XLII - Shinigamis
20/05/1888 - Domingo
- CIEL!
- Arg! S-Soma, me solta! O que eu já te falei sobre esses abraços?!
- Ah, vai! Só mais um pouquinho! Eu não te vejo a um tempão! Você nem foi na festa que a sua alfaiate deu, e eu fiquei lá te esperando um tempão!
- Eu estava ocupado.
- Bla, bla! Você vive ocupado! Vamos fazer alguma outra coisa! Jogar cartas, xadrez ou até pachisi!
- Pachisi não! Os jogos do seu país são muito confusos. - Bocchan deu as costas, seguindo para as escadas. - Sebastian, prepare alguma coisa!
- Earl Gray e Scones?
- É, é! Algo assim.
- Que?! Ciel, me espera! - O príncipe correu atrás dele, o acompanhando. - É muito fácil! Eu te explico de novo, tá?
- De jeito nenhum!
E assim, ambos sumiram pela escadaria.
- É um prazer revê-lo, Sebastian.
- Sempre, senhor Agni. Poderia me acompanhar até a cozinha?
- É claro!
[...]
- AI! ESSE DO...
CRACK!
Atirei a faca, que acertou a garrafa bem ao lado dele!
- AH! - Em surto, Bard olhou para a garrafa quebrada, depois para mim e a garrafa, de novo. - FICOU MALUCA, MULHER?!
- Me desculpa, mas... - Girei a outra faca que tinha em mãos. - você que entrou no caminho.
- EU QUASE PERDI A ORELHA!
Dei de ombros e...
Tap, tap, tap!
Passos. Passos apressados, alguém correndo!
Me virei, rápida, entrei em posição de ataque e preparei uma rasteira!
- U-UOU! - Era Finny! Ele tropeçou no meu pé, como planejei. - AHHH!
E caiu!
- Foi uma boa tentativa! - Andando até ele, ainda desorientado e no chão, estendi minha mão para ajudar. - Mas, você foi barulhento demais.
- O treinamento da Mey-Rin te ajudou muito! - Ele segurou minha mão, levantando. - Ninguém nunca consegue ser mais rápido do que eu pra desviar de algum golpe!
- Você não tem ideia de quantas rasteiras erradas ela me fez dar e quantos tombos eu levei até aprender isso.
- Haha! Verdade, falando nisso, cadê a...
Click, click!
Eu reconheceria esse som em qualquer lugar.
Uma das armas de Mey-Rin!
- FINNY, CHÃO!
Me joguei em cima dele, e caímos!
BANG! BANG! BANG!
Ela começou a atirar, de algum lugar.
- QUE PORRA É ESSA?! - Bard tentou se esconder atrás de um tronco bem menor que ele. - ELA TÁ USANDO BALAS DE VERDADE?!
- Não! São balas de borracha! As que usamos no treinamento!
Olhei em volta, tentando identificar de onde vinha o som, como ela me ensinou...
Norte?
BANG!
Não, longe demais. Preciso prestar atenção no som e na distância.
BANG BANG!
Não seria sul, é perto demais. As balas não estão vindo da direita, então...
Oeste!
- Fiquem abaixados!
Me levantei e corri pela grama, desviando de qualquer pedra ou buraco!
BANG! BANG!
Segui correndo em ziguezague, sem acompanhar o padrão das balas e impedindo que ela me acertasse.
Esses treinamentos valeram bastante a pena...
Em um impulso, me arrastei entre as árvores na minha frente!
- AAAI!
ISSO! DEU CERTO!
Eu tinha alcançado Mey-Rin! Acertei o ponto do seu esconderia a derrubei pelas pernas quando me joguei no chão.
Sem chance de ser acertada, sem chances de contra ataque!
- Tudo bem?
- Ah, tá! T-tá sim! Eu só tomei um susto! Hehe!
- Menos mal!
Nos levantamos, limpando nossos uniformes e tentando tirar a grama.
- Olha, Amelia, você melhorou muito! Fiquei impressionada. E, até nos seus erros, a gente conseguiu progredir sem problema nenhum! Acho até que você perdeu o medo!
- Medo? - Me abaixei para pegar sua arma, também suja de grama e terra. - Qual?
- Ora, seu medo de errar, né? Parece até que você nem se importa mais!
Foi como se uma lâmpada acendesse sobre a minha cabeça.
Era verdade...as vezes eu me esqueci do quanto cometer qualquer erro já foi pavoroso e assustador.
- É, acho que você tem razão. - Dei um largo sorriso. Tentei limpar um pouco a arma e a devolvi. - E então, vamos continuar?
- Com certeza! Cadê o Baldroy e o Finny?
- Do outro lado do gramado. Inclusive, você precisa ver o Bard, ele se escondeu atrás de um tronco umas duas vezes menor que ele.
- Sério?! Haha! Eu quero ver! Vamos!
Ela começou a correr!
- Ei! C-calma ai! Me espera!
Comecei a correr, logo atrás.
Estava sendo uma boa manhã.
[...]
- Agradeço imensamente por convidar minha majestade para aproveitar um tempo com o seu pequeno Conde!
- Igualmente. Jovem Mestre precisava de companhia mais leve. O trabalho tem sido um tanto estressante.
- Posso imaginar. Nomes de peso podem trazer funções de grande peso.
- Sem dúvidas.
- E, de forma geral, como o senhor está, Sebastian?
- Oh...bem, eu acredito.
- AH! AMELIA, FICOU MALUCA?!
A gritaria chamou minha atenção. Ergui a cabeça e olhei pela janela.
- Você precisa melhorar seus desvios!
- FICA DIFÍCIL COM VOCÊ ATIRANDO FACAS POR AÍ!
Senhorita Amelia estava em treinamento, desta vez, em conjunto com o restante dos servos.
- Fica esperto! Eu vou atirar mais uma!
- PARA COM ISSO!
- Haha! B-Bard! Volta, eu juro que não vou te acertar!
- E POR QUE VOCÊ TÁ RINDO, ENTÃO?!
Ela estava com seu rosto suado, os cabelos presos e desgrenhados, os fios colados em sua testa pelo suor. O avental desgrenhado, uma das botas desamarradas e o vestido sujo de grama. Além de tudo, estava sorrindo.
Era hipnotizante. Tão hipnotizante que, mal parecia um ser humano, como o resto dos outros. Por alguma razão ela se destacava, como se sua aura brilhasse ao redor dos outros, como se seu cheiro não pudesse se misturar ao resto do fedor deste mundo. Emasculada, um caso aparte, peculiar. Eu poderia tentar manchá-la ao meu máximo e, mesmo assim, seria inútil.
Pura demais para se misturar.
Desde a primeira noite que tivemos juntos, quando ela deixou sua castidade, já não me sinto mais o mesmo.
Tudo parece errado, incontrolável. Me sinto à mercê de algo e sem controle de mim mesmo. A poucos dias, quase desobedeci uma ordem, por conta dela.
Quando vi Ryan Stoker ao seu redor, a secando como um abutre atrás de carne, com possíveis repugnantes intenções, a tocando com mãos podres de quem tocava cadáveres apodrecidos e a conduzindo em uma dança nada venerável, eu não me senti em meu plano estado.
Fantasiei com tantas ideias violentas. Quis estourar sua cabeça, arrancar suas estranhas e enfiá-las em sua própria boca, furar seus olhos e servi-los a cobras. Eu poderia ter feito tantas coisas.
Mas, jamais poderia.
O que me restou foi a humilhante e degradante opção de arrastar uma qualquer para o centro do salão e tentar chegar perto o suficiente.
Eu queria tirá-la de lá, e se tivesse conseguido mais cedo, se não fosse impedido por meu Mestre, então sim, eu teria arruinado completamente os planos.
Nada disso está certo.
Tê-la despida para mim, a mercê de minha experiência, a feito chegar ao ápice com meus dedos e, ter finalmente, a devorado por dentro, tudo isso...
Não foi o suficiente.
Não me sinto saciado.
Muito menos satisfeito.
E, já não acho mais que o sexo seja a solução.
Eu não quero apenas sua carne, sinto que peço por...algo mais.
Mas, o que? E por que? Por que uma tão imensa vontade de tê-la, mas, tê-la muito mais que o físico. Qual é o sentido? O que mais poderia ser oferecido?
Eu já consegui o que procurava e mesmo assim, não me serviu. Isso está me en...
- Senhor Sebastian?
Acordei de meu transe, ao ouvir a voz do senhor Agni ao meu lado. Pisquei, duas vezes, e tentei me situar novamente.
- Sim?
- O senhor está bem?
Olhei pela janela, mais uma vez. Ela já não estava mais lá.
- Sim. Perfeitamente.
[...]
- Huuu! Olha só quem voltou!
- Eu quem digo... - Fechei a porta, atrás de mim. - Undertaker.
- Há quanto tempo! Aceita um biscoitinho?!
- Por onde você esteve?
- Opa, opa! - Ele balançou seu dedo indicador, negativamente. - Esse assunto é privado! "Privado", hm...soa como privada! HA! Ai, enfim, me conte, o que você quer? Finalmente vai comprar um dos meus caixões! Eu consegui alguns novinhos, que podem combinar muito com a cor dos seus olhos e...
- Você sabe muito bem porque vim.
Andei até seu balcão, ficando frente a frente com ele.
- Hm...não! Não sei não! Vai, vai, me conta! AH, JÁ SEI! É o mordomo?! Quero saber como vão as coisas entre você e ele! Juro, nunca vi ele beijar ninguém antes. Isso é bem novo, sabia?! Ele sempre foi tão, ahm, que palavra eu posso usar? "Quieto"? Não, outra coisa. Quem sabe...
Agarrei Undertaker pela gola e puxei uma faca.
- UOU! Alguém não está de bom humor! - Ele riu, de forma doente. Não parecia estar com medo. - Me diga querida, está naqueles dias do mês? Devem acabar com o seu humor, né?!
- Chega dos seus joguinhos. Eu estou cansada deles. Datas que não batem, eventos uns atrás dos outros com conexões suspeitas e a única coisa que eu quero são respostas. Eu quero entender o que aconteceu. Fale sobre o culto! Sobre o que eles queriam com o Ciel!
- Olha só, "Ciel"? Quanta intimi...
- QUIETO! - Tentei respirar fundo, segurando firmemente a faca. - O que esse tal "culto" estava tentando fazer, hm?
- Ha... - Seu sorriso se desfez por completo, e ele pareceu mais morto do que o normal. - e você acha que eu sei o que eles queriam? Se eu soubesse, muitos dos meus problemas estariam resolvidos.
- Os seus problemas? C-como assim?!
Ele agarrou a lâmina com uma única mão, de onde o sangue começou a escorrer.
- Eu não tenho nada pra te dizer. Absolutamente nada. Por isso, a não ser que você venha para comprar um dos meus belos caixões, - Ele largou a faca e agarrou meu punho com força! Na hora, me preparei para qualquer ataque. Mas, apesar disso, ele não parecia pronto para me atacar. - eu peço que a senhorita não ponha mais seus pés aqui.
Então, ele me soltou e deu as costas.
- Mas, você não...
- Vá embora, agora.
[...]
- Hm...droga, droga, droga!
Estava com a cabeça deitada na mesa da cozinha, pensando.
Pensando até demais. Toda essa situação e esse mistério estava me deixando ansiosa. Tudo mudou de figura muito rápido e ainda me sinto perdida no meio dessa confusão. Não consigo encontrar progresso, me dar bem e descobrir o que realmente aconteceu.
Minhas investigações não têm prestado em nada! Eu simplesmente travei em um ponto e não consigo mais sair.
- Aham.
Levantei minha cabeça de forma rápida, quando alguém "tossiu", perto de mim.
- Oi... - Abaixei a cabeça, de novo. - Sebastian.
Ele estava sentado, na cadeira à frente da minha e do outro lado da mesa.
- "Oi"? A senhorita não me soa como alguém que está bem.
- Olha, eu não estou afim de conversar agora.
- Não precisamos então. Posso continuar aqui.
- Há quanto tempo você está sentado aí?
- Alguns minutos.
- Minutos?!
Ainda bem que só resmunguei nesse tempo.
- O que posso dizer? Estou com tempo.
- É, eu percebi.
- Então, alguma razão para estar cabisbaixa?
- Eu já disse que não quero conversar! Eu...eu só estou cansada, entende? Quero ficar sozinha.
- Entendo. Bem, se estiver aberta a sugestões, sei de algo que pode deixar sua tarde um pouco melhor.
- Você não vai desistir, não é?
- É.
- Por que não estou surpresa?
Continuei de cabeça baixa.
- A senhorita gosta de minha insistência.
- Vá a merda.
- Vejam só, quanta rebeldia. A senhorita não é de usar palavras tão baixas.
- Se eu falar mais, você vai embora?
- Se a senhorita ouvir minha sugestão...
- Ótimo! Me diga sua genial sugestão!
- Um beijo.
Senti minhas bochechas queimarem e levantei a cabeça o mais rápido que pude.
- Que inferno! Você realmente acha que isso é hora de...
Fiquei confusa. Sebastian estava de pé, com um prato em mãos e...uma comida em um formato estranho, eu não sabia dizer direito o que era.
- O que é isso?
Estava genuinamente curiosa.
- Um beijo. - Ele colocou o prato em minha frente. - Um doce indiano que aprendi esta manhã, com a ajuda do senhor Agni. Talvez um pouco de açúcar possa melhorar seu humor.
Não era...exatamente isso que eu esperava. Fiquei sem jeito, sem saber o que dizer.
- Vamos, prove.
Sem muitas opções, peguei o garfo que tinha sido deixado no prato e cortei um pedaço, o espetando e levando para perto da boca.
Antes de abrir, olhei para Sebastian. Ele parecia ansioso.
Abocanhei.
O gosto era bom! Estranhamente bom.
- Hm, o que tem nele?
- Cacau, pimenta e um pouco de leite. E então, o que achou?
- É bom. - Me limitei a dizer mais, mastigando o doce. - Eu, ahm...posso pegar mais um pedaço.
- É óbvio. Aproveite.
Voltei a devorar o resto do doce, aproveitando cada pedaço. Realmente gostei da sensação moderada do doce e picante. Iam bem juntos.
Eventualmente, me lembrei que Sebastian estava ali. Ele me encarava.
Engoli o último pedaço e o encarei de volta, ele não parecia ter intenção de se mexer.
- O que foi?
- Nada demais. - Ele deu as costas, repentinamente. - Preciso ir. Não se preocupe em lavar a louça. Baldroy fará isso hoje.
Ele sumiu como um vulto, os panos de prato até se balançaram um pouco. Foi tão de repente, tão estranho.
O que ele tem?
[...]
Já fazem séculos que não venho a esse lugar. Talvez, século dezesseis?
Os sarcófagos abandonado, a grama extremamente alta, o cheiro de morte, as lápides de pedra infestadas por plantas ou deixadas em pedaços, a quantidade de buracos fundos, cavados com ódio, agora vazios ou com poucos ossos, todos que estavam por estes já se tornaram poeira. Oh, sim...no auge da peste, esse lugar era repugnante.
Agora, só restam os destroços.
Ainda não acredito que estou me sujeitando a algo assim.
Talvez o ideal seja não pensar muito nos meios, preciso apenas ficar satisfeito em saber que talvez assim consiga uma resposta.
Ele é um ser bem informado, por mais que deteste admitir. A tal ponto, já deve estar me aguardando no ponto de...
- Oh, meu Seby! Você veio MESMO!
Ah?
- O que você está fazendo aqui?
Grell Sutcliff. Urg...
- Ora, mas que falta de modos com uma dama! Não me trouxe flores? - Ela enrolou seus cabelos vermelhos e repugnantes nos dedos. - Nem chocolates, ou um vinho?! Inclusive, achei sua escolha tão interessante! Um cemitério, para uma mulher como eu?! É um pouco instigante a um Shinigami...e um pouco nojento. Não acha, Seby?!
- Seu chefe, William. Onde ele está?
- Ah, meu William não pode vir! Você sabe, ele é muito ocupado com o trabalho! Por isso, ele me deu este incrível presente, de vir em seu lugar! Mas...ei, o que você queria com ele?! Vocês tem que brigar por mim, e não sair juntos!
- ...
- ...
- Eu vou embora.
Dei as costas e...
- NÃO! Q-quer dizer, n-não, Sebby! - Ela entrou no meu caminho. - Espera! M-me diga, querido, do que você precisa, hm? Afinal, não é comum te ver pedindo a ajuda de Shinigamis.
- Justamente por isso que esperava manter o assunto em sigilo com um que fosse mais profissional, e menos ridículo. Mas, posso ver que nenhum de vocês possui qualquer compromisso. Agora, se me der licença, preciso ir.
- EI, EI! Aham! E-espera só um instante! Eu passei nos testes assim como meu William e sou tão Shinigami quanto ele, entendeu?! Eu sei que ele tem aquela cara de "sabe-tudo" sexy, mas eu tenho tantas informações quanto ele!
- Eu duvido.
- Ah, vai! Me conta, me conta! Eu estou falando sério, eu sei mesmo! Além disso, se ele ficar sabendo que me liberou de uma noite de papelada só pra resolver o que quer que seja o seu problema, ele vai ficar uma fera comigo...e com você!
- Eu não tenho medo do seu chefe.
- Ah, querido, não foi isso que eu falei. Mas, você não está afim de mais uma daquelas briguinhas que vocês vivem tendo pelos telhados, certo? Duvido que o seu fedelhinho...
- Mestre.
- É, é! Tanto faz, enfim, seu "Mestre" provavelmente não gostaria de você arranjando confusões sem motivo, não é? Ele nem deve saber que você está aqui.
- ...
- E entã...
A agarrei pelos cabelos e puxei com toda a minha força.
- Caso conte a alguém o que foi dito aqui, te cortarei no meio como um pedaço de carne, e não hesitarei em usar sua própria foice da morte no processo. Entendidos?
Seu rosto ficou completamente vermelho.
- S-Seby, eu farei o que você quiser!
- Pervertido.
- EI! - Soltei seus cabelos e ela logo fez um chilique. - "Pervertida", com "a"! Hm!
- Vamos acabar logo com isso. Conhece a árvore dos enforcamentos?
- Oh, óbvio que conheço! Fica por aqui, não é?
- Me acompanhe.
- ISSO! D-digo, claro, queridinho.
- Por favor, pare de me chamar de "querido".
- Ow, estou te deixando sem graça com meu charme, querido?
Eu preferiria voltar ao último círculo do inferno do que continuar com isso.
[...]
- Chegamos.
- Oh, eu nunca canso de ver essa árvore! É tão linda! Os galhos tão tortos de tantos que se enforcaram aqui! Não soa romântico?
- Vamos direto ao assunto.
- Uh, direto e reto, gostei. Vamos, sou toda ouvidos pra você!
Tão repugnante...
- Os Shinigamis tem estudos demonológicos, certo?
- Uhum!
- E por que?
- Ora, vocês são quase como nossos oponentes! Nós temos que coletar almas, mas vocês as devoram! Somos opostos...hm, como Romeu e Julieta!
Eu posso ignorar.
- O quanto você sabe sobre o assunto?
- O quanto você puder imaginar.
- Entendo...se for assim, gostaria de entender algumas questões.
- Como?
- Relações entre demônios e seres humanos. Como isso nos afeta?
- Ah? Como assim?
- Você realmente é tão lenta para entender as coisas?
- Suas perguntas são muito vagas! Eu não tenho culpa!
Céus...
- Pense de forma hipotética no que vou te dizer.
[...]
- UH, UH! EU ENTENDI!
Depois de uma longa hora de explicações ela dá gritos invasivos. Tão escandalosa, barulhenta.
- Entendeu mesmo?
- Sim! William já falou sobre relações humanas e demoníacas algumas vezes, - Ela andou até alguma lápide, se sentando em cima. - e ele já falou muito sobre essa situação que você descreveu! Hm...como ele chamava mesmo? Ah! Era "Signa animae".
- Signa animae? "Sintomas da alma" em latim.
- Uhum! Querido, é muito óbvio, muito claro! Isso é o pesadelo de qualquer demônio devorador de almas! Experimentar almas humanas por milênios e mais milênios, das mais amargas e mais doces, bondosas e malignas, vocês devoram vidas, histórias e emoções também. E bom, todos os Shinigamis sabem que um efeito colateral do consumo de muitas almas é... - Ela revirou os olhos, como se descrevesse algo complicado. - o vislumbre de emoções humanas.
Um choque percorreu meu corpo.
- O que?
- Pois é! - Ela desceu da lápide. - É algo que não vocês deveriam sentir, e olha, dizem que doi. Principalmente quando se apegam a algo ou alguém.
- Pensando melhor, estou certo de que já ouvi sobre isso antes. Mas...achei que não passasse de um mito.
- Você acha que nós enchemos o saco só porque ter vocês comendo almas por aí atrapalha o trabalho? Certo...atrapalha bastante, mas é claro que temos mais motivos! Um demônio com vislumbre de emoções humanas costuma ser um problema enorme!
- Já aconteceu antes?
- Ahm...não sei dizer direito, mas aparentemente, sim. Não presenciei nada assim desde que me tornei shinigami, é algo bem raro. Mas, alguns pouquíssimos Shinigamis mais antigos e velhos dizem já ter visto um caso. É bem difícil de acontecer. A maioria diz que a chance aumenta dependendo do tempo de vida do demônio e quantas almas devorou desde então. A maioria não devora o suficiente pra chegar a esse ponto, sabe! Geralmente vocês são apagados da existência antes, sendo mortos por nós em brigas e essa coisa toda, antes que possa chegar a esse ponto. Além disso, quando, e se acontece, os sentimentos ficam adormecidos dentro da besta, e algo precisa aflorá-los pra que eles apareçam. É como se você possuísse uma doença adormecida, que precisa de alguma coisa pra acordar e começar a te matar!
Só fazem trezentos anos, desde que comecei a ser mais seletivo com o que gostaria de devorar...
Antes, eu não tinha o mínimo critério. Era o primeiro que aparecesse, que exalasse qualquer cheiro a poucos quilômetros de mim. Homem, mulher, criança, criminoso, rei ou padre. Absolutamente todos.
- Mas, enfim, veio aqui tagarelar sobre a sua espécie ou tem algo...a mais? Hm? Em, Sebby? Uma mulher como eu gosta de encontros mais agitados!
- Almas, emoções humanas, tempo de vida... - Balancei a cabeça, em negação. - me diga, existem outros sintomas?
- Tsc! Não, q-quer dizer, não sei dizer, querido! E, que diabos em?! Por que você estaria tão, tão, tão interessado em... - Ela arregalou os olhos. - ai, meu DEUS. Você, Seby p-por acaso você está...
- Obrigado pelo seu tempo.
- E-EI! ESPERA!
Dei as costas e sai, rapidamente.
Me senti caindo de um penhasco.
Em choque.
Não pode ser real.
[...]
Emoções humanas, vislumbre de emoções humanas.
"Quando e se acontece, os sentimentos ficam adormecidos dentro da besta, e algo precisa aflorá-los pra que eles apareçam..."
Algo precisa aflorá-los.
"Recebemos um novo currículo, Bocchan."
"Jogue-o fora, com os outros."
"Bem, se me permite dizer, este me parece promissor."
"Você, dizendo isso?"
"As habilidades e a experiência descritas são interessantes. Acredito que, ao menos este, valha a pena ser avaliado."
"Nomes, Sebastian."
"É uma mulher. Chama-se..."
Senhorita Amelia.
Foi ela.
Ela é a causa de tudo isso.
CRACK!
Afundei minha mão no tronco da árvore ao meu lado.
CRACK!
Afundei, com mais força, a derrubando.
CRACK!
Fiz o mesmo com outra, atrás de mim.
CRACK!
CRACK!
CRACK!
Comecei a derrubar. Uma por uma. Sem parar.
Estava com ódio. Profundo ódio.
A forma como a romantizei, como apreciei seus detalhes, como dei moral a suas qualidades e me interessei de sua carne até os interiores de seu ser. Os limites foram completamente extrapolados e destruídos. Até então, era divertido, mas, eu me deixei levar.
Me deixei ser mais fraco.
Me condenei a pior das piores condições que um demônio pode ser posto.
Se eu permitir que continue, a importância que ela adquiriu vai crescer cada vez mais, eu vou controlar cada vez menos, será ainda mais perigoso.
Minhas funções como servo, minhas funções com o contrato e como protetor, ela pode atrapalhar tudo.
Isso precisa ter um fim.
Antes que seja tarde.
Antes que ela se torne minha principal ruína.
*
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