XLVI - Ayuni El-Din

30/05/1888 - Quarta Feira


Já estou acostumado com pessoas tentando mentir para mim. Tentando me roubar. Me capturar. Me capturar.

Mas, por que desta vez parece diferente? Por que parece mais doloroso? Por que me faz sentir raiva?

Talvez seja porque...ela conseguiu me enganar?

Ela realmente conseguiu? Mesmo com Sebastian aqui?

- Bocchan, - A voz de Sebastian cortou meus pensamentos. Fria, sem emoção alguma. - precisa decidir o que fará com ela. Senhorita Amelia está aguardando no...

- Não existe "senhorita Amelia", idiota. Ela é outra pessoa. É uma mentira.

- Aparentemente.

- "Aparentemente"? - A raiva subiu por meu corpo e, abruptamente, chutei a cadeira ao meu lado. - Ela é! É uma grande farsante! Uma mentirosa que se esconde atrás de uma identidade falsa! Assim como...

Calafrios subiram por todo o meu corpo. "Farsante", "mentirosa", "identidade falsa"...

- É um pouco irônico. O senhor não acha?

Eu grunhi em puro ódio. Ele havia percebido, nós dois.

Passei minhas mãos pelo cabelo, os jogando para trás, tentando pensar. Minha cabeça parecia latejar com o excesso de pensamentos.

Por que ela faria isso? O que está procurando aqui? Por que ficou tanto tempo? Por age como se de fato quisesse estar aqui? Por que se envolveu com todos? Com ele?!

Ele. Sebastian.

Levantei a cabeça e voltei a encará-lo.

- Você. A culpa é sua. - Apontei o dedo em seu peito. - Era seu trabalho investigá-la, saber quem ela era e você falhou! O quão patético você é capaz de ser?! E, como se não fosse o suficiente, se envolve com ela como um velho sedento?! Permite que ela entre nessa casa, receba treinamento, se enturme com todos, se enturme comigo! VOCÊ PIOROU TUDO! - Eu levantei meu braço, pronto para bater em seu rosto. - VOCÊ...

Sebastian agarrou meu punho.

- Bocchan, se recomponha. - Ele abaixou meu braço. - De fato, minha investigação pode ter sido falha, entretanto, garanto que não haviam pontas soltas em qualquer detalhe do currículo que me foi oferecido, ela foi consistente em todas as histórias que contou, desde o princípio. O senhor estava bem inclinado a não contratá-la, mas mudou de ideia. Ela poderia voltar aqui mais de duas mil vezes e o senhor poderia negá-la em todas. Mas, não. Não foi o que aconteceu. O senhor a escolheu, assim como escolheu que ela recebesse um treinamento adequado, seu próprio quarto, o benefício de compartilhar tardes de estudos ao seu lado. Foi o senhor quem permitiu a ela a oportunidade de estar tão próxima a você, tão amigável.

- Está insinuando alguma coisa?!

- Estou insinuando que estas permissões, nunca partiram de mim. Eu apenas segui as ordens que vinham de cima. Suas ordens. - Ele se inclinou na direção de meu rosto. Os olhos vermelhos vibrando, iluminando a escuridão da biblioteca. - O senhor é um lorde. Assuma a responsabilidade por suas escolhas e lembre-se de que temos uma mulher de braços e pernas amarradas à cadeira de seu escritório, esperando por uma resposta. O senhor precisa tomar uma decisão.

Respirei fundo, olhando no fundo de seus olhos.

- Tire suas mãos de mim. - E assim, ele fez. Me recompus, organizei meus pensamentos e raciocinei meus próximos passos. - Se ela vive em mentira, veremos se ela seria capaz de aguentar a verdade, sem enlouquecer.

Sebastian ergueu uma única sobrancelha.

- Por acaso o senhor está pensando em...

- Eu estou pronto. Vamos voltar.








[...]








O pânico já havia passado e a adrenalina já não estava mais em meu sangue.

E mesmo assim, minhas mãos tremiam e minha testa suava fria, me sentia cansada e com o corpo pesado. Meus braços estavam doendo com tanto tempo flexionados para trás, mas a corda com que minhas mãos foram amarradas já não incomodava tanto. Assim como meus calcanhares, amarrados.

Eu não tive tempo para chorar, para gritar e surtar. Tudo foi interno. Desde o momento que os dois viram toda a cena entre mim e Tobias, nada intenso aconteceu.

Depois de atirar em Tobias, Jovem Mestre apontou a arma, lentamente, para mim. Seu único olho a mostra estava arregalado. Eu não consegui ver o rosto de Sebastian, estava escondido entre as sombras.

"Acabou" foi o que pensei no momento. Apenas levantei minhas mãos, rendida a eles. Esperei um tiro na testa, no peito, qualquer coisa que fosse dar fim a minha vida ali, junto a todos aqueles outros. Mas, não. Não foi assim.

As poucas luzes daquele lugar piscaram e piscaram, até apagarem de vez. E, quando aconteceu, eu senti meu coração desacelerar lentamente, meu corpo pesar e meu cérebro perder o oxigênio.

Eu apaguei e acordei aqui, no escritório.

Eu ainda usava o mesmo vestido, ainda estava suja de sangue. Chuto que ainda seja madrugada.

Ah...não deveria ser assim. Não deveria acontecer assim.

Eu fracassei em tudo. Eu perdi tudo.

- Hm? - Levantei minha cabeça quando, de repente, ouvi o som da porta do escritório se abrir. Eu não poderia me virar o suficiente para ver quem era, mas ouvi a porta se abrindo, se fechando e sendo trancada. - Olá...alguém?

Os passos foram se aproximando e, aos poucos, a figura foi se aproximando da única fonte de luz do escritório, três velas acesas, tornando a visão mais clara.

Jovem Mestre...

Ele me encarava de forma vazia, enquanto ia em direção a sua poltrona e se sentava, apoiando os cotovelos na mesa a nossa frente, me encarando.

- Imagino que você tenha muito a dizer.

- Senhor, eu...

Ele ergueu a mão, pedindo silêncio.

- Se vamos fazer isso, faremos direito. Você está em desvantagem aqui, sabe disso certo?

Engoli em seco, respirando fundo e encarando com seriedade.

- Acho que a resposta é um pouco óbvia.

- Hm. - Não havia qualquer expressão em seu rosto. - Você costuma ser mais respeitosa.

- É um pouco difícil tendo minhas pernas e braços amarrados.

- Ninguém em sã consciência te soltaria nas minhas condições.

- Mey-Rin e os outros já sabem que o senhor me prendeu aqui?

- Chega. Eu farei as perguntas, você responde. Entendido?

Estava confusa, perdida. O que ele queria comigo? Por que ainda me mantém viva? Por que não me matou como fez com os muitos que já entraram aqui?

- Não entendo aonde o senhor quer chegar com isso.

- Você quer poupar a sua vida?

- Na minha situação atual...tenho algumas dúvidas.

- Não seja ridícula. É claro que quer, se não, teria me implorado para atirar em você naquele porão. - Ele se levantou, começando a dar passos lentos em volta da mesa. - Primeira pergunta: Para quem você trabalha?

- Trabalhava.

- Responda direito.

- Ah... - Bufei. - para os Morettis. Eu trabalhava para a máfia Moretti.

Ele ergueu uma única sobrancelha.

- Morettis? Devem ser bem insignificantes no submundo. Nunca ouvi falar.

- O senhor não pode ter os olhos em todo o submundo.

- Acredite, eu posso. E, segunda pergunta: O que quer dizer com "trabalhava"?

- Oh, agora quer saber? - Seu olhar mudou, para o que parecia raiva. Merda, eu não deveria estar dificultando as coisas. - Desculpe, é o cansaço. Eu resolvi largá-los depois de alguns meses trabalhando aqui.

Ele pareceu suavizar sua expressão, ainda dando voltas pela mesa, me cercando.

- E o que veio fazer aqui? Qual era seu trabalho? Sua função?

- Eu era uma assassina com métodos a longo prazo, fazia qualquer trabalho que me dessem. Eu me disfarçava com outras identidades, me aproximava das vítimas, encontrava qualquer informação adicional que meus chefes poderiam querer e assassinava o alvo. Muitos dos que eles mandaram para invadir sua mansão foram mortos pelos outros empregados, ou saíram malucos, por algum motivo. Eles me requisitaram para esse trabalho, me exigiram obter qualquer podre que o senhor pudesse ter e depois, assassiná-lo. É o que vim fazer aqui.

Ele parou, ficando de costas para mim, encarando as longas janelas e a escuridão a fora.

- E por que?

- O senhor... - Engoli em seco. - em teoria, fez um grande massacre em uma reunião dos membros a três anos atrás. Eles queriam vingança pelo prejuízo.

- A quanto tempo...você disse?

- Há três anos, senhor.

Ele cerrou seus punhos, trêmulos.

- E...você desistiu, eu assumo.

- Sim, eu desisti.

- E por que?

- Eu tive muitos motivos...

Ele socou a mesa, me fazendo quase pular da cadeira em um susto.

- Eu quero tudo. Todos os motivos. Amelia, eu sei que esse não é o seu maldito nome, mas...eu preciso disso. Agora.

- Ah... - Eu teria que trazer todas aquelas memórias à tona. - Eles me fizeram passar por muitas coisas, coisas horríveis, tiraram as únicas e mais importantes coisas que eu tinha de mim, me espancaram muitas vezes e quase me venderam como mercadoria, então...depois que perceberam que eu era útil, me obrigaram a ficar com eles e trabalhar para eles. Era isso, ou a morte. Desde então, eu jurei que me esforçaria para ser reconhecida lá dentro e alcançar algum cargo de poder que pudesse me ajudar a me vingar de todos, foi aí que surgiu minha oportunidade de vir para cá. Mas, foi tudo muito diferente do que eu esperava. O senhor, os outros servos, o comportamento de você, não se pareciam em nada com as outras casas nas quais me infiltrei, com os nobres e servos que convivi. Tudo costumava ser frio, vazio e sem sentido, todas as casas me lembravam um pouco da máfia e de como eu não sentia nada. Só que, aqui foi diferente. Todos me acolheram, me deram oportunidades e de um jeito até irônico, eu superei muitos medos que adquiri nos últimos anos com a ajuda de todos vocês e aos poucos, eu senti que fui reconstruindo uma coisa que perdi a muito tempo. E como se não bastasse, quando tentei investigar o senhor a fundo, a fim de achar algum podre, eu descobri que poderiam estar mentindo para mim, que a três anos atrás o senhor poderia, p-poderia ter sido...

- Sido?

Ele disse, com muita atenção e tensão em seu rosto.

- Uma vítima. Talvez deles, talvez de terceiros, eu não se'i mas, uma vítima. Com tantas peças faltando e com tudo que eu passei aqui, eu não me vi capaz de matar o senhor ou qualquer outro aqui. Eu decidi me revoltar anonimamente. Eles me deram um prazo de uma no para completar esse trabalho, então tecnicamente, eles não desconfiam de nada. Graças a isso eu venho tentando pensar em um jeito de me vingar deles ou de escapar deles antes que esse prazo terminasse sem levantar suspeitas de ninguém, mas hoje, quando encontrei com o homem que o senhor atirou, um antigo colega de trabalho, tudo mudou. Agora, estamos aqui. Eu sei que minhas razões para me revoltar podem parecer...imbecis para o senhor, mas, como eu já disse, - Sorri, não por felicidade, talvez por aceitação, por perceber que tudo deu realmente errado e que eu finalmente estava contando a verdade para alguém, em voz alta. De certa forma, me forneceu um certo alívio. - depois de tudo que eu passei, é justificável.

- Quem são "eles"? - Jovem Mestre me olhou soslaio, agora, ele rangia os dentes e seus punhos tremiam. - Seus chefes, quem são?

- Sinceramente, eu não sei. Eu recebo ordens de um nobre que está em um cargo bem acima de mim, Edgar Benedict, mas eu não sei se ele sabe quem são "eles" ou "ele", tenho a sensação de que, assim como eu, ele recebe ordens de alguém de cima.

- Não pode ser... - Ele sussurrou. - não podem ser eles.

- O que? "Eles"? Eles que...

Jovem Mestre socou a mesa e se virou completamente para mim.

- Me escute com atenção, muita atenção. Você precisa me dizer tudo que sabe, tudo que você investigou até agora. Cada detalhe. Eu, e-eu preciso muito.

Sua forma de se mover, seu corpo trêmulo, sua expressão perplexa e confusa, tudo me deixava mais tensa, mais ansiosa!

- O que aconteceu com você? O que eles...

- Essas pessoas, mulher! - Ele me agarrou pelas mangas do vestido! - Essas pessoas que te disseram que eu "matei", esse massacre, elas acabaram com a minha vida! EU NÃO FIZ NADA! FORAM ELAS! EU FUI A VÍTIMA E ELAS AINDA ME PERSEGUEM! SE VOCÊ SABE DE ALGUMA COISA, PRECISA ME CONTAR! PRECISA!

- Urg! - Os apertos no braço me machucavam, ele me segurava com força! - ME SOLTE! O SENHOR ESTÁ FORA DE CONTROLE!

Eu gritei em seu rosto, o mais alto que podia. Ele recuou, hiperventilado, desorientado e tropeçando nos próprios pés.

- Eu só preciso saber...você, você precisa dizer.

- NÃO! - Sentia meu corpo todo tremer e o suor escorrer frio. - Você está livre deles! E eu?! Eu ainda estou presa a eles e não sei nem contra o que ou quem eu estou lutando! Eles parecem saber de coisas que eu não sei, assim como o senhor! E eu?! Só continuo correndo sem sair do lugar! Seguindo um caminho às cegas sem entender nada! Eu...não aguento mais isso. - Baixei a cabeça, olhando para minhas próprias pernas e respirando fundo, pois a falta de ar veio com certa força. - Se o senhor quiser qualquer coisa de mim, vai ter que me explicar o que aconteceu! Depois de tudo isso...acho que mereço saber.

Jovem Mestre abaixou a cabeça, encarando o chão, quieto. Então, se moveu, afastando-se e indo para o outro lado da mesa. Ele abriu uma das gavetas e puxou um abridor de cartas bem afiado.

Eu engoli em seco, uma única gota de suor frio escorreu por minha testa.

- Veja bem "Amelia", eu planejava te contar a verdade, a minha verdade. Porque eu pensei que, assim como os outros que tentaram invadir essa casa, você enlouqueceria e fugiria. Ou, quem sabe, aguentaria e demonstraria ser, de fato, útil...quem sabe. Mas, agora... - Ele se reaproximou e apontou o objeto para mim. - as coisas mudaram de figura. Se eu compartilho meus segredos, você enlouquece e se você enlouquecer, eu fico sem as respostas que preciso. Não parece vantajoso para nenhum de nós.

- Hm... - Eu sorri, fracamente, mas sorri. - o senhor pode até ter algo a perder, mas eu não tenho. E falo sério quando digo que nenhuma palavra sairá da minha boca enquanto o senhor não me disser a verdade. Aqui. Agora.

Bufando e fazendo uma expressão extremamente descontente, ele ergueu o abridor em minha direção e fechei os olhos com força, me preparando para a possível dor que viria em seguida.

Ele iria me torturar até que dissesse algo? Finalmente me mataria? O que ele...

De repente, senti a tensão em meus pulsos se desfazerem. Eu abri meus olhos. As cordas haviam sido arrebentadas.

Passei a mão por meus punhos, com a pele irritada e avermelhada por tanto tempo presa. E, quando me dei conta, senti esse mesmo alívio em minhas pernas.

Ele...realmente me soltou?

Jovem Mestre estava de joelhos em minha frente quando nossos olhos se encontraram, ambos estávamos sério, tensos e, talvez assim como eu, ele se sentisse perdido.

Se levantando e se afastando de mim, ele jogou o objeto para longe.

- Achei que não pretendesse me soltar.

- Se está disposta a me ouvir, não vai fugir.

De fato, ele tinha um ponto.

Agora, de pé, cruzei meus braços enquanto o via suspirar diante das janelas do escritório escuro, observando a lua.

- Eu realmente espero que você aguente o que vai ouvir.

- Não pode ser pior do que fizeram comi...

- Ha! - Ele soltou uma risada tão espontânea, tão verdadeira em um momento tão mórbido, que chegou a me assustar. - É, isso foi engraçado. - Ele disse, sem cruzar o olhar com o meu, devoto a encarar o luar. - Foi em uma noite como essa.








[ 13/12/1885 ]








A mansão vivia repleta de servos, e naquele dia em específico, estava tão agitada quanto de costume.

Era a véspera do meu aniversário.

"- Mamãe, papai!"

"- Ah, meu garotinho! A mamãe comprou muitos presentes para você!"

Condessa Rachel Phantomhive e Conde Vincent Phantomhive, meus pais. Eles eram muito conhecidos por toda Londres e muito respeitados pela Elite. Meu pai exercia funções reais, além da nossa própria empresa, na época, siderúrgica.

Eles eram boas pessoas.

"- Durma cedo, meu filho. Eu e sua mãe temos muito a fazer hoje, porém, mais tarde iremos comemorar o grande dia. Até então, obedeça Tanaka e faça suas atividades. Entendido?"

"- Uhum!"

Eu estava acostumado a fazer minhas atividades dentro de casa e brincar no meu quarto. Por conta da doença, a asma, eu não podia sair. Era fraco, pequeno e estava quase sempre passando mal.

Mas, apesar disso, eu era feliz.

" - AU, AU!"

"- A-ah! Sebastian!"

O cachorro da família. Sebastian era um Borzoi preto que meu pai havia adotado no meu aniversário de sete anos, ele achou que seria uma boa companhia, já que mal saia de casa. Eu não gostava tanto dele.

" - E claro, Sebastian também vai cuidar de você."

" - Papai! Ele não gosta de mim"

" - É claro que gosta, ele vive te seguindo, não é? Bom, agora precisamos sair. Se comporte."

" - Tchau, querido! Te amamos! Até mais tarde"

"- Pequeno Mestre..." - Tanaka estendeu a mão a mim - "acompanhe-me. Vamos ao seu quarto realizar suas atividades e depois, brincar um pouco."

"- Tanaka, que horas posso sair do quarto para a festa?

"- As nove, Mestre. A equipe de servos irá cuidar de todos os detalhes da decoração e comida. A noite será longa e terá muitos convidados para comemorar, até lá, faça suas atividades e descanse."

"- Oh! Eu vou poder assistir o relógio badalar à meia-noite?!"

"- Ah, é claro que vai, Mestre. Então, será oficialmente o dia em que nasceu."

Tanaka era nosso mordomo, na época, para mim, quase um avô.

Depois dessa conversa, fui levado ao meu quarto e tive auxílio nas minhas atividades da manhã, depois passei o resto da tarde brincando, até que eventualmente, fui dormir.

Eu dormi por bastante tempo. Mais do que devia. Os chás medicinais tinham esse efeito.

Acordei em um susto, com o badalar do relógio. Levantei confuso, sem entender. Era meia-noite e ninguém havia aparecido por mim. Por que?

Eu resolvi esperar, os empregados sempre vinham me buscar e achei que não fosse o melhor sair do lugar.

Esperei.

Esperei.

E esperei. O relógio dava quase uma da manhã e eu não ouvia um barulho sequer ao lado de fora. Ninguém veio.

Ficava cada vez mais escuro e eu me sentia cada vez mais assustado.

Juntei coragem e finalmente saí do quarto.

"- Tem alguém aí?"

Silêncio total. Nada. Os corredores estavam vazios e escuros.

"- Ei! A-alguém? Podem responder, por favor? Onde todos foram?!"

Eu rodei por vários corredores, procurando por alguém e...

"- AU, AU!"

Me assustei com o cachorro tentando pular em cima de mim. Ele estava amarrado a uma das pilastras da casa e usando focinheira.

"- S-Sebastian?! Quem te amarrou aí?"

Eu não poderia deixá-lo ali assim. O soltei e tirei sua focinheira. Então, ele me agarrou pela blusa e começou a me arrastar pela casa. Eu era bem pequena, então ele conseguiu por um tempo, até finalmente me soltar e sair correndo pelo escuro, enquanto latia.

Ele era rápido e eu não tinha fôlego para acompanhar, eventualmente eu o perdi de vista.

Até ouvir uma coisa no quarto dos meus pais.

"- Sebastian? Você...está aí?"

Eu abri a porta devagar, ainda estava escuro então, não enxerguei de primeira.

"- Sebastian!" - Eu o encontrei caído no chão do quarto. - "O que?! O que aconteceu com..." - Quando eu o toquei, senti minhas mãos molhadas. - "Água?" - Eu senti meu corpo todo gelar quando percebi que não era água. Era sangue." - A-ah...AHHH!

Eu caí no chão e me arrastei para trás, com medo. Foi aí que sento minhas mãos tocaram algo ainda mais molhado. Eu me virei e torci para que aquela cena fosse mentira.

"- MÃE! PAI!" - Eles estavam abraçados no chão, encharcados em uma poça de sangue. - "QUEM FEZ ISSO?! V-VOCÊS ESTÃO MACHUCADOS! PRECISAMOS DE AJUDA!"

Eles estavam mortos. Era claro e óbvio, mas eu estava muito em pânico para me dar conta disso e entender. Com isso, eu sai correndo e gritando por ajuda.

"- ALGUÉM, POR FAVOR! MEUS PAIS! ELES ESTÃO..." - Na correria eu tropecei em alguma coisa. - "AHHH!"

Era um de nossos servos, que também estava morto com um tiro na cabeça. Havia sangue nas paredes.

Eu me levantei e corri pela casa gritando por todos que conhecia e, em cada canto, havia sangue, morte e corpos de servos. Tudo piorou quando cheguei no salão onde organizavam minha festa mais cedo. Eram muitos mortos em um mesmo lugar, órgãos pelo chão, sangue e destruição.

"- POR FAVOR!" - Eu simplesmente não conseguia entender e chorei, chorei ao máximo que podia enquanto continuava a correr, sem desistir em procurar por alguém. Até que finalmente senti uma pontada de alívio quando vi Tanaka de longe. - "TANAKA!"

Ele me olhou de forma preocupada.

- Mestre Ciel! Se afaste! Não venha até aqui!

"- ME AJUDA!"

Eu ignorei e continuei correndo em sua direção.

"- Fuja, Mestre! Isso é perigoso demais para..."

De repente, tudo que pude ver foi algo afiado atravessar o peito dele, depois, escuridão.

Só escuridão.








[...]








Quando acordei, tudo estava escuro e húmido. Eu ouvi murmúrios, tinha alguém falando.

"- Eu vou pegar esse. Ele vai trazer uma boa grana."

"- Olha, vô te conta...tem uns caras com gostos tão esquisitos por aí."

Eu tentei me mexer, mas meus braços e pernas estavam amarrados e minha boca amordaçada.

"O que está acontecendo? Onde eu estou? Não consigo me mexer! E...está tão escuro."

Foi o que pensei o tempo todo. Minha cabeça não parava, mas pude perceber, pelos barulhos em volta, que eu estava em uma carroça. Ele me transportava com carga para algum lugar, e tudo só piorou quando as memórias mais frescas vieram à tona.

Meus pais, o Tanaka, todos os outros...mortos? Mortos mesmo?!

Depois de algum tempo, a carruagem parou e me tiraram de onde eu estava preso. Haviam me prendido em uma maleta grande.

A primeira coisa que vi foram dois homens me encarando.

"- Esse aqui é uma gema, em!"

"- Aham. Vai dar uma grana."

"- Legal, agora..." - Um deles me agarrou pelo braço e me levantou, eu tentei resistir. - "ei, ei! Seja um bom cachorrinho e fica sentado, bem paradinho."

"- É, só vai ser uma picadinha."

Com um furador, eles furaram minha orelha e me grampearam com um preço, como se eu fosse mercadoria.

"- Ótimo, agora tragam o outro."

Depois disso nós...eu fui mandado para uma jaula fria. Eu não tinha poder para brigar e tudo que pude fazer era chorar, afinal, eu só tinha onze anos.

Mas, foi me dada a esperança de que talvez eu pudesse fugir, de alguma forma. Eu acreditava que o mundo seria gentil comigo. Minha família era católica e fui ensinado a crer, por isso, orei para os céus.

"- Bom Deus, eu rezo pela sua proteção e sua vigia dos céus. Amém."

Eu tentei dormir e é claro que não consegui. Mesmo assim, eu tentava manter os olhos fechados e imaginar meu quarto.

No dia seguinte, ouvi uma conversa entre dois homens por perto e tentei espiar. Um deles havia me trazido na carroça e o outro, era um homem bem vestido, um barão.

Ele se aproximou da minha jaula e me encarou como se fosse uma joia.

"- Linhagem Phantomhive. Eu...eu não acredito! Vale ouro!"

"- Aham. Vai comprar, ou não? Tenho mais o quê fazer."

"- Óbvio que vou!"

Eles trocaram algumas notas e depois, me soltaram. O barão veio até mim.

"- Oh, meu deus! Você deve estar congelando! Venha, venha! Tenho uma carruagem no aguardo!"

Tudo parecia mais confuso na carruagem. Ninguém me amarrou.

"- Onde estamos indo?"

"- Não precisa temer! Você tem amigos esperando ansiosos para te conhecer!"

Chegamos a uma mansão, e lá eu fui banhado pelas servas, vestido e alimentado em um jantar com o barão.

Ele foi acolhedor e cheguei a pensar que talvez eu tenha tido a sorte de ser salvo.

"- Quando terminar sua refeição, as servas irão trocá-lo certo? Afinal, haverá uma grande festa esta noite, e você é o convidado especial!"

E assim aconteceu. As servas me vestiram com trajes de festa e fui posto na carruagem com o barão novamente.

Depois de um certo tempo chegamos a uma catedral. O barão bateu à porta e trocou algumas palavras com o homem à frente antes de entrar.

Foi aí que tudo...tomou outro rumo.

Entramos e dentro da catedral acontecia a tal festa. Homens e mulheres de roupas íntimas e máscaras no rosto bebiam, comiam, fumavam e faziam...coisas bem nojentas.

"- Ahm...o que é isso?"

"- Não precisa ter medo." - O barão ergueu uma máscara e colocou no rosto. - "Tenho certeza de que você vai gostar daqui."

Outro mascarado subiu ao púlpito da catedral.

"- Escutai-me meus devotos frades e freiras, hoje marca a chegada da lua nova! O momento chegou para nosso rei da corrupção para emergir a outro nível de poder!" - Todos aplaudiram e comemoraram em resposta. - "Obrigado, obrigado! E, não haverá noite mais especial que esta para a homenagem ao nosso rei, que tanto ansiamos! E, é claro, vamos agradecer ao barão 'T' pelo belo cordeiro que trouxe para o início do nosso ritual de invocação! A noite de hoje e os próximos dias serão gloriosos graças a ele!"

Todos aplaudiram o barão mais uma vez, que agora tocava meu ombro e me dava um olhar podre.

O homem no púlpito apontou para mim.

"- Agora, é nosso dever profanar a pureza e inocência desta alma, para que então, nosso rei devore apenas a mais impura e tentadora alma possível, para que o diabo aceite nossa oferenda!"

"- O...o que?"

Todos em volta passaram a se aproximar e de repente um enxame de homens e mulheres vieram para cima de mim.

Eu fui violado, humilhado, abusado e completamente invadido de todas as formas.

Físicas, sexuais, psicológicas.

E, tudo isso, diante das imagens daquela catedral, das imagens sorridentes de deus que me encaravam de volta.

"- Deus, Pai Celestial, por que v-você...está sorrindo?

Nunca esqueço do quanto me perguntei isso entre sussurros.








[...]








Os abusos se repetiram por dias, cada vez piores e mais...marcantes.

"- Não! Não, por favor."

"- Eu devo marcá-lo com a marca da honrável besta diante do ferro quente, com o fogo mais ardente."

"- Não! NÃO, POR FAVOR! AAARG!"

Eles me marcaram nas costas com ferro quente, como se eu fosse um boi. Um bicho.

Naquele lugar, eu perdi completamente a noção do tempo. Achei que um mês tinha se passado, mas foram apenas nove dias. Nove dias incansáveis. Procurei repetir como um mantra na minha cabeça "Há alguém me vigiando. Deus vai me salvar, vai enviar alguém para me tirar daqui. Eu posso rezar. Posso rezar mais. Como papai e a mamãe me ensinaram."

Depois de muitas orações não respondidas, eu passei a imaginar que morrer não seria tão ruim assim, que talvez morrendo eu não sentiria mais dor.

Até que...

"- Ei, os tire da jaula. Eles serão o prato principal de amanhã."








[...]








"- Meus devotos, dez dias se passaram desde a lua nova, todos os passos primários foram dados e nossa cerimônia está cheia. Vamos, finalmente, ao salão oval dar início ao nobre banquete ao rei!"

Me arrastaram ao tal são e me enjaularam, separado de outras crianças que também estavam lá, algumas em estado de quase morte. O lugar estava cheio, todos me assistindo.

"- Queridos membros, temos aqui os cordeiros do memorável dia, nossos sacrifícios!"

"Eles vão me machucar de novo?"

Foi o que fiquei pensando.


A partir dali, tudo aconteceu muito rápido.


"- E o cordeiro escolhido para esta noite será...este." - Ele apontou. - "O Phantomhive."

A jaula se abriu. Haviam gritos de negação, medo.

"- ME DEIXEM IR!"

"- Agora, oferecemos nossas orações ao demônio."

As preces começaram em um coro.

"- As nefastas bestas que sugam o sangue derramado..."

"- POR FAVOR! PARA!"

"- Venham, vocês que vestem as chamas do inferno..."

O corpo foi colocado na mesa de mármore, à força, no centro do salão. Silenciado pelas mãos brutas e imobilizado por muitos homens de capa.

"- As regras da noite, aliadas ao juramento da escuridão..."

Eu tentei chamar por ajuda, tentei impedir, mas, era inútil.

"- Entre em um pacto conosco! Sob a proteção da lua com suas mil faces..." - Um dos homens a volta ergueu um punhal afiado. Eu arregalei meus olhos. - "Lorde do caos, VENHA PARA NÓS!


Sangue. Muito sangue. Risadas, aplausos, orações e dor inimaginável.

Ninguém veio nos salvar. Ninguém nos protegeu. Ninguém nos vigiou.

Não existe Deus algum. Não existe. Nunca existiu.

"- T-todos vocês...todos. Todos vocês, todos vocês, t-todos..." - O templo começou a tremer, como em um terremoto. A dor em mim começou a sumir de forma sem sentido. Então, a raiva tomou conta de mim. - "EU VOU MATAR TODOS VOCÊS!"

"SPLASH!"

De repente, um redemoinho de sangue se manifestou e tomou conta do salão. Algo que só poderia ser lido em escrituras da bíblia e nunca visto na realidade.

Um sangue cortante, que causou gritos e sofrimento a todos os pagãos que estavam lá. Eu tentei me proteger.

E, "aquilo" não era simplesmente algo bizarro.

"- Me responda."

Aquilo tinha uma voz.

"- AHHH!"

Tinha muitos olhos para assistir ao sofrimento de todos.

"- FAZ ISSO PARAR!"

Tinha bocas para desmembrar e arrancar braços, pernas, carne.

"- Quem me invocou?" - O sangue não parava de se espalhar. - "Seu sacrifício não é mínimo. Sinto, em uma busca por luxúria e riqueza...calamidade, crueldade e tragédia." - Aquela "coisa" foi tomando forma. Algo meio humanoide, mas que não era humano. Ele se formou em minha frente. - "Onde está o tolo que cuspiu no nome de Deus?"

"- Isso é um pesadelo!"

"- É real! Ele está mesmo aqui! Eu vou pro inferno"

Muito gritavam desesperados, menos o homem do púlpito, que correu até a coisa, se ajoelhando.

"- POR FAVOR, MEU REI DA CORRUPÇÃO, EU O INVOQUEI! ME CONCEDA A VIDA ETERNA E A RIQUEZA! EU...A-AH?! O QUE ESTÁ FAZENDO?! AHHHH!"

A coisa o pegou com rapidez com vultos e então, desmembrou seu corpo no ar.

"- Não. Não foi você." - Ele voltou a matar um por um, como se procurasse um objeto em um quarto bagunçado. - "Não é este, nem este é claramente não é este..." - Ele finalmente parou a chacina quando colocou os olhos em mim. Eu tentei recuar, como se fosse adiantar alguma coisa. - "ah...é este." - Eu estava em choque, sem saber como reagir ou como fazer qualquer som. - "Ora, ora. Que surpresa." - Ele me avaliou com um de seus múltiplos olhos - "Você é um minúsculo e pequenino mestre. Foi você, não foi? Aquele que me chamou."

"- E-eu...c-como assim?! Eu n-não chamei nada como você!"

De repente, parte daquele sangue e sombras com vida, tomou a forma de um animal, uma cobra vermelha e gosmenta.

"- Não, eu tenho certeza de que foi você. Você negou a existência de Deus e amaldiçoou estas pessoas, este mundo."

- M-mas, mas eu não queria!"

"- Em retorno a este sacrifício desafortunado, você terá o direito de ter seu desejo concedido."

" - Sacrifício?! Não, não! Isso não..."

"- Oh, sim. Foi um grande preço a se pagar. Sua família, sangue do seu sangue. Veja, tudo se trata de sacrificar, desejar, contratar! Com todas as três condições bem atendidas, posso me tornar seu servo, " - Ele mudou de forma, agora, para algo cheio de tentáculos dominando o meu redor. - "trabalhei para você até o dia em que seu desejo se realize e então, clamarei sua alma."

"- V-você está mentindo. Eu não sacrifiquei a minha família. Eu não q-quero você aqui! Eu não quero! VÁ EMBORA!" - Minha voz era trêmula, em negação. Eu estava muito perdido. - "Por favor, vá embora. Eu estou com medo...de novo."

Sussurrei para mim mesmo.

"- Ah...que perda de energia." - Ele mudou de forma novamente, agora para um corvo. "- Eu me perguntei que tipo de humano você era, considerando a força com que você me convocou. Mas, elevei as expectativas. Você é apenas uma criança covarde..." - Ele contorceu seu pescoço, como se dizer tudo aquilo fosse divertido para ele. - "que não consegue aceitar os fatos que estão diante de você."

- Se eu posso fazer desejos, eu quero minha família de volta! Para de falar e trás todo mundo de volta! Todos eles!

"- Hm...que engraçado. Veja bem, você me invocou. A realidade disso nunca mudará. Nunca em toda a eternidade." - Ele mudou novamente, se transformando em um lobo negro com dentes afiados e olhos vermelhos. - "E consequentemente, o sacrifício pago nunca irá retornar. Entretanto, se quiser que eu desapareça, assim farei. Afinal, o seu foi um grande sacrifício e a escolha pertence a você. Mas...se você desejar entrar em um contrato comigo e ter seus desejos realizados por mim, ou não. Está opção permanecerá de pé, independente de eu desaparecer aqui e agora, ou não. A escolha é sua.

Eu estremeci por completo. Não sabia o que fazer. Não havia a quem eu pudesse recorrer. Me perguntei o que outras pessoas mais fortes fariam, o que minha família faria. Todos sempre foram mais corajosos que eu, mais inteligentes, mais fortes. Era como eu pensava.

"O que eu faço?"

"O que eu faço?"

"O que eu faço?"

"É tudo minha culpa...se esse sacrifício tivesse me levado, talvez fosse diferente! Eu...eu não sirvo pra nada! Não sou forte, não sou carismático ou esperto! Eu não sirvo para sobreviver, para ser um Conde! Se eu sobreviver, os que sobraram vão me odiar! Elizabeth vai me detestar, tia Francis e tia Anne vão me odiar e culpar! é tudo minha culpa, se eu tivesse sido escolhido

Esses pensamentos ecoaram e ecoaram pela minha cabeça confusa, na época, para uma criança tão nova, era uma decisão difícil. Mas, algo que não posso explicar ecoou na minha mente, que me tirou do pânico.

"Você ficará bem. Estarei aqui, com você"

Eu pisquei várias vezes, respirei fundo e olhei em volta, os corpos mortos, aquele corpo morto, tudo. Eu estava completamente sozinho.

"- Você precisa escolher..." - A coisa tomou uma forma mais humanoide, novamente, e sorriu de um jeito macabro. - "agora."

Eu vivi nas sombras dos que me amavam e apesar de ser idêntico a eles, eu não era nada como eles. Fortes e corajosos, gentis e sem medo da solidão. Eu, antes um fraco e medroso que temia a própria sombra, não conseguia dizer uma palavra sequer, quem dirá ser gentil. Além do pavor em ficar sozinho.

Eu poderia me lamentar mais e mais.

Poderia deitar em posição fetal e chorar naquele piso encharcado pelo sangue e pelo abuso.

Poderia imaginar tudo que qualquer um deles faria no meu lugar, naquele momento, eu quis ser qualquer pessoa, menos eu mesmo. Mas, a realidade era clara.

Ninguém nunca voltaria. E, por um segundo, eu pensei comigo mesmo de forma racional e fria, talvez pela primeira vez na vida. Tenho a sensação de que foi um daqueles momentos onde estamos entre a vida e a morte, então uma ponta de racionalidade vem como uma última esperança para nos salvarmos.

"- Se aqueles tempos nunca vão voltar," - Eu sussurrava, para mim mesmo. "- se vocês nunca vão voltar, então..." - Eu engoli qualquer lágrima que restasse, deixando o medo para trás. "- eu vou me tornar o que vocês gostariam que eu fosse!"

"- Por acaso está falando com..."

"- Poder...eu quero poder para me vingar! Quero me vingar de todos que destruíram a minha vida! Demônio ou seja lá o que você for..." - Eu estendi minha mão a ele. - "EU QUERO FAZER UM CONTRATO COM VOCÊ!"

"- Bom, então você deseja se distanciar da luz e percorrer o caminho das trevas. Excelente."

De repente todas as velas se apagaram e eu esperei a escuridão, que não veio. Tudo foi dominado por uma luz desconhecida, vermelha e intensa.

Senti meu corpo ser levantado no ar e algo gosmento e frio me agarrar dos ombros para baixo, pareciam ser tentáculos. Ele cresceu ainda mais, ficando quase maior que o próprio teto do salão e perdendo qualquer forma que eu pudesse reconhecer. Era apenas uma pilha de bocas sorridentes, olhos, garras e chifres.

"- Antes de começarmos..." - Ele estendeu uma de suas garras e a aproximou do meu rosto. - "faremos uma marca em nossos corpos."

"- URG! ME SOLTA!"

"- Oh, acalme-se, acalme-se. Eu não pretendo feri-lo, estamos apenas fazendo negócios e, para que possamos continuar, preciso garantir que você não se...bem, contorça-se enquanto isso."

Era desconfortável, mas de novo, eu tentei me controlar e engolir o pânico, afinal eu já não tinha mais o direito de ter medo de tudo, nem mesmo dele.

"- De que marca você está falando?!"

"- A marca corporal. Quanto mais visível, mais poderoso será o poder do qual você irá usufruir. O local mais..."

"- Qualquer lugar!"

"- Ora, ora...qualquer lugar?"

"- Dane-se! Qualquer um! Eu quero o poder! O poder que não vai me permitir perder para qualquer um!"

Ele riu do meu pedido, antes de erguer uma de suas garras.

"- Como pode um corpo deste tamanho guardar tanta ganância e vontade."

"- Faça logo!"

"- Bem, já que é assim..." - Antes que pudesse reagir, a garra atingiu meu olho. A dor era quase insuportável! Eu gritei, gritei ao máximo enquanto ele pressionava a palma contra meu rosto. - "faremos neste grande olho que brilha contra a escuridão!"

Depois de poucos segundos, ele me colocou no chão. Eu pressionei minha mão contra o olho, sentindo lágrimas escorrerem.

Lágrimas de sangue. Literalmente.

A visão do meu olho direito estava turva, um pouco sem cor, mas minimamente funcional. Respirei fundo e suportei a dor, junto a seus espasmos.

"- Perfeito..." - Ele voltou a um tamanho mais "normal" e estendeu uma de suas garras a meu queixo, tocando com uma gentileza macabra. - "daqui em diante, você nunca mais sucumbirá a ninguém. Com este olho, você tem os poderes demoníacos em suas mãos, a sua serventia." - ele se transformou mais uma vez, em seu jogo idiota, desta vez, em um leão. - "como um rei. Mais que um rei!"

Enquanto ele falava, continuei tentando me acostumar a aquela visão estranha, e nessa tentativa, eu percebi que nem todos aqueles homens e mulheres foram mortos. Haviam pelo menos vinte vivos. Vivos, escondidos e apavorados. Eles sussurravam coisas que não conseguiam ouvir entre si.

"- Agora...diga em voz clara e alta, deixe que sua ganância fale por você!" - Sua boca se aproximou do meu ouvido e sussurrou. - "me dê sua primeira ordem."

Eu levantei meu braço lentamente e apontei para aquele grupo,

- Eles. V-você tem que, você d-deve...

"- Alto e claro, Mestre. Se lembre de tudo que lhe ocorreu, do que fizeram a você, do que fizeram aos que você amava. E, há mais deles lá fora, mais deles que o senhor deverá..."

"- OS MATE! OS MATE AGORA! EU QUERO TODOS MORTOS!"

Não demorou nem um segundo para que ele passasse como um vulto por aquelas pessoas e as dividissem ao meio.

Foram as primeiras pessoas que "matei". Não com minhas próprias mãos, mas, as primeiras que de fato foram minha culpa. Eu não me senti mal. Custei a sentir algo e só de fato entrei em choque quando a cabeça de um deles voou perto de mim.

Depois disso, ele veio até mim em um gesto gentil e estendeu sua mão a mim.

"- Está feito meu Mestre, por favor, se levante." - Eu aceitei o gesto e me levantei. - "E seu nome, seria?"

"- Meu...nome?" - Eu pensei por alguns segundos, antes de responder, como se tivesse me esquecido de quem eu era. E de fato, eu escolhi esquecer. - "Ciel. Ciel Phantomhive. Herdeiro do Conde Phantomhive."

"- Oh, quem diria, não? Um Conde? Bem, se assim é..." - Sombras negras rondaram por seu corpo, o escondendo completamente. - "eu devo assumir uma forma apropriada para servi-lo." - Em poucos segundos, as sombras sumiram e ele estava totalmente diferente. Um homem alto, pálido de olhos avermelhados, cabelos pretos e um terno com sapatos formais. - "Agora, estou adequado para atender aos seus serviços, Jovem Mestre."

Você não precisa saber muito mais que isso.

Nós apenas discutimos as três regras do nosso contrato e foi algo difícil. Ele sempre foi manipulador, tentou ao máximo mudar o curso das coisas, adiantar minha vingança para obter minha alma com mais rapidez, manipular as regras que estipulamos, foi tão difícil quanto xadrez.

Mas, nisso, eu era indiscutivelmente bom, considerando que foi tudo que tive para fazer minha infância toda.

Nossas três regras foram determinadas.

Ele não poderia mentir para mim em hipótese alguma.

Ele deveria obedecer qualquer ordem dada por mim, não importa qual e, ainda acrescentou, que as consequências poderiam ser até físicas se tentasse desobedecer, fazendo nossas marcas de contrato sangrarem.

E por último, me proteger até que minha vingança estivesse completa e nunca, jamais e em hipótese alguma, me trair.

O custo seria minha alma e para qualquer um isso soaria absurdo, mas eu já não tinha mais o que perder. Tudo que eu poderia vir a me importar foi tirado de mim e o que restou era a vingança e o ódio por tudo que me fizeram.

Ele queimou aquele templo abaixo e quando finalmente voltamos a mansão, ela estava em destroços e cinzas, aquelas pessoas haviam queimado tudo na tentativa de não deixar provas.

"- Não é habitável, sem dúvida."

"- Você pode parar de fazer essa voz...esquisita?"

"- Oh, minhas desculpas Mestre." - Ele ficou quieto por alguns segundos. - "Melhor agora?"

"- Sim." - Eu dei alguns passos a frente e me ajoelhei em frente ao que costumava ser a porta da frente. Era só entulho e cinzas. - "Aqueles malditos..."

"- Não se preocupe senhor. Não é nada que eu não possa resolver."

"- Você já esqueceu da nossa regra sobre mentiras? Minha casa virou destroço! Não tem nada aqui que alguém possa salvar..."

"- Ora, ora, o senhor já se esqueceu?" - Ele tocou meu ombro, fazendo com que me levantasse e me afastasse dos destroços. - "Preciso pedir que vire de costas por alguns segundos."

"- De jeito nenhum. Não vou ficar de costas para você!"

"- Se quer fazer com que este contrato funcione precisa confiar em mim."

-" Urg..."

Eu suspirei e dei as costas, não devo ter passado mais de quarenta segundos virado.

"- Está feito. Pode se virar."

Eu fiz como ele disse.

"- Uou...c-como?!"

A mansão estava reconstruída, tudo, em cada mínimo detalhe. Os arbustos podados, as janelas longas com molduras de ébano escuro. Tudo. Tudo era perfeitamente idêntico.

Eu encarei aquela criatura, que com aquela forma humana, mal parecia o monstro que eu tinha visto mais cedo. Tinha um sorriso satisfeito e simpático no rosto, com a postura ereta e mãos atrás das costas.

"- Venha, vamos entrando. Não tenho dúvidas de que deve você deve estar..."

"- Espera! Antes disso, tem uma coisa que preciso te perguntar."

"- E, o que seria?"

"- O seu nome. Qual...é o seu nome?"

"- Bem, é uma ótima pergunta. Mas o fato é que não possuo um."

"- Se vai me servir, precisa de um nome."

"- Acredito que, como meu Mestre, você deva se sentir livre para escolher."

Eu pensei, pensei em um nome diferente, algo que não fosse me lembrar necessariamente dos antigos empregados da casa.

"- Sebastian." - Fui rapidamente distraído pelos primeiros raios de sol aparecendo no céu. Aquela tortura levou uma noite toda e eu mal havia percebido. - "Daqui em diante, você se chamará Sebastian Michaelis."

"- 'Sebastian'? Que interessante." - Ele se abaixou um pouco, para falar comigo. - "Era o nome do seu antigo mordomo?"

"- Não. Era o nome do meu cachorro."

Eu não o conhecia o suficiente na época para saber, mas ele estava escondendo bastante raiva por baixo daquele rosto simpático, quando disse o que disse.

"- Me parece um...bom nome. Será um prazer servir você."

Balancei a cabeça de forma negativa.

"- Servos chamam os seus chefes por 'você'. Só pode se referir a mim como 'senhor' e 'Mestre'."

"- Vejo que tenho muito a aprender."

"- É, você tem. Vamos entrar, eu estou com frio..."

"- Como quiser, senhor."







[...]









Eu ouvi a história, sem ser capaz de disfarçar o quanto aquilo parecia absurdo. Algumas coisas pareciam bater com o que descobri ao longo dos meses...o sumiço de dez dias, o incêndio na mansão, os livros de ocultismo metidos nessa história.

Mas...isso?!

- O senhor realmente espera que eu acredite nisso?

- Hm... a maioria das pessoas não acredita quando apenas conto. Mas, se você quer tanto saber, não me custa te dar uma prova concreta.

Ele levou suas mãos ao tapa-olho e o desamarrou.

Arregalei meus olhos e dei um passo para trás! Seu olho direito era completamente roxo, com um símbolo estranho, e brilhante!

"A marca corporal. Quanto mais visível, mais poderoso será o poder do qual você irá usufruir. O local mais..."

Isso n-não pode! Não pode ser verdade!

Enquanto tentei andar para trás, ele começou a vir em minha direção lentamente...

- Não sei quem são seus chefes, mas essas pessoas mentiram para você. As pessoas naquele salão morreram para que eu pudesse sobreviver. Eles arruinaram minha vida. - De repente, uma sombra negra começou a se formar em volta de seu corpo. - Eles são os culpados de tudo e se não fosse pelo que fizeram, eu não estaria aqui e muito provavelmente, você também não!

Entre os passos que dei, acabei tropeçando e caindo no chão!

- Você foi muito útil até o momento e se mostra cada vez mais. E, eu não sou com seus antigos chefes. - A sombra se tornava cada vez maior, até começar a ganhar forma, ao lado do Mestre. - não vou te ameaçar a ficar, não vou te assassinar e não pretendo te empurrar em um abismo de loucura com tudo que está ouvindo aqui, mas preciso saber se você é de fato capaz de aguentar.- Ele suspirou, em seu semblante sério e pesado! Meu coração não parava de acelerar! - Você fez um trabalho e tanto, afinal, ninguém nunca conseguiu se infiltrar aqui ou conseguir tantas informações quanto você conseguiu... - Então, ele tirou de seu bolso um pequeno caderno...o meu caderno! - Mas, caso não tenha percebido eu sinto em te dizer que sua teoria está muito longe de ser certa, Sebastian não é apenas um mordomo ou um "viajante" qualquer que simplesmente chegou até aqui. - A sombra negra finalmente tomou forma. A forma de um homem alto, de cabelos negros e olhos vermelhos. - Sebastian é um demônio.

Os dois estavam na minha frente, e minha cabeça parecia não conseguir processar tudo que estava acontecendo.

Calafrios percorreram meu corpo.

Suor frio escorreu pela minha testa.

Meu coração batia tão forte contra o meu peito que doía.

Mil e uma ideias passavam pela minha cabeça ao mesmo tempo enquanto aqueles dois me encaravam com seus olhares brilhantes, púrpura e vermelhos.


"Quatorze de dezembro de mil oitocentos e setenta e cinco. Quatorze de dezembro de mil oitocentos e oitenta e cinco."


Tudo foi se encaixando.


"O Grande incêndio da mansão Phantomhive! Na madrugada de hoje, quatorze de dezembro, um incêndio na mansão Phantomhive levou a vida de todos os seus moradores. Sendo eles, o Conde Vincent Phantomhive, sua esposa Rachel Phantomhive e outros quinze servos que habitavam a mansão. O filho do casal, Ciel Phantomhive, que estaria comemorando seu décimo aniversário hoje, está desaparecido. Seu corpo não foi encontrado."


Tomando rumos que eu não esperava e muito menos imaginava.


"Após dez dias de sumiço, o jovem Ciel Phantomhive, herdeiro único de toda a fortuna e legado da família, reapareceu misteriosamente nesta manhã de dia vinte e cinco, com curativos em seu rosto e um peculiar tapa-olho. E tão misteriosa quanto a sua aparição, apenas a total reconstrução da mansão Phantomhive, que parece ter se reerguido do dia para a noite!"


Por que fizeram isso? Por que arruinaram a vida dele sem mais nem menos?!



"E os fatores mais misteriosos, o mesmo retornou na companhia de um homem alto de terno preto. Ninguém sabe ao certo quem seria este. Alguns especulam ser o novo mordomo da residência, mas as informações não foram confirmadas, já que o mordomo da mansão, senhor Tanaka, foi encontrado gravemente ferido, porém vivo, na mansão."



Páginas soltas sobre demônios, datas que não batiam, forças inexplicáveis, comportamentos suspeitos...


"Página cento e onze e 'daemonium'."


Tudo que descobri, tudo isso, era além da compreensão humana!


"O contrato Faustiano. O acordo feito por aquele que clama aos deuses do inferno e seus seres, este lhe dará todo o poder que cobiça em sua mísera vida humana. Selado por sangue, por corpo, por alma..."


Demônios, almas, contratos, mortes e sacrifícios...


"E então, conforme é feito a décadas, aquele que foi convidado, que realizará os desejos da profunda futilidade humana aparecerá, o demônio."


Como eu me enfiei no meio de tudo isso?!



















[...]















- H-hm... - Abri meus olhos lentamente, tudo parecia um borrão. - ahm.

Minha cabeça doía, todo o meu corpo doía.

Me senti deitada em algo bem macio, confortável...

" Sebastian é um demônio."

Ah!

Eu me levantei em um pulo quando as lembranças do que aconteceu vieram à mente! Olhei em volta e percebi que estava em uma cama. Esfreguei meus olhos e olhei melhor em volta. A cama grande com dossel, o piso de madeira bem polido, as cortinas e janelas longas e paredes com boiserie...

Era um dos quartos de hóspedes da mansão. Eu conseguia ver os raios de sol que já saíam entre as cortinas fechadas.. Eu...ainda estou aqui.

- Merda, - Eu coloquei minhas mãos no rosto, tentando assimilar o que aconteceu de madrugada, depois daquela conversa e depois que cai no chão. Mas nada vinha à mente. - o que aconteceu?! Urg! Anda Ayuni, pensa...

Olhando em volta mais uma vez, vi as portas do quarto fechadas. Me levantei da cama rapidamente e corri até elas, puxando as maçanetas e tentando abrir.

- Trancada...merda!

Corri até as janelas e puxei as cortinas, a luz do dia incomodou meus olhos mas não me importei. Tentei abri-las também, mas não funcionou!

Eu deveria fugir? Deveria ficar?!

Ao mesmo tempo que não queria fugir e deixar os outros para trás, não sabia o que poderia acontecer se ficasse aqui!

- Calma Ayuni, tudo bem...pensa, raciocina. - Me encostei na parede e deixei meu corpo se arrastasse até me sentar no chão. - se ele quisesse me matar, já teria feito antes. Ele...ele não vai fazer isso. Eu sou útil, sei de coisas. Eles precisam de mim!

Mas...e quando não precisarem? E quando eu der todas as informações que precisam?!

Droga, pensar só piora tudo!

Dane-se, antes de qualquer coisa, eu preciso dar um jeito de sair daqui.

Eu me levantei, puxei uma das cortinas com toda a força que podia e as arranquei das janelas. Coloquei um pedaço embaixo do pé da cama e comecei a puxar e puxar!

Até finalmente conseguir arrancar um bom pedaço.

- Isso!

Peguei esse pedaço e o enrolei bem em minha mão, se eu ia mesmo quebrar a janela, precisava evitar sangrar, me machucar.

Fui até as janelas e olhei a distância entre o quarto e o chão...droga, era bem alto.

Balancei minha cabeça e afastei o pensamento! Mantive o tecido bem firme no meu punho e o ergui para o soco!

Vai dar certo. Eu vou sair daqui e depois, posso pensar no...

- Eu não faria isso se fosse você.

- AH!

Eu recuei em um susto e me virei em pose de ataque.

Jovem Mestre, era ele.

- Ia perguntar se você se sente melhor, mas já que te peguei quase quebrando uma janela, acredito que sim.

Eu regulei minha respiração, agora um pouco acelerada e desenrosquei minha mão dos panos, dando alguns passos a frente.

- O que houve comigo ontem?

- Você desmaiou. Começou a cambalear e caiu no chão. Sebastian diz ter sido um tipo de crise, nada demais.

Um silêncio mortal se fez no quarto. Eu não sabia o que dizer, nem sabia se realmente tinha algo a dizer depois de tudo aquilo que ouvi na noite passada.

- Admito que esperava algo pior. A maioria enlouquece e sai correndo, com medo.

- E como você acha que um desmaio é melhor que isso?

- Bom, você ainda me parece bem lúcida. Deveria se considerar sortuda.

- Sortudo por não ter sido mais uma invasora a morrer?

- Parece que essa sua atitude não é encenada. Talvez esse seu "disfarce" não seja uma versão tão diferente de quem você é quanto pensei.

Hesitei um pouco em responder...afinal de contas, eu mesma já me peguei pensando no quanto deslizei em meu disfarce no tempo em que me senti vulnerável perto de todos eles, mas...esse não é o ponto agora.

- O que você quer?

- Eu te fiz uma oferta e você não me deu uma resposta. Estou aqui por isso. - Ele deu alguns passos à frente. - Você não é obrigada a aceitar, mas estou te dando uma oportunidade de se juntar a casa...de novo. Nós temos interesses parecidos.

Eu engoli em seco...

- E o que me garante? Quem diz que, depois de conseguir o que quer, o senhor não se livre de mim? Aparentemente eu sei de coisas que os outros servos não...

- E você acha que eles acreditariam em você?

Quando abri a boca para responder, percebi que...eu não tinha uma resposta. Além disso, eu não tinha motivos para contar metade do que ouvi. Não me levaria a lugar nenhum.

- Eu não faço jogos sujos, Amelia. Você sabe das suas circunstâncias. Acha mesmo que depois daquelas mortes, as coisas não vão mudar para você? Quais as chances dessa tal "máfia" Moretti te ligar a isso? Você não quer se livrar deles? Eu estou te dando essa chance, pedindo seus serviços em troca. - Ele deu mais alguns passos, até ficar frente a frente comigo e então, estendendo a mão a mim. - participe da casa Phantomhive, dessa vez, de verdade. A escolha é sua, você pode ir embora, porque não pretendo te matar, e fazer o que quiser, quem sabe voltar correndo para esse buraco. Ou, você pode colaborar comigo, e uma mão vai lavar a outra. E então, o que me diz? Temos um acordo?

Encarei sua mão, avaliando as possibilidades.

Ambas as escolhas eram arriscadas e as duas fariam grande diferença em minha vida...mas, talvez, em apenas uma delas, eu teria a chance de fazer algo por mim, mudar minha situação, sem ter que lutar sozinha. Tudo que meus pais já me ensinaram vagaram por meus pensamentos, e por muitas vezes, eu me odiei por ter feito escolhas que não tinham nada a ver com o que me foi ensinado.

Não quero mais sujar as mãos por aqueles que destruíram minha vida.

- Temos.

Eu respondi, apertando sua mão.

O Conde sorriu, parecendo minimamente orgulhoso da decisão.

- Eu preciso saber o seu nome...honestamente, nunca achei que "Amelia Watson" combinasse com você.

- E sempre odiei esse nome. - Respondi firmemente. - Ayuni, Ayuni El-Din, senhor.

- Ayuni El-Din... - Ele repetiu, lentamente, como se avaliasse cada letra e cada sílaba. - soa bem melhor.



*

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