço, em seu rosto. - o que a senhorita anotou?
- O livro é enumerado por números romanos e, na página "CXI", ou seja, cento e onze, está escrita a palavra "daemonium", tenho certeza de que se trata de latim. Por favor, preciso encontrar este livro!
O senhor massageou suas têmporas, frustrado com minha insistência.
- Está bem! Podemos procurar algo na sessão de literatura clássica, ou nos históricos gregos.
- Obrigada, obrigada!
- Só não fique fazendo estardalhaço!
- Sim, senhor!
O pedaço rasgado de uma página estranha que encontrei atrás da estante de livros do escritório, foi isso que me trouxe até aqui. Ele estava dentro de um envelope, junto a uma carta que a rainha havia endereçado ao Conde.
Poderia não ser nada, apenas uma coincidência boba, uma perda de tempo.
Mas, algo me dizia que não poderia ser pura coincidência, que valia totalmente a pena investigar
Jovem Mestre me mandou a cidade para comprar alguns remédios, nada demais. Mey-Rin insistiu em me acompanhar, mas por sorte, ela não tinha terminado metade das tarefas de ontem, e por isso, ficou em casa, assim como os outros. Por alguma razão, desta vez, Jovem Mestre não ordenou ou insinuou que Sebastian deveria me acompanhar, então, tirei total proveito da situação, para poder vir sozinha!
Página cento e onze e "daemonium".
Era por isso que deveria procurar!
[...]
- Não é esse, nem esse, muito menos esse! Que coisa!
Uma imagem quase cômica. Estava sentada, no meio das longas estantes da biblioteca, repleta de livros empilhados à minha volta, todos abertos na página cento e onze, e nenhum deles tinha o que eu procurava. Eu li um por um, palavra por palavra, letra por letra.
"Novum Organum", "Phaenomena", "De Bello Gallico", "De Civitate Dei"! Li estes e vários outros, e mesmo assim, não encontrei nada!
Senti que poderia enlouquecer ali mesmo!
- Senhorita?
- Ah?! D-digo, aham, o que foi?
- Eu estava nos fundos da biblioteca, no meu escritório, lendo uns relatórios e tentando achar o tal livro que você procura, e então... - O senhor me estendeu um livro. Um livro de capa totalmente preta, sem figuras, símbolos ou desenhos, apenas uma capa preta com algumas pequenas palavras escritas, provavelmente o título. - eu encontrei isto, no meio de algumas caixas velhas, que já deveria ter jogado fora a um bom tempo. O nome veio em latim, imaginei que pudesse ser útil para você.
Peguei o livro em sua mão, a capa tinha uma textura estranha, se parecia com couro, mas ao mesmo tempo, eu sabia que não era.
- Obrigada, senhor.
- Recomendo que leia sentada à mesa, perto da luz. Aqui é muito escuro e as páginas já devem estar desgastadas.
- Sim... - Me levantei, arrumando meu vestido. - muito obrigada.
Saí e fui às pressas em direção a uma mesa.
Será que estava certo, era realmente este?
"De Lamiis et Pythonicis Mulieribus", era o que estava escrito em letras minúsculas na capa, de fato, era latim.
O abri, já pulando algumas páginas.
Página cem, cento e cinco, cento e sete, cento e onze.
Era a hora. Pulei para os últimos parágrafos da página, passando meus dedos pelas pequenas e desgastadas palavras, a sujeira e poeira acumulada da folha sujava meu dedo , podia sentir. Palavra por palavra, letra por letra, procurando e...
Não podia ser, finalmente, e-era isso, era ele!
"Daemonium". A palavra que encerrava a página cento e onze, bem ali na minha frente.
Preciso de um dicionário, um dicionário de latim!
[...]
Horas! Gastei horas sentada em frente a mesa, com um pequeno dicionário velho e sem capa, uma folha e um lápis, e o livro misterioso nas mãos. Traduzindo o início até o fim daquela bendita página, tentando decifrar seus escritos!
Enfim, poderia ler tudo o que traduzi.
Deixei o livro e o dicionário de lado, pegando a folha de papel e aproximando ao máximo que podia de meus olhos. Queria ter certeza de que absorveria cada palavra.
"Malditos tolos ou corajosos serão aqueles que compreenderem estas práticas, e mesmo assim realizá-las. Tão tolos e corajosos quanto o próprio Fausto.
O contrato Faustiano. O acordo feito por aquele que clama aos deuses do inferno e seus seres, este lhe dará todo o poder que cobiça em sua mísera vida humana. Selado por sangue, por corpo, por alma. E, perante o sucesso e vitória que lhe será proporcionado no período de seu escuro acordo com os seres dos sete círculos do inferno, haverá no fim de seu caminho, uma grande consequência, um preço a se pagar. Algo que fará a morte ser desejável e ter um gosto doce, um preço impagável que poderá trazer todo o tipo de dor e sofrimento, que terá o mesmo peso que todas as maravilhas que, aqueles que irão atrás, conquistarão.
Contrato Faustiano, a pequena e dilacerante teia de aranha que conecta o mundo dos vivos, aos mais profundos confins do inferno.
São poucas as formas de se entrelaçar nesta fina teia.
As poucas almas sem esperança que desejam traçar este caminho, eis seu guia; Uma alma pura, virgem e inocente deve ser seduzidas, hipnotizada por quaisquer que sejam seus prazeres, e em seguida, em uma noite de lua crescente, sacrificada em um altar Wiccano, em uma sala oval com as cinco escrituras de Baphomet. Seu coração deve ser apunhalado por um punhal de prata, e oferecido aos deuses enquanto as juras serão recitadas.
E então, conforme é feito a décadas, aquele que foi convidado, que realizará os desejos da profunda futilidade humana aparecerá, o demônio."
Demônio, essa a palavra que finaliza a página, o significado de "daemonium".
- Mas q-que diabos?!
Cuspi minha indignação em voz alta. N-não fazia sentido! Isso desvia totalmente de tudo que investiguei até agora.
Como isso se encaixava? Aonde isso se encaixava?!
Eu precisava saber mais!
Busquei pelo livro em cima da mesa, e passei para a próxima página, a cento e doze!
Teria que traduzir mais, mas no fim das contas não importava! Tudo que li, cada palavra daquela página me trouxe mais dúvidas, mais questionamentos!
Me trouxeram arrepios.
Eu tinha que ir até o final! Entender toda a loucura que aquelas páginas guardavam e tentar compreender como tudo aquilo se conectava com minha investigação.
Li a página seguinte.
"Postquam suam animam próprio daemoni disposuerit, et fatum crudeliter eam expectans sit, pars ritus perficietur.
Cor humanum non est creatum ad consumendum daemonum, succuborum et creaturarum infernorum. Ob id, pactum cum his creaturis faciens, cor humanum mutationibus subibit, ut tandem omnia quae desiderat accipiat.
Cum daemonio contractum conficiendum est, signum debet esse. Bestia inferni corpus pacti signabit, cum dolore, cruciatu, angustia et sanguine, ut sic ritus procedat.
Nonnulli doctores et studia sua credunt signum bestiae quod vinculum fortissimum inter daemonem et pactorem creabit, in globulo oculi hominis ponendum esse."
- Merda... - Irritada com a língua morta, alcancei o diário e virei a folha escrita do avesso. - eu vou até o fim.
Capítulo por capítulo, avaliei minuciosamente cada uma das palavras que o dicionário me proporcionava, procurando nas minúsculas letras, as palavras que acabara de ler no livro.
"Postquam", "conficiendum", "desiderat"; todas as palavras que li pareciam se misturar em minha mente e deixar tudo mais confuso.
Aos poucos, escrevendo com a mão trêmula pela adrenalina e latejante pela cansaço, aos poucos as palavras iam tomando forma.
A primeira frase, depois algumas vírgulas e pontos finais, mais vírgulas, palavras com e sem acento, outras que me pareciam familiares dentro da língua inglesa e...
- Terminei!
Com pressa, joguei o lápis e o livro para longe, pegando a folha mais uma vez.
"Após aceitar dispor de sua própria alma ao demônio, e o destino cruel que lhe aguardará, parte do ritual estará realizado.
O corpo humano não foi criado para consumo de demônios, succubus e criaturas do inferno. Por esta razão, ao fechar o contrato com estas criaturas, o corpo humano terá de passar por alterações, para então, receber tudo aquilo que almeja.
Ao forjar um contrato com o demônio, deve haver uma marca. O animal do inferno marcará o corpo do contratante, com dor, sofrimento, agonia e sangue, para que então, o ritual esteja progredindo.
Alguns estudiosos e suas pesquisas acreditam que a marca da besta que criará o laço mais forte entre o demônio e seu contratante, será situada in globulo oculi hominis ponendum esse".
Ah?! Droga! Eu não traduzi o final! Como fui besta! Preciso do dicionário mais uma...
- Ei, senhorita, é hora de fechar... - O senhor chegou por trás de mim, sem aviso prévio, e então, começou a recolher tudo que estava sobre a mesa! - preciso que se retire!
- E-ei! O que?! Como assim? Não são nem três da tarde!
- Às sextas fechamos mais cedo, são as regras.
- Mas, essa folha! Eu preciso dela e...
- Vamos, senhorita! Preciso que saia agora... - Ele segurou meu braço, começando a me arrastar até a saída! - não quero que me cause problemas!
- Que absurdo! Me solte agora!
Se não fosse tão velho e fraco, eu juro que o socaria!
- Como quiser... - Ele abriu a porta do local, largando meu braço e me pondo para fora! - tenha uma boa tarde!
Meus papéis! Todos ficaram lá! Merda!
Esse filho de uma puta vai me pagar!
- Urg! Desgraçado... - Senti o vento gelado bater e meu corpo se arrepiar. Abracei meus próprios braços e olhei para os lados. - o que eu faço agora?!
[...]
- Comprará apenas isso, senhorita?
- Sim, por favor.
- Excelente, serão quarenta euros.
- Certo... - Tirei o dinheiro de minha bolsa e o entreguei. - muito obrigada.
- Seja sempre bem vinda!
Peguei o pequeno saco de remédios do balcão e sai.
Procurei pelo relógio em minha bolsa, novamente emprestado por Bard. Eram quase quatro horas. Eu não deveria estar demorando tanto, os outros podem desconfiar. É melhor seguir meu caminho e ir embora.
Comecei a caminhar pelas ruas, indo em direção ao ponto de encontro das carruagens.
Desde cedo, as coisas que li naquele livro ficaram martelando em minha mente. Algo "pagão" realmente tinha a ver com toda essa história estranha?!
Durante o curto tempo que tive para pensar, me vieram duas possíveis ideias. A primeira é que o próprio Ciel Phantomhive poderia ter causado o incêndio em sua própria casa, com alguma intenção relacionada a essas ideias ocultistas, considerando que ele foi o único sobrevivente, e que reapareceu misteriosamente, logo depois de alguns dias.
Ou talvez, tivesse feito o massacre no encontro dos membros com intenções de invocar alguma coisa, da mesma maneira que o livro ensina. Faria sentido, já que o pedaço de página que encontrei foi encontrado na sua casa, no seu escritório. Talvez ele estivesse tentando realizar algum tipo de sacrifício a partir de toda aquela chacina, para conseguir algo.
Mas o que seria?! Por que ele faria algo assim?! Ele nasceu rico, com uma ótima família e servos, o que mais podia querer?
Era tudo tão confuso e...
Ah?! Espera, onde estou?!
Dei uma boa olhada em volta, a rua em que estava me parecia completamente estranha! Não fazia ideia de como parei ali!
- Droga... - Olhei em volta, era totalmente vazio, não tinha uma pessoa circulando, a não ser os sem-teto que dormiam pelas calçadas. - onde vim parar?!
Não acredito que me perdi de maneira tão besta!
Já não sabia se estava em Bermondsey ou Rotherhithe! Estava totalmente sem rumo! Nunca vi essa rua antes.
Precisava dar um jeito de entender aonde estava.
Olhei em volta, procurando por alguma placa, algo que me ajudasse a me situar, qualquer coisa que fosse!
"Undertaker". A única coisa que vi por perto, um letreiro grande e roxo com essa exata palavra escrita. Aquilo se parecia com uma loja, apesar de bem mal tratada.. Não haviam vitrines ou qualquer outra coisa, a pintura era desgastada e tudo parecia empoeirado.
Definitivamente, não queria entrar ali.
Olhei em volta mais uma vez, uma sequer alma viva deu sinal, ninguém que poderia me dar alguma informação, nenhuma outra loja minimamente decente de portas abertas, ou com algum letreiro.
Não acredito que justo essa era a minha única opção.
Merda!
Contrariada e desconfortável, caminhei até a loja.
Parei em frente a velha e esquisita porta de entrada.
Por que vivo entrando nessas confusões?!
Coloquei minha mão na maçaneta, a girando.
Ding, ding!
Renk!
A velha porta rangeu conforme se abria, e os sinos pendurados na mesma badalaram.
- Olá... - Adentrei o local, e aos poucos a porta se fechou atrás de mim. - tem alguém aqui? Eu preciso de uma informação, por favor!
Nada. O lugar parecia vazio. Não só vazio, como sinistro!
Me arrependi assim que dei uma boa olhada no lugar!
Caixões! Muitos caixões por todo o lado; logo à frente, um balcão, onde atrás haviam estantes e prateleiras com frascos de vidro, todos cheios de líquidos estranhos, prefiro não saber o que é! Tudo era mal iluminado e empoeirado.
Definitivamente, não foi uma boa ideia entrar aqui!
Que se dane, posso encontrar o caminho sozinha! Vou dar meia volta e sair correndo desse...
- Olha só, olha só! Uma clie...
- AHHH!
Com o susto, acabei tropeçando em meus próprios pés, caindo com o traseiro no chão! No momento em que me virei para voltar a porta, me deparei com uma figura extremamente estranha! O que era aquilo?!
- Q-quem é você?! N-não ouse chegar muito perto! Ou eu vou...
- HAHAHAHA! VOCÊ PRECISAVA VER SEU ROSTO! HAHAHAHA! Ai, ai! Minha barriga dói!
- A-ah?
Ele começou a rir?! Qual era o problema dele?! Deus, tinha um maluco na minha frente!
Era melhor olhar em volta mais uma vez, se precisasse entrar em uma luta corpo a corpo, seria bom ter algo para jogar nele!
- Ai! Enfim, que ótima surpresa ter uma cliente. Faz tanto, tanto tempo que quero uma visita para me divertir... - Ele andou meio desengonçado até o balcão da loja. - é bom ter uma nova companhia, ainda mais sendo alguém como você!
Sua voz era grossa e ele parecia esguio! Seus cabelos eram grisalhos e compridos demais para um homem! Ele vestia um tipo de manto preto, com uma pequena corrente de ouro em volta, junto de um pano cinza, muito maior, além de usar uma cartola esquisita, e uma franja que cobria totalmente seus olhos!
Como ele enxerga?!
- Q-quem é você? O que quer dizer com "alguém como eu"?!
Se ele for um tarado, teremos um grande problema, envolvendo minhas mãos e sua coluna vertebral.
- Não leu o que tem lá fora? Eu sou o Undertaker! Empolgante, né?! Sempre quis ter meu nome escrito bem grande em algum lugar, é divertido!
- Sei.
Respondi, ainda desconfortável.
- Mas então, quer comprar um caixão?
- O que?!
- Um caixão! Tenho de todos os tamanhos! Pequeno, médio e grande, e estou cogitando fabricar alguns extra grandes! Tem de todos os tipos de madeira! Carvalho, mogno, cedro! Eles não vêm pintados, mas se o cliente quiser ser enterrado com estilo eu posso comprar tintas e...
- Chega! Eu não vim aqui comprar caixões!
- Em?! Que coisa! Eu já tinha pensado em um modelo que ia combinar perfeitamente com você! E depois dessa boa risada que você me proporcionou, cogitei até um desconto! Tem certeza de que vai perder essa chance?!
- Tenho... - Só nesse momento, tive a oportunidade de me levantar do chão. - só preciso saber onde estou! Desviei do meu caminho habitual por acidente, por isso acabei parando aqui! Só me diga o nome da rua, e então irei embora!
- Ah, mas que coisa! Mal conversamos direito! Achei que você fosse me contar o que tem achado de trabalhar com o Conde Phantomhive! Ele é todo esquentadinho, não é, Amelia?!
O QUE?!
Sem pensar duas vezes, corri até o balcão e o agarrei pela gola.
- Como você sabe?! O que mais você sabe?!
- AI, AI, AI! HAHAHA! TÁ FAZENDO COSQUINHA!
- Pare com as palhaçadas e abra logo a boca! Se não, eu mesma vou fazer por você!
- Haha! Cof, cof! Ui, ui, então você é esquentadinha, como ele, é? Olha, eu sei muitas, muitas e muitas coisas sobre o Conde! Não posso sair te contando tudo! Vai perder a graça!
Não podia ser verdade, ele estava blefando. Qualquer um conhece o nome Phantomhive, c-certo? Mas, o meu?!
- Está mentindo. Blefando!
- Não, não! Eu sou muito sincero! Se você quiser, te conto até mesmo o número do calçado dele! Eu sei tudo, tudinho mesmo.
As dúvidas começaram a correr por minha cabeça. Ao mesmo tempo que queria acreditar por pura e espontânea curiosidade, não sabia se podia, se deveria! Não me parecia certo, muito menos seguro.
Soltei a gola de seu manto.
- Você tem mãos bem fortes para alguém tão pequena! Hehe!
- O nome da rua, agora.
- Ah! Você é chata... - Ele se abaixou por alguns estantes e remexeu em algumas coisas de seu balcão. - toma... - Ele me entregou um cartão, com o nome e endereço de sua loja. - e não esqueça de me fazer algumas visitinhas!
[...]
Engoli o amargo remédio.
- Urg!
- É para seu próprio bem, Bocchan.
- Tsc! Esqueça isso. Então, o que você disse ser tão importante assim?
- A rainha acaba de enviar outra carta... - Sebastian deixou o envelope em cima da escrivaninha. - parece ser de extrema importância.
Rasguei o envelope, retirando a carta de dentro.
"Olá meu menino. Como tem passado? Espero que bem, saiba que sempre rezo por seu nome.
Tenho uma tarefa muito importante para você, meu menino. Infelizmente, acredito que um dos membros da 'Metropolitan Board of Works', mais especificamente, senhor Elias Walker esteja usando o dinheiro de meu povo para atividades ilícitas. Não saberei dizer exatamente quais, mas sem dúvidas, é uma ação gravíssima, que traria muitos males para todos nós.
Por isso, peço encarecidamente que investigue a situação. Se necessitar de um norte, meus rapazes realizaram breves pesquisas e descobriram que o mesmo dará um grande baile em sua residência na noite do dia trinta e um de março.
Conto com você para resolver esta grande questão.
Com ternura, a Rainha."
- Trinta e um de março? Isso é amanhã!
- Do que se trata, senhor?
- Mais um caso para resolvermos... - Joguei a carta na mesa, massageando as têmporas estressado! - senhor Walker, membro da "Metropolitan Board of Works", já tive contato com ele em algumas festas, a um bom tempo atrás. Parece que ele está por trás de algumas atividades ilícitas, e tem usado o dinheiro público para financiá-las. Também diz aqui que amanhã ele dará uma festa, na sua própria casa. Tsc! Está muito em cima da hora.
- Podemos começar a investigação pro outro ponto, talvez o baile não traga nada de muito produtivo.
- Não. Podemos encontrar alguma coisa útil se entrarmos na casa. Me deixe pensar... - Raciocinei por mais algum tempo, pensando em todas as possibilidades e ideias possíveis. - vamos todos.
- Perdão, senhor?
- Senhor Walker é um homem paranoico, muito sistemático. Já o vi dar um chilique durante um evento, lhe serviram Champagne ao invés de vinho, e ele jurou que estavam tentando envenená-lo.
- Parando para pensar, acho que me lembro bem deste evento. Foi durante o baile da família Kester.
- Sim, foi um completo vexame. Sendo assim, ele sem dúvida perceberá se aparecermos sem sermos convidados, e mesmo que consigamos os convites, tenho certeza de que vamos acabar chamando sua atenção. Entretanto, se formos todos ao baile, podemos fazer com que os outros servos o mantenham distraído por um bom tempo. Dessa forma, podemos agir.
- Perdão, Bocchan, mas isso não chamaria mais atenção?
- Sim, mas faremos questão de que essa atenção seja voltada aos servos, não a nós. Além disso, não tem coisa melhor que aqueles três saibam fazer que escândalo. E acredito que Amelia seja capaz de controlá-los por um tempo.
- Entendido, devo avisá-los agora?
- Não, é melhor deixar para amanhã. Enquanto isso, pesquise sobre os extratos financeiros e governamentais do último mês. Quero saber exatamente o que tem sido gasto e quem os gastou. Além disso, prepare algo forte, a noite será longa.
- Yes, my Lord.
[...]
- Blackjack!
- O que?! De novo?!
- Nossa, você é boa mesmo!
- Já é a quinta vez que ela ganha... - Finny deu uma mordida em seu biscoito. - ou a Amelia é super boa, ou você é bem ruim, Bard! Haha!
- Não é possível! Tem algum tipo de trapaça aí! Tenho certeza.
Dei de ombros para a acusação, achando graça da indignação de Bard.
Depois de passar tanto tempo morando com Toby e os outros rapazes, sendo todos viciados em sinuca e jogos de carta, acabei aprendendo algumas coisas nas partidas que joguei com eles. E sem dúvida, foram muitas!
Depois que sai às pressas da loja do tal Undertaker, corri direto para o ponto de encontro das carruagens e fui embora. Óbvio, todos me perguntaram o que aconteceu, já que demorei muito mais que o inesperado. Disse apenas que o farmacêutico da loja não tinha os remédios que o Jovem Mestre precisava, e por isso precisei procurar em outro lugar, e em um segundo momento de azar, minha carruagem se atrasou.
Simples, mas convincente. É o suficiente.
- Querem jogar de novo?
- Pode apostar! Mas dessa vez, outro jogo!
- O que foi Bard? Quer ser vencido em dois jogos diferentes?
Provoquei!
- Ah, você vai ver! Mey-Rin, pode embaralhar as cartas, por favor?
Chegou a ser esquisita a forma como Bard mudou seu tom para pedir que Mey-Rin embaralhasse as cartas.
- Uhum!
Mey-Rin recolheu as cartas na mesa, começando a embaralha-las.
- Dessa vez vamos jogar buraco!
- Como quiser.
[...]
- É, Bard... - Coloquei minhas últimas cartas na mesa. - parece que eu bati mais uma vez!
- Não! Não pode ser! Tá de brincadeira?!
- Aceite, em algum momento alguém tomaria seu posto. E quem diria, foi realmente fácil.
- Sua...
- Bard! Precisa aprender a perder!
- Mas Mey-Rin, ela tem alguma técnica de trapaça! Tenho certeza!
- Esquece isso! Que tal jogarmos algum outro jogo?
Mey-Rin sugeriu, enquanto tentava acalmar o cozinheiro doido, na mesa.
- Eu vou pegar outra coisa.
Bard se levantou, indo em direção ao seu quarto.
- Ei, eu vou com você!
Finny levantou, indo atrás do maior.
Eu e Mey-Rin ficamos sozinhas, em um silêncio tranquilo e confortável.
Não imaginei que chegaria ao ponto de ter um momento de silêncio confortável com qualquer pessoa por aqui, mas eventualmente aconteceu. E aconteceu diversas vezes, acho que só levei algum tempo para perceber.
Não é nada demais, mas ao menos é agradável.
Aquele mesmo nome de mais cedo ecoava em minha cabeça, Undertaker.
Ainda me pergunto se a história que contou é realmente verdade. Me parece muito estranho.
- E então, fez alguma outra coisa na cidade?
Eu gostaria de tirar a dúvida, gostaria de perguntar sobre ele, a Mey-Rin. Mas, não tinha certeza se era, ou não, uma boa ideia.
- Não, nada demais.
- Deve ter sido bem chato ficar esperando pela carruagem, não é? Eu sempre fico entediada quando atrasam.
Reavaliando as opções, o que ela poderia dizer se a perguntasse?
"Mey-Rin, você conhece alguém chamado 'Undertaker'?"
Primeira opção, ela poderia dizer "Não faço ideia", resposta a essa que não levaria a nenhuma situação muito arriscada. A segunda poderia ser "Conheço, por que?", o que desenrolaria em uma conversa mais cuidadosa. E a terceira, que mais me desagradaria, como "Como você sabe? Quem te contou?", isso sim seria um problema.
A questão é, eu tinha válvulas de escape para todas? Poderia dizer algo como "Ouvi falar pelas ruas", "Li em um livro", "Deixe para lá!". São as melhores escolhas que tenho.
Talvez, não seja tão arriscado quanto me pareça.
E, de um jeito ou de outro, eu me arrisco a cada dia que continuo aqui, então, pelo menos nessa ocasião em específico, vou evitar me acanhar.
- Mey-Rin, você conhece alguém chamado "Undertaker"?
- "Under" quem?
Isso! Agora, preciso conduzir a história.
- Eu estava um pouco perdida e precisava de uma informação. Então, entrei na única loja que vi pela rua. Ele me disse algumas coisas estranhas.
- Sério? Ele te faz alguma coisa?
- Não, só me deu um susto. Enfim, resolvi perguntar porque o achei muito estranho, queria saber se alguma outra pessoa já teve alguma experiência parecida, entende?
- Não se preocupe com isso, em muitos malucos pelas ruas, ainda mais se for por East End! O importante é que ele não te machucou, no fim, não foi nada demais.
- É, tem razão.
- Voltei! A gente vai jogar dominó!
- Ah?
- Que?
- Que foi?! É divertido, o Finny concordou!
- É verdade!
[...]
No fim das contas ninguém venceu. Isso porque Finny começou a ficar com sono, deitando sua cabeça na mesa e dormindo. Então, percebemos que estava tarde, e que deveríamos arrumar a cozinha e irmos cada um para seu quarto.
- Mey-Rin, pode me passar esse garfo?
- Sim, Bard!
- Obrigado! Tá terminando, Amelia?
- Sim... - Guardei mais um prato no armário. - acho que agora, só precisamos guardar as xícaras.
- Eu faço!
- Não, Finny!
- Não, Finny!
- Não, Finny!
Ele se espantou ao ouvir nós três ao mesmo tempo.
- Q-quer dizer, você está cansado! Fazer as coisas com sono não é saudável. Acho melhor ir se deitar. Eu mesma posso guardar.
Disse, tentando criar uma desculpa. Todos sabíamos como Finny fica chateado quando não o deixamos fazer qualquer coisa, por culpa de sua força,
- É, tem razão... - Ele esfregou os olhos, se arrastando nas próprias palavras. - acho que vou pra cama. Boa noite, gente!
Então, ele saiu, indo em direção ao corredor dos nossos quartos.
- Ufa! Essa foi boa, Amelia. Nem sei o que a gente ia fazer se ele resolvesse ficar chateado logo agora.
- Pois é!
- Sem problemas.
Disse enquanto continuava guardando os pratos.
- Bom, eu terminei por aqui. Vou cair morto na cama! Tchau, gente!
Bard saiu, se espreguiçando.
- Quer ajuda com as xícaras, Amelia?
- Não, tudo bem. Acho que vou fazer um leite quente, antes de deitar.
- Tudo bem, então eu vou indo! Boa noite!
- Boa noite!
Terminei de guardar os pratos, e então, fui até outro armário, para alcançar a leiteira.
Toc, toc.
O som de algo batendo na madeira, duas vezes.
Olhei para trás.
Sebastian estava parado ao lado da entrada da cozinha, com suas mãos sobre a tábua de madeira, a mesma que Bard gostava de usar para cortar suas carnes.
- Bem, a senhorita sempre diz que a assusto quando entro sem avisar, por tanto... - Ele bateu na madeira mais uma vez, reproduzindo o som. - estou entrando, certo?
- Seja bem vindo.
Respondi, em tom de divertimento.
- O que pretende fazer?
- Leite quente, para ajudar a dormir e...
Estiquei minha mão, na tentativa de alcançar a leiteira no alto da estante, mas Sebastian foi mais rápido.
- Sente-se, por favor, e deixe o resto comigo.
- Ahm, não precisa. Eu mesma posso...
- Eu insisto. Afinal, vim aqui justamente para isso.
- Preparar leite quente?
Disse enquanto me sentava à mesa novamente.
- Chá preto, para ser mais exato.
- Chá preto? Pretende passar a noite acordado?
- Não exatamente.
Todos os movimentos de Sebastian eram leves e graciosos. Ele sempre fez questão de exibir essa qualidade para todos. E como consequência, era quase inevitável não reparar.
Vez ou outra poderia, talvez, ser satisfatório assisti-lo trabalhar.
- Então... - Ele acendeu o fogão, em uma chama alta. - um passarinho me contou que conheceu o "senhor" Undertaker, hm?
Como é?!
- Estava nos espiando?
- De forma alguma, seria uma grande falta de educação... - Ele abriu um vidro de leite fresco, o despejando na leiteira. - apenas, estava por perto e por coincidência, ouvi sua voz de longe.
Isso não me irritava, por incrível que parecesse. Sebastian já me deu motivos piores para me irritar.
A única questão é que, aparentemente, ele sabia quem era o tal Undertaker. Isso complicaria minhas respostas.
- Que "grande coincidência".
- Não se acanhe... - Ele pôs a leiteira sobre o fogo alto. - sou muito bom em guardar segredos.
- Não é um segredo, só não vi utilidade em contar.
- É mesmo? Ora, eu contaria a meus colegas. De fato, conhecê-lo costuma ser uma experiência um tanto, bem, acho que "estranha" é mesmo a palavra ideal. Bem, deixe-me ver, ele tentou acertar seu nome, não tentou?
Isso estava começando a ficar muito perigoso! Precisava responder com muito cuidado.
- Só precisava de uma informação, ele começou a rir e dizer coisas sem nexo algum. Fiquei um tanto perdida.
- Hm...- Ele soltou uma minúscula risada do fundo da garganta. - não se preocupe com ele... - Sebastian desligou o forno, trazendo a leiteira de volta à bancada, alcançando uma xícara e pires que estavam convenientemente próximos. - não estou dizendo nada disso para lhe deixar nervosa. Só quero lhe tranquilizar... - Com a xícara em mãos, ele caminhou até mim, com o mesmo sorriso brando de sempre. - ele fez com você o que faz com todos que acabam passando por lá, não se preocupe. Ele é um homem louco, mas lhe garanto que todos aqui somos bem lúcidos, por isso... - Não tão inesperadamente, mas em um movimento que me surpreendeu, Sebastian levou um dos dedos de sua mão livre a meu rosto, onde afastou uma mecha solta de meu penteado, que caia em meu rosto. - não precisa se acanhar.
No momento em que se aproximou, eu n-não tive reação! Paralisei, congelei. Não soube c-como reagir.
Seu gesto não me irritou, mas, me fez sentir estranha!
Me causou arrepios.
- Espero que aproveite seu leite quente, senhorita Amelia.
Ele deixou a xícara em cima da mesa.
*
OI GENTE! Olha, sem dúvida a parte mais legal desse capítulo, é que o livro que eu citei realmente existe! ÓBVIO os dizeres e páginas que Ayuni leu são invenção minha, mas o livro em si existe e é bem antigo.
Espero que estejam gostando do progresso desse graaande mistério da fanfic!!!
E, pra quem não lembra quem/como o Undertaker é, eis uma foto:
Não esqueça de deixar seu voto "⭐️" e comentário!
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